Num de seus magníficos poemas, o maior poeta da língua portuguesa, Fernando Pessoa, falava do “horror de conhecer”. Ele não se referia a todo e qualquer tipo de conhecimento, porém àquele tipo que só traz dissabores, apreensões, angústias e outras mazelas d’alma.
Já dizia o vetusto provérbio que “o que os olhos não vêem o coração não sente”. De fato, o conhecimento nem sempre traz satisfação intelectual, enriquecimento do espírito e mais ampla consciência do mundo. Coisas há que é melhor ignorar do que ficar sabendo.
E é por isso que noutro poema o mesmo poeta fala da “inconsciência de ignorar”, algo mais contundente do que meramente ignorar, pois é não saber e não ter consciência de que não se sabe. Pessoa chega mesmo a considerar que a felicidade suprema consiste justamente nisso. O que os olhos não vêem o coração não sente…
Talvez tenha exagerado a dose, mas supondo que ele esteja certo, o povo brasileiro é o mais feliz do mundo, já que geralmente não faz a menor idéia do quanto é ignorante. Padece de um mal que desconhece: a epistemofobia crônica.
De minha parte não reivindico a criação desse neologismo composto das palavras gregas episteme (conhecimento) e phobia (temor patológico, horror). Simplesmente ignoro se algum conhecedor de grego clássico e dotado de espírito criativo cunhou “epistemofobia” antes de mim.
Mas quem foi a mãe da invenção pouca importância tem, uma vez que é desnecessário saber a língua de Sócrates e Eurípedes, para já ter surpreendido o mal específico a que a expressão se refere.
No entanto, poucos espíritos nesta Terra das Palmeiras – Pindorama, de acordo com seus habitantes pré-descoberta – têm consciência do tamanho da ignorância da avassaladora maioria dos seus compatriotas pós-descoberta.
Mas, dizendo isso, não pretendo sugerir nenhum contraste entre os colonizadores europeus e os “nobres selvagens” inventados pela imaginação doentia de J.J. Rousseau. Não sou um autor romântico indianista nem muito menos acólito do terceiromundismo. Além disso, já li e entendi muito bem o livro do venezuelano Carlos Rangel: Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário (Editora da Universidade de Brasília, 1981) – leitura imperdível, para quem deseja conhecer essa América Latina e, em particular, o Brasil.
O fato, o lamentável fato é que o povo brasileiro é muito ignorante. E o que é pior: é tão ignorante que não manifesta o menor desejo de sair da sua condição pela aquisição do conhecimento. Sente-se muito bem na sua condição de epistemófobo convicto, tal como um Presidente da República que se orgulhava de ter chegado onde chegou, apesar de ser um perfeito apedeuta. E pensar que somente 4% dos eleitores acharam seus dois governos ruins ou péssimos…
Quem tem lido meus escritos em diversos sites da Internet já percebeu que este artigo prenuncia uma conclusão implícita em muitos artigos, mas, para quem não os leu, posso apresentar algumas evidências disso que estou falando, de modo a afastar a idéia de que tudo não passa de um suposto desejo de épater le bourgeois com um discurso frívolo e sensacionalista.
Será preciso dizer que o ensino neste País, em todos os graus, é um verdadeiro descalabro e um verdadeiro crime contra as futuras gerações cometido pelos responsáveis pela educação?!
No entanto, se a população desse importância ao conhecimento, há muito já teria exigido dos governantes sérias providências para erradicar essa calamidade. É um grave erro pensar que os protestos do povo nunca alcançam os ouvidos moucos de seus representantes políticos. Eles não podem ser totalmente indiferentes aos veementes apelos de quem os elegeu e poderá reeleger, por uma simples questão de sobrevivência nos seus cargos.
Será que os lestrigônios brasileiros, desmemoriados que são, já se esqueceram de movimentos populares como o “Diretas já!, “Fora Collor!”, etc., que acabaram produzindo efeitos políticos como a eleição de um Presidente – indireta, mas não menos democrática – e o impeachment de outro?!
No entanto, parece que o povo não se sentiu fortemente indignado e ao ponto de realizar uma forte mobilização exigindo “Fora corrupção!”, “Boa educação já!”.
Pode-se dizer que o povo é como os atores de cinema na visão do grande diretor Hitchcock, o mestre do suspense. Ele dizia que os atores são como gado e que o diretor os conduz para onde bem entender.
Grande presunção? Talvez. Mas o fato é que, em Os Pássaros, Hitchcock escolheu como atriz principal uma falsa loura que fazia comercial de sabão em pó na televisão. E o desempenho da moçoila foi impecável. Em Janela Indiscreta, um de seus melhores filmes, o ator principal foi James Stewart, famoso canastrão de filmes de faroeste. E seu desempenho foi excelente! Parece que, nas mãos de Hitchcock, Tarcísio Meira vira Anthony Hopkins e Xuxa vira Meryl Streep.
