Direito Constitucional

Direito ao esquecimento em colisão com a liberdade de imprensa e informação no Brasil

DELMON FERREIRA SENA[1]

DIEGO NOBRE MURTA[2]

RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade abordar tema de grande relevância para o ordenamento jurídico nacional, frente ao princípio da dignidade da pessoa humana e garantias fundamentais à intimidade e à vida privada, em face dos direitos de imprensa e informação, fazendo-se necessária ponderação e adequação dos direitos com fulcro na Constituição Federal. Assim discorremos sobre o direito ao esquecimento que ao ser violado causa diversos prejuízos à outros direitos, mas para que haja sua aplicação com harmonia será preciso interpretação por parte do Poder Judiciário, visto que na maioria dos casos onde tem sua aplicação é preciso suprimir o direito de expressão. Observaremos pontos de grande importância e relevância do direito ao esquecimento, que esta essencialmente focado em relevar a importância de uma avaliação constitucional, assim como a apreciação de decisões judiciais e na experiência estrangeira, visto que o Brasil tem a necessidade de leis próprias e específicas em relação ao conteúdo, não fixando a exatidão dos limites do direito ao esquecimento. Através da pesquisa, em um primeiro momento faremos considerações sobre a origem do direito ao esquecimento e os devidos apontamentos em meio aos direitos envolvidos nas relações sociais. Será exposto a ideia geral do direito ao esquecimento, que tem amparo legal nos direitos da personalidade e se alicerça no princípio da dignidade da pessoa humana, e veremos a repercussão na doutrina e jurisprudências brasileira. Concluiremos nossa leitura analisando a ponderação feita nos tribunais e, como vem sendo aplicado o direito ao esquecimento, se de fato tem aplicabilidade em nosso ordenamento jurídico pátrio.

Palavras-chave: Direito ao Esquecimento, Dignidade da Pessoa Humana, Direitos Fundamentais.

ABSTRACT

The purpose of this study is to address a topic of great relevance to the national legal order, to the principle of the dignity of the human person and fundamental guarantees of privacy and privacy, in the face of press and information rights. Adjustment of rights with fulcrum in the Federal Constitution. Thus we talk about the right to oblivion that when violated causes various damages to other rights, but for its application with harmony will require interpretation by the Judiciary, since in most cases where it has its application it is necessary to suppress the right Of expression. We will observe points of great importance and relevance of the right to oblivion, which is essentially focused on highlighting the importance of a constitutional evaluation, as well as the appreciation of judicial decisions and foreign experience, since Brazil has the need for specific and specific laws in Content, not establishing the exactness of the limits of the right to oblivion. Through the research, in a first moment we will make considerations on the origin of the right to the oblivion and the due notes among the rights involved in the social relations. It will be exposed the general idea of the right to forget, which has legal protection in the rights of the personality and is based on the principle of the dignity of the human person, and we will see the repercussion in Brazilian doctrine and jurisprudence. We will conclude our reading by analyzing the consideration made in the courts and, as the right to oblivion has been applied, if in fact it has applicability in our legal order.

Keywords: Right to Oblivion, Human Dignity, Fundamental Rights.

INTRODUÇÃO

Perante uma perspectiva atual, estamos em um eminente progresso tecnológico e uma breve transmissão de informações, o intitulado direito ao esquecimento tem adquirido posição de grande importância no nas demandas atuais, vem adquirindo uma nomenclatura diferente, assim chamados novos Direitos.

No primeiro momento veremos as origens históricas do direito ao esquecimento, e analisaremos o teor que esse direito contém, sendo um tema complexo. O direito ao esquecimento é um direito que visa impedir a invocação a público de fato pretérito concernente a alguém, sem motivo legítimo, está implícito na proteção da privacidade e, por conseguinte, na proteção da personalidade. Ele é uma ferramenta jurídica de conformação dos efeitos do transcurso do tempo aos valores partilhados pela sociedade.

Na segunda parte do trabalho veremos que o direito ao esquecimento é precedido de vários outros direitos já estabelecidos em nosso ordenamento jurídico atual, vindo o direito ao esquecimento para sanar eventuais colisões entre direitos fundamentais, tendo por finalidade a preservação da vida privada, dignidade, imagem e à reputação, consequentemente, na respectiva dignidade da pessoa humana e na condição universal de resguardo e melhoria da personalidade em suas variadas circunstâncias.

Dessa maneira, torna-se capaz de apreciar com transparência as ocorrências fáticas que abrangem o confronto de direitos fundamentais, frente a uma sociedade da informação, com grande repercussão acontecimentos no qual vem ao conhecimento de todos a problematização do direito ao esquecimento.

No terceiro momentos, será analisado ponderações à respeito dos aspectos peculiares do direito ao esquecimento, estando essencialmente focado em relevar a importância de uma avaliação constitucional, assim como a apreciação de decisões judiciais, relacionadas em acontecimentos de outros países, visto que o Brasil tem a necessidade de leis próprias e específicas em relação ao conteúdo, vivenciando apenas uma argumentação mais meticulosa e aprimorada na VI Jornada de Direito Civil. Veremos que será analisado cada caso concreto, podendo ser ou não aplicado o direito esquecimento. Termos por conclusão uma análise geral do direito ao esquecimento no Brasil e como será sua aplicação pelo Poder Judiciário.

