Marina Almeida Ribeiro[1]
Matheus Bruno Dias Cruz[2]
RESUMO O direito de greve trata-se de um direito coletivo e social dos trabalhadores, previsto pela Constituição Federal, que visa à solução de conflitos e elaboração de negociação entre a classe empregada e empregadora. No entanto, no âmbito do serviço público civil brasileiro, apesar da previsão constitucional de possibilidade de greve, há a omissão legislativa de como a greve deve ser manejada. O presente artigo tem como escopo discorrer acerca do tema proposto, apresentando desde o histórico do direito de greve até a evolução jurisprudencial acerca da manifestação grevista do servidor público civil.
PALAVRAS-CHAVE: Greve. Servidor Público. Trabalho. Jurisprudência.
ABSTRACT The right to strike is a collective and social right of workers, provided for by the Federal Constitution, which aims at the resolution of conflicts and the elaboration of negotiation between a working class and an employer. However, it is not entitled to the Brazilian civil public service, despite the constitutional provision for the possibility of strike, there is a legislative omission of how the strike should be handled. The present article has as scope to discuss the proposed theme, presenting from the history of the right of strike until a development of the knowledge about the striking manifestation of the public servant.
KEY WORDS: Strike. Public server. Job. Jurisprudence
1 INTRODUÇÃO
O direito à greve configura-se como um meio de autodefesa dos trabalhadores, previsto na Carta Magna Brasileira, assim como na Lei 7783/89, como “a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”.
Em relação ao servidor público civil, a Constituição Federal, do mesmo modo, assegura o direito de greve, nos termos do artigo 37, inciso VII. Não obstante, o legislador restringe a sua aplicação à lei específica que, até o momento, não foi editada legislativamente.
Em detrimento da mora legislativa, diversas formas de garantir o direito à greve foram apresentados ao jucidiário, entre eles o mandado de injunção, remédio constitucional utilizado para sanar a falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais.
O presente artigo visa à explanação de como o direito a greve do servidor público civil se encontra inserido no ordenamento jurídico e jurisprudencial atual brasileiro, bem como discorrer sobre a evolução dos entendimentos do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE GREVE
A origem das primeiras greves ainda é tema de bastante controversa nas doutrinas que disciplinam esse instituto. Alguns autores afirmam que o êxodo dos hebreus ao fugir do Egito foram os primeiros movimentos grevistas, outros afirmam que as greves se originaram no Baixo Império Romano, quando várias “greves” ocorreram devido ao desrespeito à algumas atividades públicas. Para Sergio Pinto Martins (2008, p.834), os primeiros movimentos de greve, começaram em uma praça em Paris onde os operários faziam suas reuniões quando estavam descontentes com as condições de trabalho ou na hipótese da paralisação dos serviços. Por isso, fica claro a pluralidade de hipóteses para o surgimento do movimento grevista no mundo.
Bezerra Leite afirma que essas “greves”, ou essas manifestações grevistas não podem ser consideradas greve, pois ao seu tempo não existia um sistema moderno de trabalho, e sim um sistema escravocrata. Por isso que o autor sustenta que a greve nos moldes atuais surgiu a partir do advento da Revolução Industrial e consequentemente o regime assalariado (LEITE, 2008).
Com o surgimento e desenvolvimento do Estado com a legitimidade para solucionar conflitos, percebeu-se necessária a regulação, por parte do Estado, dessas práticas grevistas, afim de alcançar cada vez mais a Justiça. Assim, é importante que o Estado normatize essas práticas, não no sentido de proibi-las, mas para garantir a segurança e o bem-estar social.
Apesar disso, verifica-se historicamente que o direito de greve era considerado um delito, e não um direito, como diz Corraza:
No Direito Romano, a greve era considerada como delito dos trabalhadores livres, não se permitindo a reunião dos obreiros, em sua associação. Em 1.791, a Lei Le Chappellier, proibia qualquer forma de agrupamento profissional para defesa de interesses coletivos. Em 1.810, o Código Penal de Napoleão, punia com pena de prisão e multa a greve de trabalhadores. Já na Inglaterra, o Combination act, de 1.799 e 1.800, considerava crime de conspiração contra a Coroa esta pressão coletiva.
