Por Patricia Stefoni Fernandes[1]
Resumo
Em uma República como o Brasil que, sobretudo a partir da promulgação da CRFB/1988, constituiu-se em Estado Democrático de Direito, o titular do poder soberano é o povo, em razão do que, o poder em si é uno, não se dividindo.
No entanto, para o melhor e mais efetivo exercício deste poder soberano, a democracia representativa, ou até mesmo participativa (no caso do Brasil), mostra-se uma fórmula mais razoável de organização da sociedade. E mais, ainda em nome daquela efetividade do poder, a sua unidade há que ser apresentada de maneira a entregar determinada parcela do todo a uma entidade responsável por sua materialização. Foi essa a teoria pensada pelo Barão de Montesquieu, a teoria da Separação/Tripartição dos Poderes.
No Brasil, a outorga do “poder-dever” do exercício daquela parcela do poder soberano a cada um dos poderes, está consagrada no texto constitucional em seu artigo 2º, razão pela qual são chamados de “poderes constituídos”[2] prevendo que: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Pois bem, encontramos neste dispositivo, além da separação dos poderes, a teoria criada pelos norte americanos, “check and balances”[3] , por meio da qual, para o doutrinador Bernardo Gonçalves, cada uma das funções do Estado passou a realizar funções típicas de sua natureza e, além destas, funções atípicas, fiscalizando e limitando a ação dos outros poderes.
Ocorre que, embora as teorias e os conceitos jurídicos a serem tratados tenham sido pensados em um contexto social absolutamente dissociado do que hoje vivenciamos, os métodos de interpretação[4] sociológico e teleológico combinados, nos ensinam que o aplicador do direito deve buscar adequar o teor dos institutos em análise e as normas que os permeiam aos tempos atuais, de modo a atender os fins sociais e o bem comum.
E é neste contexto que procuraremos tratar no próximo tópico, das funções típicas e atípicas do Poder Judiciário, buscando entender como as competências constitucionalmente a ele outorgadas podem se harmonizar com as novas e complexas relações que se colocam na sociedade atual, sobretudo diante das inovações tecnológicas, sem que a sua essência se desvaneça em meio aos avanços do século XXI.
Abstract
In a Republic such as Brazil, which, especially since the enactment of the CRFB / 1988, constituted itself in a Democratic State of Right, the holder of sovereign power is the people, because of which, the power itself is one, dividing.
However, for the best and most effective exercise of this sovereign power, representative or even participatory democracy (in the case of Brazil), is a more reasonable formula for the organization of society. Moreover, even in the name of that effectiveness of power, its unity must be presented in such a way as to deliver a certain portion of the whole to an entity responsible for its materialization. This was the theory devised by the Baron de Montesquieu, the theory of Separation / Tripartition of Powers.
In Brazil, the granting of the “power-duty” of exercising that portion of sovereign power to each of the powers is enshrined in the constitutional text in its article 2, reason why they are called “constituted powers” providing that ” of the Union, independent and harmonious among themselves, the Legislative, the Executive and the Judiciary. “
Well, we find in this device, in addition to the separation of powers, the theory created by the North Americans, “check and balances”, through which, for the lecturer Bernardo Gonçalves, each of the functions of the State began to perform functions typical of its nature and, in addition to these, atypical functions, supervising and limiting the action of other powers.
It occurs that, although the theories and legal concepts to be treated have been thought in a social context completely dissociated from what we are experiencing today, the methods of sociological and teleological interpretation combined teach us that the law enforcer should seek to adjust the content of the institutes in analysis and the norms that permeate them to the present times, in order to serve the social ends and the common good.
And it is in this context that we will try to deal with the typical and atypical functions of the Judiciary in the next topic, trying to understand how the competences conferred by it can harmonize with the new and complex relations that are placed in today’s society, especially in the face of technological innovations , without its essence disappearing amid the advances of the 21st century.
Palavras-Chave: Poder Judiciário. Princípio da Eficiência. Justiça. Ciências Tecnológicas.
Keywords: Judiciary. Principle of Efficiency. Justice. Technological Sciences.
Poder Judiciário
A Tripartição dos Poderes, inserta no art. 2º da CF/88, é um princípio fundamental para a constituição de um Estado Democrático de Direito. Não nos olvidando desta premissa, nos cabe reafirmar mais uma: o poder é uno e todo ele “emana do povo” (art.1°, parágrafo único, CRFB). Deve, a estruturação do Estado, então, ser planejada e efetivada de modo a observar ambas as premissas mencionadas.
Paralelamente, segundo as sábias palavras de Luiz Wernek Vianna, dos três poderes constituídos, é o Poder Judiciário que tem sido o protagonista atual da história das sociedades:
“Neste meio século que nos distancia do último conflito mundial, os três Poderes da conceituação clássica de Montesquieu se têm sucedido, sintomaticamente, na preferência da bibliografia e da opinião pública: à prevalência do tema do Executivo, instância da qual dependia a reconstrução de um mundo arrasado pela guerra, e que trouxe centralidade aos estudos sobre a burocracia, as elites políticas e a máquina governamental, seguiu-se a do Legislativo, quando uma sociedade civil transformada pelas novas condições de democracia política impôs a agenda de questões que diziam respeito à sua representação, para se inclinar, agora, para o chamado Terceiro Poder e a questão substantiva nele contida – Justiça”[5].