ORIGEM HISTÓRICA DO DIREITO AO ESQUECIMENTO

A memória é uma faculdade essencial ao indivíduo. Desde os primórdios, o homem pré-histórico necessitava se recordar qual fruta era comestível, os locais adequados à caça e o caminho mais seguro para o refúgio. Naquele tempo, a capacidade mnemônica, poderia ser o diferencial entre alimentar-se ou envenenar-se, encontrar a presa ou ficar sem refeição, atingir seu destino final ou ser surpreendido por um predador na trilha. Esses saberes podem parecer, à primeira vista, simplórios; porém decorrem de uma sucessão de erros e acertos que se consubstanciam no conhecimento da melhor e mais segura alternativa indicada pela experiência pretérita face às incertezas presentes, que nos remete à nossa cultura.

O processo de esquecimento é uma necessária limitação biológica que tira as cores das memórias, apaga-as, distorce-as e, inclusive, transforma-as. Ou seja, a rememoração não traz à tona exatamente o fato do passado, pois o interpreta e recria-o com base nos sentimentos e acepções presentes da pessoa, como explica Costa (2013).

As teses sobre o direito ao esquecimento, tem como estudos a faculdade do indivíduo permitir que fatos advindos do seu passado, mesmo que verdadeiros, possam vir à tona no seu presente, fatos estes que possam lhe causar sofrimentos ou transtornos, psíquicos ou à sua imagem, haja vista que, nenhum indivíduo pode ser coagido a viver relembrando seu passado.

Uma das primeiras aplicações do direito ao esquecimento que ganhou destaque e deu enfoque ao direito, foi o “Caso Lebach”, ocorrido na Alemanha em 1973, onde 3 réus foram condenados pelo assassinato de 4 soldados alemães na cidade de Lebach. Dois deles foram condenados à prisão perpétua e o outro foi condenado à uma pena de 6 anos de reclusão. O réu que cumpriu a pena de 6 anos de reclusão, após ter cumprido sua pena em sua integralidade, ficou sabendo que uma emissora de televisão iria fazer uma retrospectiva sobre o crime do qual já havia tido o julgamento e o cumprimento da pena. Diante disso, o mesmo entrou com uma ação afim de que não fosse ao ar o referido programa, pois ele já teria pago sua pena com a sociedade. O caso chegou ao Tribunal Constitucional Alemão, que entendeu que o direito à privacidade iria prevalecer sobre o da informação, pois a exibição mediática iria remeter a fatos que haviam sido solucionados. É notável que em alguns casos o direito ao esquecimento prevalecerá sobre o direito à informação, como ficou evidenciado no “Caso Lebach” (RODRIGUES, 2013).

No Brasil, o direito ao esquecimento despertou uma discussão antes mesmo da internet se tornar acessível. Em sede jurisprudencial, os casos da Chacina de Candelária e de Aida Curi foram essenciais para determinar os preceitos do direito ao esquecimento no país. Ambos os casos tratam de conflitos entre direitos fundamentais: direito à privacidade, proteção da dignidade da pessoa humana, versus, direito à informação e livre manifestação de pensamento (RODRIGUES, 2013).

O cenário atual é do armazenamento de infindáveis dados pessoais conjugado com o passar do tempo, uma vez que a internet tem a pretensão de ser um armazém de informações, que a qualquer tempo ou lugar se tenha acesso a informação, de qualquer pessoa ou coisa. Mas o direito ao esquecimento não é uma discussão recente, há alguns anos já tem se falado sobre tema. Atualmente tem sido o destaque o tema devido a eternização de fatos e acontecimentos no mundo virtual, na internet, que facilita cada vez mais o acesso a acontecimentos antigos, fotos vazadas, vídeos, e informações, sendo um problema à vida privada na sociedade da informação.

A necessidade da criação e enfoque ao direito ao esquecimento se faz necessário, pois se deriva da concretização do princípio da dignidade da pessoa humana e do respeito aos direitos da personalidade.

O direito ao esquecimento surge para fazer uma ponderação entre os embates do direito à vida privada, à honra e à imagem frente à liberdade de expressão, que com o grande crescimento e progresso tecnológico, dos mais variados meios de comunicação, e o fácil acesso a divulgações de informações, torna-se frequente a colisão entre os direitos da personalidade e o direito de informar, um e outro devidamente previstos na Constituição Federal de 1988 (CF/88).

DIREITO AO ESQUECIMENTO

O Direito ao Esquecimento, já discutido internacionalmente, deriva-se dos direitos da personalidade, direito à honra, à intimidade, à vida privada, à imagem e do princípio fundamental da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. Fundamenta-se na faculdade de uma pessoa se recusar a trazer ao conhecimento público, fatos ou eventos de seu passado, que possam lhe causar danos, ou qualquer tipo de sofrimento ou constrangimento.

O Direito ao Esquecimento, ganhou grande ênfase no Brasil com o Enunciado n. 531 da VI Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho de Justiça Federal (CJF), que fixa: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.

