RESUMO
O presente busca ventilar o tema da posse em direito civil, no sentido de expor seus conceitos, limites e classificações concernentes ao direito material, para, em seguida, tratar sobre as formas processuais para sua tutela.
SUMÁRIO
1- Introdução – 2- Direito das Coisas e Direitos Reais – 2.1- Introdução à Propriedade – 3- Posse – 3.1- Teorias – 3.2 – Natureza Jurídica – 3.3- Posse e Detenção – 3.4- Composse – 3.5- Ius Possessiones e Ius Possiendi – 3.6- Classificações – 4- Proteção Possessória – 4.1- Autotutela – 4.2- Ações Possessórias (Reintegração, Manutenção e Interdito Proibitório – 4.3 Nunciação de Obra Nova – 4.4 – Ação de Damno Infecto – 4.5- Ações Petitórias (Reivindicatória – Imissão de Posse – Negatória – Embargos de Terceiro)
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre o instituto da posse no Direito Civil brasileiro.
O objetivo central é permitir ao leitor fulminar algumas das dúvidas mais recorrentes sobre o tema e visualizar no projeto um instrumento útil de reforço de aprendizado. A proposta é oferecer entendimento e base de debate aos seguintes pontos estratégicos: Conceito de direitos reais, propriedade, posse e detenção, de modo a não haver confusão entre os institutos; as teorias clássicas e a adotada pelo Código de 2002; os tipos de posse classificados pela doutrina e a importância de seu entendimento para utilização prática.
Além disso, a idéia foi transformar o projeto numa ponte que une o teórico e o prático: dos conceitos, partimos para as modalidades de medidas para defesa da posse, como as ações possessórias, as análogas às possessórias e as petitórias.
A metodologia utilizada incluiu a pesquisa em doutrina especializada, bem como uma análise sistemática do tema na Constituição Federal, no Código Civil e no Código de Processo Civil em vigor no país, além da consulta a jurisprudência do STJ e aos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo e de Minas Gerais.
Não há a pretensão de mostrar ao leitor um estudo aprofundado de caráter processual, mas sim oferecer uma visão introdutória destes instrumentos que o operador do direito verá na lida com o universo jurídico, tornando um assunto de carga teórica pesada algo mais palatável e compatível com a realidade do graduando médio, evitando a pompa e o “vedetismo jurídico” que muitas vezes campeiam textos similares a esse.
2. DIREITO DAS COISAS E DIREITOS REAIS: PROLEGÔMENOS
É mister, a primeiro momento, delimitar o campo de estudo sobre o qual se pretendemos discorrer e, portanto, ocupamos estas linhas com alguns conceitos propedêuticos da matéria em foco.
Direito das coisas é o conjunto de normas que regulam as relações jurídicas entre os homens, em face dos bens suscetíveis de apropriação[1].
Direito pessoal é o poder do titular sobre o devedor (poder do sujeito ativo de exigir certa prestação do sujeito passivo). Há uma relação entre pessoas (credor e devedor), tendo por objeto uma prestação (de dar, fazer ou não fazer).
Direito real é o poder jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa. Há uma relação jurídica entre o titular e a coisa.[2]
Se no direito pessoal, as relações são inter partes, no real, são erga omnes, ou seja, o proprietário mantém o seu direito em detrimento de toda a coletividade.
2.1 Introdução ao Conceito de Propriedade
Propriedade é o direito real amplo constituído por um único titular que tem o direito de usar, gozar (usufruir) e dispor da coisa, e de reavê-la de quem quer que injustamente a esteja possuindo.[3]
“O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito e reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (art. 1228 do CC).
A propriedade é um direito real pleno, pois todos os poderes encontram-se com um só titular – observando um caráter exclusivo, público, hereditário, erga omnes e independente (porém sujeito a limitações em atendimento à função econômica e social da propriedade).
Prerrogativas conferidas ao proprietário:
Direito de usar (‘jus utendi”): O proprietário pode utilizar a coisa da forma como melhor lhe aprouver, da forma mais ampla possível.
Direito de gozar ou usufruir (“jus fruendi”): O proprietário pode perceber frutos da coisa, e aproveitar economicamente os seus produtos.
“Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem” (art. 1232 do CC). Exemplo de preceito jurídico especial: “O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos” (art. 1214 do CC).
Direito de dispor (“jus abutendi”): O proprietário pode gravar, consumir ou alienar a coisa a outrem.[4]
Direito de reaver a coisa: O proprietário tem direito de reaver a coisa de quem quer que seja e o fará por meio da ação reivindicatória. O titular pode perseguir a coisa onde quer que esteja (seqüela).