Isso porque, quando voltamos um pouco na história verificamos que os Poderes Executivo e Legislativo, embora sejam ambos – e apenas eles – diretamente eleitos pelo povo, nem sempre espelharam o teor do parágrafo único do art. 1° da CF/88, no sentido de que seria por meio deles – representantes eleitos – que o povo exerceria o poder de que é titular.
E não é só, a própria ordem constitucional de 1988, quando trouxe a dignidade da pessoa humana como fundamento da República (art. 1°, III CRFB), quando deu novos status aos direitos individuais, ao mesmo tempo em que ampliou os direitos difusos e coletivos fez com que a judicialização de questões antes não absorvidas pelo Poder Judiciário aumentasse significativamente. Em outras palavras, quanto mais direitos, maior será a judicialização de conflitos.
Este cenário, sem dúvida, direcionou os olhos do povo ao Poder Judiciário, fomentando o protagonismo de que falamos há pouco. Ora, é a função exercida pelo Judiciário que tem o “poder/dever” de entregar ao indivíduo (integrante do povo) a prestação protetiva contra violações de direitos seus. Se um do povo viola o direito do outro, o Estado, por meio do Poder Judiciário tem de dizer “de quem é o direito”. Se o Estado, viola (quer por ação, quer por inação) um direito do indivíduo, o Poder Judiciário tem de dizer “de quem é o direito”. Se um indivíduo viola um direito do Estado, igualmente, o Estado tem de dizer “de quem é o direito”.
É evidente, neste contexto, que ao Poder Judiciário cabe uma árdua tarefa, a de se aproximar, em suas atividades, do conceito de Justiça, sobre o que falaremos mais adiante.
Por ora, é importante entendermos que, uma vez provocado por alguém do povo – titular do Poder que é uno – na condição de Poder Constituído pela vontade daquele titular, o Judiciário tem de ter liberdade e condições de se manifestar de modo a efetivar um direito posto por qualquer um dos outros dois “Poderes”.
Aqui, contudo, é importante fazer um parêntese para deixar claro que isso não significa que defendemos que os integrantes do Poder Judiciário devam julgar a seu bel prazer com base em suas ideologias e opiniões pessoais – sem atentarem-se às normas formadoras do ordenamento jurídico – dizendo arbitrariamente o que entendem “ser o direito” aplicado a casos concretos.
Significa unicamente que, cabe ao Poder Judiciário entregar ao titular do direito violado, ou não efetivado, a materialização deste direito, de maneira eficiente, porém, justa cumprindo, assim, a sua função mais típica. É o que, mais do que nunca, se espera desta parcela da estrutura do Estado.
Nesta esteira, e considerando que o presente século tem sido marcado por questões complexas como as inovações tecnológicas, a exemplo da criação e legalização de certificados e assinaturas digitais, e até de robô que, em tese, exerce as funções de um jurista, trataremos dos conceitos de justiça e eficiência, e de como estes conceitos se harmonizam com as novas relações sociais, que cada vez mais vêm ganhando campo nas atividades do Poder Judiciário.
Conceitos de Eficiência e Justiça
O termo “eficiência”, oriundo da linguagem natural, ou seja, não específico de nenhuma ciência, de acordo com o dicionário significa “virtude ou característica de (alguém ou algo) ser competente, produtivo, de conseguir o melhor rendimento com o mínimo de erros e/ou dispêndios”.
Acompanhando a semântica do termo, quando adotado pela ciência do direito, inicialmente pelo Direito Administrativo, eficiência significa juridicamente, segundo Hely Lopes Meirelles, citado por Paulo Modesto[6] “o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo – o princípio da eficiência (grifamos) – resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”. Segundo o mesmo autor, o princípio da eficiência impõe que todo agente público deve realizar as suas atribuições com presteza, precisão, perfeição e rendimento funcional. Para Hely Lopes Meirelles, o dever de eficiência corresponde ao “dever de boa administração” da doutrina italiana”.
Assim, no nosso sentir, o princípio da eficiência é dirigido ao Estado, em primeiro lugar, em todas as suas atitudes e significa que tais ações devem ser tomadas com agilidade (sem procrastinação) e presteza (com a imediatidade que o caso exigir), buscando atingir o bem comum.
Paralelamente a este conceito – e complementado-o – caminha o conceito de Justiça, que não é simples de ser determinado. Nos dizeres de Tercio Sampaio Ferraz Jr[7], “Aristo?teles via a justic?a como virtude, portanto como ac?a?o que aperfeic?oa a conduta (natural) do homem na busca do Bem que lhe e? pro?prio, em particular daqueles bens que te?m a ver com a convive?ncia e em que o excesso (hybris) deve ser evitado. A justic?a como virtude tem, pois, a ver com a ac?a?o de retribuir e seus correlatos: atribuir, distribuir.”.
