Estado X Empresário

Incidência do IPI sobre mercadorias furtadas ou roubadas após a saída do estabelecimento do industrial

Incide IPI sobre mercadorias furtadas ou roubadas após a saída do estabelecimento do industrial. Esse foi o entendimento do STJ no REsp
734.403/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado por maioria em 22/06/2010.

Antes de verificarmos os fundamentos jurídicos da decisão, cumpre destacar que tal situação é injustificável do ponto de justiça fiscal.
Como pode o Estado (em sentido lato) falhar em uma de suas atribuições (segurança) e, ainda assim, pretender tributar o particular como se nada tivesse
acontecido?

Nessa situação o empresário é, ao menos, duplamente lesado: perde seu produto e ainda é obrigado a pagar o a exação. Como
consequência, o industrial será obrigado, por exemplo, a contratar um “seguro frete”, o que implicará em aumento dos custos de produção, redução de
competitividade no mercado (especialmente o internacional) etc. Tudo o que o Estado (em sentido lato) não quer e deveria se esforçar para
evitar.

A despeito desses questionamentos, a União continua tentando, e conseguindo (agora com respaldo do STJ), exigir do contribuinte o IPI que supostamente
incide sobre os produtos que já deixaram o estabelecimento comercial, mas foram furtadas ou roubadas antes da efetiva entrega ao adquirente. Vejamos
como.

As hipóteses de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI estão previstas art. 46 do CTN. Para os fins deste texto, contudo,
estudaremos apenas o caso do inciso II do referido artigo, que dispõe:

Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:

[…]

II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;

Numa leitura apressada da norma extrair-se-ia que o IPI incide sobre a saída de produtos industrializadosdo estabelecimento industrializador (art. 51, II, CTN). Com efeito, o aspecto material da regra matriz de incidência configurar-se-ia com saída (verbo) de produtos industrializados do estabelecimento industrializador (complemento).

Assim, uma vez que o bem ultrapassa o portão da empresa, o fato gerador do IPI se perfectibilizaria, “seja qual for o título jurídico de que decorra
essa saída do estabelecimento produtor”, como assinalado no REsp 734.403/RS ora em exame.

Após a saída física do produto da empresa, portanto, o imposto já seria devido, motivo por que não importaria, ao ente tributante o que se deu com os
bens.

Ocorre que tal conclusão parte de uma premissa equivocada, ou ao menos, questionável: a de que o aspecto material da hipótese de incidência do IPI é a saída dos produtos do estabelecimento industrializador.

Grande parte da doutrina, senão a maioria, entende de forma diversa: o fato gerador do IPI seria realizar (verbo) uma operação tendente a transferir a posse ou a propriedade de produtos industrializados (complemento). Dessa forma, não poderia haver
incidência da exação caso negócio jurídico se frustre, seja qual for o motivo.

Por conseguinte, “havendo o furto antes da tradição, a saída perde a sua causa jurídica, ressoando ilegítima a incidência do imposto sobre
saídas exclusivamente físicas”, como salientou o Ministro Castro Meira no voto vencido do REsp em comento.

A celeuma reside, pois, no que se entende por hipótese de incidência do IPI [1]. Enquanto Fazenda e a maioria da segunda turma do STJ ignoram a
necessidade da existência de um negócio jurídico subjacente, os Ministros Castro Meira e Herman Benjamin julgam que tal requisito é indispensável.

A decisão do recurso em debate ainda não transitou em julgado. O contribuinte opôs Embargos de Declaração, ainda pendente de julgamento ( movimentação processual)
pela Turma. O que resta agora é torcer para que o STF reforme a decisão ou, ao menos futuramente, o STJ reflita melhor sobre o tema.

* Ricardo de Holanda Janesch, co-fundador do Portal Jurídico Investidura – www.investidura.com.br, co-fundador da rede social jurídica Social Jus –
socialjus.com, estudante de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, consultor nas áreas de Direito e Tecnologia e Marketing e
Direito, estagiário na Schmidt Vieira & Yassumassa Ito Sociedade de Advogados. Email: ricardo@investidura.com.br

Nota

[1] Em seu voto vencido, o Ministro Castro Meira levanta outras teses para rechaçar a cobrança do IPI no caso em questão, mas que infelizmente tiveram menor importância no julgamento do caso:

  • a obrigação tributária nascida com a saída do produto do estabelecimento industrial para entrega futura ao comprador, portanto, com tradição
    diferida no tempo, está sujeita a condição resolutória, não sendo, portanto, definitiva nos termos dos arts. 116, II e 117 do CTN;
  • o furto ou roubo de mercadoria, segundo o art. 174, V, do Regulamento do IPI, impõe o estorno do crédito de entrada relativo aos insumos, o que
    leva à conclusão de que não existe o débito de saída em respeito ao princípio constitucional da não-cumulatividade. Do contrário, além da perda da
    mercadoria – e do preço ajustado para a operação mercantil -, estará o vendedor obrigado a pagar o imposto e a anular o crédito pelas entradas já
    lançado na escrita fiscal; e
  • o furto de mercadorias antes da entrega ao comprador faz desaparecer a grandeza econômica sobre a qual deve incidir o tributo. Em outras palavras,
    não se concretizando o negócio jurídico, por furto ou roubo da mercadoria negociada, desaparece o elemento signo de capacidade contributiva, de
    modo que o ônus tributário será absorvido não pela riqueza advinda da própria operação tributada, mas pelo patrimônio e por rendas outras do
    contribuinte que não se relacionam especificamente com o negócio jurídico que deu causa à tributação, em clara ofensa ao princípio do não-confisco.
Como citar e referenciar este artigo:
JANESCH, Ricardo de Holanda. Incidência do IPI sobre mercadorias furtadas ou roubadas após a saída do estabelecimento do industrial. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/estado-x-empresario/incidencia-do-ipi-sobre-mercadorias-furtadas-ou-roubadas-apos-a-saida-do-estabelecimento-do-industrial/ Acesso em: 22 nov. 2024
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