Resumo: Este estudo se propôs a analisar a legislação federal vigente para o aproveitamento de águas pluviais no país. A demanda de água potável, para diversas finalidades é abundante. Não existe preocupação por parte do poder público em mitigar o problema de escassez hídrica atual. Uma boa alternativa é o aproveitamento de água de chuva, para fins não potáveis , como por exemplo, regar jardins, lavar calçadas e pisos, dentre outros. Desse modo, é necessário que haja uma legislação específica para regular o tema, indicando o sistema de coleta e armazenamento, bem como os parâmetros de qualidade da água , para não gerar nenhum tipo de contaminação ao usuário. A legislação deve se nortear a partir de princípios sociais, econômicos e ambientais. Porém, atualmente o Brasil carece de legislação para aproveitamento de água de chuva. Não há nada específico sobre o tema. Temos apenas uma Norma Técnica NBR 15.527 de 24.10.2007, publicada pela ABNT.
Analysis of Federal Legislation for the use of Rainwater in Brazil
Abstract: This study aimed to analyze the current federal legislation for the use of rainwater in the country. The demand for potable water, for various purposes is abundant. There is no concern on the part of the public power to mitigate the problem of current water scarcity. A good alternative is the use of rainwater for non-potable purposes, such as watering gardens, washing sidewalks and floors, among others. Therefore, it is necessary to have specific legislation to regulate the theme, indicating the collection and storage system, as well as water quality parameters, so as not to generate any type of contamination to the user. Legislation should be based on social, economic and environmental principles. However, Brazil currently lacks legislation for the use of rainwater. There is nothing specific about the topic. We only have a Technical Standard NBR 15.527 of October 24, 2007, published by ABNT.
Introdução
O aproveitamento de águas pluviais vem de longa data. O registro mais antigo que existe, é a Pedra Moabita de 830 A.C que foi encontrada em Moab, região perto de Israel, no Oriente Médio. Nela o rei Mesha sugere que seja feita uma cisterna em cada casa, para o aproveitamento de água da chuva. Sabemos que a utilização de água pluvial é uma fonte alternativa para mitigar, em alguns casos, a falta de água potável.
A água de chuva pode ser aproveitada para diversos fins. Seu uso para fins não potáveis inclui: descarga de vaso sanitário, irrigação de jardins e hortas, lavagem de pisos, veículos, etc
O governo brasileiro criou programas que incentivam o meio rural, construindo cisternas para os agricultores. O Programa Um Milhão de Cisternas foi firmado em parcerias com Ongs , objetivando ajudar na captação de água, para consumo das famílias, principalmente na Região Semiárida do Nordeste.
O Brasil possui uma norma para o aproveitamento de águas pluviais de cobertura em áreas urbanas para fins não potáveis, ABNT NBR 15.527/07. No meio rural ainda não há norma regulamentadora, apesar de seu enorme uso.
O Código das Águas, Decreto Federal n° 24.643 de 1934, foi a primeira legislação a mencionar o uso da água no País. Este código conceituou os vários tipos de água, os critérios para utilizar, os requisitos relacionados as autorizações e a questão da contaminação dos corpos d’ água (Cunha, 2008).
É importante e necessária a criação de projetos para obtenção de dados através dos resultados práticos. Isso possibilita o desenvolvimento de normativas, diretrizes, quanto ao uso da água de chuva e sua finalidade. Também possibilita a criação de novas leis que estabelecem os procedimentos da utilização da água pluvial que é tão importante na nossa realidade.
Objetivos
O objetivo principal deste artigo é analisar a legislação federal para o aproveitamento de água de chuva, verificando se elas fornecem subsídios necessários para permitir o uso dessa água se atentando para os parâmetros de qualidade, armazenamento, montagem do sistema, sem colocar em risco a saúde do usuário, bem como não deteriorar os equipamentos utilizados no processo.
Material e Métodos
Neste trabalho foi feito uma abordagem teórica das legislações federais, sobre captação de água pluvial e suas diversas aplicações. Desta forma, a pesquisa bibliográfica foi baseada nas legislações vigentes, em trabalhos anteriores que contextualizam as leis, guias e normas, com intuito de definir quais os critérios devem ser adotados para o sistema de captação.
Foram estudados três trabalhos de dissertação/tese, verificando qual legislação/norma foi aplicada em cada caso concreto e se a mesma atende o uso para qual se destina.
Resultados
Atualmente podemos dizer que não existe no ordenamento jurídico, uma lei que regule o uso de águas pluviais, tampouco um incentivo através de programas sociais do governo para aproveitar a água de chuva.
A legislação brasileira ainda não se atualizou sobre este tema, mesmo com toda a crise hídrica no país, esta questão vem sendo protelada.
Abaixo veremos a relação de base legal, levantadas no presente trabalho:
- Decreto nº 24.643 de 10/07/34 – Código das Águas
TÍTULO V
ÁGUAS PLUVIAIS
CAPÍTULO ÚNICO
Art. 102. Consideram-se águas pluviais, as que procedem imediatamente das chuvas.