Embora possam ser diversos os conceitos de Justiça – e de fato são – o que mais se adapta ao tema do presente trabalho, no nosso sentir, é aquele oriundo dos pensamentos de Aristóteles – que não ousamos aqui aprofundar – cuja essência se vincula à busca da felicidade.
É assim que, convergindo os conceitos de Eficiência e Justiça, entendemos que o Judiciário é a parcela de exercício das funções estatais que mais se vincula a estes termos. Não que Legislativo e Executivo não devam a eles absoluta obediência, mas ao final das relações, acaso esta obediência não seja observada, é o Judiciário quem deverá se manifestar não havendo ações posteriores que alterem as suas.
Importante deixar claro que, a nosso ver, Justiça, aplicada ao Poder Judiciário, não significa “a decisão perfeita”, até porque uma única decisão não será vista como perfeita pelas duas partes contendentes. Decisão justa é aquela que procura espelhar com a maior fidelidade possível a realidade, de forma a prestar a tutela jurisdicional tendo sido atendidos todos os princípios e institutos regentes dos fatos que envolvem o caso concreto.
Diante disso, Eficiência e Justiça no Poder Judiciário do Século XXI, são temas que ganham relevo diante do desenvolvimento da sociedade atual e suas inovações tecnológicas. E é nestes conceitos, entre outros correlatos, que entendemos devam ser pautadas as decisões judiciais, a fim de que a pacificação social possa atingir a sua plenitude.
Conclusão
O poder é uno e todo ele emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da CF/88. Com esta previsão o art. 1º da CRFB, em seu parágrafo único, deixa certo que a tripartição de poderes pensada por Montesquieu se explica por uma questão estrutural e não essencial, do próprio Poder.
Neste contexto vimos as funções típicas e atípicas do Poder Judiciário, buscando entender como as competências constitucionalmente a ele outorgadas podem se harmonizar com as novas e complexas relações que se colocam na sociedade atual, sem que a essência do Poder Judiciário se desvaneça em meio aos avanços do século XXI.
E, considerando que o presente século tem sido marcado por questões complexas como as relacionadas às inovações tecnológicas, a exemplo da criação e legalização de certificados e assinaturas digitais, e até de robôs que, em tese, exercem as funções de um jurista, entendemos que os conceitos de justiça e eficiência devem se harmonizam com as novas relações sociais, que cada vez mais vêm ganhando campo nas atividades do Poder Judiciário.
Diante de tudo isso, pois, é que concluímos que a eficiência e a justiça no Poder Judiciário do Século XXI, são temas que ganham relevo e é nestes conceitos, entre outros correlatos, que entendemos devam ser pautadas as decisões judiciais, a fim de que a pacificação social possa atingir a sua plenitude.
Referências
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https://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/mono/article/viewFile/1457/1420
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2033/1172
https://www.infomoney.com.br/negocios/inovacao/noticia/6757258/primeiro-robo-advogado-brasil-lancado-por-empresa-brasileira-conheca.
[1] Graduada pela PUC-SP em 2007. Advogada.Especialista em Processo do Trabalho pela COGEAE/PUC-SP. Mestranda em Direito Constitucional pela PUC-SP.
[2] Segundo a doutrina de Paulo Gustavo Gonet Branco “Poder constituinte originário é a força política consciente de si que resolve disciplinar os fundamentos do modo de convivência na comunidade política … o povo, titular do poder constituinte originário, apresenta-se não apenas como o conjunto de pessoas vinculadas por sua origem étnica ou pela cultura comum, mas, além disso, como um grupo de homens que se delimita e se reúne politicamente, que é consciente de si mesmo como magnitude política e que entra na história atual como tal.” Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2014. E, partindo deste ensinamento, temos a lição de Alexandre de Moraes que nos mostra que “A Constituição Federal, visando, precipuamente, evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos Poderes do Estado … independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais e prevendo prerrogativas e imunidades para que bem pudessem exercê-las, bem como criando mecanismos de controle recíprocos, sempre como garantia de perpetuidade do Estado Democrático de Direito.” São os “três poderes” constituídos pela Constituição Federal.
[3] Fernandes, Bernardo Gonçalves, pg. 304 Curso de Direito Constitucional / Bernardo Gonçalves Fernandes – 9. Ed. rev. ampl. e atual. – Salvador : Jus PODIVM, 2017.
[4]Segundo o Prof. Bernardo Gonçalves (idem nota 1) “Interpretação Histórico-evolutiva e Sociológica: … Já, no que concerne ao levantamento das condições atuais (interpretação sociológica), deve-se buscar o comportamento das instituições sociais no contexto em que tais fatos previstos pela norma ocorrem”… Interpretação Teleológica … busca-se identificar quais são os fins considerados como importantes…”.
[5] http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2033/1172
[6] https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/viewFile/328/334
[7] PISSARRA, Maria Peres, FABBRINI, Ricardo (coordenadores). Direito e Filosofia : A Noção de Justiça na História da Filosofia. Atlas, 10/2007. [Minha Biblioteca].