Ana Paula Braga de Sousa[1]
Matheus Gama de Carvalho¹
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo demostrar como o assédio moral ainda se encontra presente nas relações trabalhistas. Visa apresentar o seu conceito, as suas características e as suas espécies, focando principalmente, no assédio moral coletivo, abordando as suas consequências no contexto social, quem possui a legitimidade para resolver tal problema na esfera jurídica e como ele tem sido abordado pela doutrina e a jurisprudência. Mesmo após toda a evolução que o Direito do Trabalho teve nas últimas décadas no Brasil, ainda existem resquícios da prática abusiva do poder hierárquico nas relações trabalhistas, principalmente entre a relação empregador e empregado, que muitas vezes utiliza de um terror psicológico para conseguir maior produtividade do elo mais fraco da relação, submetendo-o a situações constrangedoras e vexatórias que ferem a sua dignidade psíquica.
PALAVRAS-CHAVES: ASSÉDIO MORAL – ASSÉDIO MORAL COLETIVO – DIREITO DO TRABALHO – DANO MORAL.
INTRODUÇÃO
O Direito do Trabalho possibilitou grandes mudanças entre as relações trabalhistas, tornando-as mais justas e menos autoritárias, dessa forma amparando o empregado na forma da lei, garantindo-o que seu meio-ambiente de trabalho seja digno e propício para a realização das suas atividades laboratoriais.
Mesmo diante destas melhorias para elo mais fraco da relação empregador e empregado, ainda existem formas opressoras que integram essa relação e uma delas é o assédio moral que colocam o trabalhador em situações constrangedoras e humilhantes no âmbito de trabalho, afetando a sua dignidade psíquica.
Dentre as espécies deste tipo de assédio, encontra-se o assédio moral coletivo, que é imposto a um grupo ou coletividade que compõem essa relação e são expostos a situações humilhantes praticadas pelos seus superiores hierárquicos, para alcançarem, geralmente, metas impostas pela a empresa para aumentar a produtividade.
Diante disto o tema escolhido vai tratar das implicações e das consequências que este tipo de prática no meio de trabalho pode gerar para o convício social e a saúde psíquica deste que sofrem como o terrorismo psicológico.
1 Assédio Moral no Direito do Trabalho
A expressão assédio é utilizada para designar toda e qualquer conduta que provoque ou cause constrangimento psicológico a pessoa. Pode ser caracterizado como um comportamento persistente, ofensivo, intimatório, abusivo, malicioso, abusivo de poder e de sanções injustas. Divide-se em duas espécies: o assédio sexual e o assédio moral.
O assédio moral, também muito conhecido atualmente pela expressão bullying, terrorismo psicológico ou mobbing, está relacionado com práticas abusivas, de forma repetitiva e prolongada, de natureza psicológica, que colocam o trabalhador em situações constrangedoras e humilhantes, afetando a sua dignidade psíquica.
Segundo a psiquiatra e psicanalista francesa Marie France Hirigoyen, o assédio moral pode ser definido como: qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho. (HIRIGOYEN, 2001, p.83.).
Esta prática é uma das formas de dano aos direitos personalíssimos do indivíduo. O dano moral está tipificado na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso V e X, com previsão para a reparação de ofensas decorrentes à imagem, honra e intimidade. Porém, além dessa natureza personalíssima que caracteriza o dano moral também é possível se falar na existência de um dano moral coletivo.
O assédio moral se subdivide em:
1. Assédio Moral Vertical: esta espécie de assédio pode ocorrer de duas formas. A primeira forma é o assédio vertical descendente, que ocorre quando praticado pelo hierarquicamente superior na relação de trabalho visando atingir o seu subordinado, também conhecida como a forma mais comum de assédio moral. A segunda forma é o assédio vertical ascendente que ocorre quando praticado pelo hierarquicamente inferior, com o intuito de assediar o seu superior
2. Assédio Moral Horizontal: acontece quando é praticado entre os sujeitos que estão na mesma posição hierárquica, inexistindo entre eles relações de insubordinação.
3. Assédio Moral Misto: para que esta espécie ocorra é necessário a figura de pelo menos três sujeitos: o assediador vertical, o horizontal e a vítima, sendo assim, o assediado é atingidos por todos da relação de trabalho, tanto pelo o superior hierárquico como pelos colegas de trabalho.
1.1 Assédio Moral Coletivo
O assédio moral coletivo ou assédio moral organizacional passou a ser discutido no âmbito jurídico após a introdução no ordenamento jurídico pátrios os conceitos de direitos de interesse difuso, coletivo e individuais homogêneos, que estão previstos no artigo 81, do Código de Defesa do Consumidor.
