Novo CPC

Comentários ao Novo CPC – Art. 30 e art. 31

Neste 19º comentário, abordaremos a questão da competência funcional, mais uma vez fazendo uso do recurso do quadro comparativo.



CPC VIGENTE

NOVO CPC

Seção II

Da Competência
Funcional

Seção III

Da competência funcional

Art. 93. Regem a
competência dos tribunais as normas da Constituição da República e de
organização judiciária. A competência funcional dos juízes de primeiro grau é
disciplinada neste Código.

Art. 30. A competência funcional dos
juízos e
tribunais é regida pelas normas da Constituição da República e de
organização judiciária, assim como, no que couber, pelas normas das Constituições
dos Estados
.

Parágrafo único. É do órgão especial, onde
houver, ou do tribunal pleno a competência para decidir incidente de
resolução de demandas repetitivas.

Art. 92. Compete,
porém, exclusivamente ao juiz de direito processar e julgar:

I – o processo de
insolvência;

II – as ações
concernentes ao estado e à capacidade da pessoa.

Art. 31. Correndo o processo perante
outro juízo, os autos serão remetidos ao juízo federal competente, se nele
intervier a União ou suas autarquias, empresas públicas e fundações de
direito público, na condição de autoras, rés ou assistentes, exceto:

I – os processos de insolvência;

II – as causas de falência e de acidentes de
trabalho;

III – as causas sujeitas à Justiça Eleitoral e
à Justiça do Trabalho;

IV – os casos previstos em lei.

A competência em razão da função é um dos quatro
parâmetros para a fixação da competência interna, como já visto anteriormente.

Não há consenso, nem na lei e nem na doutrina
acerca da definição precisa e dos limites deste parâmetro.

Em nosso entendimento, quando falamos em
critério funcional, estamos nos referindo a um órgão do Poder Judiciário que se
torna competente para examinar aquela providência judicial em razão de um
comando legal específico que o reputa mais preparado ou adequado para conhecer
de alguma providência relativa àquele litígio.

Os exemplo clássico é a competência do juiz que
deferiu a cautelar para examinar a ação principal a ser proposta, em obediência
aos termos do art. 806 do CPC.

Antes da reforma imposta pela Lei nº 11.232/05
havia a competência do juiz da ação de conhecimento para conhecer do processo
de execução daquele título judicial. Como agora tudo se dá na mesma estrutura
(cognição e cumprimento, numa dimensão sincrética), não há mais razão para
explorar essa situação.

Mas mesmo assim, temos hoje uma circunstância
que exemplifica bem a questão funcional, e que foi expressamente tratada pela
própria Lei nº 11.232/05.

Me refiro a três títulos executivos judiciais
que são produzidos em um juízo, mas devem ser cumpridos em outro. É o caso da
sentença penal condenatória, da sentença arbitral (que neste caso, para a
corrente majoritária, não é produzido em um juízo propriamente dito, mas sim
num Tribunal Arbitral) e da sentença estrangeira homologada pelo STJ e que
necessita ser executada em território nacional.

Nesses três casos há um rompimento determinado
pelo legislador quanto à regra geral de se manter o processo no mesmo juízo que
examinou a fase anterior.

Na hipótese da arbitragem, foi intenção do
legislador não conferir o poder da auto-executoriedade aos árbitros, ou seja,
em não sendo voluntariamente comprida aquela decisão arbitral, a parte
interessada deve procurar o Poder Judiciário e viabilizar o cumprimento, nos
termos do art. 475-N, parágrafo único, promovendo, neste caso, a citação do
executado.

Quanto à sentença penal condenatória, não
poderia o juiz criminal exercer tal atividade sob pena de violar o critério de
distribuição material da competência, salvo, obviamente, nas comarcas pequenas,
nas quais haja um juízo único. Uma exceção que poderia ser pensada é o
caso dos juízos que acumulam competência civil e criminal para determinada
matéria, de acordo com as normas locais de organização judiciária. Assim, nada
impede, por exemplo, que num determinado Estado haja um Juizado da Violência
Doméstica que acumule ambas as matérias, com o objetivo de facilitar o acesso à
justiça da vítima. Também poderíamos pensar num juizado especial que acumulasse
as pequenas causas cíveis e as infrações de menor potencial ofensivo.