O intuito do direito ao esquecimento é a proteção da vida privada e da imagem do ser humano. Mesmo diante de fatos verídicos deve-se observar o resultado da divulgação de determinadas informações, inclusive na esfera penal, que com o fim da pretensão punitiva, não sejam mais expostos os delitos de ex condenados, haja vista que, a pessoa já tenha se ressocializado com a sociedade. Eventual passado criminoso ou desabonador não deve ou precisar ser evocado, pois viola a dignidade da pessoa que merece ser deixada em paz.

O direito ao esquecimento está interligado à divulgação de informações de maneira intertemporal e visa impedir que os fatos pretéritos que algum indivíduo cometeu, altere consideravelmente os percursos do seu futuro em sociedade e só poderão continuar em circulação se estiverem de acordo com seu hodierno comportamento e até quando durar a finalidade que atinge o próprio proveito popular.

Segundo a doutrina, o direito ao esquecimento:

É aquele em que se garante que os dados sobre uma pessoa somente serão conservados de maneira a permitir a identificação do sujeito a eles ligado, além de somente poder ser mantido durante o tempo necessário para suas finalidades (Rulli Júnior; Rulli Neto, 2012, p. 426).

O direito ao esquecimento visa dar a possibilidade/oportunidade da pessoa poder elaborar uma nova história, a pessoa poder ser deixada em paz por fatos pretéritos.

É de suma importância destacar que a Lei de Execução Penal (Lei Federal nº 7.210/84) através da norma do art. 202, fica evidente o escopo de impedir que se mencione a condenação, na folha corrida, atestados ou certidões, depois de haver sido cumprida ou extinta a pena. Interpretando-se a norma de tal artigo, depreende-se que caso o cidadão cumpra ou seja extinta a pena, tem o direito de não constar esse passado em seus registros perante a Justiça, concretizando assim o direito ao esquecimento.

Diz assim referido artigo:

Art. 202. Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.

O direito ao esquecimento tem sua maior aplicabilidade e efetividade na esfera penal, em que os ex condenados buscam o direito à ressocialização, que apenas será alcançada de fato se estes indivíduos lograrem deixar apenas no passado os registros desabonadores e construírem uma nova visão e percepção perante a sociedade.

É conveniente ressaltar que o Direito passa por modos contínuos de estruturação, desconstrução e reedificações, e necessita satisfazer às indagações dos hodiernos paradigmas que se apresentam em sociedade a cada tempo/espaço. O direito ao esquecimento propõe um preenchimento na estruturação de um novo impasse para várias searas jurídicas, sendo introduzido no encadeamento da sociedade da informação/comunicação, a qual, em agravo a elevação tecnológica, provoca diversas violações de direitos primordiais. É de grande importância que tal direito seja mais efetivo na sociedade, para que possamos evitar várias problemáticas decorrentes de sua violação.

Dessa forma, vemos que é um tema de suma importância entre os doutrinadores, haja vista que, surgirá uma problemática ao se estudar os efeitos e benefícios de sua aplicabilidade, e futuras consequências de sua inaplicabilidade. É um tema atual e de grande relevância, pois veremos que sua aplicabilidade confronta com o princípio constitucional à liberdade de imprensa. Potencialmente há um conflito, de um lado se tem o direito de ser esquecido, que tem base nos direitos da personalidade e no princípio da dignidade da pessoa humana; do outro lado, se tem a liberdade de informação, que também possui viés constitucional, sendo necessário fazer uma ponderação entre tais direitos, o que veremos em uma leitura posterior.

Abordaremos de forma genérica a base do direito ao esquecimento, bem como os direitos da personalidade e o princípio da dignidade da pessoa humana.

DIREITOS DA PERSONALIDADE

De modo específico, a privacidade é resguardada dentre os direitos da personalidade. Visto que a construção da personalidade se dá em níveis, do íntimo ao público, cabe à pessoa escolher aquilo que expõe e aquilo que encobre, porquanto a percepção que seus pares têm de si funda-se nessas informações.

Os direitos da personalidade são fundamentais aos seres humanos estando inseparáveis do reconhecimento da sua dignidade, autênticos pedestais para assegurar o seu crescimento físico, psíquico e moral. Os direitos à privacidade, à intimidade, à imagem e à honra são intitulados de direitos da personalidade, encontrando assim respaldo no princípio da dignidade da pessoa humana. Estão expressamente no art. 5º, inciso X da Constituição Federal brasileira, cujo texto traz:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

X- São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Conforme Sidney Cesar Silva Guerra, os direitos da personalidade surgem com a humanidade e são pertinentes à condição humana:

Esses direitos, na verdade, são inatos, porque nascem com o próprio homem. Daí a concepção naturalista, que relaciona os direitos da personalidade com atributos inerentes à condição da pessoa humana, como por exemplo: a vida, a intimidade, a honra, a privacidade, a intelectualidade, a liberdade etc. (GUERRA, 2004, p. 11).

