TRF4

TRF4, 00021 AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2007.04.00.040508-0/RS, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz , Julgado em 01/16/2008

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00021 AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2007.04.00.040508-0/RS

RELATOR : Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ

AGRAVANTE : MUNICIPIO DE SAO BORJA

ADVOGADO : Silvio Andrade Bastos e outros

INTERESSADO : UNIÃO FEDERAL

ADVOGADO : Luis Antonio Alcoba de Freitas

EMENTA

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. ART. 5º,

XXXVI, DA CF. EFEITOS.

1. Com efeito, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, da CF/88, é indubitável que o contrato válido entre as partes constitui ato

jurídico perfeito, protegido pelo texto constitucional, dele irradiando, para uma ou para ambas as partes, direitos adquiridos, não

podendo ser alcançado por lei superveniente à data da celebração do contrato, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do

ajuste negocial.

Nesse sentido, é de referir-se o ensinamento clássico de Julien Bonnecase, ao atualizar a obra de Baudry-Lacantinerie, verbis: “Les

droits dérivant dune convention expresse ou légalement présumée constituent, dans le sens de notre matière, des droits acquis à

labri de latteinte de toute loi nouvelle, alors même quils ont pour objet de paiements à faire à des époques successives, qui ne

viendraient à échéance que postérieurement à la promulgation de cette loi (Baudry-Lacantinerie, in Traité Théorique et Pratique de

Droit Civil – Supplément par Julien Bonnecase, Librairie Recueil Sirey, Paris, 1925, t. 2º, p. 123).

Nesse sentido, também, é a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos ao julgar o 263 U.S. 125, verbis:

“The integrity of contracts-matter of high public concern – is guaranteed against action like that here disclosed by section 10, art. 1,

of the federal Constitution, “No state shall * * * pass any * * * law impairing the obligation of contracts.” It was beyond the

competency of the Legislature to substitute an “indeterminate permit” of rights acquired under a very clear contract.”

(In The Supreme Court Reporter – November, 1923 – July, 1924, West Publishing Co., St. Paul, 1924, v. 44, p. 86)”

Essa, também, é a lição clara e precisa do saudoso jurista Francisco Campos, em seu Direito Administrativo, Livr. Freitas Bastos,

Rio, 1958, v. II, p. 11, verbis:

“O que a Constituição assegura, portanto, ao determinar que o ato jurídico perfeito continuará a ser regido pela lei do tempo em

que se consumou, é, precisamente, o efeito jurídico daquele ato, isto é, as transformações por ele operadas nas relações jurídicas

que constituem o seu conteúdo, seja criando, seja modificando, transferindo ou extinguindo direito.

O que resulta do ato jurídico perfeito é, precisamente, a aquisição de um direito, – ou a pretensão fundada a uma prestação, ou a

modificação ou a extinção de direito anterior a determinada prestação.

O ato jurídico perfeito é subtraído ao império da lei posterior precisamente para que não seja prejudicado pela sua aplicação o

direito que emergiu daquele ato e que por seu intermédio se tornou adquirido ou se incorporou ao patrimônio do indivíduo.”

É sabido o respeito pela observância das cláusulas dos contratos nos Estados Unidos da América, a tal ponto de constituir a

integridade da relação contratual uma diretriz constitucional de primeira ordem, que deve ser preservada sempre que possível.

Quem o diz é o respeitado Professor Ernest Freund, em obra clássica, verbis:

“The integrity of contractual obligation is a constitutional policy of the first order, and should be maintained wherever possible.”

(Freund, Ernest. Standarts of American Legislation, Second Edition, The University of Chicago Press, 1965, p. 283.)

Realmente, o contrato firmado pelo Município constitui, em sua essência, típico contrato de adesão , ou seja, aquela modalidade

contratual em que todas as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes de modo que a outra não tem poderes para

debater as condições, ou mesmo introduzir modificações no esquema proposto.

Essa espécie de contrato tem sido cada vez mais utilizada na atividade negocial, face à dinamicidade da realidade econômica do

mundo contemporâneo: “Lordinamento giuridico non può opporsi a questo fenomeno che corrisponde ad una esigenza della vita

moderna: la realtà economica odierna si fonda, infatti, anche su una rapida conclusione degli affari, specie se si tratta di affari di

piccola entità, che assumono importanza per il loro numero: al vantagio dellacceleramento del fenomeno produttivo deve essere

dunque sacrificato il bisogno di una libertà di trattative che spesso presenterebbe ostacoli insuperabili.” (In ANDREA

TORRENTE, Manuale Di Diritto Privato. 6. ed., Dott A. Editore, Milano, 1965. p. 243. § 295).