Finalmente, as sentença estrangeiras são apenas
homologadas no STJ. A eventual atividade executiva fica a cargo do Juiz Federal
competente por distribuição no local do cumprimento, a teor do que dispõe o
art. 109, inciso X da Carta de 1988.

Quando se fala em competência pela função,
muitas vezes se fala paralelamente em juízo prevento. Apesar dos termos serem
próximos, não são sinônimos.

No critério funcional, aquele juízo já examinou
um processo, ou ao menos uma medida anterior, e, agora, é chamado a se
manifestar novamente. Como já está inteirado do caso, é mais fácil para ele
exercer a cognição e julgar. Seria custoso e desnecessário, provocar um outro
juízo, que precisaria começar do zero, ler tudo de novo. Isso vulneraria os
princípios da celeridade e da economicidade.

Por outro lado, pode ocorrer que o legislador
determine que o mesmo processo seja examinado por juízos diversos, em momentos
distintos, eis que cada um, a seu tempo, tem melhores condições de conduzir
aquela etapa.

A expressão juízo prevento, por sua vez, se
refere a um juízo que está exercendo a cognição sobre uma causa e acaba
atraindo para si outra ou outras ações conexas ou em situação de continência.

Na linguagem forense, há uma certa confusão
entre os termos. É comum ouvir que o juízo está prevento para examinar a ação
de revisão de alimentos, eis que já havia julgado a ação principal, ou que o
relator está prevento para julgar a apelação pois já julgou o agravo.
Preferimos dizer que nesses dois casos, o legislador usou o critério funcional
para determinar aquela competência.

Feito
esse intróito, examinaremos, a seguir, os artigos 30 e 31 do Projeto.

No primeiro dispositivo, chama a atenção a
inserção expressa da Constituição dos Estados como fonte normativa criadora e
disciplinadora da competência funcional. Em verdade, o STF vem prestigiando,
com alguns limites, a autonomia do Constituinte Estadual. A redação deste
dispositivo consagra esse entendimento, até mesmo porque, em algumas situações,
tanto a Carta Federal, como o CPC preferem deixar certa margem de independência
para que as questões possam ser adaptadas às peculiaridades de cada local. Não
devemos nos esquecer que somos um país de dimensões continentais.

O parágrafo único desse art. 30 disciplina o
novo instituto do “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas”,
tratado a partir do art. 895 do Projeto, criando mais uma regra de reserva de
plenário, na esteira do art. 97 da Constituição Federal.

Finalmente, o art. 31 inova em relação ao texto
atual, ao tratar do incidente de remessa dos autos à Justiça Federal.

O legislador prestigia o entendimento que hoje
predomina no STJ. Me refiro ao fato de surgir no curso do processo uma notícia
de eventual interesse da União. O juiz estadual deve remeter os autos ao
federal, pois somente este poderá aferir se está ou não configurado tal
interesse. Daí a redação utilizada (Correndo o processo perante outro juízo,
os autos serão remetidos ao juízo federal competente, se nele intervier a União
). Está claro que o juiz estadual não pode usar seus critérios para
aferir se há ou não interesse da União. A simples intervenção gera a remessa ao
âmbito federal.

Ficam, por outro lado, ressalvados, e, portanto,
continuam na órbita estadual, as hipóteses de insolvência, falência, acidente
de trabalho, matéria eleitoral e trabalhista, além de uma autorização genérica
(demais casos previstos em lei).

Mesmo correndo o risco de ser formalista, me
parece complicado que a norma infraconstitucional excepcione norma
constitucional (art. 109 da Carta) que disciplina a competência federal, sobretudo
quando há no Projeto uma autorização genérica, que permite a criação de outras
hipóteses que irão, direta ou indiretamente, afastar a competência dos juízos
federais.

Isso, a meu ver, se justificaria, se no art. 109
da CF houvesse norma que permitisse que o CPC disciplinasse hipóteses de não
aplicação da competência federal.

Talvez fosse melhor que a parte final deste art.
31 viesse por Emenda Constitucional, evitando que o CPC corra o risco de pecar
por invadir a esfera constitucional.

*Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Promotor de Justiça no RJ. Professor Adjunto de Direito Processual Civil na UERJ e na UNESA. Acesse: http://humbertodalla.blogspot.com

Como citar e referenciar este artigo:
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Comentários ao Novo CPC – Art. 30 e art. 31. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/novo-cpc/comentarios-ao-novo-cpc-art-30-e-art-31/ Acesso em: 22 nov. 2024
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