Direito de Família

Multiparentalidade Biológica

As técnicas de reprodução humana assistida não são novidades no mundo da ciência, mas estão sendo cada vez mais utilizadas na concretização do sonho da filiação. O avanço da Medicina é tamanho que nos permite a existência de uma multiparentalidade biológica. Assim, se antes estávamos acostumados a trabalhar com a multiparentalidade socioafetiva, por meio da construção de laços de afeto, hoje contamos com a multiplicidade de materiais genéticos na formação do projeto parental.

Existem distintas formas de haver material genético de mais duas pessoas na formação do ser humano, haja vista a existência de gestação por útero em substituição, ou mesmo a realização de transplante de útero, com casos de sucesso nos nascimentos desde 2014. Em tais técnicas, há troca de material genético entre mãe gestacional e bebê, assim como entre o útero transplantado (e sua carga genética) e o bebê.

Porém, situação mais vanguardista é do nascimento de um bebê com DNA de três pessoas, ante a realização da reprodução assistida com uso da técnica de tratamento de doação mitocondrial (MDT).

Para realizar o procedimento, os pesquisadores utilizaram dois óvulos: o da mãe original e o de uma doadora saudável. Eles retiram o núcleo do óvulo da mãe, portanto, sem as mitocôndrias, já que elas não ficam no núcleo, e reservam. Com o óvulo da doadora é feito o mesmo, mas o conteúdo retirado é destruído, sobrando apenas o óvulo com as mitocôndrias saudáveis.

É inserido, então, o núcleo retirado do óvulo da mãe no óvulo da doadora. Esse óvulo, contendo material genético do pai e da mãe originais e mitocôndrias saudáveis da doadora, é implantado no útero da mãe. Como as mitocôndrias possuem seu próprio material genético, o bebê também herdará parte do DNA da doadora.

A técnica tem o objetivo de impedir que o bebê herde algumas doenças genéticas incuráveis, transmitidas pelo DNA mitocondrial. Atualmente, são conhecidos apenas 5 casos que fizeram uso da técnica, sendo que o primeiro bebê a nascer a partir do DNA de três pessoas foi registrado no México, em 2016.

É importante ressaltar, contudo, que a doadora deve permanecer anônima e não existe, no Brasil, legislação que trabalhe com a temática, sendo utilizada a orientação ética e deontológica das Resoluções do CFM para dirimir as questões provenientes da reprodução humana medicamente assistida.

A Resolução em vigor hoje é de nº 2320/2022, que permite a concretização do projeto familiar de distintas formas. Contudo, em breve poderemos estar diante de casos de reconhecimento de multiparentalidade biológica, sendo necessário o aperfeiçoamento profissional do advogado para lidar com a temática.

Sendo a Bioética a ciência que auxilia para orientação e solução de eventuais conflitos éticos e jurídicos sobre o tema, faz-se crucial o estudo de forma transversal ao Direito para que possamos acompanhar os avanços da ciência e garantir os direitos oriundos das novas filiações.

Laura Affonso da Costa Levy

Mestre em Bioética; Advogada Familiarista

 

Melissa Telles Barufi

Advogada Familiarista; Presidente Instituto Proteger

 
Como citar e referenciar este artigo:
LEVY, Laura Affonso da Costa; BARUFI, Melissa Telles. Multiparentalidade Biológica. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2023. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-de-familia/multiparentalidade-biologica/ Acesso em: 24 nov. 2024
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