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AÇÃO PENAL Nº 226 – SP (2002/0165317-8)
R E L ATO R : MINISTRO LUIZ FUX
REVISOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
A U TO R : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU : DELVIO BUFFULIN
ADVOGADO : PAULO SÉRGIO LEITE FERNANDES E
OUTRO(S)
EMENTA
AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CONSTRUÇÃO DO TRT DE
SÃO PAULO. DELITOS PREVISTOS NOS ARTS. 315 e 319 DO
CÓDIGO PENAL ATINGIDOS PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA. PERSECUÇÃO PENAL VOLTADA PARA
O ART. 92 DA LEI 8.666/93. PRELIMINARES AFASTADAS.
DENÚNCIA QUE NÃO LOGROU PROVAR O DOLO NO ELEMENTO
SUBJETIVO DO TIPO, NECESSÁRIO À CONFIGURAÇÃO
DE CRIME LICITATÓRIO. CONDUTA VISANDO
TÃO-SOMENTE A CONCLUSÃO DO EMPREENDIMENTO.
IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL.
1. Ação penal originária veiculando as condutas descritas nos arts.
315 e 319 do Código Penal c/c art. 92 da Lei de Licitações e
Contratos da Administração Pública.
2. Consumação da prescrição da pretensão punitiva quanto aos delitos
previsto no Código Penal e persecução penal tão-somente voltada
para o art. 92 da Lei 8.666/93.
3. A suspensão condicional do processo afastada e não oferecida na
oportunidade da denúncia, exige o preenchimento de requisitos legais,
dentre os quais a pena cominada em abstrato para cuja verificação
influi os institutos do concurso de crimes e de crime continuado,
mercê de a jurisprudência do Tribunal não conferi-la a quem seja
imputado em outros processos em trâmite pela Corte. Nulidade inocorrente
(precedentes: HC 40780 – SP, Relator Ministro GILSON
DIPP, Quinta turma, DJ de 13 de junho de 2005; REsp 623.587 – RS,
Relator Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Quinta Turma,
DJ de 22 de novembro de 2004; RHC 18.382 – RS, Relator Ministro
GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ de 05 de maio de 2006; REsp
712.022 – RS, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta turma, DJ
de 23 de maio de 2006.
4. A inépcia da denúncia pressupõe a descrição anômala da conduta
de sorte a inviabilizar a defesa do imputado, fato inocorrente, porquanto,
além da indicação dos fatos conducentes à tipificação do
delito, propiciou ampla defesa na qual houve impugnação específica
da inexistência de favorecimento à licitante, bem como da inexistência
de desvio de verbas em proveito próprio (precedentes: HC
85.631 – PI, Relator Ministro CARLOS VELLOSO, Segunda Turma,
DJ de 24 de fevereiro de 2006; Inq 1.937 – DF, Ministro JOAQUIM
BARBOSA, Tribunal Pleno, DJ de 27 de fevereiro de 2004; HC
31.711 – SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ
de 01º de julho de 2004).
5. O tipo previsto no artigo 92 da Lei 8.666/93 reclama dolo genérico,
inadmitindo culpa ou dolo eventual posto dirigido ao administrador
desonesto e não ao supostamente inábil. É que a intenção
de desviar e favorecer são elementos do tipo, consoante a jurisprudência
da Corte. Nesse sentido, concluiu o colegiado que:
AÇÃO PENAL. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. LICITAÇÃO. AUSÊNCIA.
REQUISITOS LEGAIS. ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93.
1. Ausentes elementos mínimos de prova capazes de configurar a
presença do tipo do art. 89 da Lei nº 8.666/93, que requer o dolo,
não há como dar início à ação penal.
2. Denúncia rejeitada. (APn 281 – RR, Relator Ministro CARLOS
ALBERTO MENEZES DIREITO, Corte Especial, DJ de 23 de maio
de 2005)
PROCESSO PENAL. LICITAÇÃO. DISPENSA. DENÚNCIA. REJEIÇÃO.
FALTA DE JUSTA CAUSA.
1. O entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça é no
sentido de que o crime do art. 89 da Lei 8.666, de 1993, somente é
punível quando produz resultado danoso ao erário.
2. Cabe realçar ainda que uma vez atestada a regularidade das
contas e, ipso facto, da gestão, nela incluídas as transações envolvendo
a necessidade ou dispensa de licitação, sob o elusivo
prisma do art. 89, não haverá justa causa para ação penal, quando
nada, pela ausência do elemento mínimo culpabilidade que viabiliza
seja alguém submetido a um processo criminal, dada a falta de
probabilidade ainda que potencial de uma condenação. Não se pode
deir de lado o entendimento de que somente a intenção dolosa, tem
relevância para efeito de punição.
3. Denúncia rejeitada. (APn 375 – AP, Relator Ministro FERNANDO
GONÇALVES, Corte Especial, DJ de 24 de abril de 2006).
