Por Igor Búrigo, Amanda Nunes e Isabela dos Anjos
No ano de 2008, Satoshi Nakamoto, um personagem enigmático e até hoje desconhecido, publicou um whitepaper intitulado de “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”, através do qual criou o Bitcoin, a primeira criptomoeda descentralizada. O objetivo primário seria fundar um novo sistema monetário que não estivesse mais sujeito aos “crashes econômicos” — a exemplo do que ocorreu em 2008 com a bolha imobiliária dos Estados Unidos.
Desde então, a popularidade do Bitcoin, e de outras várias criptomoedas, teve um crescimento vertiginoso. Estima-se que, no início de 2023, o número de investidores nas moedas digitais ao redor do globo chegue a 420 milhões de pessoas. No Brasil, mais de 1,5 milhões de investidores depositam o seu capital nas criptomoedas, o que demonstra a importância do tema para o ordenamento jurídico brasileiro. Mas, afinal, criptomoedas e criptoativos são a mesma coisa? Na verdade, não.
Os criptoativos se diferenciam das criptomoedas, pois toda criptomoeda é um criptoativo, mas nem todo criptoativo é uma criptomoeda. Assim, é possível dizer que as criptomoedas são uma espécie de criptoativo usado em transações financeiras virtuais, sem um lastro oficial e, também, sem serem emitidas nem reguladas por uma autoridade monetária. Essas características, por um lado, evitam possíveis manipulações pelo governo e, por outro, causam insegurança ao consumidor, que pouco pode fazer caso tenha seus ativos desvalorizados repentinamente ou seja vítima de um golpe..
Nesse contexto, é possível dividir os tipos de criptoativos em: NFTs (tokens não-fungíveis): criptoativos colecionáveis que representam muitas vezes ativos tangíveis e intangíveis como obras e arte, itens de videogames, música, vídeos, carros e imóveis; Stablecoins: criptomoedas com lastro em algum ativo estável, como metais preciosos ou commodities, tornando-se assim menos volátil; Finanças descentralizadas (DeFi): criptoativo que replica os serviços financeiros atuais, mas sem intermediários; Web3: criptoativo que devolve a posse dos dados aos usuários, tentando assim promover uma internet descentralizada, sem a intermediação das big techs.
Também é possível dizer que os criptoativos são representantes de valores que existem apenas nos meios digitais, e exercem funções nas esferas de investimento e especulação. São ativos descentralizados, cujos bancos centrais dos países não têm controle, possibilitando a transação entre indivíduos e empresas sem a intermediação de uma instituição financeira.
Apesar da carência ao direcionamento de uma legislação aprofundada para a regulação dos criptoativos em território brasileiro, a Receita Federal do Brasil não se ausentou de regulamentar a tributação sobre os mesmos. Assim, na Solução de Consulta DISIT/SRRF06 Nº 6008, de 19 de maio de 2022, há a descrição do encargo sobre tais ativos.
A aplicação do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física é sobre o capital obtido na alienação de criptomoedas — mesmo que a moeda de aquisição ainda não tenha se voltado ao real ou a outra moeda fiduciária. Ademais, submete-se à alíquotas progressivas, em conformidade com o art. 21 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995.
Dentro das disposições, encontra-se a isenção para quando a diferença positiva entre o total de alienações de criptomoedas dentro do período de um mês, incluindo-se todas as espécies desta, e o custo das aquisições seja igual ou inferior a R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). Quando a diferença está entre os valores de R$ 35.000,00 e R$ 5 milhões, a alíquota do IR aplicada é de 15%. Já quando os ganhos ultrapassam R$ 5 milhões, a aplicação é de uma tabela progressiva de 15% a 22,5%.
Quando as operações acontecem no exterior, há também o emprego das taxas entre 15% e 22%. Em primeiro lugar, deve-se ver se os recursos utilizados e os ganhos foram em reais (R$). Caso não sejam, devem ser convertidos em dólares (americanos – US$) com posterior conversão para reais. O pagamento deve ser realizado até o último dia útil do mês seguinte ao ganho.
Para as negociações no exterior, existem ainda duas declarações. A primeira para a Receita Federal para quando há o ganho superior a R$ 30.000,00/mês, chamada de “Declaração sobre operações realizadas com criptoativos”. E a segunda, para o Banco Central, para quando o patrimônio no exterior é superior a US$ 1 milhão, chamada de “Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior”.
Além do entendimento da Receita Federal, também há um esforço do Congresso Nacional em suprir a lacuna legislativa existente na matéria de tributação de criptoativos. Exemplo disso foi a sanção da Lei nº 14.478/2022, também conhecida como Marco Legal dos Criptoativos, que dispõe sobre a regulação do mercado de criptoativos no Brasil e evidencia não só a preocupação com a sua regulamentação, mas também com a fixação de diretrizes a serem seguidas por órgãos reguladores.