Os interesses coletivos podem ser conceituados legalmente como aqueles transindividuais, de natureza indivisível, e que possuem como titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, ou seja, supõem-se a existência de uma lesão a um bem que é usufruído por várias pessoas, mas não é possível identificar os lesados. Já os interesses coletivos são definidos como interesses transindividuais de natureza indivisível cujo titular constitui um grupo, ou uma categoria ou uma classe de pessoas ligadas entre si, sendo assim, comuns a um determinado grupo ou coletividade, impondo soluções homogêneas para a resolução dos conflitos. E por último, os homogêneos individuais que são aqueles decorrentes de origem comum e não prevê a indivisibilidade do bem lesado.
Após a fundamentação destes diferentes tipos de interesses a doutrina e a jurisprudência brasileira passou a analisar a possibilidade do dano moral coletivo e com a criação da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347 de 1985) e do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 1990) foi possível a defesa de causas que envolvam um maior número de pessoas, sem afetar a sociedade como um todo.
No ordenamento jurídico brasileiro não existe uma previsão específica para o dano moral coletivo. No entanto, existem alguns julgados em que o dano moral coletivo é reconhecido pelo sistema legal através do artigo 6º, inciso VI do Código de Defesa do Consumidor e no artigo 8º, inciso III da Lei Complementar nº 75/93.
Para o Direito do Trabalho, a autorização para que ocorra a responsabilização por danos morais seja eles individuais ou coletivos, está prevista no artigo 1º, inciso IV da Lei 7.347/85.
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. (Incluído pela Lei nº 8.078 de 1990)
Torna-se possível falar em dano moral coletivo, quando há a lesão aos direitos metaindividuais que pertencem a uma coletividade. Quando se trata na matéria trabalhista, geralmente utiliza-se em casos que existem violação à saúde, a segurança ocupacional e ao ambiente de trabalho. Dessa forma, poder-se-ia empregar o assédio moral coletivo dentre umas dessas violações no meio ambiente de trabalho, uma vez que ocorra a degradação das condições dignas para a realização do trabalho.
O assédio moral coletivo é conceituado quando ocorre uma violação aos interesses coletivos de um grupo ou de uma categoria ou de uma classe formada por determinados sujeitos e também podem surgir quando os interesses individuais homogêneos são atingidos. Sendo assim ele pode ser considerado como um atentado sistemático e reiterado de uma empresa contra os direitos fundamentais de seus trabalhadores; como direito à vida, à saúde, à igualdade; de forma a prejudicar a sua dignidade psíquica, tendo como objetivo o aumento de produção através de uma violência instrumental (psíquica e moral).
Muitos casos em que ocorrem o assédio moral coletivo são aqueles em que as empresas impõem diante o seu funcionário metas a serem cumpridas por este e caso a não alcance sofre sanções é submetido a situações humilhantes e vexatórias no âmbito da empresa.
RECURSO DE REVISTA – ASSÉDIO MORAL – CONFIGURAÇÃO. O Eg. TRT concluiu pela ocorrência de assédio moral, entendendo que a Reclamante fora submetida a situações constrangedoras e excessivas quanto ao atingimento de metas , com cobranças patronais feitas de maneira desarrazoada, dentro da sistemática da empresa , e utilização de palavras de baixo calão nas reuniões diárias que realizava, ofendendo a honra da trabalhadora . A alteração do julgado implicaria o revolvimento do conjunto fático-probatório, vedado nesta instância, nos termos da Súmula nº 126. HORAS EXTRAS – REGISTROS DE FREQUÊNCIA – ÔNUS DA PROVA A Eg. Corte de origem consignou que as horas extras foram deferidas com base na jornada revelada pelas provas testemunhais. Assim, ainda que fossem acolhidos os argumentos da Reclamada quanto ao ônus da prova, persistiria o fundamento mencionado, suficiente para manter incólume o desfecho da controvérsia. Recurso de Revista não conhecido.