Ora, no caso dos autos não há sequer falar na imprevisão contratual, pois a teoria da imprevisão consiste no reconhecimento de que

eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes, e a elas não imputáveis, refletindo sobre a economia ou a eução do

contrato , autorizam a sua revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes. Trata-se da aplicação da cláusula rebus sic

stantibus, elaborada pelos pós-glosadores, que esposa a idéia de que todos os contrato s dependentes de prestações futuras incluíam

cláusula tácita de resolução, se as condições vigentes se alterassem profundamente.

Tal idéia se inspirava num princípio de eqüidade, pois se o futuro trousse um agravamento essivo da prestação de uma das

partes, estabelecendo profunda desproporção com a prestação da outra parte, seria injusto manter-se a convenção, já que haveria

indevido enriquecimento de um e conseqüente empobrecimento do outro (Cfe. sobre o tema os seguintes autores: ANDREA

TORRENTE, Manuale Di Diritto Privato. 6. ed., Giuffrè Editore, 1965. pp. 447-50. § 311; GILBERT MADRAY, Des Contrats

Daprè la Récent Codification Privée Faite aux États-Unis – Étude Comparée de Droit Américain et de Droit Français. Libr.

Générale, Paris, 1936. p. 194; GEORGES RIPERT, La Règle Morale dans les Obligations Civiles. 4. ed., Libr. Générale, Paris,

1949, p. 143 e ss.; PAUL DURAND, Le Droit des Obligations dans les Jurisprudences Française et Belge. Libr. Du Recueil Sirey,

Paris, 1929. p. 134 e ss; VIRGILE VENIAMIN, Essais sur les Donnes Economiques dans LObligation Civile. Libr.- Générale,

Paris, 1931. p. 373 e ss.; MARCEL PLANIOL, Traité Élémentaire de Droit Civil. 10 ed., Libr. Générale, Paris, 1926. t. II. n. 1.168.

p. 414; OTHON SIDOU, A Revisão Judicial dos Contratos. 2. ed., Forense, 1984. p. 95; PONTES DE MIRANDA, Tratado de

Direito Privado. 3. ed., RT, 1984. t. XXV. § 3.060. pp. 218-20 e, do mesmo autor, Dez Anos de Pareceres. Livr. Francisco Alves,

Rio, 1976. vs. 7/36-9 e 10/197-9; ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, Caso Fortuito e Teoria da_Imprevisão. 3. ed., Forense,

Rio, 1958. pp. 345-6, n. 242; FRANCISCO CAMPOS, Direito Civil – Pareceres. Livr. Freitas Bastos, 1956. pp. 05-11).

Todos os autores acima referidos admitem sob os mais variados fundamentos doutrinários, a aplicação da teoria da imprevisão, mas

apenas em circunstâncias epcionais, que não se verificam no caso dos autos, ou seja, somente a álea econômica extraordinária e

extracontratual, desequilibrando totalmente a equação econômica estabelecida pelos contraentes justifica a revisão do contrato com

base na cláusula rebus sic stantibus.

Outro não é o entendimento adotado pela jurisprudência uniforme da Suprema Corte, em todas as oportunidades em que se

manifestou sobre a tormentosa questão, com reflete o aresto relatado pelo eminente e saudoso Ministro ALIOMAR BALEEIRO,

cuja cultura jurídica é por todos reconhecida, ao votar no RE n. 71.443-RJ, verbis: “Rebus sic stantibus – Pagamento total prévio. 1.

A cláusula rebus sic stantibus tem sido admitida como implícita somente em contrato s com pagamentos periódicos sucessivos de

ambas as partes ao longo de prazo dilatado, se ocorreu alteração profunda inteiramente imprevisível das circunstâncias existentes

ao tempo da celebração do negócio…” (in RTJ 68/95. No mesmo sentido RTJ: 35/597; 44/341; 46/133; 51/187; 55/92; 57/44;

60/774; 61/682; 63/ 551; 66/561; 96/667; 100/140; 109/153; 110/328 e 117/323).