Art. 103. As águas pluviais pertencem ao dono do prédio onde caírem diretamente, podendo o mesmo dispor delas à vontade, salvo existindo direito em sentido contrário.
Parágrafo único. Ao dono do prédio, porém, não é permitido:
1º, desperdiçar essas águas em prejuízo dos outros prédios que delas se possam aproveitar, sob pena de indenização aos proprietários dos mesmos;
2º, desviar essas águas de seu curso natural para lhes dar outro, sem consentimento expresso dos donos dos prédios que irão recebê-las.
Art. 104. Transpondo o limite do prédio em que caírem, abandonadas pelo proprietário do mesmo, as águas pluviais, no que lhes for aplicável, ficam sujeitas às regras ditadas para as águas comuns e para as águas públicas.
Art. 105. O proprietário edificará de maneira que o beiral de seu telhado não despeje sobre o prédio vizinho, deixando entre este e o beiral, quando por outro modo não o possa evitar, um intervalo de 10 centímetros, quando menos, de modo que as águas se escoem.
Art. 106. É imprescritível o direito de uso das águas pluviais.
Art. 107. São de domínio público de uso comum as águas pluviais que caírem em lugares ou terrenos públicos de uso comum.
Art. 108. A todos é lícito apanhar estas águas.
Parágrafo único. Não se poderão, porém, construir nestes lugares ou terrenos, reservatórios para o aproveitamento das mesmas águas sem licença da administração.
Vemos a definição de águas pluviais e o direito de uso, em seu art 118 cita a construção de cisternas.
- Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988
Art. 21. Compete à União:
I – manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais;
II – declarar a guerra e celebrar a paz;
III – assegurar a defesa nacional;
V – decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal;
(…)
XIX – instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; (Regulamento) grifo nosso
XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;
A Constituição Federal, objetiva assegurar, à atual e às futuras gerações, a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; a utilização racional e integrada dos recursos hídricos.
- Lei nº 9.433 de 08/01/97 – Política Nacional de Recursos Hídricos
Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos:
I – assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;
II – a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;
III – a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.
IV – incentivar e promover a captação, a preservação e o aproveitamento de águas pluviais. (Incluído pela Lei nº 13.501, de 2017)
CAPÍTULO III
DAS DIRETRIZES GERAIS DE AÇÃO
Art. 3º Constituem diretrizes gerais de ação para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos:
I – a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade;
II – a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País;
III – a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental;
IV – a articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional;
V – a articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo;
VI – a integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras.
Em 31/10/2017 foi publicada a Lei nº 13.501 que acrescentou um objetivo ao PNRH :
Art. 1o O caput do art. 2o da Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:
“Art. 2o ………………………………………………………
IV – incentivar e promover a captação, a preservação e o aproveitamento de águas pluviais.” (NR)
A PNRH visa o uso racional e integrado dos recursos hídricos, sempre pensando no desenvolvimento sustentável. Outro ponto que vale destacar é que esta lei, determina que a gestão dos Recursos Hídricosdeve ser descentralizada , contando com a participação do governoe a sociedade em geral.
- Resolução nº 357 de 17/03/05
Resolução do Ministério do Meio Ambiente – Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o melhor enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes. Define os principais impactos ambientais: despejos de efluentes domésticos e industriais nos rios; contaminação difusa pelo uso de fertilizantes e pesticidas de áreas agrícolas; degradação do solo rural pelo desmatamento e práticas agrícolas inadequadas; construção de obras hidráulicas; operação de aterros sanitários; contaminação de aqüíferos; mineração.
- MANUAL DE PROCEDIMENTOS TÉCNICOS E ADMINISTRATIVOS DE OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS DA AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS
A Agência Nacional de Águas – ANA – entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – possui, dentre as suas competências, aquela relativa à emissão de outorgas de direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União
- ABNT NBR 15527:2007 sobre aproveitamento de água de chuva em áreas urbanas para fins não potáveis.
Esta Norma fornece os requisitos para o aproveitamento de água de chuva de coberturas em áreas urbanas para fins não potáveis. Esta Norma se aplica a usos não potáveis em que as águas de chuva podem ser utilizadas após tratamento adequado como, por exemplo, descargas em bacias sanitárias, irrigação de gramados e plantas ornamentais, lavagem de veículos, limpeza de calçadas e ruas, limpeza de pátios, espelhos d’água e usos industriais.
Discussão
Como pode ser visto, não há uma legislação específica sobre o tema. Foram analisados também , trabalhos nacionais sobre o uso da água de chuva. O intuito foi selecionar trabalhos de regiões diferentes , para verificar qual base legal é aplicada para instaação do sistema de captação e qualidade da água.