2.1 Evolução do direito de greve no Brasil
No Brasil, a história do direito de greve foi um pouco diferente da dos outros países, pois, enquanto em outros lugares a greve era um delito e virou direito posteriormente, no Brasil, segundo Corraza:
“No Brasil foi diferente esta sucessão, começou com liberdade, depois delito e, posteriormente direito. ”
É possível perceber que o direito de greve no Brasil foi resultado do no sistema moderno do trabalho a partir da abolição da escravatura em 1888, o qual permitiu o sistema assalariado, e posteriormente o agrupamento de trabalhadores em prol de uma causa ou uma classe, ou seja, o movimento sindical. Com isso, segundo Humberto Araújo Souza:
Em torno desse período surge o primeiro diploma legal que se refere à greve. Trata-se do antigo Código Penal (Decreto n. 847, de 11.10.1890), que tipificava o paredismo e seus atos como ilícitos criminais. Logo depois, pelo Decreto n. 1.162, de 12.12.1890, a conduta grevista deixou de ser ilícito penal, punindo a ordem jurídica apenas os atos de ameaça, constrangimento ou violência verificados em seu meio. (SOUZA, 2010).
A Constituição de 1937, no contexto do Governo Provisório, que considerou a greve como um artifício ilegal por considerar que a greve se constitui como recurso antissocial nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional.
Já no Código Penal de 1940, a paralisação do trabalho era considerada crime disciplinada nos seus artigos 200 e 201:
Paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem
Art. 200 – Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa:
Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único – Para que se considere coletivo o abandono de trabalho é indispensável o concurso de, pelo menos, três empregados.
Paralisação de trabalho de interesse coletivo
Art. 201 – Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
A Constituição de 1946 reconheceu a greve como direito trabalhista. Já a Constituição de 1967 veio restringir o direito de greve não o permitindo nos serviços públicos e atividades essenciais.
A Carta Magna de 1988, no seu artigo 9º, disciplina que é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
3. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DE GREVE
Existe atualmente um consenso doutrinário acerca do conceito de greve baseado em alguns pontos já consolidados por muitos autores do direito do trabalho. O primeiro deles é que a greve é um direito coletivo presente em quase todas as Constituições modernas brasileiras a partir de 1946. A Constituição de 1988 foi a que mais amplificou o conceito e disciplina da greve colocando-o na posição de direito social presente nos direitos e garantias fundamentais.
Outro ponto que sedimenta o conceito de greve é o de que ela é fundamental para que haja um equilíbrio das relações sociais. Assim, Ricardo Fraga e Luiz Alberto Vargas versam que:
O acolhimento da greve como um direito dos trabalhadores implica o reconhecimento do Estado de que a greve é necessária para o equilíbrio das relações sociais, na medida em que representa uma tentativa de contrabalançar a significativa desigualdade das partes em conflito (FRAGA, VARGAS, 2010).
Assim, torna-se necessário a coalisão entre os trabalhadores para que eles possam conseguir pressionar os empregadores para que eles possam atender ás suas reivindicações, pois sem o direito de greve garantido na Carta Magna, essas reivindicações vindas dos trabalhadores não passam de súplicas que esperam a boa vontade do empregador de atende-las.
Outro ponto que serve para alimentar ainda mais o conceito de greve é que ele deve ser considerado um elemento essencial e importante para que se possa alcançar a plenitude da democracia, pois é lógico e evidente que um Estado que restringe o direito de manifestação por parte da população, neste caso, os trabalhadores, não se caracteriza como democrático. Por isso, o direito de greve é inerente à Estados democráticos que visam garantir toda e qualquer forma de manifestação da população em razão de qualquer insatisfação.
É importante ressaltar que segundo Ricardo Fraga e Luiz Alberto Vargas, o Estado deve ser neutro em relação ao resultado da greve, pois segundo os autores:
[…] porém o resultado mesmo do conflito deve ser indiferente ou neutro para o Estado e, assim, este deve se abster de favorecer qualquer das partes e, por isso, influenciar no resultado do conflito, que deve expressar a livre competição das partes. Assim não cabe ao Estado incentivar, fomentar, reprimir ou coibir o conflito, de forma a afetar seu resultado. Bem entendido deve o Estado assegurar a equidade das partes envolvidas. (VARGAS, FRAGA, 2010).
Por isso, a greve deve ser um instrumento de negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores, deixando o Estado apenas com a função de regular a greve dentro dos limites da lei, como dizem Fraga e Vargas (2010), compete ao Estado manter um ambiente favorável à negociação coletiva, favorecer o diálogo entre as partes e, com o consentimento geral, servir como mediador ou, em casos excepcionais, como árbitro.