No caso concreto, contudo, é de todo estranho aos princípios de justiça a aplicação da teoria da imprevisão, que deve ser aplicada

com cautela pelo magistrado, evitando que este interfira diretamente nos contrato s celebrados, substituindo a vontade das partes, livremente pactuada, pela sua. A respeito, doutrina VIRGILE VENIAMIN, em clássica monografia, verbis: ?En limitand ainsi

lapplication de la théorie de limprévision au cas où elle apparait comme une exigence, de 1harmonieux développement de

1organisation économique, on restreint par Là_même consideráblement son étendue. En offrant au juge un critérium objectif, fondé

sur les donnés concrètes dégagées grâce à une méthode dobservation directe, à 1aide du matériel préparé par des experts idoines,

on évite larbitraite auquel la recherche dune intention malveillante, toujours devinatoire peut fournir 1occasion. En outre, le

rapprochement que nous venons de faire dans le présent chapitre, entrela 1ésion et limprévision – toutes les deux ayant le même

caractère et répondant aux mêmes nécessités de 1ordre économique – nous indique une limitation technique du pouvoir de juge.

Dans les deux cas, ce nest pas à la révision du contrat quon doit aboutir, mais simplement à sa rescision (1). I1 nappartient point

au juge dorienter 1activité humaine en simmiscant dans la teneur du contrat. Sa mission estterminée, dès quen obéissant aux

directives économiques, il empêche_la ruine de 1individu et lui assure en même temps que sa sauvegarde personnelle, une

participation efficace à la collaboration générale? (In Essais sur les Données Economiques dans LObligation Civile. Libr.

Générale, Paris, 1931. pp. 393-4).

Em caso semelhante ao dos autos, quando do julgamento da Petição nº 1.665-3, deliberou o Eg. STF em voto do ilustre Min.

Moreira Alves, verbis:

“2. Para se eminarem os dois requisitos para a concessão da liminar requerida – o “fumus boni iuris e o “periculum in mora -, e

necessário, preliminarmente, que se determine a natureza jurídica do contrato de confissão, promessa de assunção, consolidação e

refinanciamento de dividas (contrato n. 004/98/STN/COAFI) firmado entre a União Federal e o Estado de Minas Gerais, do qual

cinco clausulas deverão ser objeto da ação principal que visara a declaração de sua nulidade ou de sua revisão.

Tendo em vista que se trata de contrato entre duas pessoas jurídicas de direito publico interno – a União Federal e o

Estado-membro de Minas Gerais – que estão em relação de coordenação e não de subordinação de um em face do outro, e contrato

a que, por seu objeto, não se aplicam os princípios e as regras do direito administrativo, enquadra-se ele no que alguns autores

(assim, CRETELA JUNIOR, “Tratado de Direito Administrativo”, vol. III, p. 16, Forense, Rio-Sao Paulo, 1967) denominam

“contratos privados da administração” e outros (assim, LUCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, 2. ed., p.

329, Malheiros Editores, São Paulo, 1995), a meu ver com maior razão, designam, em contraposição aos “contratos

administrativos”, como “contratos da Administração Publica”, por terem de observar sob muitos aspectos o regime contratual do

direito publico, embora se submetam basicamente as normas contratuais do direito privado.

3. Determinada a natureza jurídica do contrato em causa, passo a eminar a ocorrência, ou não, do “fumus boni iuris” relativo a

liminar requerida na presente medida cautelar inominada, e que diz respeito , como, a meu ver corretamente, acentua CALMON

DE PASSOS (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. X, Tomo I, n.s 54 e 111-3, ps. 54 e 134/135, Editora Revista dos

Tribunais, São Paulo, 1984), a plausibilidade do direito que se pretende tutelar com a ação principal. Tendo em vista o pedido

alternativo que, segundo a inicial desta medida cautelar inominada, se fará na ação principal a ser proposta – o da nulidade das

clausulas 17., 18., 20., 21. e 22. do contrato em causa por ofensa a normas constitucionais e o da revisão delas em decorrência da

insolvência do Estado de Minas Gerais por culpa da União Federal -, eminarei esse requisito primeiramente em face das

alegações de nulidade dessas clausulas e, depois, diante da pretendida revisão delas.