(TST – RR: 11655420135090001Data de Julgamento: 04/03/2015, Data de Publicação: DEJT 06/03/2015)
Geralmente os pedidos de indenização feitos em decorrência do assédio moral ocorrem de forma individual e não coletiva. No Brasil, ainda são poucos os casos que pleiteiam de forma coletiva, os casos mais comuns são através da atuação do Ministério Público do Trabalho pleiteando indenizações que versem dano moral coletivo com o fundamento a do assédio moral coletivo, como na jurisprudência abaixo:
ASSÉDIO MORAL. DANO MORAL COLETIVO. CARACTERIZAÇÃO. 1. Hipótese em que o Tribunal regional, na análise das provas dos autos, teve por caracterizado o assédio moral praticado pelo Banco do Brasil, constatado nas diversas unidades da Federação. Tal conclusão decorreu da valoração das provas (as documentais e as testemunhais apresentadas pelo Ministério Público do Trabalho, autor da ação civil pública e pelo Banco do Brasil, reclamado). Registrou a Corte julgadora que “Compulsando a documentação colacionada pelo banco reclamado infere-se que este possuiu normativos internos com o objetivo de não permitir a prática de assédio moral dentro da instituição. Também é incontroverso que o banco possuiu um órgão de ouvidoria que também tem por atribuição receber e apurar denúncias de assédio moral. Entretanto, extrai-se do conjunto fático-probatório dos autos que as medidas institucionais adotadas pelo Banco não são eficazes, porquanto evidenciada a prática reiterada de assédio moral em diversos setores do reclamado, bem como se constata ainda a omissão deste em adotar as medidas apuratórias/repressivas pertinentes no momento do percebimento de denúncias acerca do assédio moral. Com efeito, o cotidiano dos empregados na lida do banco demonstra a ineficácia das referidas normas (…)” 2. Portanto, inviável de análise a pretensão recursal, no sentido de que as provas apresentadas pelo réu comprovariam a sua política no combate ao assédio moral, porquanto a questão passa pela necessidade de revaloração do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento que não se coaduna com a natureza extraordinária do recurso de revista, à luz da Súmula 126/TST. 3. Nesse contexto, tem-se por caracterizado o dano moral coletivo, decorrente da conduta do empregador, ensejadora da alegada violação da dignidade humana e ao valor social do trabalho ao ponto de justificar a indenização por danos morais a que foi condenado. 4. Não se cogita, pois, de ofensa aos arts. 125, I, 319 do CPC; 5º caput, X, LIV e LV, da CF; 186 e 927 do CCB e 820, 828 e 844 da CLT. 5. Estando a decisão pautada na análise da prova produzida e não no ônus subjetivo de sua produção, impertinente a apontada da violação dos arts. 333, I, do CPC e 818 da CLT.
1.2 Quanto a Indenização
De acordo com o pensamento da doutrinadora Vólia Bomfim, a indenização do assédio moral ocorre da mesma forma que a do dano moral.
Segundo a mesma, a natureza da indenização decorrendo do dano moral é a punição educativa ao agressor e não o enriquecimento da vítima, para que assim estes tipos de casos não venham a se repetir. Diante disto, deve-se levar em conta a intensidade do ato praticado, a capacidade econômica do empregador e os antecedentes.
Para Lima Teixeira, deve-se analisar os seguintes requisitos para a aplicação da indenização no caso concreto: a extensão do fato socialmente; permanência temporal (demora no sofrimento); intensidade do ato (venal, doloso, culposo, abusivo); antecedentes do agente; capacidade econômica do agressor e do ofendido; razoabilidade e a indenização não tem finalidade de enriquecer o ofendido, e sim de pena exemplar do agressor.
2 Legitimidade para a Defesa dos Direitos Feridos com o Assédio Moral
Tem-se em sentido amplo dos direitos coletivos os direitos difusos e os direitos coletivos em sentido estrito.
Os Direitos Coletivos Difusos têm sua definição fornecida pelo artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
Art. 81 do Código de Defesa do Consumidor
I – interesses ou direitosdifusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitoscoletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitosindividuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”.
O Assédio Moral Coletivo trata-se de perturbação ao meio ambiente do trabalho, sendo este, objeto de defesa dos direitos difusos e coletivos, sendo os legitimados para a defesa desses direitos os que estão presentes no Art.82 do Código de Defesa do consumidor:
Art. 82 do Código de Defesa do Consumidor
I – o Ministério Público;
II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III – as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor;
IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, dispensada a autorização assemblear.
Com base na Carta Magna, a legitimidade do Ministério Público é garantida para tratar da defesa dos direitos difusos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis, uma vez que cabe ao órgão a defesa dos direitos coletivos e individuais, segundo o artigo 127 da nossa ilustre Constituição:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Ainda sobre a competência do Ministério Público do Trabalho, a Lei Complementar nº 75/1993, em seu artigo 83, é clarividente ao estabelecer a competência do Parquet:
Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:;
III – promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos; (grifo nosso)
Como forma de garantia dos direitos constitucionais, o Estado deverá primar pela defesa dos direitos fundamentais presentes no art.5º da Constituição Federal, os quais valem a pena serem citados como forma de exemplificação de direitos individuais e coletivos que possam ser feridos com a prática do assédio moral:
Art.5º da Constituição Federal
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (…)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (…)
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados, e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;(…)
LXI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
Portanto, nota-se a total legitimidade do Ministério Público para a efetiva defesa dos direitos coletivos e individuais que são feridos com a prática do assédio moral no ambiente de trabalho.