Essa atuação do Estado perante as partes inerentes à greve, mas em relação à terceiros, o Estado deve garantir que eles não sejam prejudicados de nenhuma forma, e se isso acontecer, é necessário que seja da melhor maneira possível, tentando-se diminuir constantemente o prejuízo causado, por isso, em relação a terceiros, o Estado não pode, de forma alguma, ser neutro
Ainda sobre o conceito de greve, Nascimento versa que:
Greve é um direito individual de exercício coletivo, manifestando-se como autodefesa. […] autotutela ou autodefesa indica ato pelo qual alguém faz a defesa própria, por si mesmo. Uma das partes, com ou sem formas processuais, soluciona o conflito impondo à outra parte um sacrifício não consentido por esta. Caracteriza-se pela ausência de juiz distinto das partes e a imposição da decisão por uma das partes à outra. (NASCIMENTO, 2009, p. 1318).
Segundo Bezerra Leite, a definição de natureza jurídica da greve pode ser compreendida em sua tríplice dimensão: greve-delito, concepção paternalista e autoritária do Estado, ou seja, regimes corporativos aparelhados de órgãos destinados a impor soluções aos conflitos coletivos de trabalho; greve-liberdade, concepção liberal de Estado, que se desinteressa de greve, por considerá-lo fato socialmente indiferente; greve-direito, concepção social-democrata do Estado, em que a greve passa a ser considerada socialmente útil e a ser protegida pelo ordenamento jurídico. (LEITE, 2008, p. 99).
Humberto Araújo Souza versa que segundo Russoumano, pondo de lado todas as considerações de natureza sociológica, econômica e política que têm sido feitas sobre o tema, assim descartando a visão que as diferentes escolas oferecem sobre a greve, considera que, do ponto de vista jurídico, presentemente, são duas as grandes correntes que procuram explicar a natureza jurídica da greve como fato jurídico (humano e voluntário) ou como direito subjetivo (exercido coletivamente, pelos trabalhadores) (SOUZA, 2010, p.17).
4. DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, servidor público é expressão empregada ora em sentido amplo, para designar todas as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício, ora em sentido menos amplo, que exclui os que prestam serviços às entidades com personalidade jurídica. (DI PIETRO, 2009, p. 509).
Bandeira de Mello versa que os servidores públicos dividem-se em três grupos distintos: agentes políticos, servidores estatais e particulares em atuação colaboradora com o Poder Público
Segundo Humberto Araújo Souza (2010, p. 48):
A Constituição de 1988 previu, na redação original, regime jurídico único para os servidores da Administração Direta, autarquias e fundações públicas (art. 39). A partir da Emenda Constitucional n. 19, de 04.06.98, a exigência deixou de existir, de modo que cada esfera do governo poderá instituir o regime estatutário ou o contratual, com a possibilidade de conviverem os dois regimes na mesma entidade ou órgão, não havendo necessidade de que o mesmo regime adotado para a Administração Direta seja igual para as autarquias e fundações públicas.
É importante destacar que dentre os servidores públicos, subdividem-se, em sentido amplo, em servidores estatutários, que se sujeitam a esse regime, e os empregados públicos, sujeitos à legislação trabalhista, ou seja, CLT. Os regimes remuneratórios, de previdência, fiscal, entre outros, não são considerados importantes para o presente tema, sendo importante conhecer o conceito de servidor público.
5. O DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL: CONSIDERAÇÕES GERAIS
A Constituição Federal de 1988 reconheceu o direito de greve do servidor público civil em seu artigo 37, inciso VII, condicionando, porém, sua aplicação aos termos e limites estabelecidos em lei específica, ao dispor:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Trata-se, portanto, de norma de eficácia limitada, como discorre José Afonso da Silva:
“[…] São todas as que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado. […] São de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva eficácia, conquanto tenham uma incidência reduzida e surtam outros efeitos não-essenciais, ou, melhor, não dirigidos aos valores-fins da norma.” (SILVA, 1998, pg. 82).
A edição de lei específica prevista na Constituição Federal, até o momento, não dispôs de elaboração. No julgamento dos Mandados de Injunção 708 e 712, o Supremo Tribunal Federal decidiu até a não edição da lei específica previsto no art. 37, inciso VII, da Constituição da República, as Leis nºs 7.701/1988 e 7.783/1989 poderiam ser aplicadas provisoriamente para possibilitar o exercício do direito de greve pelos servidores públicos. (STF, R.E 693456)
Nesse sentido, explica Alexandre de Moraes:
Atualmente, porém, o Supremo Tribunal Federal, alterando seu antigo posicionamento, julgou procedente mandado de injunção adotando a posição concretista geral. Dessa forma, a Corte conheceu do mandado de injunção relativo à efetividade da norma prevista no art. 37, VII, da Constituição Federal (direito de greve do servidor público) e decidiu no sentido de suprir a lacuna legislativa, determinando, em regra, a aplicação de legislação existente para o setor privado; porém, possibilitando, quando tratar-se de serviços ou atividades essenciais, de fixação de regime de greve mais severo. (MORAES, 2016, pg. 579).