Os estudos avaliados foram:
1. Qualidade da água de chuva no Município de Cuiabá e seu potencial para aproveitamento em usos não potáveis nas edificações (Gabrielly Cristhiane Oliveira e Silva) – 2010.
2. Avaliação da qualidade de água da chuva e da viabilidade de sua captação e uso (Sabrina Elicker Hagemann) – 2009.
3. Aproveitamento de água de chuva para fins não potáveis – Estudo de caso de uma edificação a ser construída no Rio de Janeiro (Antonio Pedro Fernandes Coscarelli) – 2009.
Abaixo alguns dados a se destacar , na Tabela 1:
Tabela 1
Tipo de captação |
Parâmetros analisados |
Legislação utilizada |
|
1 . |
Telha fibrocimento e Telhado cimento |
Fisio, químico e biológico |
Portaria 518 MS, Conama 357, ABNT 15.527 , Manual ANA |
2. |
Telhado |
Fisio, químico e biológico |
ABNT 15.527 |
3. |
Agua Precipitada (protótipo) |
Fisio, químico e biológico |
ABNT 15.527 , Manual ANA |
Através dos trabalhos selecionados, os parâmetros utilizados mais comumente é a ABNT 15.527/07 e o Manual ANA, tanto no sistema de captação quanto na analise da qualidade da água captada. A referida norma regulamenta o sistema do reservatório, a qualidade da água e o calculo de dimensionamento. Do reservatório. Já o Manual ANA oferece padrões de qualidade para água de reuso de acordo com sua utilização. Ela divide a água em quatro classes. Verifica-se a necessidade de uma legislação federal , para padronizar e orientar o usuário de água pluvial para fins menos nobres, gerando economia de água potável.
Conclusão
O aproveitamento de águas pluviais, ajuda na preservação dos recursos hídricos, influenciando na defesa do meio ambiente.
Partindo desta premissa, verifica-se a importância da criação de lei para orientar o uso dessas águas, determinando parâmetros para garantir a qualidade da água a ser utilizada, evitando trazer risco a saúde do usuário.
Atualmente existem legislações federais que regem os corpos hídricos, mas nenhuma para uso específico de água de chuva.
É de fundamental importância a participação do governo federal em parceria com estados e municípios, para elaborar planos de incentivo ao aproveitamento de água de chuva e integrar uma Política Nacional, visando alternativas ara economia de água potável.
A legislação deve ter cunho social e ambiental, contextualizando a atual situação de escassez do país, criando um sistema de gestão.
Destarte, o aproveitamento de água pluvial traz vantagens a sociedade, porém não existe legislação federal específica, o que dificulta a padronização de projeto de captação e da análise da qualidade de água
Referências
1. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15527: água de chuva: aproveitamento de coberturas em áreas urbanas para fins não potáveis: requisitos. Rio de Janeiro, 2007.
2. BRASIL. Câmara dos Deputados. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
3. BRASIL. Lei Federal nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997 – Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário Oficial da União, Brasília – DF, janeiro de 1997.
4. BRASIL. Secretaria de Recursos Hídricos/Ministério do Meio Ambiente – Água: Manual de Uso. Brasília – DF, 2006.
5. BRASIL. Lei nº 13.501/2017 de 31 de outubro de janeiro de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9433.htm
6. Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Resolução n. 357, 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e da outras providências. Diário Oficial da União, Brasília – DF, março de 2005.
7. CUNHA, Ananda Helena Nunes. Reuso de água no Brasil, 2010. Monografia (Pós graduação), Saneamento Ambiental, Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro-RJ, 46p.
8. Decreto nº 24.643 de 10 de julho de 1934. Disponível em: http://www.embasa.ba.gov.br/novo/Legislacao/Legislacoes/pdf/Decreto24643_34.pdf
9. Hagemann, Sabrina Elicker. Avaliação da qualidade de água da chuva e da viabilidade de sua captação e uso. Disponível em: http://w3.ufsm.br/ppgec/wp-content/uploads/Sabrina_Elicker_Hagemann_Disserta%C3%A7%C3%A3o_de_Mestrado.pdf.
10. Oliveira e Silva , Gabrielly Cristhiane. Qualidade da água de chuva no município de Cuiabá e seu potencial para o aproveitamento em usos não potáveis nas edificações. Disponível em: http://livros01.livrosgratis.com.br/cp146573.pdf
11. Coscarelli, Antonio Pedro Fernandes. Aproveitamento da água de chuva para fins não potáveis em uma atividade industrial: estudo de caso de uma edificação a ser construída, Rio de Janeiro, RJ. Disponível em: http://www.peamb.eng.uerj.br/trabalhosconclusao/2010/AntonioPedroFernandesCoscarelli_PEAMB2010.pdf
Priscilla Souza Correa¹, Márcio Gonçalves Paulo
¹Universidade Santa Cecília (UNISANTA),Santos – SP, Brasil
Email: correaforganes@gmail.com