Nos tempos hodiernos, os indivíduos, em todo tempo, contraem direitos e se subordinam a deveres, em algumas ocasiões ocorre a colisão entre os direitos e deveres, podendo vir a ocorrer abusos dos chamados direitos da personalidade. O Estado tem por atribuição prezar pela preservação da paz social, além disso, de tutelar por eles. Nestes termos, tem a tarefa estabelecer normas em nível constitucional e infraconstitucional a fim de regularizar eventuais conflitos.

O Estado então encarrega de positivar os direitos da personalidade, ou seja, criar previsibilidade no ordenamento jurídico, exatamente para ter meios de defender estes direitos inatos do homem, já que a todo o momento, pelo fato de vivermos em sociedade, os entrechoques ocorrem (GUERRA, 2004, p. 12).

É importante ter uma efetividade dos direitos da personalidade, merecendo uma atenção especial, pois são fundamentais para o convívio social. “Esses direitos realizam a missão de defesa das pessoas diante do poder do Estado, e aí temos exatamente a concepção destes direitos constituindo as liberdades públicas” (GUERRA, 2004, p. 19).

Percebe-se, portanto, que os direitos da personalidade, à intimidade, à honra, à imagem e a vida privada encontram escopo em nossa carta magma, sendo protegidos e resguardados, caso forem descumpridos ou haja sua ocasional transgressão, a vítima terá direito a indenização pelos danos causados, podendo ser material ou moral.

Direito a Imagem, Honra e Privacidade

O direito de imagem, sendo um dos direitos da personalidade, consiste no direito de o indivíduo mostrar sua personalidade diante da sociedade, tendo correlação com o princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se deum direito inalienável e intransmissível, visto que não tem como transferi-lo de uma pessoa à outra.

Atualmente, o direito de imagem ocupa um posicionamento de notoriedade nos direitos da personalidade, diante do avanço dos meios de comunicação, que facilita a captação, reprodução e divulgação de forma coletiva ou em massa, muitas vezes até mesmo sem a autorização do titular da imagem, sendo necessário uma proteção intrínseca desse direito.

O direito à imagem está previsto no art. 20 do Código Civil brasileiro (Lei Federal nº 10.426/02). Veja a íntegra da norma:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.

É um direito essencial, e para o direito ao esquecimento é indissociável, vez que, o direito ao esquecimento visa resguardar o direito da imagem, imagens que tragam dor, sofrimento ou vergonha à vida atual de determinados indivíduos, melhor que fiquem no passado, que sejam esquecidos e apagados. Destarte, se faz necessário o direito da imagem para o estudo e desenvolvimento do tema.

Conforme diz José Afonso da Silva:

Honra é o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação. É direito fundamental da pessoa resguardar essas qualidades (SILVA, 2014, p. 211).

Em relação a privacidade vemos que:

O Direito subjetivo que consiste no poder de toda pessoa assegurar a proteção dos interesses extrapatrimoniais, de impedir a intrusão, a divulgação e a investigação na sua vida privada,garantindo a paz, a liberdade da vida pessoal e familiar, criando o dever jurídico em relação a terceiros de não se imiscuírem na vida privada alheia (SZANIAWSKI, 1993, p. 78).

Faz-se necessário abordarmos tais direitos pois, estão na base do direito ao esquecimento, pois havendo violação de um dos direitos, serão submetidos a apreciação do Poder Judiciário, uma vez que o direito ao esquecimento será pleiteado quando o indivíduo tiver sua honra, imagem ou privacidade, exposta a condição vexatória, fazendo necessário a menção dos institutos elencados acima.

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio da dignidade da pessoa humana, é um preceito constitucional inafastável, sendo praticamente um guia para todos os outros direitos e garantias fundamentais.

O princípio da dignidade da pessoa humana está fundamentado no art. 1º da Constituição Federal brasileira de 1988, que diz:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[…]

III – a dignidade da pessoa humana;

A dignidade da pessoa humana é, pois, o direito por sublimidade a desfrutar de direitos e garantias, e de que eles venham a tornam-se cada vez mais venerados. Joaquín Arce y Flórez-Valdés aponta, no respeito à dignidade da pessoa humana, quatro impactos principais, que são:

a) igualdade de direitos entre todos os homens, uma vez integrarem a sociedade como pessoas e não como cidadãos; b) garantia da independência e autonomia do ser humano, de forma a obstar toda coação externa ao desenvolvimento de sua personalidade, bem como toda atuação que implique a sua degradação; c) observância e proteção dos direitos inalienáveis do homem; d) não-admissibilidade da negativa dos meios fundamentais para o desenvolvimento de alguém como pessoa ou da imposição de condições subumanas de vida (FLÓREZ-VALDÉS, 1990, p. 149, apud NOBRE JÚNIOR, 2000, p. 187).

Dando enfoque na mesma questão, faz-se necessário o pensamento do jurista Moraes (2006, p. 16) diz que:

A dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

De maneira preliminar, tem que se perceber algumas perspectivas essências sobre este significativo princípio, que indica ser um dos princípios basilares de toda a formação que estrutura e concebe ordenamento jurídico pátrio, dos quais, sobretudo a faculdade de autonomia e liberdade dos indivíduos, consegue se apurar que:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAES, 2002, p. 128).

