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STJ, AÇÃO PENAL Nº 226 – SP (2002/0165317-8), Relator Ministro Luiz Fux , Julgado em 10/08/2007

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AÇÃO PENAL Nº 226 – SP (2002/0165317-8)

R E L ATO R : MINISTRO LUIZ FUX

REVISOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

A U TO R : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU : DELVIO BUFFULIN

ADVOGADO : PAULO SÉRGIO LEITE FERNANDES E

OUTRO(S)

EMENTA

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CONSTRUÇÃO DO TRT DE

SÃO PAULO. DELITOS PREVISTOS NOS ARTS. 315 e 319 DO

CÓDIGO PENAL ATINGIDOS PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO

PUNITIVA. PERSECUÇÃO PENAL VOLTADA PARA

O ART. 92 DA LEI 8.666/93. PRELIMINARES AFASTADAS.

DENÚNCIA QUE NÃO LOGROU PROVAR O DOLO NO ELEMENTO

SUBJETIVO DO TIPO, NECESSÁRIO À CONFIGURAÇÃO

DE CRIME LICITATÓRIO. CONDUTA VISANDO

TÃO-SOMENTE A CONCLUSÃO DO EMPREENDIMENTO.

IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL.

1. Ação penal originária veiculando as condutas descritas nos arts.

315 e 319 do Código Penal c/c art. 92 da Lei de Licitações e

Contratos da Administração Pública.

2. Consumação da prescrição da pretensão punitiva quanto aos delitos

previsto no Código Penal e persecução penal tão-somente voltada

para o art. 92 da Lei 8.666/93.

3. A suspensão condicional do processo afastada e não oferecida na

oportunidade da denúncia, exige o preenchimento de requisitos legais,

dentre os quais a pena cominada em abstrato para cuja verificação

influi os institutos do concurso de crimes e de crime continuado,

mercê de a jurisprudência do Tribunal não conferi-la a quem seja

imputado em outros processos em trâmite pela Corte. Nulidade inocorrente

(precedentes: HC 40780 – SP, Relator Ministro GILSON

DIPP, Quinta turma, DJ de 13 de junho de 2005; REsp 623.587 – RS,

Relator Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Quinta Turma,

DJ de 22 de novembro de 2004; RHC 18.382 – RS, Relator Ministro

GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ de 05 de maio de 2006; REsp

712.022 – RS, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta turma, DJ

de 23 de maio de 2006.

4. A inépcia da denúncia pressupõe a descrição anômala da conduta

de sorte a inviabilizar a defesa do imputado, fato inocorrente, porquanto,

além da indicação dos fatos conducentes à tipificação do

delito, propiciou ampla defesa na qual houve impugnação específica

da inexistência de favorecimento à licitante, bem como da inexistência

de desvio de verbas em proveito próprio (precedentes: HC

85.631 – PI, Relator Ministro CARLOS VELLOSO, Segunda Turma,

DJ de 24 de fevereiro de 2006; Inq 1.937 – DF, Ministro JOAQUIM

BARBOSA, Tribunal Pleno, DJ de 27 de fevereiro de 2004; HC

31.711 – SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ

de 01º de julho de 2004).

5. O tipo previsto no artigo 92 da Lei 8.666/93 reclama dolo genérico,

inadmitindo culpa ou dolo eventual posto dirigido ao administrador

desonesto e não ao supostamente inábil. É que a intenção

de desviar e favorecer são elementos do tipo, consoante a jurisprudência

da Corte. Nesse sentido, concluiu o colegiado que:

AÇÃO PENAL. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. LICITAÇÃO. AUSÊNCIA.

REQUISITOS LEGAIS. ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93.

1. Ausentes elementos mínimos de prova capazes de configurar a

presença do tipo do art. 89 da Lei nº 8.666/93, que requer o dolo,

não há como dar início à ação penal.

2. Denúncia rejeitada. (APn 281 – RR, Relator Ministro CARLOS

ALBERTO MENEZES DIREITO, Corte Especial, DJ de 23 de maio

de 2005)

PROCESSO PENAL. LICITAÇÃO. DISPENSA. DENÚNCIA. REJEIÇÃO.

FALTA DE JUSTA CAUSA.

1. O entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça é no

sentido de que o crime do art. 89 da Lei 8.666, de 1993, somente é

punível quando produz resultado danoso ao erário.

2. Cabe realçar ainda que uma vez atestada a regularidade das

contas e, ipso facto, da gestão, nela incluídas as transações envolvendo

a necessidade ou dispensa de licitação, sob o elusivo

prisma do art. 89, não haverá justa causa para ação penal, quando

nada, pela ausência do elemento mínimo culpabilidade que viabiliza

seja alguém submetido a um processo criminal, dada a falta de

probabilidade ainda que potencial de uma condenação. Não se pode

deir de lado o entendimento de que somente a intenção dolosa, tem

relevância para efeito de punição.

3. Denúncia rejeitada. (APn 375 – AP, Relator Ministro FERNANDO

GONÇALVES, Corte Especial, DJ de 24 de abril de 2006).

