Recentemente, o estado da Califórnia nos EUA e a Espanha autorizaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na Espanha este fato se deu graças a
mudanças no Código Civil, suprimindo as palavras “homem e mulher” do texto que regulamenta o casamento. Em visita à capital espanhola, pude notar que o
número de casais envolvendo pessoas do mesmo sexo era quase o mesmo dos casais “convencionais”. Seres humanos vivendo em total harmonia com a
comunidade, sem constrangimento, sem preconceitos. Lembrei dos inúmeros amigos e conhecidos homossexuais que levam uma verdadeira vida dupla na
intenção de evitar a discriminação. Como diria o “velho guerreiro”: de dia é Maria e de noite é João”- ou vice-versa, claro. Certamente que ver em
praça pública dois barbados se devorando aos beijos não é agradável. Porém, um casal hétero, no afã caloroso de um beijo público, também causa
constrangimento. A questão está no âmbito de um pudor coletivo mínimo, que não pode ultrapassar determinado limite a ponto de se tornar preconceito. Na
Europa o respeito e a convivência com os homossexuais é mais comum do que no Brasil. Na república em que morava em Coimbra/Portugal, apesar de não ter
nenhum homossexual na casa, havia uma bandeira do orgulho gay estendida na parede com a palavra “peace” escrita no meio. Eu, curioso, perguntei aos
colegas o que essa bandeira fazia lá e a resposta foi: – Porque é muito bonita. – simples assim, sem preconceitos, sem maiores comentários ou
informações, tudo dentro de uma normalidade altamente civilizada.
As transformações sociais são muito mais rápidas que a produção legislativa que tende a suprir suas necessidades. Disso ninguém duvida, apesar da
intensa produção legislativa na elaboração e alteração das mais diferentes normas do ordenamento, dede as mais simples determinações, até importantes
conceitos constitucionais. Porém, algumas necessidades sociais são mais complexas de receberem adequação legal que outras. A Constituição brasileira
determina, no artigo 226, parágrafo terceiro que será protegido por lei a união estável entre homem e mulher, reconhecida como entidade familiar, sendo
facilitada sua conversão em casamento através da lei. Essa restrição, há tempos, tem causado certo desconforto em parcela cada vez maior da sociedade.
A parcela referida, formada por gays, lésbicas e héteros que se solidarizam com os dois primeiros, exigem ter seus direitos fundamentais garantidos.
Nossa Constituição, que completa no mês de outubro 21 anos de vida, sofreu durante sua existência, quase 60 alterações. Muitas dessas adequadas e
importantes, outras desapropriadas e desnecessárias. Porém, mesmo com toda organização e mobilização dos interessados, no Brasil, ainda não é possível
a união entre pessoas do mesmo sexo ser reconhecida legalmente. Essa parcela não precisa da anuência legislativa para amar e viver em comunhão
permanente, o que se procura é ver muitos outros direitos dessas pessoas garantidos. Direitos estes relacionados com a sucessão, com a proteção á
família, ao trabalho, à seguridade social, à dignidade da pessoa humana. Talvez o mundo legislativo seja antiquado e tradicionalista, submisso a
conceitos religiosos determinados por séculos de influência da igreja católica, mas há a possibilidade de este ser simplesmente hipócrita e covarde. As
pessoas aqui defendidas não são gays ou lésbicas, mas são apenas pessoas, protegidas pelo princípio da igualdade, da dignidade e por uma série de
outros expressos em nossa constituição como “clausulas pétreas”(imutáveis), que autorizariam a extensão da norma constitucional quanto ao casamento e
união estável. Deixar essa parcela cada vez mais significativa da população brasileira sem uma resposta, um dia surtirá efeito nas urnas das eleições.
Diz o jargão popular que “o mundo é gay”. Eu acredito que o mundo é do ser humano, independentemente de sua opção sexual. Porém, se um dia o mundo for
realmente gay, serei o primeiro a ostentar o arco-íris no peito.
Lúcio Corrêa Cassilla
Advogado;
Pedagogo;
Pós-graduado em Ciencias Criminais;