3 O Assédio Moral como Reflexo da Sociedade e seus Impactos
A intolerância, em qualquer de sua forma, é cada vez mais percebida na conjectura atual da sociedade Brasileira. Sendo o ambiente de trabalho o reflexo dessa sociedade, não poderia ser diferente que muitos dissídios coletivos advêm da intolerância, do preconceito e do desrespeito entre trabalhadores, principalmente quando se trata de uma situação hierárquica ou que envolvam minorias.
É perceptível a subdivisão da sociedade em grupos, seja de cunho político, social, econômico, ideológico ou religioso. A divisão da sociedade em grupos fomenta a cada dia a intolerância, pois determinados grupos não conseguem tolerar ao menos a presença de outro em um mesmo local.
O Direito do Trabalho possui historicamente um contexto de luta das minorias por melhores condições de vida, sendo o trabalho visto como um dos fundamentos para o Estado Democrático de Direito, como prevê a nossa Constituição Federal em seu art.1º:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
IV – os valores sociais do Trabalho. ”
A luta das minorias para ter o direito de exercer atividade de trabalho e garantir melhores condições para tal, reflete na luta de negros, mulheres, pobres, trabalhadores rurais, etc., de terem uma melhor condição perante à sociedade, tendo em vista que o trabalho faz parte dos direitos sociais e da dignidade da pessoa humana. Afirma José Afonso da Silva que “os direitos sociais são os responsáveis por proporcionar melhores condições de vida às pessoas mais fracas, com finalidade de conceder a igualdade na sociedade, ou melhor, igualar as desigualdades sociais”[2]. Além disso, ressalta a nossa Carta Magna:
Art.6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. ”
O ambiente de trabalho deverá ser saudável tanto no aspecto físico quanto psíquico. Maria Aparecida Alkmin leciona que “relata-se que o direito à saúde abrange a proteção à integridade física, moral e psíquica do empregado, cabendo a empregadora proporcionar um local livre de riscos e agressões, ou seja, com qualidade, visando qualidade de vida para todos os envolvidos.[3]
O capitalismo trouxe consigo o sistema meritocrático, que tem como uma de suas desvantagens o aumento da desigualdade, deixando as minorias cada vez mais longe de atingirem uma equidade em relação aos grupos mais favorecidos. Trazendo a discussão para o ambiente de trabalho, é perceptível o assédio moral principalmente em relação às mulheres, aos negros, idosos, gestantes, deficientes e qualquer outro tipo de pessoa que seja considerada minoria pela sociedade como um todo.
É preciso entender o ambiente de trabalho como uma extensão da sociedade. Sendo assim, os problemas sociais são refletidos nesses ambientes, como o machismo, o preconceito racial, a intolerância religiosa e qualquer outro meio que o agressor utilize para humilhar e menosprezar a vítima.
Atualmente o machismo se encontra cada vez mais escancarado na sociedade, sendo um dos problemas sociais mais graves, o que acaba refletindo no âmbito trabalhista de forma negativa para a mulher, que é assediada por chefes ou colegas de trabalho, além de ganharem menos mesmo que desempenhem a mesma função.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, 52% das mulheres já foram assediadas sexualmente no ambiente de trabalho. Dentre as profissões mais afetadas está a de secretária, que segundo o Sindicato das Secretárias do Estado de São Paulo, em pesquisa feita em 2013, na categoria o resultado foi que 25% responderam que já foram assediadas sexualmente pelos chefes. [4]
Quanto a questão racial, é ainda menos velada do que a questão do sexo. Os trabalhadores negros são ainda mais descriminados, chegando até mesmo algumas empresas a fazerem da cor da pele critério de diferenciação na hora da contratação de funcionários. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2014, os trabalhadores negros ainda ganhavam, em média, 58% do rendimento recebido pelos trabalhadores de cor branca.[5] A mulher trabalhadora negra, por sua vez, é duplamente discriminada em razão do gênero e da raça, visto que, além do preconceito em relação a sua cor, enfrenta as discriminações pela clássica divisão sexual do trabalho
É necessário entender que o impacto do assédio moral no ambiente de trabalho não pode ser tratado como questão exclusiva do ambiente laboral ou da Justiça do Trabalho, tendo em vista que o reflexo desse tipo de prática afeta a sociedade como um todo, pois afeta diretamente na economia e na saúde da população trabalhadora. No prisma social, o empregado que sofre assédio moral acaba desenvolvendo diversas complicações, como afastamento da família (muitos casos terminam em divórcio), depressão e queda no desempenho do trabalho. Ora, fica evidente, portanto, que esse tipo de prática ocasiona um impacto social muito maior do que somente dentro de um ambiente de uma determinada empresa, visto que a economia é interligada, sendo cada setor dependente do outro, logo, o desempenho de um funcionário interfere no desempenho dos demais, podendo levar uma empresa a diminuir toda sua produtividade devido a essa prática.
