Capítulo V: Intervalo
O capítulo V, corresponde à Idade Média, período que, segundo Bobbio, não foi “genuinamente fundamental para o desenvolvimento das teorias das formas de governo”. Bobbio preocupou-se, então, em explicar a razão da falta de teorização das formas de governo.
Bobbio afirma sua crença (apesar da falta de provas) de que esse hiato decorre principalmente devido a concepção negativa do Estado. Para os medievais, o Estado era uma necessidade, um mal necessário para o controle das paixões do homem, do seu lado ruim.
“(…) se ninguém temesse, quem poderia impedir alguém de cometer o mal? Por isso são eleitos príncipes e reis, para que ‘com o terror’ livrem seus súditos do mal, ‘obrigando-os, pelas leis, a viver retamente”
Já que o dever do Estado é controlar a maldade humana, a única forma de fazê-lo é através do terror. Assim, há somente o Estado despótico, que com a espada submete o mal do homem. Não há sentido, portanto, em falar de formas boas ou más de governo.
A diferença principal entre os clássicos e o medievais é que para os primeiros, há contraposição entre estado bom e mau. Por exemplo, para Platão, todas as formas de governo são más em relação à República Ideal, já para Isidoro, a contraposição ocorre entre Estado e Igreja:
“Uma passagem como de Isidoro não contrapõe o Estado mau ao Estado bom; o constraste que apresenta é outro, entre o Estado e a Igreja. O grande tema da política medieval é a dicotomia Estado-Igreja, não a variedade histórica dos Estados. A salvação dos indivíduos não é algo que ocorre no Estado – como acontecia para os escritores gregos e como será admitido também pelos escritores políticos que inauguram a tradição do jusnaturalismo moderno (como Hobbes) – mas por meio de outra instituição, diferente e superior, sob certos aspectos até mesmo antitética – instituição que tem a finalidade extraordinária de conduzir os homens ao reino de Deus.”
Outro exemplo trazido por Bobbio é de uma passagem de Lutero: “Pertencem ao reino da Terra – quer dizer, estão sujeitos às leis – todos os que não são cristãos (isto é, que não combatem o mal, porém, ao contrário, o praticam). De fato, são poucos os verdadeiros cristãos, e menos numerosos ainda os que se conduzem de acordo com o espírito de cristandade. Aos demais, que não têm condição cristã nem pertencem ao reino de Deus, o Senhor impôs outro regulamento, submetendo-os com a espada, de modo a não poderem exercer sua maldade, o que fariam de bom grado; forçando-os a praticá-la medrosamente, sem contentamento e serenidade – do mesmo modo como se prende com cordas e cadeias
uma fera selvagem e perigosa, para impedi-la de atacar e morder, como lhe ordena o instinto, o que faria de boa vontade. Não é necessário tratar da mesma maneira um animal dócil e doméstico, inofensivo mesmo sem cordas e cadeias que o prendam” (M. Lutero, Escritos Políticos, Edição Utet, p. 403).
O autor italiano ainda faz uma comparação com a concepção negativa de Estado para Marx, que acreditava ser o Estado, através da força, coação, etc, um ente da classe burguesa para proteger seus interesses, em detrimento dos interesses do povo (proletariado). A maldade, para Marx, não estava no homem, mas na luta de classes. Acabando o antagonismo entre as classes, acaba o mal. Logo, o Estado torna-se desnecessário.
Para os cristãos, como a maldade humana era inerente e o Estado necessário para subordinar aqueles que se negassem à Igreja, se todos fossem crentes, o Estado seria também desnecessário.
Outra justificativa bastante pertinente é a de que, no início do cristianismo, havia uma problematização muito mais relevante, que é a da moral e justiça. Em trecho de Santo Agostinho: “Desprezada a justiça, que são os reinos senão bandos de ladrões? E que são os bandos de ladrões senão pequenos reinos?… Por isso foi inteligente e veraz a resposta dada a Alexandre Magno por um pirata que caiu sob o seu poder. Como Alexandre lhe perguntasse por que razão infestava os mares, respondeu com audácia: – Pelo mesmo motivo por que infestas a terra; mas como o faço com um pequeno barco, sou chamado de pirata; como o fazes com uma grande frota, és chamado de imperador” (De Civitate Dei, IV, 4).
Outro tema bastante trabalho foi o da tirania: “Ouso dizer que, de todos os grandes temas políticos que compõem o legado do pensamento clássico, a tirania é talvez o que foi tratado mais particularmente no limiar do pensamento moderno, às vésperas de Maquiavel. O tema maquiaveliano (e maquiavélico!) por excelência- o “novo príncipe” – é o mesmo tema clássico do tirano: aquele que conquista o poder de fato e o mantém, exercendo-o segundo regras que não são as mesmas da moral pública, ou religiosa.(…)É o mesmo tema, mas não mais tratado como problema moral ou jurídico”
Há ainda uma retomada por Coluccio de três conceitos: principatus regius, o politicus e o despoticus. “O principatus regius é aquele em que o rei governa como o pai sobre os filhos; o politicus, aquele em que governa como o marido sobre a esposa; o despoticus, como o senhor sobre os escravos.” Coluccio ainda retornada à duas importantes concepções de tirano: o príncipe que, embora tenha título justo para exercer o poder, o exerce em violação das leis, abusando de seus privilégios, tratando cruelmente os súditos e o príncipe que conquista o poder sem justo título a ele, sendo portanto um príncipe usurpador, ilegítimo. Um príncipe legítimo é, então, aquele que governa com justiça e que tem um título justo.