Acerca do tema, dispõe José Afonso da Silva:
“[…] Mas quanto à greve o texto constitucional não avançou senão timidamente, estabelecendo que “o direito de greve dos servidores públicos será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica” – o que, na prática, é quase o mesmo que recusar o direito prometido, porque, se a lei não vier, o direito existirá, mas seu exercício, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, fica dependendo da promulgação da lei estabelecendo os termos e limites, os servidores não podem deflagrar qualquer greve. Ora, o direito de greve, em tal caso, existe por força de norma constitucional, não por força de lei. Não é a lei que vai criar o direito. A Constituição já o criou. ” (SILVA, 2014, pg. 712).
5.1 Vedação ao direito de greve do policial civil
A Constituição Federal prevê vedação expressa para a manifestação de greve do militar:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
IV – ao militar são proibidas a sindicalização e a greve;(Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
No entanto, no que tange ao policial civil, recente decisão do Supremo Tribunal Federal decretou a ilegalidade de greve promovida por servidores ligados à segurança pública, tais como: policiais civis, federais e rodoviários.
No julgamento do Recurso Extraordinário 654.432 do Estado de Goiás, o Ministro Alexandre de Moraes formulou a tese vencedora, alegando que a carreira policial é diferenciada, sem possibilidade de iniciativa privada, além de questionar a compatibilidade do âmbito policial e de segurança pública com o direito de greve:
“Como compatibilizar o exercício dessa imprescindível, dignificante, honrosa, porém também penosa carreira de Estado com o exercício do Liberado para assinatura 7 ARE 654432 / GO Direito de Greve? Como compatibilizar que o braço armado do Estado mantenha as necessárias disciplina e hierarquia com o Direito de Greve, sem colocar em risco a segurança pública, a ordem e a paz social? Como compatibilizar a obrigatoriedade de os integrantes das carreiras policiais realizarem intervenções e prisões em situação de flagrância com o exercício do Direito de Greve? Como compatibilizar a continuidade do exercício integral das funções do Ministério Público e a continuidade da jurisdição criminal com o exercício do Direito de Greve pela Polícia Judiciária? Não é possível. Ninguém é obrigado a ingressar no serviço público, em especial nas carreiras policiais, ninguém é obrigado a exercer o que, particularmente, considero um verdadeiro sacerdócio, que é a carreira policial. Mas aqueles que permanecem sabem que a carreira policial é mais do que uma profissão, é o braço armado do Estado, responsável pela garantia da segurança interna, ordem pública e paz social. Não é possível que o braço armado do Estado queira fazer greve. O Estado não faz greve. O Estado em greve é anárquico. A Constituição não permite. ” (STF, RE 654.432, pg. 8).
Além da essencialidade do serviço de segurança pública, a Constituição Federal em seu artigo 9º, parágrafo 1º, deve ser interpretado de modo que a greve dos servidores públicos tenha certa relatividade, permitindo ” a) o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade; (b) o estabelecimento dos termos e limites do exercício desse direito ao gênero “servidores públicos”. (STF, RE 654.432, pg 12).
Tem-se, portanto, a tese vencedora:
“1 – O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. ” (STF, RE 654.432, pg. 14).
6. O DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL E AS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O estudo do direito de greve em evolução nas decisões do Supremo Tribunal Federal correlaciona um importante remédio constitucional, o mandado de injunção. Portanto, é válido elucidar o assunto para melhor compreensão do tema.
O mandado de injunção encontra redação expressa no artigo 5º, parágrafo LXXI, sendo cabível “sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. ” Portanto, é um meio adequado para combater a omissão total ou parcial do Poder Público, condizendo com a norma ineficaz a respeito do direito de greve dos servidores públicos.
Inicialmente, o tema foi objeto de julgamento com o MI nº 20/DF, Relator o Ministro Celso de Mello, em que o Plenário se limitou a declarar a mora do Congresso Nacional em editar a norma regulamentadora – que, à época, ainda era lei complementar – e a identificar a impossibilidade do exercício do direito de greve na sua ausência, por entender tratar-se de norma de eficácia limitada. (STF, RE 693.456)
Tal mandado de injunção consta a seguinte ementa:
“MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO – DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL – EVOLUÇÃO DESSE DIREITO NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO – MODELOS NORMATIVOS NO DIREITO COMPARADO – PRERROGATIVA JURÍDICA ASSEGURADA PELACONSTITUIÇÃO (ART. 37, VII) – IMPOSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO ANTES DA EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR – OMISSÃO LEGISLATIVA – HIPÓTESE DE SUA CONFIGURAÇÃO – RECONHECIMENTO DO ESTADO DE MORA DO CONGRESSO NACIONAL – IMPETRAÇÃO POR ENTIDADE DE CLASSE – ADMISSIBILIDADE – WRIT CONCEDIDO.”