Além disso, falando acerca do tema, Luís Roberto Barroso diz que:

A dignidade da pessoa humana está no núcleo essencial dos direitos fundamentais, e dela se extrai a tutela do mínimo existencial e da personalidade humana, tanto na sua dimensão física como moral (BARROSO, 2010, p. 254).

Perante as informações exibidas, constata-se que o princípio da dignidade da pessoa humana inclui os mais relevantes direitos e preceitos fundamentais inerentes ao ser humano, incluindo muitos outros, a sua respeitabilidade física, psíquica e intelectual, além disto conceder autossuficiência para desempenhar voluntariamente a sua personalidade.

A dignidade da pessoa humana é instituto essencialmente necessário ao direito ao esquecimento, pois o indivíduo ao evocar o direito ao esquecimento busca ter uma vida digna, em que seu passado não seja violado, e para haver a dignidade muitos acontecimentos e fatos merecem ser esquecidos, para que o indivíduo tenha sua dignidade resguardada.

Vemos que o direito ao esquecimento é acolhido no conceito do princípio da dignidade da pessoa humana. Entretanto frequentemente tal direito ao esquecimento se colide frente a liberdade de imprensa e informação, direitos com status igualmente constitucional.

LIBERDADE DE IMPRENSA E INFORMAÇÃO

A liberdade de informação teve sua origem para atender aos interesses do ser humano na convivência entre si, na transmissão de informações e para desenvolvimento de um senso crítico, pressupostos em que se firma a ideia de democracia.

Tais direitos estão fixados expressamente no art. 5º, inciso IV, IX, art. 220° da Constituição Federal brasileira de 1988:

Art. 5º. IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

[…]

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

[…]

 Art. 220º A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

[…]

 § 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

A proteção dos direitos da personalidade abrange à liberdade de imprensa, que é um direito fundamental para o progresso social da humanidade, podendo ser destacado que a pessoa que vive e tem relações sociais tem a carência de se manter informada, de se inteirar das ocorrências e eventualidades da vida social nos dias hodiernos, sendo de suma importância a comunicabilidade entre as pessoas.

Temos o posicionamento de Silva (2013, p. 34) quanto ao tema, abordando que:

A necessidade de manter-se informado nos dias atuais é de grande relevância, hoje a facilidade de acesso aos meios de comunicação como emissoras de rádio, TV, jornais, revistas, internet e etc., é notadamente uma das maiores e com um poder de influência de forma a coibir a manipulação da opinião pública. A liberdade de informação nada mais é que a comunicação de um fato.

Vemos que na sociedade da informação os indivíduos necessitam se manter informados, desta maneira Rui Barbosa (2004, p. 32) diz que:

A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça. Um país de imprensa degenerada ou degenerescente é, portanto, um país cego e um país miasmado, um país de idéias falsas e sentimentos pervertidos, um país que, explorado na sua consciência, não poderá lutar com os vícios, que lhe exploram as instituições.

Podemos perceber que nos dias atuais, faz-se necessário à troca de informações, o ser humano tem a necessidade de ser informado, a comunicação se tornou algo imprescindível para convivência humana, mas teria limites a liberdade de informação?

De acordo com Marcelo Novelino (2010, p. 423), existirá três limites para exercício da liberdade de imprensa para divulgação de informações:

I – veracidade: a velocidade de transmissão das informações nos dias de hoje exige uma investigação proporcional, no sentido de que seja feito todo o esforço “possível” para se averiguar a veracidade da informação (“constitucionalmente veraz”). Como os equívocos não serão raridade, o direito de retificação, em contrapartida, também deve ser assegurado de maneira rápida;

II – relevância pública: o que se protege é a informação necessária à formação da opinião pública, em razão da sua importância dentro do sistema político. Por isso, a informação deve ser de “interesse geral” ou “relevante para a formação da opinião pública”, eixo em torno do qual gira este direito;

III – forma adequada de transmissão: a informação deve ser transmitida de maneira adequada para a formação da opinião pública, sem se estender a aspectos que não interessam a este ponto de vista e sem conter expressões injuriosas ou insultantes às pessoas sobre cuja conduta se informa.

Nesse mesmo sentido, sendo direito essencial ao estado democrático, o direito de informação tem papel de transmitir informações que sejam verídicas, vejamos o que diz Judicael Sudário de Pinho (2003, p. 128):

A liberdade de informação refere-se essencialmente à informação verdadeira, assim ocorrendo porque a imprensa é formadora de opinião pública, com relevante função social, possibilitando o amplo desenvolvimento da liberdade de opção da sociedade para reforçar o regime democrático.

Nos dias hodiernos, o direito de informação, torna-se cada vez mais uma condição essencial, pois, devido ao grande avanço tecnológico, os mais variados meios de comunicação são aprimorados, e com grande acessibilidade transmitidos a toda sociedade.

Em alguns casos de fato ocorrerá a colisão entre os direitos fundamentais, Farias (1996, p. 47) diz que:

A liberdade de expressão e informação, estimada como um direito fundamental que transcende a dimensão de garantia individual por contribuir para a formação da opinião pública pluralista, instituição considerada essencial para o funcionamento da sociedade democrática, não deve ser restringida por direitos ou bens constitucionais, de modo que resulte totalmente desnaturalizada.