4. No tocante a nulidade dessas clausulas por ofensa a normas constitucionais, observo, de inicio, que a sustentação dessa violação

só se faz com referencia as clausulas 17. e 18., nenhuma fundamentação existindo a esse respeito quanto as clausulas 20., 21. e 22.,

que rezam, respectivamente:

“CLAUSULA VIGÉSIMA – Enquanto a divida financeira do ESTADO for superior a sua RLR anual, o ESTADO:

I – não poderá emitir novos títulos públicos no mercado interno, eto nos casos previstos no art. 33 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias;

II – somente poderá contrair novas dividas, inclusive empréstimos externos junto a organismos financeiros internacionais, se

cumprir as metas relativas a divida financeira na trajetória estabelecida no Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal, com

eção das seguintes operações relativas a projetos de interesse do ESTADO já aprovados pelo Governo Federal:

BNB/PRODETUR, BNDES/CVRD, BIRD/REFORMA DO ESTADO e BIRD/ESTRADAS;

III – não poderá atribuir a suas instituições financeiras a administração de títulos estaduais e municipais junto a centrais de

custodia de títulos e valores mobiliários, eto aqueles que, emitidos com base no art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, não foram objeto do refinanciamento de que trata este Contrato;

CLAUSULA VIGESIMA-PRIMEIRA – O descumprimento pelo ESTADO de qualquer das obrigações assumidas neste Contrato, ou

nos contratos dele integrantes, incluindo atraso de pagamento e a não observância das metas e compromissos constantes do

Programa de reestruturação e de Ajuste Fiscal, a que se refere a Clausula Decima-Nona, implicara, durante todo o período em que

persistir o descumprimento, (I) a substituição dos encargos financeiros mencionados na Clausula Decima por encargos

equivalentes ao custo médio de captação da divida mobiliaria interna do Governo Federal, acrescido de juros moratórias de 1% a.a. (um por cento ao ano), e (II) a elevação, em quatro pontos percentuais, do percentual da RLR tomado como base para a

apuração do limite de dispêndio mensal previsto nas Clausulas Quinta a Nona; e

CLAUSULA VIGESIMA-SEGUNDA – Na falta de cumprimento de qualquer das obrigações do ESTADO assumidas neste Contrato,

ou pela ocorrência de qualquer dos casos de antecipação legal de vencimento, poderá a UNIÃO considerar vencido este Contrato e

exigir o total da divida dele resultante, independentemente de aviso extrajudicial ou interpelação judicial”.

Ora, e dever processual do requerente de liminar fundamentar especificamente a ocorrência, no seu entender, dos requisitos para a

concessão dela, maxime quando se alega genericamente ofensa a diversos dispositivos constitucionais e as clausulas tidas como

atentatórias a princípios norteadores do pacto federativo, ou são reprodução de dispositivos, que gozam da presunção de

constitucionalidade, da Lei – a de n. 9.496, de 11 de setembro de 1997 – que estabeleceu “os critérios para a consolidação, a

assunção e o refinanciamento, pela União, da divida publica mobiliaria e outras que especifica, de responsabilidade dos Estados e

do Distrito Federal” e da Resolução n. 44/98 do Senado Federal que autorizou o Estado de Minas Gerais a celebrar o contrato em

causa, ou são clausulas normais de conseqüência de inadimplemento contratual. Com efeito, a clausula 20. foi aposta ao contrato

em estrita obediência ao critério (que reproduz quase literalmente) estabelecido no artigo 3., . 5., da Lei n. 9.496/97; a clausula 21.

obedece rigorosamente ao critério fio no artigo 3., . 6., da Lei n. 9.496/97 e esta em conformidade com o disposto no artigo 2., .

2., da Resolução n. 44/98 do Senado Federal; e a clausula 22. e clausula normal de vencimento antecipado de contrato com o

objeto deste, seja por inadimplemento , seja por ocorrência de caso de antecipação legal.

Não havendo qualquer demonstração das razoes constitucionais por que o requerente não poderia ter celebrado o contrato com

essas três clausulas, não ha como se considerar a plausibilidade do direito alegado por ele para o efeito de concessão de liminar

com relação a elas.

Já com referencia as alegadas ofensas a Constituição no tocante as clausulas 17. e 18. do contrato, o requerente longamente

procurou demonstrar o “fumus boni iuris” dessa alegação para o efeito de nulidade de tais clausulas.

Não me parece, porem, que o Estado de Minas Gerais tenha demonstrado, ao menos nesse eme mais sumario para a concessão

de liminar, esse “fumus boni iuris”.