Limitação de poderes: Esses poderes são limitados pela função social e econômica. –
“O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas” (art. 1228, §1º do CC).
Princípio da função social: A propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII da CF).
3. POSSE
3.1 Teorias da Posse
Teoria de Savigny (grupo das teorias subjetivas): Posse nada mais é do que o poder de dispor fisicamente da coisa, com ânimo de tê-la como sua e defendê-la contra terceiro.[5]
Elementos da Teoria de Savigny:
Subjetivo: Vontade de ser dono (“animus domini”).
Objetivo: Relação física com a coisa (“corpus”). Posteriormente foi considerado como a possibilidade de manter relação física com a coisa.
A teoria de Savigny não foi adotada pelo Código Civil de 2002 pelas seguintes razões: a) A teoria é insuficiente nas relações temporárias, pois nem toda vontade de ser possuidor é vontade de ser dono (Exemplo: Locatário); b) A teoria não admite a classificação da posse, em direta e indireta; c) Segundo esta teoria o autor tem que provar o “corpus” e o “animus”.
Teoria de Ihering (adotada pelo Código Civil 2002. Grupo das teorias objetivas): Posse é a visibilidade de domínio ou o uso econômico da coisa.
O Código Civil adotou a teoria de Ihering. – “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” (art. 1196 do CC). O legislador utiliza a expressão “propriedade” em um sentido amplo, abrangendo assim os demais direitos reais.
Elementos da teoria objetiva:
Objetivo: Conduta de dono (“corpus”). É possuidor aquele que se comporta como dono em relação à coisa, isto é, aquele que exerce algum dos poderes inerentes à propriedade.
O elemento subjetivo (vontade de ser possuidor: “animus tenendi”) esta embutido no “corpus”, isto é, na maneira como a pessoa se comporta com a coisa.
3.2 Natureza Jurídica da Posse
A posse é, portanto, a exteriorização e a aparência do direito de propriedade. Enquanto a propriedade é um direito real, a posse não é mais que uma situação de fato[6]; ela conserva apenas algumas características inerentes à propriedade, como dispõe o artigo 1.196 do Código Civil, já visto retro.
A posse compreende a utilização econômica da propriedade, mas não se confunde com essa. Silvio Rodrigues nos explica que o tratamento oferecido à posse e ao possuidor tem finalidade de pacificação social, gozando ele de presunção de legalidade até que se prove algum vício no exercício da posse.[7]
Podemos aqui fazer uma analogia quanto a um iceberg. A posse representa a ponta visível do iceberg, enquanto a propriedade representa todo o seu corpo, submerso na água do mar. Assim como o iceberg, a propriedade está num nível bem mais profundo, transcendendo o pequeno bloco aparente, aqui simbolizando a posse.
A posse, embora não seja um direito real, é estudada no mesmo livro, pois tem aparência de propriedade e produz efeitos reais.
3.3 Posse e Detenção
A detenção, assim como a posse, é uma situação de fato, mas não gera efeitos jurídicos (Exemplo: Proteção possessória).
Na detenção também há “corpus”, mas não há vontade de ser possuidor, ou seja, há um vinculo de dependência serviçal para com outra pessoa. Exemplo: Os caseiros e os zeladores são detentores, pois ali conservam a posse em nome de outrem.
“Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas” (art. 1198 do CC).
“Aquele que começou a comportar-se de modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário” (art. 1198, parágrafo único do CC).
O possuidor exerce o poder de fato em interesse próprio, já o detentor exerce em interesse de outrem.
Vale a pena destacar que frente ao terceiro, o detentor é possuidor e com todas as conseqüências jurídicas da posse, pois é representante do possuidor.
“Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade” (art. 1208 do CC).
Com relação aos bens públicos só pode existir detenção, mas nunca posse, pois a Constituição Federal proíbe o usucapião de tais bens.
3.4 Composse
É a posse comum de duas ou mais pessoas, ou seja, duas ou mais pessoas exercem, simultaneamente, poderes possessórios sobre a mesma coisa.[8]
Espécies:
Composse “pro indiviso”: É aquela em que cada co-possuidor possui posse ideal do todo, ou seja, exercem os poderes de fato, ao mesmo tempo e sobre a mesma coisa. Exemplos: Área de lazer do prédio; fachada do prédio; dois irmãos que são donos de um apartamento; coisa adquirida por marido e mulher em regime de comunhão de bens; co-herdeiros antes da partilha.
“Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros coposssuidores” (art. 1199 do CC).
Composse “pro diviso”: É aquela em que cada co-possuidor exerce posse certa da mesma coisa, ou seja, exercem poderes de fato apenas sobre parte certa coisa. Exemplo: Parede divisória de dois apartamentos. Se um dos co-possuidores impedir que o outro exerça os poderes de fato sobre a coisa, poderá este último valer-se dos interditos possessórios. Os co-possuidores também podem valer-se dos remédios possessórios contra terceiros.
3.5 Ius possidendi e Ius possessiones
“Ius possessiones”: É o direito a proteção da posse. O “ius possessiones” tem fundamento na própria posse, independentemente de qualquer título.
“Ius possidendi”: É o direito à posse. O “ius possidendi” tem fundamento em um direito real.
Na posse de direito há a posse natural (visibilidade de domínio. Exemplo: Posse direta) e a posse civil ou jurídica (aquela não tem aparência de posse. Exemplo: Posse indireta).
3.6 Classificação da Posse
3.6.1 Posse direta e Posse Indireta:
Posse direta ou imediata: É a posse natural (visibilidade de domínio).
Posse indireta ou mediata: É uma ficção da lei para proteger o proprietário não-possuidor.
Origem: A origem desta classificação encontra-se nos contratos pessoais e reais. Exemplos: O usufrutuário é possuidor direto e o proprietário o indireto (contrato real); o locatário é possuidor direto e locador indireto (contrato pessoal).
“A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto” (art. 1197 do CC).
Melhor possuidor: entre o possuidor direto e o indireto, o melhor possuidor é o direto, podendo defendê-la até mesmo contra o possuidor indireto. Entretanto, se o possuidor direto constituir-se de má fé não terá melhor posse que o indireto. Este desdobramento de posse não se confunde com a composse, pois as posses, sobre a mesma coisa, são de natureza diversa.
3.6.2 Posse justa e posse injusta
Esta classificação é feita com base em critério objetivo (existência ou não de vícios).
Posse justa: É a posse lícita, ou seja, sem qualquer vício externo.
“É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária” (art. 1200 do CC). A posse justa é protegida por lei.
Posse injusta: É a posse ilícita, ou seja, aquela que decorre de violência, clandestinidade ou precariedade. Porém, esses vícios não esgotam a matéria.
· Violência: A posse nasce através de um desforço físico injustificado. Exemplo: Aquele que ocupa um imóvel através de violência.
· Clandestinidade: A posse nasce obscura, sem exteriorização ou visibilidade. Exemplo: Aquele que invade um imóvel clandestinamente, aproveitando-se da falta de vigilância do proprietário; aquele que furta um objeto.
· Precariedade: A posse nasce de um contrato temporário já vencido. O vício se manifesta quando ocorre um abuso de confiança. Exemplo: Aquele que se recusa a devolver a coisa no fim do contrato.
A posse injusta não é protegida por lei, salvo contra terceiro. Assim, a posse, somente, é injusta em face do legítimo possuidor.
Quando o vício convalesce: Quando cessar o ato de violência ou clandestinidade, ou seja, quando não existir oposição. Enquanto não cessar o vício, há detenção, mas depois que ocorrer o convalescimento há posse injusta.
A precariedade jamais convalesce, pois a relação de confiança nunca cessa.
“Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos ou a clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade” (art. 1208 do CC).
“Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida” (art. 1203 do CC).
3.6.3 Posse de boa-fé e de má-fé
Esta classificação é feita com base em um critério subjetivo.
Posse de boa-fé: Aquela em que o possuidor desconhece o vício da coisa. – “É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou obstáculo que impede a aquisição da coisa” (art. 1201 do CC).
Presunção de boa-fé: Há presunção de boa-fé para quem possua justo título (documento que seria hábil a transmitir o domínio se não existisse um vício impeditivo), salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.
“O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção” (art. 1201, parágrafo único do CC). A presunção é juris tantum, assim admite prova em contrário.
Transformação da boa-fé em má-fé: A boa-fé deve existir durante todo o tempo em que a coisa esteja com o possuidor, caso contrário se transformará em má-fé. Assim, a partir do momento em que o possuidor conhecer os vícios da coisa, a posse de boa-fé transformar-se-á em uma de má-fé.
Somente o possuidor de boa-fé tem direito a indenização por benfeitorias e frutos do imóvel, e a usucapir (o tempo de 15 anos gera a presunção absoluta de boa-fé).