Dentre as justificativas para a promulgação do Marco Legal, destaca-se a motivação de ordem penal, tendo em vista a possível utilização de criptomoedas em atividades criminosas, como lavagem de dinheiro. Ademais, outra motivação é de ordem consumerista, tendo especial enfoque na vulnerabilidade dos consumidores, que estão expostos a prejuízos financeiros sem proteção legal, atraindo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Nessa perspectiva, a Lei nº 14.478/2022 procura regulamentar a atividade das pessoas jurídicas que prestam serviços ligados aos criptoativos, como troca, custódia, transferência ou administração desses ativos. Além disso, estabelece parâmetros para atuação das empresas prestadoras de serviços de ativos virtuais, como a necessidade de prévia autorização de órgão ou entidade da Administração Pública Federal. Ao que tudo indica, apesar de não estar contido na letra da lei qual será o órgão competente, o Banco Central assumirá a função de autorizar o funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais no território brasileiro.
Ademais, o Marco Legal também previu alterações em âmbito penal, que têm como objetivo coibir excessos que coloquem em risco bens jurídicos, como economia popular e o bem-estar dos investidores e consumidores. Nesse sentido, a nova legislação trouxe como uma de suas maiores inovações a criação de um novo tipo penal, referente a fraudes “com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros”, além da alteração da Lei nº 9.613/98 (que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro), prevendo uma nova agravante com o aumento de pena de ? a ?, se os crimes ali previstos forem cometidos por meio do uso de ativos virtuais.
Por fim, vale destacar que o projeto inicial do Marco Legal dos Criptoativos fala em “moedas virtuais”, mas o Projeto de Lei aprovado pela Câmara dos Deputados troca o termo por “ativos virtuais”, definindo-os como: “representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para a realização de pagamentos ou com o propósito de investimento”, e permitindo a inclusão de outros criptoativos na norma, como os NFTs (Non-Fungible Tokens). Mesmo que tal criptoativo não tenha sido citado expressamente pelo texto legal, isso não impede que regras futuramente estabelecidas pelo órgão regulador venham a impactar tais questões.
Apesar disso, entende-se que a ausência da abordagem de conceitos como “NFTs”, “DeFi” e “Web 3” pelo Marco Legal é positiva, visto que tais questões possuem particularidades relevantes, necessitando de futuras regulações próprias, e impossibilitando a aplicação automática de regras criadas para o contexto das criptomoedas.
Apesar de existir uma tendência legislativa envolvendo a tributação de criptoativos no Brasil, vale ressaltar que o país verde-amarelo não é pioneiro — muito menos referência — no assunto. Em pesquisa realizada pela empresa “Coincub”, que listou os 45 melhores países para se investir em criptomoedas, o Brasil figura apenas na 42ª posição, na frente apenas do Chipre, Paquistão e China. O levantamento levou em conta questões como o cenário regulatório, legislações tributárias e mercado financeiro para avaliar a recepção positiva ou negativa às criptomoedas.
Por sua vez, países como Alemanha, Singapura e Estados Unidos figuram no topo da lista como as melhores nações para se investir nas moedas virtuais, que contém a combinação de cenários necessária para se permitir o crescimento exponencial, mas sustentável dos criptoativos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Receita Federal (ou Internal Revenue Service) prevê a tributação sobre os ganhos de capital com criptomoedas conforme o tempo pelo qual a pessoa detiver o ativo e a sua renda mensal. No caso dos ganhos de capital de curto prazo (criptomoedas detidas por menos de 1 ano), a tributação pode chegar a até 37%. Por outro lado, no caso dos ganhos de capital de longo prazo (criptomoedas detidas por mais de 1 ano), a tributação pode variar de 0% a 20%.
Diante de todo o exposto, é perceptível que o cenário tributário envolvendo os criptoativos no Brasil está em fase de desenvolvimento, mas ainda carece de muito amadurecimento. Comparativamente, é seguro dizer que outros países ao redor do mundo possuem estruturas normativas mais sólidas e mais seguras envolvendo os criptoativos, que permitem o crescimento econômico sem deixar o investidor desamparado ou impor um volume excessivo de tributos — o que deve ser o alvo da atividade legislativa brasileira.
Portanto, cabe aos inseridos no mercado de criptoativos que estejam atentos para a forma como as leis, diretrizes e regulamentações irão impactar os seus negócios em solo brasileiro. Diante do ambiente propício para o crescimento constante desses ativos digitais, há a deixa e a disposição para desdobramentos no campo tributário.