As clausulas 17. e 18. decorreram do critério estabelecido no artigo4. da Lei n. 9.496/97 (“Os contratos de refinanciamento

deverão contar com adequadas garantias que incluirão, obrigatoriamente, a vinculado de receitas próprias e dos recursos de que

tratam os artigos 155, 157 e 159, incisos I, a, e II, da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988″) e do previsto no inciso IV do

artigo 2. da Resolução n. 44/98 do Senado Federal (“IV: garantias: receitas próprias do Estado, as transferencias constitucionais e

os créditos de que trata a Lei Complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996″).

A vedação do “caput” do artigo 160 da Constituição, que diz respeito aos recursos atribuídos aos Estados na Seção “Da repartição

das receitas tributarias”, e epcionada pelo seu parágrafo único que dispõe que a vedação prevista neste artigo não impede a

União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias. A

interpretação do requerente no sentido de que os recursos a que alude esse parágrafo único não seriam os referidos no “caput”,

mas somente os resultantes das transferencias voluntárias feitas pela União em virtude de convênio ou pacto para a suplementado

de recursos para determinado programa, não se compadece com a circunstancia de que, numa seção que disciplina as

transferencias obrigatórias a ser feitas pela União, e em que, a respeito delas, ha a vedação de retenção prevista no “caput” desse

artigo 160, a elusão de vedação de retenção contida no parágrafo único somente pode referir-se a essas transferencias, e não a

outras que, alem de não estarem expressamente mencionadas, tem natureza completamente estranha a tal seção e ao “caput” do

artigo a que logicamente se prende o parágrafo único, e transferencias que, por serem voluntárias, não estão sujeitas a nenhuma

vedação constitucional que necessite de ser afastada por eção contida em dispositivo dessa mesma Constituição. Ademais, a

eção do parágrafo único não anula o principio do “caput”, pois ela se aplica, no tocante a União, somente quando ha créditos

desta e de suas autarquias em face do Estado, e não em outras hipóteses. E de notar- se, ainda, que, como acentua MANOEL

GONCALVES FERREIRA FILHO (“Comentários a Constituição Brasileira de 1988”, vol. III, p. 133, Saraiva, São Paulo, 1994),

essa retenção pode implicar constitucionalmente compensação: “Ressarcimento de credito da União. Somente este

condicionamento e admitido quanto a entrega de recursos pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Pode

assim ocorrer a compensação entre os débitos para com a União e autarquias, e o credito do ente federativo a transferencias

federais”. No mesmo sentido, em face do texto originário do parágrafo único do artigo 160 que continha a mesma norma com

referencia a União Federal, PINTO FERREIRA (“Comentários a Constituição Brasileira”, vol. V, p. 511, Saraiva, São Paulo, 1992)

anotou: A União esta dotada de dois direitos: a) o direito de retenção, quando os seus créditos não forem pagos; b) o direito de

compensação, pagando somente as pessoas de direito publico os créditos que devem receber, com os descontos de que devem. E

como se trata de retenção e de compensação que resultam da Constituição não estão ambas sujeitas evidentemente aos requisitos

que decorrem da conceituado civil desses dois institutos jurídicos.

Por outro lado, quanto a vedação de vinculacao de receitas próprias do Estado-membro contida, com a redação advinda da

Emenda n. 3/93, no inciso IV do artigo 167, e ela, na parte final desse mesmo dispositivo, ressalvada com referencia ao disposto no . 4. dele, que reza: “E permitida a vinculacao de receitas próprias geradas pelos impostos a que se referem os arts. 155 e 156, e dos

recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II, para a prestação de garantia ou contragarantia a União e para

pagamento de débitos para com esta”. Portanto, e a própria Constituição que permite a vinculacao dessas receitas próprias e

desses recursos não só para a prestação de garantia a União Federal, mas também para pagamento de débitos para com esta. Se

essas garantias se destinam elas mesmas ao pagamento de débitos para com a União Federal, e, portanto, tem natureza de

garantias reais, não se me afigura, ao menos de plano, que a forma de eução extrajudicial prevista na clausula 18.

(transferencia, devidamente autorizada pela legislação estadual, a União, mediante cessão, condicionada a ocorrência de

inadimplemento das obrigações pactuadas, a titulo “pro solvendo”), que possibilita a efetiva viabilização dessa garantia

constitucional em que as receitas seu objeto continuam em poder do devedor, seja inconstitucional. E em se tratando de eução

de garantia real admitida constitucionalmente, não ha que se invocar ofensa ao artigo 100 da Carta Magna que se refere a

pagamentos, em virtude de sentença judicial, dos débitos da Fazenda Publica que correspondem aos créditos que não tenham

garantia dessa natureza que e epcionalmente permitida pela própria Constituição.

