Carta a uma Testemunha de Jeová – Parte IIII
Bruno Soares de Souza*
Se tem uma coisa que aprendi no curso de Direito é não julgar as atitudes dos meus semelhantes precipitadamente, porque “todos são iguais, sem distinção de qualquer natureza”, sobretudo religiosa. Mas nem todos se apercebem disso.
Lembro que um dia desses fiz prova sobre Estatuto da OAB e Código de Ética e Disciplina. Um colega recortou um pequeno papel e colocou na minha mão, e insistiu, dizendo: “se der, não deixe de passar as respostas”. Confesso que fiquei meio intrigado, sobretudo quando ele percebeu que não me sentiria bem se levasse a cabo esse tipo de atitude. Por fim esse colega disse: “que mal tem? Todo mundo faz!”. Interessante! A partir de então comecei a observar com maiores detalhes o que me levou a ter este conceito esses anos todos.
Um dos grandes desafios para uma Testemunha de Jeová é estar numa sala de aula e enfrentar sozinha críticas e oposição dos colegas.
Os demais alunos, estudantes de Direito, que, utopicamente ou não, dizem conhecer (e supostamente respeitar) as leis, pouco demonstram valores que hoje prezo, precipuamente nos pequenos casos.
Embora a grande maioria faça “vistas grossas”, em alguns casos, embora veladamente, percebe-se que, dependendo da justificativa, torna-se uma atitude além de aceitável, necessária. Por exemplo, muitos criticam terminantemente a atitude de políticos desonestos, mas, por outro lado, admitem não haver problema algum receber seguro-desemprego quando o trabalhador já está empregado. E muitos o recebem, pois alegam necessidade. E se formos levar em conta o país de miseráveis em que vivemos, há mesmo essa necessidade. É a velha desculpa de um ajudar o outro.
A honestidade, não só entre alunos e professores, pais e filhos, marido e mulher, mas sobretudo em pequenas coisas, parece estar fora de moda. A honestidade cristã cabe em todo lugar, e não requer propaganda, como se dependesse de alguém (da mesma crença) estar presente para se manifestar; ela precisa é de ser colocada em prática.
A “cola”, tão comum e aceita entre os demais, acaba se tornando uma lei, ao passo que aquele que a rejeita é taxado como tolo. E acaba ficando meio perdido mesmo. Certamente o discurso seria outro se o lesado fosse o próprio aluno.
Por vezes me vejo pugando contra minha consciência, se “denuncio” a “cola” ou não. A resposta não é tão simples como parece. “Criminoso”, a grosso modo, nalguns casos, é também quem se omite. E não importa, para a consciência se o ilícito é grande ou insignificante. Da mesma forma que um pai pode isentar um filho que furta-lhe um dinheiro (com permissão no Código Penal, inclusive), um comportamento ilícito pode assumir ares de lícito, ou abrandamo-lhes seus efeitos dependendo de nosso interesse.
O que quero dizer é que, se eu não me der conta, por diversas vezes, será conveniente me omitir, pois ninguém gosta de ser excluído. De uma Testemunha de Jeová espera-se mais do que apenas não fazer o mal. Como posso, penso, seguir minhas crenças, se não me esforçar em estabelecer um padrão mínimo aceitável, pelo menos nesse aspecto? Ora, “quem é fiel no mínino, é também no muito.” (Lucas 16:10) É como se, me omitindo para ser aceito, eu me sentisse “vendendo um produto” que não posso vender, não porque não acredite nele, mas porque não há consciência tranqüila para isso.
Não que eu seja o melhor dos alunos, de forma alguma. Mas é algo semelhante àquela história do palhaço, cujas brincadeiras eram até terapêuticas. No entanto, sentia-se o mais infeliz dos homens. Passava uma imagem que não condizia com a sua realidade, até que sua consciência fê-lo procurar ajuda profissional. E o médico, no afã de ajudá-lo recomendou que fosse ao circo, que assistisse a um espetáculo do palhaço terapeuta…
Se o fim do Direito é a justiça e o bem comum, se eu discordo abertamente da “cola”, estaria indo contra o bem comum e, assim sendo, indo contra o Direito? Há uma inversão de valores. Se a lei cria o crime, a lei diz quem é o criminoso. Se a lei é levar vantagem, logo, “criminoso” é quem age honestamente. Incrível!
Talvez fosse mais necessário na faculdade antes aprender honestidade em pequenas coisas que Direito Administrativo, Tributário, Civil ou Trabalhista. Nem sei se estou certo, inclusive, até porque o Direito (e a isso entenda como aquilo que é certo, aceitável) depende muito de como interpretamos determinadas situações. E essa interpretação sempre é influenciada por variados fatores. Mas para uma Testemunha de Jeová, qualquer conduta deve pautar-se em algum padrão previamente estabelecido por Deus.
Caso a consciência acuse quer não, digo, parafraseando o apóstolo Paulo escrevendo aos Coríntios, tudo hoje pode assumir forma de lícito, mas “nem tudo é vantajoso”. E tentar mudar essa realidade é nadar e morrer na praia. Sim, porque, querendo ser aceito continuaria passando uma imagem daquilo que não sou.
* Acadêmico de Direito
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