O assédio moral também passa a ser um problema de saúde pública, principalmente se imaginado em uma proporção maior. Fica evidente que no ambiente de trabalho o assédio ocorre principalmente por questões hierárquicas ou contra minorias da sociedade, trazendo o agressor, o preconceito de fora para dentro do ambiente trabalhista. O Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) recebeu, em 2014, 390 denúncias sobre assédio moral no trabalho, número 25% maior que o de 2013. Tendo em vista que muitas das vítimas desenvolvem problemas de saúde mental após sofrerem assédio, pode-se concluir que a prática dessa ação acarreta um ônus a saúde pública, além da previdência social, já que muitos trabalhadores não conseguem voltar a praticar atividades laborais após o assédio.
Por fim, podemos notar que o assédio moral não é problema somente de âmbito trabalhista, sendo o reflexo de uma sociedade cada vez mais segregada por grupos que se digladiam em debates inócuos sobre superioridade, dando sustento às práticas infelizes ligadas ao assédio moral no ambiente de trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou ampliar o entendimento sobre um tema que está cada dia mais presente nos noticiários brasileiros e vem ganhando cada vez mais espaço no ambiente acadêmico, pelo fato de estar presente na realidade de muitos trabalhadores brasileiros.
Pode-se concluir que o assédio moral é influente e influenciado não somente no prisma do direito do trabalho, mas também no campo da sociologia, da economia e do direito constitucional. Conforme exposição de dados e entendimentos doutrinários e dos nossos tribunais, o assédio moral é um reflexo da nossa sociedade no ambiente trabalhista, devendo ser observado de forma mais ampla em relação às suas consequências.
É abordado também no presente artigo a legitimidade de defesa dos direitos coletivos, visto que o assédio moral fere tantos os direitos na esfera privada quanto na coletiva, tratando-se de problema do meio ambiente de trabalho. Fica evidenciado a legitimidade do Ministério Público do Trabalho quanto à defesa dos direitos daqueles que sofrem com essa prática terrível que infelizmente é muito presente no nosso dia a dia.
Por fim, fez-se necessário breves explanações do que sejam direitos coletivos e difusos, para que o leitor tenha melhor proveito na absorção da real discussão que buscávamos apresentar neste artigo, sendo a agressão a esses direitos em toda a esfera social, sendo o assédio moral no ambiente de trabalho apenas reflexo de uma sociedade intolerante em todos os seus meios.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, DANIEL PIMENTEL, Os tipos de assédio moral coletivo nas relações de trabalho. Publicado em: agos. 2014. Disponível em: < jus.com.br/artigos/30900/os-tipos-de-assedio-moral-coletivo-nas-relacoes-de-trabalho >. Acesso em 20 de jun. 2016.
BOMFIM, VOLIA. Direito do trabalho / Vólia Bomfim Cassar. – 9.ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
Disponível em: < http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,legitimidade-do-ministerio-publico-estadual-no-combate-ao-assedio-moral,29217.html > Acesso em: 20 de junho de 2016
Disponível em: < http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,legitimidade-do-ministerio-publico-estadual-no-combate-ao-assedio-moral,29217.html > Acesso em: 20 de jun. 2016.
GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 11.
[1] Discente do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão, email: apbraga_@hotmail.com.
¹ Discente do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão, email: matheusgamac@hotmail.com
[2] SILVA, José Afonso de. Curso de direito constitucional positivo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p.286.
[3] ALKIMIN, Maria Aparecida. Violência na relação de trabalho e a proteção à personalidade do trabalhador. Curitiba: Juruá, 2008.p.81.
[4] UOL. Disponível em: http://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2013/03/08/52-das-mulheres-ja-sofreram-assedio-no-trabalho-falta-de-provas-dificulta-condenacoes.htm
[5] Ministério Público do Trabalho. Disponível em: http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/sala-imprensa/mpt-noticias