É, ainda, de observar-se que, se essas duas clausulas se apoiam, como decorre desse eme sumario, em preceitos constitucionais

específicos, não se pode sustentar que elas, que foram aceitas pelo Estado de Minas Gerais, inclusive com autorização legislativa

especifica, sejam inconciliáveis com a autonomia estadual e com o principio federativo.

Por fim, a alegação de que essas clausulas só poderiam aplicar-se se houvesse inadimplemento injustificado, o que, no caso, não

ocorreria pela existência de forca maior, diz respeito, não a inconstitucionalidade de tais clausulas ou a revisão delas, mas, sim, a

sua incorreta aplicação (eução de garantia por falta de pagamento que não seria devido pela impossibilidade objetiva e

absoluta de adimplemento da obrigação), o que não se enquadra nos limites da ação principal a ser proposta, os quais, segundo a

inicial desta medida cautelar, se adstringirão aos dois referidos aspectos. Tal alegação, pois, não e susceptível de apreciação neste

eme da liminar requerida.

5. No concernente a que as clausulas impugnadas, ainda que não fossem consideradas inconstitucionais, não poderiam ser

utilizadas contra o requerente “em decorrência de onerosidade essiva ou de estado de necessidade administrativo”, essa

pretensão só se pode prender ao pedido alternativo que devera fazer na ação principal e e o da revisão dessas clausulas em

decorrência da insolvência do Estado de Minas Gerais resultante da atuação da União no plano econômico.

Também a esse respeito, em eme compatível com pedido de liminar, não tenho por demonstrado o “fumus boni iuris”.

Não ha duvida de que o principio pacta sunt servanda, quer no campo dos contratos privados, quer no terreno dos contratos

públicos, inclusive administrativos, não tem caráter absoluto no direito moderno. No Brasil, doutrina e jurisprudência admitem,

embora com cautela principalmente por parte desta, o principio que vem da antiga clausula “rebus sic stantibus” e que

modernamente se apresenta em modalidades como a da “teoria da imprevisão” ou a da “onerosidade essiva”, afastando-se,

quando ocorrem seus requisitos, a imutabilidade do pactuado nos contratos comutativos de trato sucessivo, para admitir sua

resolução ou, as vezes, sua revisão. Civilistas e publicistas salientam que essas teorias só se aplicam a tais contratos quando se

verificarem os requisitos assim arrolados por CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA (“Instituição de Direito Civil, vol. III, 5. ed., n.

216, p. 141, Forense, Rio de Janeiro, 1981): “Para que se possa, sob fundamento na teoria da imprevisão, atingir o contrato, e

necessário ocorram requisitos de apuração certa: a) vigência de um contrato de eução diferida ou sucessiva; b) alteração

radical das condições econômicas objetivas no momento da eução, em confronto com o ambiente objetivo da celebração; c)

onerosidade essiva para um dos contratantes e beneficio egerado para o outro; d) imprevisibilidade daquela modificação”. E

HELY LOPES MEIRELLES (“Direito Administrativo Brasileiro, 23. ed., p. 212, Malheiros Editores, São Paulo, 1998) acentua que

a teoria da imprevisão “e a aplicação da velha clausula “rebus sic stantibus” aos contratos administrativos, a emplo do que

ocorre no ajustes privados, a fim de que sua eução se realize sem a ruína do contratado, na superveniência de fatos não

cogitados pelas partes, criando ônus essivo para uma delas, com vantagem desmedida para a outra”.

Ora, no caso, não se apresentam, de plano, esses requisitos. Com efeito, trata-se de um contrato de confissão, promessa de

assunção e refinanciamento de dividas, pelo qual a União Federal assumiu a divida mobiliaria do Estado em face dos credores

privados deste a custos de mercado, enquanto o Estado de Minas Gerais passou a dever a União com o beneficio de ta fi de

juros, muito inferior a de mercado, e com o comprometimento de sua receita liquida, no ano de 1999 limitado a 12% e a 13% a

partir do ano 2.000. Só por isso se vê que e difícil de sustentar que, em decorrência das condições econômicas objetivas no

momento da eução em confronto com o ambiente objetivo no da celebração (ocorrida em fevereiro de 1998), esta havendo, no

cumprimento desse contrato, onerosidade essiva para o requerente e beneficio egerado para a União Federal. Alias, o próprio

