Encontra-se no Senado, um projeto de lei da autoria do senador Ricardo Ferraço ( PMDB-ES) conhecido pelo nome de Tolerância Zero.
Trata-se de uma radicalização da conhecida lei do bafômetro já adotada em alguns estados da Federação, tendo começado no Rio de Janeiro, salvo engano
nosso.
A lei pretende que o motorista que soprar o bafômetro e este acusar qualquer grau etílico diferente de 0 (zero) sofrerá a punição já prevista nas leis
estaduais.
O autor da lei assemelha-se àquela antiga personagem de um programa cômico da TV que ficou conhecida como a personificação da intolerância absoluta.
Após suas rejeições de pequenos equívocos e imprecisões de seus interlocutores bradava: “Comigo é assim: tolerância zero!”
Se aprovado o mencionado projeto, os motoristas brasileiros passarão a ser encarados como cidadãos de qualquer país muçulmano em que o álcool, ingerido
em qualquer dose, hora e local, é haram (proibido, pecado).
Estamos a um passo da Dry Law (Lei Seca) que, entre outras mazelas, gerou Al Capone, Lucky Luciano, Dutch Schulz e o crescimento do crime
organizado nos Estados Unidos.
A que ponto chegou a imbecilização e o radicalismo neste país retrógrado!
Saiu na Tribuna da Imprensa (14/11/2011), um excelente artigo de Antonio Antunes intitulado: “Não é um país – e muito menos sério”.
Trata-se de uma clara alusão à famosa frase do general De Gaulle dita quando da folclórica guerra da lagosta: “Le Brésil n’est pas un pays sérieux” (O
Brasil não é um país sério).
O referido articulista não é um profissional do Direito nem cientista político, porém, como ele mesmo afirma, um engenheiro químico. Além disso, um ser
agraciado pela rara virtude do bom senso e possuidor de ótimo senso de humor.
Observa ele que, caso venha a ser aprovado, o referido projeto trará alguns transtornos insuspeitados, como, por exemplo, o do motorista que tiver
comido um bombom recheado com licor.
Ou o do padre que, após ter rezado uma missa e feito a consagração ingerindo vinho, entre no seu carro. Caso eles ponham suas bocas nos bafômetros,
estes acusarão algum grau etílico diferente de zero.
Assim também o motorista que tiver tomado um xarope contra a tosse, pois algumas marcas possuem álcool na sua composição.
“E depois aparecem outros senadores mais idiotas ainda ou talvez verdadeiros corruptos e dizem que o tolerância zero vale apenas para bebidas
alcoólicas. Como irão separar o xarope ou o bombom da taça de vinho? Sou engenheiro químico e não sei como fazê-lo.”
Referindo-se ao autor do projeto, diz ainda o referido articulista: “O Senador Ricardo Ferraço provavelmente nunca foi à escola, porque senão saberia
que quase todos os alimentos são fermentados e produzem álcoois.”
“Isto significa dizer que, nesse caso, qualquer teste de laboratório vai indicar álcool no organismo. Sabe-se também que as pessoas abstêmias, para
compensar a ausência de álcool, consomem muito mais alimentos fermentáveis”.
Acho que o articulista exagerou a dose e bateu forte demais no parlamentar. Assim como engenheiros químicos não têm a obrigação de ofício de conhecer
Ciência Política, representantes do povo não têm a de conhecer Bioquímica.
Não obstante, têm a obrigação de se informar bem quando legislam sobre um tópico envolvendo assuntos de caráter biomédico, de modo a não criar leis
absurdas podendo gerar desastrosas consequências para o povo.
Neste ponto, Antonio Antunes expressou duas hipérboles bem colocadas: “Se a proposta for aprovada, teremos um mar de corrupção nunca visto ou, caso
contrário, teremos mais da metade da população na cadeia”.
Mas, indagamos nós: Não seria muito mais acertado se nossos legisladores, em vez de proporem projetos absurdos como esse, elaborassem projetos de
punições mais severas para motoristas que, fortemente embriagados, matam e aleijam pedestres em todas as cidades deste país quase todos os dias?
* Mário Antônio De Lacerda Guerreiro, Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq.
Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da
Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus,
Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL,
Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) .
Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da
Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de
Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações
em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br,
www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.