Posse de má-fé: Aquela em que o possuidor conhece os vícios da coisa. A má-fé precisa estar materializada através de uma citação, intimação ou notificação.
Para a utilização das ações possessórias não é necessário que o possuidor esteja de boa-fé, mas a posse deve ser justa.
3.6.4 Posse nova e posse velha
Posse nova: É a posse de menos de ano e dia.
Posse velha: É a posse de ano e dia ou mais.
“Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso” (art. 1211 do CC).
Para a manutenção provisória na posse é irrelevante saber se a posse é nova ou velha.
Vale destacar que a posse nova e a velha não se confundem com a ação de força nova e ação de força velha.
“Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentada dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo o caráter possessório” (art. 924 do CPC).
3.6.5 Posse natural e Posse Jurídica
Posse natural: Aquela que se configura pelo exercício de poderes de fato sobre a coisa.
Posse jurídica ou civil: Aquela assim considerada por força da lei.
Exemplo: Constituto Possessório (O vendedor transfere ao adquirente a titularidade do bem e a posse indireta, mas mantém para si a posse direta, através da “clausula constituti”. O adquirente adquirirá a posse sem nunca tê-la ocupado fisicamente).
4- PROTEÇÃO POSSESSÓRIA
Como um dos mais importantes efeitos da posse está a defesa da mesma contra atos de agressão de terceiros, classificados em duas espécies:
· Atos de turbação: aqueles provocados por terceiro capazes de dificultar ou limitar o exercício regular da posse, criando qualquer embaraço que comprometa parcial ou totalmente seu uso habitual [9];
· Atos de esbulho: aqueles capazes de impedir a continuidade do exercício de posse pelo legítimo possuidor, ou de torná-la impraticável.
4.1 Autotutela: Legítima Defesa e Desforço Imediato
“O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse” (art. 1210, §1º do CC).
Os meios utilizados devem ser proporcionais à agressão, assim, o excesso poderá levar à indenização.
· Legítima defesa: Cabível no caso de turbação (quando há ameaça grave, concreta e eminente ao direito de posse. O possuidor está na iminência de perder a posse). Quando o possuidor é turbado no exercício de sua posse, poderá manter-se por sua própria força (sem a utilização do Judiciário ou da Polícia), contanto que o faça logo.
· Desforço imediato: Cabível no caso de esbulho (quando há perda da posse, através de meios violentos, clandestinos ou com abuso de confiança). Quando o possuidor é esbulhado, poderá restituir-se por sua própria força (sem a utilização do Judiciário ou da Polícia), contanto que o faça logo.
O uso da autotutela no momento de repelir injusta agressão ao direito de posse deve observar três requisitos para que não transborde para a esfera penal: a turbação ou esbulho devem ser atuais, a reação deve ser imediata e comportar os meios adequados, entendendo-se aqui as medidas de violência menos gravosas possíveis.
4.2- Ações Possessórias (art. 920 a 933 do CPC)
Como o nome sugere, as ações possessórias são espécies processuais que visam instrumentalizar a defesa do direito à posse.
Modalidades de ações Possessórias:
a- Ação de reintegração de posse: É aquela usada nos casos de esbulho (quando há perda da posse por modo violento, clandestino ou com abuso de confiança);
b- Ação de manutenção de posse: É aquela cabível nos casos de turbação (quando há agressão concreta e iminente ao direito de posse. Ainda não houve perda da posse).
c- Interdito proibitório: É aquele cabível nos casos de ameaça concreta de turbação ou de esbulho à posse[10]. Só não cabe nos casos de ameaça iminente.
4.2.1 Características das Ações Possessórias
· Natureza dúplice: o réu, em contestação, não está limitado a impugnar os fatos articulados pelo autor, mas pode também “alegando que foi ofendido em sua posse, demandar proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho”, como reza o art. 922 do Código de Processo Civil.
· Possibilidade de cumulação de pedidos: o autor pode requerer, além da providência judicial para garantir sua posse, a indenização por perdas e danos, a demolição de construções e plantações e a cominação de multas a fim de dissuadir o ofensor a não insistir na sua conduta anterior.
· Fungibilidade: no art. 920 também do CPC, está expresso o princípio da fungibilidade das ações possessórias. Isto significa que as ações são intercambiáveis e conversíveis entre si. Desta forma, se o pedido for de manutenção de posse e o juiz, ao término do processo constatar a necessidade da reintegração de posse, ele dará seqüência às providências cabíveis diante esta realidade, sem prejuízo para o desenrolar do processo.