6. Deveras, a doutrina não discrepa do referido entendimento; senão,

vejamos:

No caput o elemento subjetivo é o dolo genérico, consistente na

vontade livre e consciente em admitir, possibilitar ou dar causa a

qualquer modificação ou vantagem ilegais em favor do contratado. O

autor do crime deverá estar consciente da ilegalidade do seu comportamento.

Assim também é o dolo no caso do parágrafo único. O

contratado concorre livre e consciente para a modificação ou vantagem

ilegais com o fito de obter vantagem indevida ou benefício

injusto. No cado do contratado o dolo seria, ainda, específico, pois

estaria ele com a modificação ou prorrogação visando uma vantagem

indevida ou um benefício injusto. (in Crimes na Licitação, DIOGENES

GASPARINI, Editora NDJ, 3ª Edição, págs. 120/121)

O crime não se aperfeiçoa simplesmente pela presença dos aspectos

“descumprimento da norma administrativa” e “atribuição de vantagem

indevida ao licitante. É necessário que o descumprimento da

norma administrativa seja orientado pelo intento de atribuir vantagem

indevida ao licitante. Pode-se caracterizar o crime mediante

dolo genérico nas hióetese de infração à ordem de pagamento ou ao

prazo de cinco dias. Então, a conduta do sujeito é apta, por si só, a

infringir valores jurídicos autônomos (in Comentários à Lei de Licitações

e Contratos Administrativos, MARÇAL JUSTEN FILHO,

Ed. Dialética, 10ª Edição, pág. 613)

o dolo genérico, consubstanciado na vontade consciente e livre de

admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação contratual

ou vantagem em favor do adjudicatário. Evidentemente, para que o

delito possa aperfeiçoar-se, no campo subjetivo, deverá o agente

público estar consciente da ilegalidade do que está praticando, em

detrimento do erário público e em favor do particular. Ou melhor,

deverá ter consciência de que está agindo desprovido de qualquer

autorização legal. (in Direito Penal das Licitações, PAULO JOSÉ DA

COSTA JR., Editora Saraiva, 2ª Edição, pág. 39)

Os crimes tipificados pela Lei 8.666 não admitem a modalidade

culposa; portanto, de acordo com o dispositivo geral, são sempre

dolosos. Vale dizer, o tipo subjetivo desses crimes porta sempre o

dolo, a livre, consciente e incondicionada vontade de praticar a

conduta descrita no tipo subjetivo. Mas, além do dolo, o tipo subjetivo

porta, também, intenção de intervir em uma pública licitação;

essa intenção foi remotamente considerada como dolo específico,

hoje inexistente.

No desenvolvimento da argumentação do tema que nos foi proposto

para esta ocasião, havemos de, agora, partir da consideração de

crime, ação ou omissão do homem assim considerada em virtude de

lei, conceito legal que se presta aos termos da Lei federal das licitações

e contratos da Administração Pública. são, portanto, crimes

os comportamentos humanos enquadráveis em uma das características

tipificadoras consignadas nos arts. 89 a 98 da Lei 8.666/93,

importando o nexo causal entre o agir e a sua conseqüência e a

circunstância antijurídica. (in Revista Brasileira de Ciências Criminais,

CARLOS ROBERTO M. PELLEGRINO, Editora Revista dos

Tribunais, 42º Volme, pág. 150)

7. Aditamento ao contrato antecedido de autorização do Superior

Tribunal do Trabalho, acompanhado pelo próprio MPF, que, após o

ato lavrado, em comunicado intempestivo em confronto com a data

da lavratura da escritura, interditou o negócio jurídico.

8. Deveras, o aditamento acoimado de ilegal resultou de pareceres

técnicos cuja matéria escapava ao conhecimento do imputado por

força de sua formação acadêmica, conjurando o elemento subjetivo

do tipo, mercê de não ser apontado beneficiamento direto ao réu,

senão desvio posterior atribuído a terceiro, a saber: a empreiteira.

9. O sancionamento de Tribunal de Contas não faz coisa julgada no

crime, aliás, como explicita hodiernamente a Lei de Improbidade

Administrativa (art. 21), sendo passível de revisão judicial a sua

conclusão, à luz do princípio da inafastabilidade da jurisdição. Sob

esse enfoque, o acórdão oriundo do Tribunal de Contas da União,

mercê de responsabilizar as pessoas e a empresa indicadas no relatório

pela recomposição do prejuízo, sob outro ângulo, reforça a

presunção de inocência do réu, ao assentar que aditivo calcou-se em

pareceres de perito técnico cuja especialização faltava, como evidente,

ao magistrado ora imputado.

10. A dúvida sobre se o agente atuou com dolo eventual ou culpa,

restando o delito punível tão-somente a título de dolo, na forma de

jurisprudência da Corte e da doutrina do tema, impõem a aplicação da

máxima in dubio pro reo posto decorrente dos princípios da reserva

legal e da presunção de inocência. Sob esse ângulo, a doutrina e a

jurisprudência preconizam:

No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve ser claro

como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão

algébrica. Condenação exige certeza …, não bastando a alta

probabilidade…, sob pena de se transformar o princípio do livre

convencimento em arbítrio (in RT. 619/267, sobre o escólio de CARRARA).