No Brasil temos diversos canais televisivos, canais de rádios, internet, que possuem abrangência nacional e internacional, divulgam informações em tempo ligeiramente rápido. O grande problema é que várias dessas informações transmitidas são de cunho particular, e em muitos casos, são acontecimentos que interferem e agridem alguns indivíduos que são expostos, por fatos que muitas vezes já se passaram e estão nas nuances do passado, então o embate entre direito ao esquecimento e direito da informação nasce, trazendo um problema, devido a liberdade ser consagrada na Constituição e o direito ao esquecimento ser derivado de preceitos constitucionais, preciso será a ponderação entre os dois.

PONDERAÇÃO DOS DIREITOSNOS TRIBUNAIS

Atualmente tem sido um tema que com muita frequência tem sido pleiteado nos Tribunais, o direito ao esquecimento cada vez mais, tem sido objeto de apreciação pelo poder judiciário, uma vez que serão os mesmos que farão uma ponderação entre a colisão de direitos, tendo o dever de dizer o direito, no caso concreto fazer a aplicação do direito apropriado, de trazer esclarecimentos conclusivos para sociedade atual.

No Brasil, já temos vários casos que o direito ao esquecimento foi pleiteado e teve sua apreciação, desde o Juiz de primeiro grau, até as cortes superiores, vemos diversos posicionamentos, a favor e contra o direito ao esquecimento, veremos alguns de forma breve.

Para o Min. Gilmar Ferreira Mendes do STF:

Se a pessoa deixou de atrair notoriedade, desaparecendo o interesse público em torno dela, merece ser deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais verdade com relação, por exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à sociedade. Ele há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária (COELHO, 2007, p. 374).

O Min. Luís Felipe Salomão (STJ,2013) tem posicionamento que:

Mais grave que a venda ou a entrega graciosa da privacidade à arena pública como ocorre quando da disponibilização a público, pelo próprio indivíduo, de suas informações pessoais, como uma nova mercadoria para o consumo da coletividade, é sua expropriação contra a vontade do titular do direito, por vezes um anônimo que pretende assim permanecer.

Diante do exposto, temos abordado o embate entre a privacidade e liberdade de imprensa, uma vez que, não é necessário, permanecer em público fatos que não são mais notórios em sociedade, conforme tem-se os pareceres dos ministros, diante disto, veremos a abordagem e aplicação do tema pelo poder Judiciário, desde de Juízo de primeiro Grau, até as cortes superiores.

“Caso Chacina da Candelária”

Pendente de recurso junto ao Supremo Tribunal Federal, a primeira aplicação do direito ao esquecimento, no Brasil, se deu pela 4ª turma do STJ, em um caso conhecido como a Chacina da Candelária, a corte superior reconheceu que havia tido violação ao direito ao esquecimento, onde um homem foi inocentado de uma acusação e foi retratado pela Rede Globo no programa Linha Direta, vários anos depois de sua absolvição, onde o mesmo já havia superado tal constrangimento e a emissora tirou o indivíduo do anonimato, trazendo o ódio social para imagem do mesmo, trouxe danos à sua honra, do qual foi obrigado a deixar a comunidade local em que vivia para garantir a segurança de seus familiares, onde a emissora foi condenada ao pagamento de indenização no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por danos morais, que está de maneira clara no REsp 1334097, no caso da Chacina da Candelária temos a evidente colisão entre os direitos da personalidade e a liberdade de expressão. Vejamos a decisão da corte.

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. SEQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA. REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO FATO. VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS CONDENADOS QUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES POSITIVADAS À ATIVIDADE INFORMATIVA. PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE RESSOCIALIZAÇÃO DA PESSOA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PRECEDENTES DE DIREITO COMPARADO. […] 2 Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, que reabriu antigas feridas já superadas pelo autor e reacendeu a desconfiança da sociedade quanto à sua índole. O autor busca a proclamação do seu direito ao esquecimento, um direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado. […]19. Muito embora tenham as instâncias ordinárias reconhecido que a reportagem se mostrou fidedigna com a realidade, a receptividade do homem médio brasileiro a noticiários desse jaez é apta a reacender a desconfiança geral acerca da índole do autor, o qual, certamente, não teve reforçada sua imagem de inocentado, mas sim a de indiciado. No caso, permitir nova veiculação do fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor, significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera no passado, uma vez que, como bem reconheceu o acórdão recorrido, além do crime em si, o inquérito policial consubstanciou uma reconhecida “vergonha” nacional à parte. […] (STJ, 4ª Turma. Resp. 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. em 28.05.2013).

Dessa maneira concluímos que no caso acima, ao se fazer a ponderação dos direitos, o direito ao esquecimento foi violado, fazendo-se necessário suprimir a liberdade de imprensa, pois ao executar seu direito, feriu o direito alheio.

Nesse contexto Rogério Greco (2013, p. 761) diz:

Não somente a divulgação de fatos inéditos pode atingir o direito de intimidade das pessoas. Muitas vezes, mesmo os fatos já conhecidos publicamente, se reiteradamente divulgados, ou se voltarem a ser divulgados, relembrando acontecimentos passados, podem ferir o direito à intimidade. Fala-se, nesses casos, no chamado direito ao esquecimento.