· Especialidade: as possessórias só serão aceitas quando propostas até o ano e dia do esbulho ou da turbação, tempo em que cabe, com mais probabilidade de sucesso o pleito de deferimento de medida liminar contra o agressor; não observado o prazo, a ação possessória segue o rito ordinário comum.[11]
4.3 A Ação de Nunciação de Obra Nova (art. 934 do CPC)
É ação que compete ao proprietário ou possuidor contra vizinho ou co-proprietário no sentido de impedir (através da paralisação ou demolição) a edificação ou realização de nova obra que altere a coisa comum, ou que lhe prejudique o prédio e suas servidões.
O Município também é legitimado ativo e pode lançar mão da ação para impedir o particular de construir em desacordo com a lei.
4.4 A Ação De Damno Infecto
Essa ação tem por objetivo proteger o proprietário ou possuidor de um determinado imóvel que esteja ameaçado de sofrer prejuízos pela realização de obras ou ruína de imóvel vizinho.
Assim, nessa ação, o autor poderá pedir a demolição ou reparação do imóvel, de forma a evitar a ocorrência do fato.
Essa ação tem por base o justo receio, ou seja, a real possibilidade da obra ou ruína causar prejuízo na propriedade de determinado proprietário ou possuidor.
Não haverá possibilidade de ajuizar essa ação se o motivo da mesma for somente um temor infundado. Nesse sentido dispõe o art. 1.280 do CC:
“Art. 1.280. O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente.”
Esta ação está prevista entre os artigos 1.277 a 1.281 do Código Civil.
4.5 Ações Petitórias
4.5.1 Ação Reivindicatória
Segundo Serpa Lopes[12], “admite-se a reivindicatória contra aquele que não possui, mas que se intitula possuidor, como também contra o que dolosamente deixou de possuir para levar a engano o autor da demanda”.
É ação intentada pelo proprietário, no gozo de suas faculdades consagradas no art 1.228[13] do Código Civil em face de terceiro. É o proprietário fazendo valer a integridade do seu jus fruendi e do jus abutendi.
Como ensina Venosa[14], não há como confundir a ação reivindicatória com as demais possessórias. Nesta, a posse está sob lide e o agente da ameaça, da turbação ou esbulho não é, nem se afigura como o proprietário legítimo; já na reivindicatória, o que está sub judice é a própria propriedade da coisa.
4.5.2 Ação de Imissão de Posse
O objeto desta ação é a obtenção pelo autor da demanda da tutela que permita sua investidura na posse de propriedade que é titular. Não se trata de ação possessória, pois, neste caso, o autor tem a propriedade, mas nunca a posse, buscando adquiri-la pela primeira vez, com base no título dominial.
Como assentada em ilustre jurisprudência de lavra do TJ-MG[15], trata-se de ação petitória, a exemplo do que ocorre na reivindicatória.
4.5.3 Ação Negatória
Tem base legal no artigo 1.231 do Código Civil e seu objeto a busca de sentença declaratória que comprove a plenitude da propriedade, estando ela livre de qualquer tipo de restrição ou qualquer direito real (como usufruto, por exemplo).
4.5.4 Embargos de Terceiro
É a ação autônoma, especial e de procedimento sumário, destinada a excluir de constrição judicial, bens de que terceiro tem a posse ou a posse e o domínio.[16]
Na esteira do art. 1.046 do CPC, os embargos de terceiro se prestam ao socorro de:
“Art. 1.046: Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhes sejam mantidos ou restituídos por meio de embargos.”
Um exemplo clássico é a esposa ou o marido que visam a defender a meação de ato constritivo sobre os bens do outro cônjuge. O promitente comprador sem título registrado e já imitido na posse também tem legitimidade para interpor embargos de terceiros.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo da posse e sua complexa teia de possibilidades e conceitos que se interrelacionam com os direitos reais e com o direito processual são apresentados, via de regra, de maneira confusa e truncada para o estudante em seu primeiro contato com a matéria. A exploração do tema, por toda a doutrina em que pesquisamos, segue o modelo esquemático do Código – cujo objetivo central não é a didática. Assim, explica-se posse antes de propriedade, como se não mantivessem nenhuma relação. Pior: pouquíssimos autores têm a preocupação de elaborar um estudo unificado da teoria e da prática, apresentando de maneira objetiva os instrumentos para defesa da posse, seja pelas possessórias ou por via oblíqua (petitórias).