CRIMINAL. AÇÃO PENAL. DENÚNCIA. ADMISSIBILIDADE.

POSSÍVEL FRAUDE À LICITAÇÃO. DISPENSA DE PROCEDIMENTO

LICITATÓRIO NECESSÁRIO À CONTRATAÇÃO DE

SERVIÇO DE PUBLICIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA.

ASPECTOS DE FUNDO, LEVANTADOS NAS RESPOSTAS,

QUE NÃO PODEM SER EXAMINADOS. NECESSIDADE DE

INSTRUÇÃO PROCESSUAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO

VERIFICADA. CLASSIFICAÇÃO QUE NÃO TEM ESPECIAL

RELEVO. IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO, NA FORMA DE

JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE, INOCORRENTE.

EVENTUAL DÚVIDA QUE BENEFICIA A ACUSAÇÃO, NESTA

FASE PROCESSUAL. TEMAS A SEREM ESCLARECIDOS QUE

NÃO ENSEJAM A PRONTA DECLARAÇÃO DE IMPROCEDÊNCIA.

“VISTO”. IMPROPRIEDADE DE UM JUÍZO PRÉVIO SOBRE

SEU CONTEÚDO E VALIDADE. MOMENTO IMPRÓPRIO

PARA O EXAME DA CULPABILIDADE OU EXCLUSÃO DE

CRIMINALIDADE. SUFICIENTES INDÍCIOS DE AUTORIA

EVIDENCIADOS. AÇÃO PENAL PROPOSTA DEVIDO AO FORO

ESPECIAL DE MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL

E EX-GOVERNADOR. DENÚNCIA RECEBIDA.

(…)

VIII. Na decisão final, a dúvida beneficia o réu e, nesta fase de

recebimento da exordial, a dúvida beneficia a acusação.

(…)

XV. Denúncia recebida. (APn 195 – RO, Relator Ministro GILSON

DIPP, Corte Especial, DJ de 15 de setembro de 2003) (grifamos)

11. In casu, os autos permitem concluir que:

a) o elemento subjetivo do tipo, o dolo não se verificou, porquanto a

intenção do denunciado era a de implementar a obra que com o

decurso do tempo e os acréscimos legais fizeram com que anuísse

com o Termo Aditivo;

b) a eventual ilicitude dos laudos técnicos aos quais impunha-se ao

imputado curvar-se diante de sua incapacidade acadêmica, não contamina

o seu atuar;

c) as cautelas adotadas quer na atuação do Parquet em inquérito civil

cuja desautorização da obra não foi comunicada tempestivamente

antes da lavratura dos Termos Aditivos, quer nas constantes reuniões

técnicas, encerram atitudes incompatíveis com o atuar doloso na sua

definição científica;

d) a ausência da prova do dolo, acrescida do rastreamento do Banco

Central não apontando qualquer desvio em prol do denunciado, corroboram

a ausência de prova conducente à condenação inequívoca;

e) ad argumentandum tantum, exsurgindo dúvidas lindeiras entre a

inépcia e a culpabilidade impõe-se o afastamento da condenação, tese

superada na jurisprudência da Corte, na lei, e na doutrina;

f) a Corte Especial é firme no sentido de que: I) o dolo genérico não

é suficiente a levar o administrador à condenação por infração à Lei

de Licitações (APn 261-PB, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ

05.12.2005); II) a insuficiência da prova leva à absolvição (APn 55-

BA, Rel. p/ Acórdão Min. José de Jesus Filho, DJ 25.11.1996); “na

decisão final, a dúvida beneficia o réu e, nesta fase de recebimento

da exordial, a dúvida beneficia a acusação.” (APn 195-RO, Rel. Min.

Gilson Dipp, DJ 15.09.2003).

12. Ação Penal julgada improcedente.

ACÓRDÃO

___________________

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da CORTE
ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade,
julgar improcedente a ação penal, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Teori Albino
Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Antônio de Pádua Ribeiro, Nilson
Naves, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Cesar
Asfor Rocha, Ari Pargendler, José Delgado, Fernando Gonçalves,
Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Gilson Dipp, Hamilton
Carvalhido, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Castro Filho e
Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior
e Francisco Falcão.
O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior foi substituído pelo Sr. Ministro
Castro Filho.
Sustentaram oralmente a Dra. Cláudia Sampaio Marques, Subprocuradora-
Geral da República, e o Dr. Paulo Sérgio Leite Fernandes,
pelo réu.
Brasília (DF), 1º de agosto de 2007(Data do Julgamento).

Como citar e referenciar este artigo:
JURISPRUDÊNCIAS,. STJ, AÇÃO PENAL Nº 226 – SP (2002/0165317-8), Relator Ministro Luiz Fux , Julgado em 10/08/2007. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/jurisprudencias/stj/stj-acao-penal-no-226-sp-2002-0165317-8-relator-ministro-luiz-fux-julgado-em-10-08-2007/ Acesso em: 01 jul. 2025
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