Brasília, 09/03/2010 – O Conselho Federal da Ordem dos Advogados respondeu hoje (09) consulta feita pela Procuradoria Geral do Trabalho (PGT) sobre a aplicação do artigo 9ºda Lei nº 11.788/08 aos estagiários contratados por escritório de advocacia. A resposta, aprovada em sessão do Pleno da entidade, foi baseada em parecer do relator, conselheiro federal José Guilherme Carvalho Zagallo, do Maranhão. Em sua conclusão, ele observa que “a Lei 11.788 não revogou as disposições sobre o estágio profissional da advocacia previstas na Lei nº 8.906/94, devendo a norma geral ser interpretada de forma harmônica a essa norma especial, sendo, no entando, aplicável aos estágios de estudantes de direito em escritórios de advocacia”.
A seguir, a íntegra da decisão do Conselho Federal da OAB em resposta à consulta sobre a Lei 11.788/08, acolhendo relatório do conselheiro José Guilherme Zagallo:
“Processo: 2009.31.09409-01
Consulta: Procuradoria Geral do Trabalho
Assunto: Lei nº 11788/2008 – Estágio de Estudantes. Aplicação ao estágio profissional de advocacia
O Procurador Geral do Trabalho encaminhou ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, CONSULTA sobre o entendimento desse Egrégio Conselho sobre a aplicação da Lei nº 11.788/08 aos estagiários de direito, tendo em vista a existência de norma específica anterior na Lei nº 8.906/94.
A consulta decorre de provocação do Ministério Público Estadual de Estrela do Sul-MG sobre a aplicação do art. 9º da Lei nº 11.788/08 aos estagiários contratados por escritório de advocacia.
Inicialmente o processo foi autuado como consulta e encaminhado ao Órgão Especial. Posteriormente o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil chamou o feito à ordem encaminhando a matéria à apreciação do Conselho Pleno.
É o relatório.
Inicialmente cumpre esclarecer o caráter das disposições contidas na Lei nº 11.788/08 e na lei nº 8.906/94 sobre o estágio de bacharéis em direito.
A Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, que “dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de agosto de 2001”, é norma de caráter geral, já que procura estabelecer a disciplina ordinária da atividade de estágio.
Por sua vez, a Lei nº 8.906/94, em relação ao estágio profissional da advocacia, é norma de caráter especial, aplicável exclusivamente aos alunos dos cursos de Direito, conforme disposto no art. 9º, § 1º do referido diploma, que não foi expressamente revogado pela Lei nº 11.788/08. Essa norma não disciplina o estágio em termos gerais, mas tão somente o estágio profissional de advocacia.
Desse modo, incide na espécie o art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil:
“Art. 2º – Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
……………………………………….
§ 2º – A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”
Em face dessa disposição, não raro encontra-se na jurisprudência exemplos de aplicação de norma especial anterior a norma geral[1].
Com efeito, não se presume a revogação, posto que deve estar clara a intenção do legislador em revogar as disposições anteriores de caráter especial.
Não por outro motivo, o art. 9 da Lei Complementar 95, que disciplina as regras para redação de leis, determina:
“Quando necessária a cláusula de revogação, esta deverá indicar expressamente as leis ou disposições legais revogadas.”
No caso presente não se pode inferir que o legislador tenha pretendido revogar as disposições sobre estágio contidas na Lei 8.906/94.
Aliás, é de se observar que a Lei 11.788/08 foi expressa ao revogar na íntegra as leis 6.494/7 e 8.859/94, e dois dispositivos isolados, a saber, o art. 82 da Lei 9.394/96 e o art. 6 da Medida Provisória 2.164-21/2001.
Por esses motivos, deve-se buscar a interpretação harmônica dos dispositivos sobre estágio da Lei 8.906 com a Lei 11.788/08.
Sobre esse tema, trago a lição do ilustre Professor Estevão Mallet, em consulta proferida na Seccional da OAB de São Paulo:
“…mais acertado é dizer que as disposições da Lei n. 8.906/94 sobre estágio não foram revogadas pela Lei n. 11.788/08. Dá-se a situação, mencionada pela doutrina, de “subsistência de lei geral e
especial, regendo, paralelamente, as hipóteses por elas disciplinadas”[2]. Devem conjugar-se, pois, os diferentes dispositivos, harmonizando-se as regras gerais da Lei n. 11.788/08 com as regras especiais da Lei n. 8.906/94.”
De fato, acaso revogadas essas disposições teríamos um estágio que pouco contribuiria para a formação profissional dos estudantes de direito.
Desse modo, os dispositivos sobre estágio profissional de advocacia contidos na Lei 8.906/94 continuam em vigor, permitindo sua realização nos dois últimos anos do curso de Direito, permitidos os atos previstos naquele diploma.
No entanto, alguns dispositivos da Lei 11.788/08 introduzem alterações na realização do estágio por estudantes de direito em escritórios de advocacia.
Admite-se agora a realização de estágio desde o início do curso, que não se confunde com o estágio profissional de advocacia previsto na lei 8.906/94, que, contudo, será limitado ao período máximo de dois anos previsto na Lei 11.788/08. Para que os estagiários possam exceder desse prazo nos escritórios de advocacia, esses teriam que adotar vínculo empregatício após o período inicial de 2(dois) anos.
Passam a ser aplicáveis também aos estagiários de Direito nos escritório de advocacia das normas atinentes à saúde e segurança do trabalho, jornada máxima e sobre o recesso anual.
Em síntese, parece-me que a Lei n 11.788/08 não revogou as disposições sobre o estágio profissional de advocacia previstas na Lei n 8.906/94, devendo a norma geral ser interpretada de forma harmônica a essa norma especial, sendo, no entanto, aplicável aos estágios de estudantes de direito em escritórios de advocacia”.
[1] STF, 1ª Turma, RE 49.299, julgado em 16.11.62; STJ, 5ª Turma, AgRg no Ag 677.204, julgado em 04.08.05; TST, SDI, RO-ar 61.493/92, julgado em 14.03.94.
[2] Maria Helena Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 77.
Fonte: OAB