6. Deveras, a doutrina não discrepa do referido entendimento; senão,
vejamos:
No caput o elemento subjetivo é o dolo genérico, consistente na
vontade livre e consciente em admitir, possibilitar ou dar causa a
qualquer modificação ou vantagem ilegais em favor do contratado. O
autor do crime deverá estar consciente da ilegalidade do seu comportamento.
Assim também é o dolo no caso do parágrafo único. O
contratado concorre livre e consciente para a modificação ou vantagem
ilegais com o fito de obter vantagem indevida ou benefício
injusto. No cado do contratado o dolo seria, ainda, específico, pois
estaria ele com a modificação ou prorrogação visando uma vantagem
indevida ou um benefício injusto. (in Crimes na Licitação, DIOGENES
GASPARINI, Editora NDJ, 3ª Edição, págs. 120/121)
O crime não se aperfeiçoa simplesmente pela presença dos aspectos
“descumprimento da norma administrativa” e “atribuição de vantagem
indevida ao licitante. É necessário que o descumprimento da
norma administrativa seja orientado pelo intento de atribuir vantagem
indevida ao licitante. Pode-se caracterizar o crime mediante
dolo genérico nas hióetese de infração à ordem de pagamento ou ao
prazo de cinco dias. Então, a conduta do sujeito é apta, por si só, a
infringir valores jurídicos autônomos (in Comentários à Lei de Licitações
e Contratos Administrativos, MARÇAL JUSTEN FILHO,
Ed. Dialética, 10ª Edição, pág. 613)
o dolo genérico, consubstanciado na vontade consciente e livre de
admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação contratual
ou vantagem em favor do adjudicatário. Evidentemente, para que o
delito possa aperfeiçoar-se, no campo subjetivo, deverá o agente
público estar consciente da ilegalidade do que está praticando, em
detrimento do erário público e em favor do particular. Ou melhor,
deverá ter consciência de que está agindo desprovido de qualquer
autorização legal. (in Direito Penal das Licitações, PAULO JOSÉ DA
COSTA JR., Editora Saraiva, 2ª Edição, pág. 39)
Os crimes tipificados pela Lei 8.666 não admitem a modalidade
culposa; portanto, de acordo com o dispositivo geral, são sempre
dolosos. Vale dizer, o tipo subjetivo desses crimes porta sempre o
dolo, a livre, consciente e incondicionada vontade de praticar a
conduta descrita no tipo subjetivo. Mas, além do dolo, o tipo subjetivo
porta, também, intenção de intervir em uma pública licitação;
essa intenção foi remotamente considerada como dolo específico,
hoje inexistente.
No desenvolvimento da argumentação do tema que nos foi proposto
para esta ocasião, havemos de, agora, partir da consideração de
crime, ação ou omissão do homem assim considerada em virtude de
lei, conceito legal que se presta aos termos da Lei federal das licitações
e contratos da Administração Pública. são, portanto, crimes
os comportamentos humanos enquadráveis em uma das características
tipificadoras consignadas nos arts. 89 a 98 da Lei 8.666/93,
importando o nexo causal entre o agir e a sua conseqüência e a
circunstância antijurídica. (in Revista Brasileira de Ciências Criminais,
CARLOS ROBERTO M. PELLEGRINO, Editora Revista dos
Tribunais, 42º Volme, pág. 150)
7. Aditamento ao contrato antecedido de autorização do Superior
Tribunal do Trabalho, acompanhado pelo próprio MPF, que, após o
ato lavrado, em comunicado intempestivo em confronto com a data
da lavratura da escritura, interditou o negócio jurídico.
8. Deveras, o aditamento acoimado de ilegal resultou de pareceres
técnicos cuja matéria escapava ao conhecimento do imputado por
força de sua formação acadêmica, conjurando o elemento subjetivo
do tipo, mercê de não ser apontado beneficiamento direto ao réu,
senão desvio posterior atribuído a terceiro, a saber: a empreiteira.
9. O sancionamento de Tribunal de Contas não faz coisa julgada no
crime, aliás, como explicita hodiernamente a Lei de Improbidade
Administrativa (art. 21), sendo passível de revisão judicial a sua
conclusão, à luz do princípio da inafastabilidade da jurisdição. Sob
esse enfoque, o acórdão oriundo do Tribunal de Contas da União,
mercê de responsabilizar as pessoas e a empresa indicadas no relatório
pela recomposição do prejuízo, sob outro ângulo, reforça a
presunção de inocência do réu, ao assentar que aditivo calcou-se em
pareceres de perito técnico cuja especialização faltava, como evidente,
ao magistrado ora imputado.