Vemos no caso acima que houve uma ponderação entre os direitos em conflito, e feito isso à aplicação do direito pertinente ao caso, o que mostra a importância do tema.

“Caso Aida Curi”

O Caso Aida Curi, trouxe comoção ao Brasil, pela forma violenta com que ocorreu, em 1958, Aida jovem de 18(dezoito) anos foi vítima de abuso sexual, violentada fisicamente, e teve seu corpo jogado de um prédio no Rio de Janeiro. Após mais de 50 anos do fato, o mesmo programa da Rede Globo, o Linha Direta, exibiu o caso de Aida, expondo fotos da jovem morta. Os irmãos de Aida fazendo-se valer do direito ao esquecimento ingressaram em Juízo, contra a emissora pleiteando indenização por danos morais, contudo, o Juiz de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos, decisão que foi mantida no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e em recurso especial interposto junto ao Superior Tribunal De Justiça, manteve-se mesma decisão. Vejamos a ementa.

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958. CASO “AIDA CURI”. VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. […] 5. Com efeito, o direito ao esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida Curi, sem Aida Curi. […] 8. A reportagem contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da morte de Aida Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a gerar responsabilidade civil. Nesse particular, fazendo-se a indispensável ponderação de valores, o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso, com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança[…] (STJ, 4ª Turma, REsp Nº 1.335.15–RJ, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. em 28.05.2013).

Vemos novamente a colisão entre o direito ao esquecimento e o da liberdade de imprensa, mas é necessário avaliar e fazer uma ponderação a partir de caso concreto, haja vista que, cada caso terá suas peculiaridades e suas características.

No Caso Aida Curi ao se fazer a ponderação de direitos, o Superior Tribunal de Justiça conclui que, a suposta vítima que foi exposta ao programa já estava morta, e os familiares não foram expostos à nenhuma situação vergonhosa, julgando os pedidos pleiteados pelos irmãos improcedentes, estando ainda pendente com recurso junto ao Supremo Tribunal Federal. 

“Caso Xuxa Meneghel”

O caso que envolveu a apresentadora Maria das Graças Xuxa Meneghel, popularmente conhecida como “Xuxa”, se tornou muito conhecido. A apresentadora participou de um filme onde aparece nua praticando atos sexuais como um garoto de 12 (doze) anos, motivo este que ficou conhecida como “Xuxa Pedófila” nas buscas no site da Google. Posteriormente a apresentadora moveu ação judicial pleiteando o direito ao esquecimento, afirmando que não poderia pagar uma pena perpétua pelo que tinha feito no passado, e ainda requereu que as imagens fossem banidas da internet para preservar sua imagem, e garantir sua dignidade. Porém a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que os provedores do Google não podem ser compelidos a controlar os resultados, e nem devem censurar a abrangência pela busca. Vejamos a ementa.

Ementa

CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC.GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE PESQUISA. FILTRAGEMPRÉVIA DAS BUSCAS. DESNECESSIDADE. RESTRIÇÃO DOS RESULTADOS.NÃO-CABIMENTO. CONTEÚDO PÚBLICO. DIREITO À INFORMAÇÃO.

1. A exploração comercial da Internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90.2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo”mediante remuneração”, contido no art. § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor.3. O provedor de pesquisa é uma espécie do gênero provedor de conteúdo, pois não inclui, hospeda, organiza ou de qualquer outra forma gerencia as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário.4. A filtragem do conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário nãoconstitui atividade intrínseca ao serviço prestado pelos provedores de pesquisa, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não exerce esse controle sobre os resultados das buscas.5. Os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de umuniverso virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seupapel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados. Dessa forma, ainda que seus mecanismos debusca facilitem o acesso e a conseqüente divulgação de páginas cujoconteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas sãopúblicas e compõem a rede mundial de computadores e, por isso,aparecem no resultado dos sites de pesquisa.6. Os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar doseu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ouexpressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou textoespecífico, independentemente da indicação do URL da página ondeeste estiver inserido.7. Não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação deconteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à informação. Sopesados os direitos envolvidos e orisco potencial de violação de cada um deles, o fiel da balança devepender para a garantia da liberdade de informação assegurada pelo art. 220§ 1º, da CF/88, sobretudo considerando que a Internetrepresenta, hoje, importante veículo de comunicação social de massa.8. Preenchidos os requisitos indispensáveis à exclusão, da web, deuma determinada página virtual, sob a alegação de veicular conteúdoilícito ou ofensivo – notadamente a identificação do URL dessapágina – a vítima carecerá de interesse de agir contra o provedor depesquisa, por absoluta falta de utilidade da jurisdição. Se a vítimaidentificou, via URL, o autor do ato ilícito, não tem motivo parademandar contra aquele que apenas facilita o acesso a esse ato que,até então, se encontra publicamente disponível na rede para divulgação.9. Recurso especial provido(STJ – REsp: 1316921 RJ 2011/0307909-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 26/06/2012, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/06/2012).