Dessa maneira, não é estranho que a matéria seja vista como difícil pelos estudantes. Urge, aos grandes doutrinadores do segmento uma melhor sistematização da matéria, num modelo diferente do atual. É claro que não temos bagagem nem empáfia suficiente para pontificar nada a quem quer que seja. O que trazemos é a voz das carteiras, a voz daqueles que são o público-alvo destes autores e que atestam, no momento, ser este o problema e esta a realidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil Volume 5 – Direito das Coisas. São Paulo:
Saraiva, 2006, 28ª ed.
WALD, Arnoldo. Direito das Coisas – Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 11. ed., 2002.
MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil 3 – Das Coisas. São Paulo: Saraiva, 31. ed., 1994.
GOMES, Orlando. Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 4 ed. Vol 5. São Paulo: Atlas, 2004.
LISBOA, Roberto Senise. Manual do Direito Civil – Direitos Reais e Direitos Intelectuais. 4 ed. Vol. 4. São Paulo: Saraiva, 2009.
STANLEY, Adriano. Direito das Coisas. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
MARTINS, Marcelo Maciel. A Posse e suas Aplicações nas Ações Possessórias e Petitórias. Rio de Janeiro: Edição do autor.
* Guilherme Gouvêa é jornalista e graduando do curso de Direito na Faculdade Carlos Drummond de Andrade (SP)
[1] “Direito das Coisas é o complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes aos bens corpóreos e ao direito autoral” (BEVILÁQUA, Clóvis, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 9 ed., Rio de Janeiro, 53, v. III, do art. 485)
[2] A definição alude à teoria dualista clássica, adotada pelo Código Civil de 2002.
[3] O conceito encontra respaldo histórico no Código de Napoleão, de 1804, que definiu a propriedade como “O direito de gozar e de dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que delas não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos”.
[4] Pelo art. 187 do Código de 2002, incorporou-se no ordenamento jurídico a concepção de “abuso de direito”: o exercício da facultas agendi deve se pautar pela ética e pelo atendimento de seu fim econômico e social, sob pena de se tornar um ilícito passível de responsabilização civil.
[5] SAVIGNY, Frederich von Karl. Trate de la possession, apud MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil 3 – Das Coisas. São Paulo: Saraiva, 31. ed., 1994, p. 17.
[6] Para Arnoldo Wald, posse é “uma situação de fato que gera conseqüências jurídicas”, IN WALD, Arnoldo. Direito das Coisas – Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 11. ed., 2002, p. 25.
[7] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil Volume 5 – Direito das Coisas. São Paulo:
Saraiva, 2006, 28ª ed.
[8] MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1971, vol. 10, p. 112.
[9] GOMES, Orlando. Direito reais. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
[10] O art. 932 do CPC usa a expressão “justo receio”.
[11] Marcus Vinícius Rios Gonçalves argumenta que a previsão de liminar nas possessórias tem característica satisfativa e precedeu o instituto consolidado pelo art. 273 do CPC.
[12] LOPES, Serpa Apud MARTINS, Marcelo Maciel. A Posse e suas Aplicações nas Ações Possessórias e Petitórias. Rio de Janeiro: Edição do autor, p. 42
[13] “Art. 1.228 – O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”
[14] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 4 ed. Vol 5. São Paulo: Atlas, 2004.
[15] AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE – REQUISITOS – PROCEDÊNCIA. O Código de Processo Civil em vigor não tratou especificamente da ação de imissão na posse. Nem por isso ela deixou de existir, pois poderá ser ajuizada sempre que houver uma pretensão à imissão na posse de algum bem, adotando-se, para tanto, o procedimento comum. A ação de imissão de posse não se confunde com as ações possessórias típicas, embora se revista de caráter possessório. Tendo por fundamento o domínio, é ação dominial. É, portanto, ação de natureza petitória, pois o autor (proprietário) invoca o ius possidendi (direito à posse), pedindo uma posse que nunca teve. O proprietário tem o domínio e quer ter a posse também, na qual nunca entrou. Sua base legal é o art. 1.228 do Código Civil, que corresponde ao art. 524 do Código Civil de 1916. A ação de imissão de posse cabe ao adquirente de bem para haver a sua posse, contra o alienante ou terceiro que injustamente detenha a coisa, devendo ser instruída com a prova do domínio.” (TAMG, Ap. 2.0000.00.426111-6, rel. Juiz Maurício Barros, j. 26/5/04).
[16] DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Embargos de terceiro. Rio de Janeiro, Aide, 1992. p. 21.