10. A dúvida sobre se o agente atuou com dolo eventual ou culpa,
restando o delito punível tão-somente a título de dolo, na forma de
jurisprudência da Corte e da doutrina do tema, impõem a aplicação da
máxima in dubio pro reo posto decorrente dos princípios da reserva
legal e da presunção de inocência. Sob esse ângulo, a doutrina e a
jurisprudência preconizam:
No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve ser claro
como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão
algébrica. Condenação exige certeza …, não bastando a alta
probabilidade…, sob pena de se transformar o princípio do livre
convencimento em arbítrio (in RT. 619/267, sobre o escólio de CARRARA).
CRIMINAL. AÇÃO PENAL. DENÚNCIA. ADMISSIBILIDADE.
POSSÍVEL FRAUDE À LICITAÇÃO. DISPENSA DE PROCEDIMENTO
LICITATÓRIO NECESSÁRIO À CONTRATAÇÃO DE
SERVIÇO DE PUBLICIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA.
ASPECTOS DE FUNDO, LEVANTADOS NAS RESPOSTAS,
QUE NÃO PODEM SER EXAMINADOS. NECESSIDADE DE
INSTRUÇÃO PROCESSUAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO
VERIFICADA. CLASSIFICAÇÃO QUE NÃO TEM ESPECIAL
RELEVO. IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO, NA FORMA DE
JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE, INOCORRENTE.
EVENTUAL DÚVIDA QUE BENEFICIA A ACUSAÇÃO, NESTA
FASE PROCESSUAL. TEMAS A SEREM ESCLARECIDOS QUE
NÃO ENSEJAM A PRONTA DECLARAÇÃO DE IMPROCEDÊNCIA.
“VISTO”. IMPROPRIEDADE DE UM JUÍZO PRÉVIO SOBRE
SEU CONTEÚDO E VALIDADE. MOMENTO IMPRÓPRIO
PARA O EXAME DA CULPABILIDADE OU EXCLUSÃO DE
CRIMINALIDADE. SUFICIENTES INDÍCIOS DE AUTORIA
EVIDENCIADOS. AÇÃO PENAL PROPOSTA DEVIDO AO FORO
ESPECIAL DE MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL
E EX-GOVERNADOR. DENÚNCIA RECEBIDA.
(…)
VIII. Na decisão final, a dúvida beneficia o réu e, nesta fase de
recebimento da exordial, a dúvida beneficia a acusação.
(…)
XV. Denúncia recebida. (APn 195 – RO, Relator Ministro GILSON
DIPP, Corte Especial, DJ de 15 de setembro de 2003) (grifamos)
11. In casu, os autos permitem concluir que:
a) o elemento subjetivo do tipo, o dolo não se verificou, porquanto a
intenção do denunciado era a de implementar a obra que com o
decurso do tempo e os acréscimos legais fizeram com que anuísse
com o Termo Aditivo;
b) a eventual ilicitude dos laudos técnicos aos quais impunha-se ao
imputado curvar-se diante de sua incapacidade acadêmica, não contamina
o seu atuar;
c) as cautelas adotadas quer na atuação do Parquet em inquérito civil
cuja desautorização da obra não foi comunicada tempestivamente
antes da lavratura dos Termos Aditivos, quer nas constantes reuniões
técnicas, encerram atitudes incompatíveis com o atuar doloso na sua
definição científica;
d) a ausência da prova do dolo, acrescida do rastreamento do Banco
Central não apontando qualquer desvio em prol do denunciado, corroboram
a ausência de prova conducente à condenação inequívoca;
e) ad argumentandum tantum, exsurgindo dúvidas lindeiras entre a
inépcia e a culpabilidade impõe-se o afastamento da condenação, tese
superada na jurisprudência da Corte, na lei, e na doutrina;
f) a Corte Especial é firme no sentido de que: I) o dolo genérico não
é suficiente a levar o administrador à condenação por infração à Lei
de Licitações (APn 261-PB, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ
05.12.2005); II) a insuficiência da prova leva à absolvição (APn 55-
BA, Rel. p/ Acórdão Min. José de Jesus Filho, DJ 25.11.1996); “na
decisão final, a dúvida beneficia o réu e, nesta fase de recebimento
da exordial, a dúvida beneficia a acusação.” (APn 195-RO, Rel. Min.
Gilson Dipp, DJ 15.09.2003).
12. Ação Penal julgada improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da CORTE
ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade,
julgar improcedente a ação penal, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Teori Albino
Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Antônio de Pádua Ribeiro, Nilson
Naves, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Cesar
Asfor Rocha, Ari Pargendler, José Delgado, Fernando Gonçalves,
Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Gilson Dipp, Hamilton
Carvalhido, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Castro Filho e
Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior
e Francisco Falcão.
O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior foi substituído pelo Sr. Ministro
Castro Filho.
Sustentaram oralmente a Dra. Cláudia Sampaio Marques, Subprocuradora-
Geral da República, e o Dr. Paulo Sérgio Leite Fernandes,
pelo réu.
Brasília (DF), 1º de agosto de 2007(Data do Julgamento).