Em face do vazio legislativo, a jurisprudência da Suprema Corte começou a flexibilizar-se para conferir maior eficácia à garantia fundamental, no que tange aos direitos e liberdades constitucionais de nacionalidade, soberania e cidadania.
Outrossim, no julgamento dos Mandados de Injunção n.º 670/ES, 708/DF e 712/PA, o STF decidiu que até a edição da lei regulamentadora do direito de greve as Leis n.º 7.701/1988 e 7.783/1989 poderiam ser aplicadas provisoriamente para possibilitar o exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em especial, os artigos de 1º ao 9º, 14, 15 e 17 da Lei nº 7.783/89. (STF, RE 693456).
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 693456, estabeleceu que a administração pública deve fazer o corte do ponto dos grevistas, mas reconheceu a possibilidade de compensação dos dias parados mediante acordo. Além disso, restou conhecido que o desconto não poderá ser feito caso o movimento grevista tenha sido motivado por conduta ilícita do próprio Poder Público. (STF, RE 693456).
O ministro Dias Toffoli, em seu voto, defende a possibilidade de paralisação, mas afirma que há consequências:
Com efeito, conquanto a paralisação seja possível, porque é um direito constitucional, ela tem consequências. Esta Corte Suprema já assentou o entendimento de que o desconto dos dias de paralisação é ônus inerente à greve, assim como a paralisação parcial dos serviços públicos imposta à sociedade é consequência natural do movimento. Esse desconto não tem o efeito disciplinar punitivo. Os grevistas assumem os riscos da empreitada. Caso contrário, estaríamos diante de caso de enriquecimento sem causa a violar, inclusive, o princípio da indisponibilidade dos bens e do interesse público. Isso não significa que o legislativo não possa, com a edição de lei regulamentadora, entender por configurar o movimento grevista como hipótese de interrupção do contrato de trabalho. (STF, RE 693456)
Restando a tese vencedora do Ministro Roberto Barroso: “A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público”.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contudo, é importante perceber que o direito sindical, juntamente com o direito de greve avançaram nas legislações mundiais de forma lenta e gradual, passando de ser considerado como um delito para ser considerado um direito dos trabalhadores. O direito de greve enquanto direito e garantia fundamental previsto na Constituição tem sua aplicação imediata, e se caracteriza por ser um instrumento muito importante para que as reivindicações trabalhistas sejam reconhecidas e legitimadas, funcionando como um ótimo meio de negociação coletiva.
É importante destacar que o Estado tem papel fundamental na garantia do direito de greve, mantendo-se neutro no resultado das negociações, mas ao mesmo tempo garantindo a segurança de terceiros, para que os seus direitos não sejam prejudicados, bem como manter a ordem ao responsabilizar aqueles que ultrapassarem os limites da lei que disciplina a greve.
Assim, o direito de greve tem se sedimentado cada vez mais não só no ordenamento jurídico brasileiro, mas também na prática, contando com a ajuda da população e dos sindicatos para que as reclamações e reivindicações dos trabalhadores sejam ouvidas.
8. REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2016
CORAZZA, Ana Claudia Vatri. Evolução Histórica do direito de greve. ETIC- Encontro de Iniciação Científica, Presidente Pudrente- SP.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 509.
FRAGA, Ricardo Carvalho; VARGAS, Luiz Alberto. Greve dos servidores públicos e STF: O direito de greve dos servidores públicos após a decisão do Supremo Tribunal Federal. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.51, n.81, p.155-173, jan./jun.2010.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho: Direito Coletivo e Direito Internacional do Trabalho. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2008, volume 2. 180 p.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 32. ed. rev. e atual. até a EC nº 91, de 18 de fevereiro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2016.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1318.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 38ª edição. São Paulo: Malheiros, 2014.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 1998.
SOUZA, Humberto Araújo. Direito de greve no serviço público. Porto Alegre, 2010.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 693456. Relator Min. Dias Toffoli. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE693456.pdf >.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 654432. Voto do Min. Alexandre de Moraes. Relator Min. Edson Fachin. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ARE654432_grevedepoliciais.pdf>.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25. ed., atual. São Paulo: Atlas, 2009.
[1] Graduando do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA
[2] Graduando do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA