1. INTRODUÇÃO
Trata-se, no presente artigo, do normativismo ecocêntrico latino-americano que se consolida cada vez mais nessa região, onde se opera uma revolução do Direito, a partir da constitucionalização dos direitos da natureza. Para isso é fornecido um paralelo entre a teoria antropocêntrica e a ecocêntrica, fazendo uma distinção entre conceitos e traçando todo um histórico que permitiu a formação dessas teorias e suas concepções durante a história. Destaca-se a mitigação do antropocentrismo face às necessidades cada vez maiores da preservação dos bens comuns.
As constituições latino-americanas eram fortemente influenciadas pelos costumes e valores europeus. Fez-se necessário uma mudança de paradigma, que, no presente século, foi concretizada pelas constituições hodiernas, marcadas pela valorização social e cultural em forma de reformulação de suas instituições e a tentativa de integração com os outros países vizinhos.
Tais constituições buscam superar a dualidade: Desenvolvimento e proteção à natureza, buscando a plena justiça social associada ao desenvolvimento sustentável.
2. O ANTROPOCENTRISMO: DEFINIÇÃO E HISTÓRICO
Antropocentrismo é um vocábulo híbrido de composição greco-latina: do grego: anthropos, o homem (como ser humano, como espécie); – do latim: centrum, centricum, o centro, o cêntrico, o centrado. Antropocêntrico vem a ser o pensamento ou a organização que faz do homem o centro de todas as coisas, em cujo redor orbitam os demais seres, em papel subalterno. Tanto a concepção quanto o termo são filosóficos.
Essa corrente teve e tem grande força no mundo ocidental em virtude da ética judaico-cristã e das posições racionalistas, partindo-se do pressuposto que a razão (ratio) é atributo exclusivo do homem e se constitui no valor maior e determinante da finalidade das coisas.
Para Aristóteles (384-322 a.C), “o Homem está no vértice de uma pirâmide natural, em que os minerais (na base) servem aos vegetais, os vegetais servem aos animais que, por sua vez, e em conjunto com os demais seres, servem ao homem.”[1]
A tradição judaico-cristã encorpa essa posição de supremacia absoluta e incontestável do ser humano sobre todos os demais seres, como se pode constatar em passagens do Novo e do Velho Testamento.
Com o Renascimento, há o resgate dos valores humanos da cultura clássica, (a força, a beleza, o direito e a dominação), dando novo vigor ao antropocentrismo.
Com a Revolução Industrial, o Homem foi confirmado como dominador e manipulador do mundo. Nas palavras de Francis Bacon, a natureza deve ser subjugada e torturada até manifestar todos os seus segredos.[2]
Essa visão antropocêntrica do mundo contribuiu no sentido de que todas as demais criaturas, a fauna, a flora e os processos naturais fossem relegados ao segundo plano, não levando-se em consideração os valores intrínsecos da natureza, mas tão-somente, o arbítrio humano.
Em suma:
o antropocentrismo defende a centralidade indiscutível do ser humano e valoriza a natureza de um ponto de vista instrumental. Tal centralidade não implica a negação da necessidade de preservação da natureza, uma vez que o mundo natural constitui um recurso quase ilimitado, susceptível de poder ser utilizado para os mais diversos fins humanos (agrícola, industrial, medicinal). ALMEIDA (2009, p. 649)
3. O ECOCENTRISMO: DEFINIÇÃO E HISTÓRICO
Instaurada a Revolução Industrial, percebeu-se que o modo despótico como o homem interferia na natureza para viabilizar as demandas industriais causaria uma verdadeira irreversibilidade no tocante a escassez de recursos naturais, tendo em vista a maneira desmedida e ilimitada de como o homem explora a natureza, e quanta tempo esta demora para se regenerar.
O ecocentrismo surge para contrapor essa ideia de dominação absoluta do homem no contexto ambiental, defendendo o equilíbrio do ecossistema como um todo, não apenas o seu valor instrumental, mas o seu valor enquanto parte integrante de um mesmo sistema, no qual o ser humano igualmente está inserido. Assim, perante o imperativo de assegurar o equilíbrio desse sistema, o homem deve limitar determinadas atividades, com o fito de preservar o meio e os componentes desse meio, tais como a fauna, a flora etc..
Para a teoria ecocêntrica absoluta, o meio ambiente é considerado um bem em si mesmo, independentemente de qualquer interesse humano. Logo, para os ecocentristas os interesses do ambiente podem se contrapor aos interesses humanos.
Tal necessidade baseia-se no fato de que o mundo natural tem seu valor intrínseco, uma vez que ele é anterior ao homem. As leis do Direito positivo não podem ignorar as leis do Direito natural, assim como os direitos dos seres humanos não podem ignorar “direitos” dos seres não-humanos. Tamanha contradição colocaria em risco fatal a integridade e a sobrevivência de todo o planeta e logicamente a do próprio ser humano.
4. MITIGAÇÕES DA VISÃO ANTROPOCENTRICA: A NECESSIDADE DE UM DESENVOLVIMENTO ALIADO À NATUREZA
Procurando aliar o desenvolvimento com a preservação da natureza, em 1987 é elaborado o Relatório Brundtland, a bíblia do desenvolvimento sustentável. Delineia-se a partir daí uma verdadeira ética desenvolvimentista, nesse sentido, todo desenvolvimento teria um limite que seria a sustentabilidade social e econômica.
Nos documentos finais da Cúpula dos Povos da Rio +20 evidencia-se nitidamente um traço ecocêntrico, quando o antropocentrismo é descrito como “enxergar o ser humano como o centro e não como parte de uma Biodiversidade”[3], assim como a mercantilização da natureza, inclusive da água. Afirma-se, ali, que a defesa dos bens comuns passa pela garantia dos direitos humanos, indo, porém, mais além a ponto de acrescer a garantia dos direito da natureza, de agregar a solidariedade, bem como o respeito às cosmovisões e crenças de diferentes povos.
Também a Igreja Católica não tem sido insensível aos reclames sociais relativos à problemática do antropocentrismo absoluto e desmedido. Embora a ética cristã tenha como uma de suas arestas a autodeterminação do homem e a sua condição de “dominador da natureza”, o Catecismo critica o antropocentrismo desordenado, dessa forma a Igreja admite que as outras criaturas não estão totalmente subordinadas ao ser humano, por isso elas possuem um valor próprio e o ser humano não pode dispor dessas criaturas à maneira que lhe convier.
Cada criatura possui a sua bondade e perfeição próprias. (…) As diferentes criaturas, queridas pelo seu próprio ser, reflectem, cada qual a seu modo, uma centelha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus. É por isso que o homem deve respeitar a bondade própria de cada criatura, para evitar o uso desordenado das coisas. (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 339)
O Papa Francisco, na Laudato Si, a primeira encíclica da Igreja Católica cujo tema remete ao ambientalismo, reitera a posição da Igreja:
Não somos Deus. A terra existe antes de nós e foinos dada. (… ) Se é verdade que nós, cristãos, algumas vezes interpretámos de forma incorreta as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar que, do fato de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas. (…) Cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de a proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras. Em última análise, “ao Senhor pertence a terra” (Sl 24/23, 1), a Ele pertence “a terra e tudo o que nela existe” (Dt 10, 14). Por isso, Deus proíbenos toda a pretensão de posse absoluta: “Nenhuma terra será vendida definitivamente, porque a terra pertenceMe, e vós sois apenas estrangeiros e meus hóspedes” (Lv 25, 23) (LAUDATO SI, 67)
Cartas Constitucionais hodiernas reconhecem a necessidade de um meio ambiente equilibrado. A Constituição da Venezuela de 1999 revela preocupação com a preservação do direito ao ambiente seguro, sadio e ecologicamente equilibrado e com o dever do Estado de protegê-lo. Da mesma forma, o art. 33 da Constituição da Bolívia de 2009 também consagra o direito das pessoas a um meio ambiente saudável, protegido e equilibrado e introduz um novo ingrediente, a referência ao direito de outros seres vivos se desenvolverem de maneira normal e permanente. A Constituição do Equador de 2008 supera o antropocentrismo através da consagração dos derechos de la naturaleza e do buen vivir. A Constituição da Guiana de 1980 é consagradora do paradigma antropocêntrico cartesiano ao estabelecer em seu Cap. II, 36 que no interesse das gerações presentes e futuras, o Estado irá proteger e fazer uso racional dos seus recursos minerais, terra e água, bem como a sua fauna e flora, e tomará todas as medidas adequadas para conservar e melhorar o meio ambiente. Na Constituição Brasileira de 1988, art 225, verifica-se a necessidade de proteção e preservação do meio ambiente, pois este está intimamente ligado à preservação da espécie humana:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988)
5. CONSTITUIÇÕES ECOCÊNTRICAS NA AMÉRICA-LATINA
A história da América-Latina é marcada pela opressão: do meio ambiente, da cultura e do povo. Diante de tais violentações, obtida a independência, os países latinos puderam finalmente ter suas próprias normas, suas próprias Cartas Magnas. Não obstante tais conquistas, as constituições eram ainda fortemente influenciadas pelos costumes alheios, valores eurocêntricos, rastros daquele histórico opressor. Fez-se necessário uma mudança de paradigma, que, no presente século, foi concretizada pelas constituições boliviana e equatoriana, marcadas pela tentativa de valorização de suas próprias riquezas, em forma de reformulação de usas instituições, e inserção das tradições históricas, questões econômicas, sociais e ambientais em seu ordenamento jurídico.
6. A CONSTITUIÇÃO EQUATORIANA
No dia 28 de setembro de 2008, foi aprovada a Constituição equatoriana. Sem dúvida, sua contribuição principal foi sua visão biocêntrica, posto que introduz o conceito de ‘direitos da natureza’. Logo em seu preâmbulo celebra a natureza, a Pacha Mama, de que somos parte e que é vital para nossa existência e invoca a sabedoria de todas as culturas que nos enriquecem como sociedade. Em seu corpo, destaca-se o capítulo referente aos Direitos da Natureza. Em seu art. 71, dispõe:
Art. 71. A natureza ou Pacha Mama, onde se reproduz e se realiza a vida, tem direito a que se respeite integralmente a sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos.
Toda pessoa, comunidade, povoado, ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza. Para aplicar e interpretar estes direitos, observar-se-ão os princípios estabelecidos na Constituição no que for pertinente.
O Estado incentivará as pessoas naturais e jurídicas e os entes coletivos para que protejam a natureza e promovam o respeito a todos os elementos que formam um ecossistema.
Segundo Acosta e Martinez (2009), na Constituição do Equador (2008) a natureza (Pachamama) é reconhecida como um sujeito de direitos e o termo Bem Viver (Sumak kawsay) pode ser entendido como a vida em plenitude. É a vida em excelência material e espiritual. O sublime expressa a harmonia, o equilíbrio interno e externo de uma comunidade.
Pode-se afirmar a dupla contribuição da constituição equatoriana nesse sentido, pois ela não só amplia os direitos coletivos (artigos 56 a 60) como também estabelece um inovador capítulo que preceitua o chamado regime de bem viver e a biodiversidade e recursos naturais. Procura-se consagrar as demandas dos direitos coletivos a partir de um giro de perspectiva, de forma a reconstruir um modelo de Estado capaz de incorporar as diferenças radicais que o constituem, abrindo caminhos para a aceitação de propostas de interculturalidade, promovendo o discurso efetivamente dialético entre toda a sociedade (ACOSTA, 2008).
O caráter ecocêntrico desta carta reside em sua força cultural e em seu biocentrismo, pois incorpora ao mundo jurídico tal proteção à natureza ao ponto de dotá-la de direitos per se, que independem de danos à individualidade humana.
7. A CONSTITUIÇÃO BOLIVIANA
A eleição de Evo Morales como Presidente teve forte significância na história boliviana e latino-americana, posto que uma das primeiras medidas assumidas pelo novo governo foi a convocação de uma Assembleia Constituinte que culminou em um novo cenário: reunião dos representantes da plurinacionalidade boliviana e das minorias, com a consequente formação da Constitución del Estado Plurinacional de Bolivia.
Precursora, a Constituição Boliviana de 2009 cria uma estrutura plurinacional, na qual diversas etnias são reconhecidas como nações que compõem o Estado Plurinacional da Bolívia. Em termos institucionais, grande inovação pode ser constatada quanto aos critérios adotados pelo Tribunal Constitucional, dentre eles, informações culturais e antropológicas, baseados em estudos da Unidade de Descolonização do Tribunal Constitucional Plurinacional. Além disso, sua representatividade, assim como as demais instituições estatais, passou a ser mista. No mesmo sentido, reconheceu a coexistência de bases jurídicas diferenciadas para cada nação indígena, além da ordinária, para a formação de um modelo de jurisdição que respeita a historicidade de cada povo.
A nova constituição estabelece ainda uma cota de parlamentares indígenas, a ser estabelecida por circunscrições definidas em lei, direito à autonomia e ao autogoverno indígena, com o reconhecimento oficial de suas entidades territoriais e institucionais, propriedade exclusiva dos indígenas sobre recursos florestais de sua comunidade, dentre outras inovações. Seu teor de comprometimento com a afirmação das populações indígenas pode ser notado em seu preâmbulo, especialmente no trecho que se segue:
[…] Um estado baseado no respeito e igualdade entre todos, com princípios de soberania, dignidade, complementariedade, solidariedade, harmonia e equidade na distribuição e redistribuição do produto social, em que predomine a busca do bem viver; com respeito à pluralidade econômica, social, jurídica, politica e cultural dos habitantes desta terra; em convivência coletiva com acesso à agua, trabalho, educação, saúde e moradia para todos.
[…] o Estado Unitário Social de Direito Plurinacional Comunitário, que integra e articula os propósitos de avançar em direção a uma Bolívia democrática, produtiva, portadora e inspirador da paz, comprometida com o desenvolvimento integral e com a livre determinação dos povos.
É precisamente no reconhecimento dos povos indígenas, de sua cultura e tradição, que se encontra o caráter ecocêntrico da constituição boliviana, na medida em que, dessa forma amplia os sujeitos de direito, estendidos também ao meio ambiente, posto ser este parte das tradições. Desse modo, florestas, animais e a água, dentre outros elementos, como parte do meio indispensável à vida, adquirem proteção jurídica, tanto quanto o ser humano. Trata-se de estender o sentido de dignidade, que não mais se aplica apenas ao ser humano, como também passa a abranger a natureza (Pachamama). A água, por exemplo, deixa de ter caráter apenas patrimonial, para ter uma relação de complementariedade com o ser humano. Essa orientação tem sido nomeada de Bem Viver. Segundo Antônio Carlos Wolkmer, Fátima Wolkmer e Sérgio Augustin:
Nessa nova cultura orientada para o Bem Viver, o direito humano aos bens imprescindíveis à manutenção da vida é visto como patrimônio comum projetando-se, portanto, este direito a todos os seres vivos bem como para as gerações futuras. Trata-se de uma mudança paradigmática instrumentalizada no marco de algumas constituições, especialmente as da Bolívia e do Equador, tendo como pressuposto a compreensão da comunidade em harmonia, respeito e equilíbrio com a vida, celebrando a Pachamama da qual todos os seres vivos fazem parte. Nessa perspectiva, a partir da Ética Biocêntrica, vinculam o direito à água ao direito à natureza, tendo sua gestão orientada para o Bem Viver.
De acordo com essa visão, o desenvolvimento deve galgar com respeito à natureza, sendo por ela limitado. Não é de outra forma que a política do Bem Viver, consoante a análise de ALBERTO ACOSTA e EDUARDO GUDYNAS, é um campo de ideias em construção, que está se difundindo em toda a América Latina e pode criar ou cocriar novas conceitualizações adaptadas às circunstâncias atuais. Aspira ir mais além do desenvolvimento convencional e se baseia em uma sociedade onde convivem os seres humanos entre si e com a natureza. Para eles, nutre-se de âmbitos muito diversos, desde a reflexão intelectual às práticas cidadãs, desde as tradições indígenas à academia alternativa.
8. OS TRATADOS E CONVENÇÕES
Devido à amplitude e complexidade do tema, assim como ao fato de envolver toda a comunidade do planeta, a questão ambiental, mais especificamente como proposta pela visão ecocêntrica, é de interesse de todos os países, de toda a comunidade internacional — embora por vezes considerada sob o prisma do antropocentrismo, preservando a natureza apenas nos aspectos relativos à vida humana.
Como primeiro instrumento a reconhecer o direito fundamental ao meio ambiente no plano internacional foi a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, um verdadeiro referencial ético no que diz respeito à proteção do meio ambiente.
Em seguida, a Declaração de Estocolmo, que abriu caminho para o reconhecimento de um ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano fundamental pelas constituições que se seguiram (entre elas, a CF/88). A partir de então, o tema deixou de ser discutido internamente e passou para um debate cada vez mais global.
Na América, destaca-se a Conferencia Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e os Direitos da Mãe Terra (2010), que culminou na proclamação da Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra. Nesta, as nações declaram ser a Mãe Terra um ser vivo, uma única comunidade, indivisível e autorregulada, de seres interrelacionados que sustem, contem e reproduz a todos os seres que a compõe, que cada ser se define pelas suas relações como parte da integrante da Mãe Terra.
9. ECOCENTRISMO NO DIREITO BRASILEIRO
Contrariamente às constituições anteriores, a Constituição Federal de 1988, deu especial enfoque às questões ambientais. Compreende-se o compromisso do Estado para com a natureza, assim como da própria sociedade, embora tais direitos não se sobreponham ao direito à vida. Contudo, percebe-se seu caráter antropocêntrico na medida em que a preservação do meio ambiente, mais especificamente de sua qualidade, é meio para ser alcançada vida digna ao ser humano.
A principal norma referente ao tema está prevista no art. 225, CF, caput, o qual prevê que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Segue-se de vários incisos contendo meios de assegurar sua efetividade pelo poder público.
Os termos empregados, além de qualidade do meio ambiente, são utilização consciente, ambiente ecologicamente equilibrado, ambiente saudável, dentre outras, nitidamente tendenciosas para uma proteção finalística do ser humano em si e não da própria natureza como parte da vida e sujeito de direitos, como nas constituições boliviana e equatoriana. Em outras palavras, foram abordados apenas aspectos econômico e social do meio ambiente e, ainda, por que não, aspecto individual, posto que para qualidade de vida do cidadão como único sujeito de direitos.
Dessa forma, a tendência da atuação de judiciário brasileiro orbita no impedimento de danos ambientais ou seu ressarcimento, caso já tenham acontecido. No entanto, frequentemente os próprios aplicadores do direito priorizam pelo lado econômico em detrimento do ambiental, além da ineficácia da legislação ambiental no combate àqueles danos.
Não obstante às dificuldades apresentadas, pode-se concluir que, de modo geral, a Constituição de 1988 representou uma inovação no tema, diante da tentativa de conciliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental, assim como pela menção às gerações futuras, mas ainda distante de um caráter ecocêntrico, de uma regulamentação que valorize o aspecto cultural desse cuidado ou mesmo que tenha eficácia em sua execução.
10. CONCLUSÃO
Embora o antropocentrismo seja válido no sentido de elevar o homem à categoria mais alta no sistema ao qual está envolvido, é necessário ponderar no sentido de que um absolutismo desse conceito leva à própria degradação da espécie humana, pois agindo como um explorador da natureza sem se preocupar com o equilíbrio ambiental, o homem agride a si próprio e aos seus pares, pois a natureza é o seu habitat e o meio de onde tira sua subsistência.
O ecocentrismo surge para limitar o antropocentrismo, concebendo os outros seres e o próprio meio ambiente, como sujeitos de direitos. Limita, portanto, as ações do homem na natureza, inclusive quando os seus interesses estiverem em contramão aos “direitos” da natureza.
Essa visão tem ganhado força nos países latinos americanos, principalmente nos do Cone Sul, como é o caso da Bolívia, Equador e Venezuela.
Não adota-se no Brasil a teoria ecocêntrica, mas a Constituição de 88 mitigou a teoria antropocêntrica, pois a finalidade última da proteção à natureza disposta na Carta Magna de outubro não é a própria natureza, mas o homem.
REFERÊNCIAS
ACOSTA, Alberto. Bitácora Constituyente: ¡Todo para la Patria, nada para nosotros!. Quito: Ediciones Abya-Yala, 2008.
ACOSTA, Alberto; MARTINEZ, Esperanza. El buen vivir: Una vía para el desarrollo. Quito: Ediciones Abya-Yala, 2009.
ACOSTA Alberto y GUDYNAS, Eduardo. El buen viver mas allá del desarrollo. In Quehacer. Lima: Desco, 2011, p. 71-73.
MILARÉ, Edis; COIMBRA, José de Ávila Aguiar. Antropocentrismo x ecocentrismo na ciência jurídica. Revista de direito ambiental, São Paulo: Revista dos tribunais, ano 9, n.36, out?dez. 2004
PAPA FRANCISCO. Laudato Si, 2015
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 8. edição. São Paulo: Saraiva, 2007.
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.
[1] 28 MILARÉ, Edis; COIMBRA, José de Ávila Aguiar. Antropocentrismo x ecocentrismo na ciência jurídica. Revista de direito ambiental, São Paulo: Revista dos tribunais, ano 9, n.36, out?dez. 2004, p.11.
[2] MILARÉ, Edis; COIMBRA, José de Ávila Aguiar. Antropocentrismo x ecocentrismo na ciência jurídica. Revista de direito ambiental, São Paulo: Revista dos tribunais, ano 9, n.36, out?dez. 2004, p.11.
[3] Declaração final Pavilhão Azul – Cúpula dos Povos na Rio+20 21 de junho de 2012. Disponível em <http://cupuladospovos.org.br/2012/07/declaracao-dopavilhao-das-aguas-na-cupula-dos-povos/>. Acesso em: 09 jul. 2015.