requerente, a fls. 35, no item 155, em face da assunção de sua divida pela União, diz que esta, sem a eução de suas garantias,

não sofrera danos, porque “alem de dispor de meios para suprir a ausência de recursos como política monetária e de juros,

aumento de impostos ou criação de novos, ela poderá rolar a divida ou captar recursos no mercado”, o que, ao contrario, evidencia

que ela sofrera danos, com o aumento da divida publica interna em virtude da rolagem dos débitos decorrentes dessa assunção de

divida mobiliaria ou com a necessidade de captação de recursos no mercado aos custos deste, e, para fazer face a eles, terá de repassa-los aos contribuintes, inclusive do Estado de Minas, com o aumento de impostos ou com a criação de novos. Ademais, não

só não houve radical alteração nas condições econômicas existentes quando da celebração do contrato, porque já então havia

graves problemas com o plano de que resultara a instituição do real, como o do desemprego, o da recessão econômica, o das

evidentes dificuldades da aprovação e da implantação das reformas constitucionais pretendidas e o dos efeitos da vigência da Lei

complementar n. 87/96, mas também era perfeitamente previsível o agravamento dessas dificuldades a medida em que o tempo

passasse. E, note-se, por fim, que, ainda quando se entenda que o denominado Código do Consumidor, na parte final do inciso V do

artigo 6., tenha adotado o principio da essiva onerosidade sem o requisito da imprevisibilidade para permitir a revisão do

contrato, essa norma se destina, nas relações de consumo, a defesa da parte tida como mais fraca, que e o consumidor, o que não

ocorre, evidentemente – dai não ser possível aplicar-se por analogia esse principio especial -, quando se trata de contrato firmado

entre a União e Estados-membros, ambos devidamente autorizados por lei. Alem disso, e preciso, mesmo em se tratando de

consumidor, que haja grave desequilíbrio entre prestação e contraprestação, tornando-se esta essivamente onerosa para o

consumidor e, portanto, essivamente vantajosa para a outra parte contratante, o que, no caso, não se da.

Por outro lado, o estado de necessidade, quer no direito publico, quer no direito privado, não da margem a resolução de contrato

ou a revisão de clausulas contratuais. E ele circunstancia eludente de ilícito absoluto e, consequentemente, de responsabilidade

civil extra- contratual, e não de ilícito relativo como o e o inadimplemento contratual. BIELSA (“Derecho Administrativo”, tomo I,

6.. ed., n. 23, II, p. 114, La Ley, Buenos Aires, 1964), tratando do estado de necessidade no direito administrativo, salienta: “No

direito administrativo o estado de necessidade, como justificativa do dano causado pelo poder publico, determina a isenção de

responsabilidade do Estado ou de seus agentes” (“En el derecho administrativo el estado de necessidad, como justificativo del dano

causado por el poder publico, determina la encion de responsabilidad del Estado o de sus agentes”). No mesmo sentido,

CRETELLA JUNIOR (Ob. Cit., vol. VIII, n. 71, p. 103, Forense, Rio-Sao Paulo, 1970), eminando a responsabilidade

extra-contratual do Estado, observa que “o estado de necessidade e tambem elusivo da obrigacao de indenizar e, portanto, da

responsabilidade, afigurando-se como situacao em que predomina o interesse geral sobre o interesse pessoal, conveniencia e

mesmo direitos individuais” E no Codigo Civil brasileiro o estado de necessidade esta previsto no inciso II e no paragrafo unico do

artigo 160 como circunstancia eludente do ato ilicito absoluto que e definido no artigo 159.” (In Revista de Direito

Administrativo, v. 215/240-5)

Por outro lado, deliberou o Pretório Elso a impossibilidade de o Judiciário imiscuir-se na liberdade do Ente Público de celebrar

contratos administrativos. (RE nº 241.757 (AgRg) – MA, in RTJ 182/761/2)

2. Improvimento do agravo regimental

ACÓRDÃO

___________________

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de dezembro de 2007.

Como citar e referenciar este artigo:
JURISPRUDÊNCIAS,. TRF4, 00021 AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2007.04.00.040508-0/RS, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz , Julgado em 01/16/2008. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/jurisprudencias/trf4/trf4-00021-agravo-em-agravo-de-instrumento-no-2007-04-00-040508-0-rs-relator-des-federal-carlos-eduardo-thompson-flores-lenz-julgado-em-01-16-2008/ Acesso em: 05 jul. 2025
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