No caso em questão não prevaleceu o direito ao esquecimento, o STJ entendeu por unanimidade que o Google era apenas um facilitador e reprodutor de informação lançadas na rede, e julgou improcedente o pedido da apresentadora.

Vemos que competirá ao intérprete fazer a ponderação em cada caso concreto, observando suas peculiaridades pois nem sempre prevalecerá o direito ao esquecimento, o Poder Judiciário pátrio, ao se deparar com um conflito entre o direito à informação e o direito à privacidade, irá fazer uma interpretação das normas jurídicas, para que de forma maneira proporcional tenha uma resolução de conflitos de forma justa.

É certo que a ponderação nem sempre se resolverá em favor do direito ao esquecimento. O caso concreto deve ser analisado em suas peculiaridades, sopesando-se a utilidade informativa, na reiteração do fato pretérito, o modo de sua reapresentação e os riscos trazidos por ele à pessoa envolvida […] (SCHREIBER, 2013, p. 468).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exposto artigo foi criado diante de um tema complexo e de significativa relevância social e jurídica; social uma vez que indivíduos ligados a uma sociedade enfrentam problemas por não terem seus direitos respeitados; e, jurídico por que o direito ao esquecimento é um pouco omisso em sua previsão legal, sendo notória a carência de que o Poder Judiciário desenvolva e inove em recursos que possam lidar com a aparente antinomia constitucional, entre o direito de esquecer e o direito de informar.

Fica evidente que a sociedade atual se vincula diretamente aos mais variados meios de comunicação, que transmitem informações de maneira acessíveis a todos. Em muitos casos que deveriam ser apenas privados, se tornam públicos sem a permissão do titular, tornando um presente contínuo, devido ao armazenamento das informações, vindo a surgir o direito ao esquecimento com intuito de renovação diretamente ligado ao direito à privacidade e ao princípio da dignidade da pessoa humana, amparando os indivíduos que possuem fatos pretéritos privados divulgados, fatos estes já outrora superados. É preciso haver limites no cenário de armazenamento, onde o indivíduo que tenha fatos armazenados ligados a sua intimidade ou privacidade possa ter a faculdade de apagá-los quando tiver gerando danos à sua imagem ou reputação.

A falta de lei específica sobre o tema é foco de grandes debates na doutrina e enfrenta grandes desafios frente ao progresso tecnológico atual. Existe divergência quanto a sua aplicação, vemos no caso Aida Curi, em que não foi aceito o direito ao esquecimento, pois entendeu se que a liberdade de informação tem sido uma das estruturas para o Estado Democrático.

O direito ao esquecimento ganha então posição de destaque nesse sentido, em que a pessoa tem a faculdade de escolher quais partes de seu passado pode ser trago para sociedade da informação atual, uma vez que, se sua vida pretérita foi criminosa e a mesma já quitou sua dívida com a justiça, não deverá ser lembrada contra sua vontade, também visando impedir a publicidade de qualquer fato que venha trazer constrangimentos desnecessários sobre lembranças que já foram superadas com o tempo.

Haverá a necessidade de ponderação quando houver o embate entre o direito de informação e o direito ao esquecimento. É certo que a ponderação nem sempre se resolverá em favor do direito ao esquecimento, posto que o direito de informação é necessário para a vida em sociedade, e o direito ao esquecimento protege a memória do indivíduo. Havendo colisão entre tais direitos, o caminho a ser percorrido para esclarecimentos das dúvidas será o Poder Judiciário, que baseado nos fatos em cada caso concreto apreciará qual direito terá que ser resguardado e irá preponderar. Se tratando de hipótese de conflito entre direito ao esquecimento e direito à informação, recorre-se à teoria da ponderação de interesses, onde a partir da análise do caso concreto será dito qual direito deverá prevalecer sobre outro, sem que isso ocasione a sua anulação. Vemos que, nestes casos, a norma não perde sua eficácia, nem sua aplicabilidade, mas somente dá lugar a outro direito que, naquele caso específico se fez necessário.

Dessa maneira, podemos dizer que a liberdade de imprensa é imprescindível para o Estado Democrático de Direito, em que desempenha papel fundamental para o cenário da sociedade contemporânea, porém deve traçar limites, para que atinja sua função social com responsabilidade.

Podemos concluir que não haverá liberdade sem respeito à individualidade; sempre será observado o caso concreto para se chegar a uma solução razoável e admissível. Não será preciso suprimir o direito à informação para prevalecer o direito ao esquecimento, nem vice e versa, é preciso que haja harmonização entre eles para que à aplicação e convivência entre ambos se dê com respeito mútuo, que seja estabelecido limites, e que a dignidade do ser humano seja prioridade absoluta entre os direitos, conforme determina a Constituição Federal.

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[1] Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE.

[2] Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Bocaiúva-MG. Professor Assistente de Direito das Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE. Especialista em Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Empresaria e Direito Notarial e Registral. Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros.

Como citar e referenciar este artigo:
SENA, Delmon Ferreira; MURTA, Diego Nobre. Direito ao esquecimento em colisão com a liberdade de imprensa e informação no Brasil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/direito-ao-esquecimento-em-colisao-com-a-liberdade-de-imprensa-e-informacao-no-brasil/ Acesso em: 22 nov. 2024
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