O fato é que não existe movimento de massa espontâneo. Sem liderança capaz de mobilizar e direcionar um protesto, qualquer movimento não passa de mera arruaça, desprovida de finalidade precisa e incapaz de produzir grandes efeitos políticos.
Sem as grandes lideranças de Washington, Jefferson, Adams, etc., a Revolução Americana não passaria de focos isolados de rebeliões facilmente debelados pelas tropas inglesas. E de nada adiantaria o grito do Ypiranga, se as lutas pela Independência não fossem lideradas pela firme determinação de D. Pedro I, verdadeiro herói romântico, como Byron e Garibaldi!
É duro, mas é verdade: o povo brasileiro acha-se satisfeito com sua indigência cultural e nem sequer faz idéia da importância da educação, não só para o enriquecimento do espírito como também para a sua prosperidade e a de seu País.
A educação é essencial não só para o desenvolvimento econômico como também para uma democracia não descambar para uma oclocracia, como temia justificadamente Tocqueville em A Democracia na América. Sem mão-de-obra bem qualificada não adianta ter alta tecnologia. Sem eleitores conscientes de seus direitos e deveres e chafurdando no pântano da ignorância, só serão eleitos representantes da mesma espécie ou pior.
Mas se o povo não deseja educação por desconhecimento do valor da mesma, os políticos não a desejam por esperteza. É mais fácil engabelar multidões de analfabetos funcionais do que um povo consciente de seus direitos como cidadãos que, entre outras coisas, é achacado pela mais alta carga tributária do mundo e na sua santa ignorância pensa que imposto é problema de rico e que ele, povo, não paga impostos quando compra pacotes de feijão e de arroz. O que os olhos não vêem o coração não sente…
Mas se acontecesse o improvável: os impostos fossem destacados dos preços de caixa das mercadorias? Ah! Isto o povo nem sonha e os políticos não querem! O povo jamais deve ficar sabendo que paga, no mínimo, uns 20% de impostos em cada mercadoria que compra! E para que? Ora, para sustentar isso que, em raro momento de inspiração, Nietzsche epitetou de “o monstro mais frio de todos os monstros frios”, ou seja: o Estado Máximo.
O Iluminismo é uma paisagem distante das belas praias de Pindorama, onde se banham os filhos de Macunaíma – “um herói sem nenhum caráter, o herói da nossa gente”, segundo os epítetos de Mario de Andrade – com sua frivolidade de Maria Antonieta, hedonismo de carpe diem horaciano e ignorância de Crassus, a assim chamada ignorância crassa.
Exemplo mais contundente foi a recente eleição para deputado federal do Estado mais rico da Federação de um palhaço analfabeto funcional, e com mais de um milhão de votos! Palhaços mesmo são seus eleitores ao se identificarem com ele.
E ainda por cima este mesmo bufão, uma vez atuando em sua função de representante do povo, acabou sendo eleito membro de uma Comissão de Educação do Congresso Nacional. Não há dúvida de que isso está de pleno acordo com a presença de Renan Calheiros na Conselho de Ética do Senado. Se é escolhido um cego como programador visual, por que não um perneta para bater um pênalti numa partida decisiva?!
Entre os efeitos práticos, temos os de que faltam empregos para mão-de-obra não-qualificada e sobram os para mão-de-obra altamente qualificada. Que fazer? Exportar trabalhadores do primeiro tipo e importar os do segundo?!
Na realidade, o Brasil até já exportou os primeiros para os Estados Unidos e Portugal, mas só não tem importado os segundos por uma questão de “responsabilidade social” das empresas.
Os empregados têm que ser nossos, ainda que sejam meramente virtuais. E não podem ser despedidos em nome da contenção de despesas e do lucro da empresa, sob o risco de o próprio diretor da empresa ser ele mesmo despedido, como foi Roger Agnelli da Vale. Na realidade, essa tal de “responsabilidade social” não passa de “irresponsabilidade socialista”. Não produz lucros, mas rende muitos votos no País dos Analfabetos!
E é por isso que já dizia o saudoso Roberto Campos, um dos brasileiros que tiveram a mais aguçada consciência dos grandes males que nos assolam: “No Brasil, a burrice tem um passado glorioso e um futuro promissor”. E os brasileiros ainda costumam contar piadas de português…
Mais duas provas disso que estou afirmando: em artigos recentes, comentei o resultado da pesquisa feita pelo THE (Times Higher Education), instituição britânica avaliadora do desempenho do ensino superior em todo mundo. Nossa melhor universidade, a USP, foi classificada abaixo das 200 melhores em diversos países!
Comentei também o de uma instituição avaliadora da proficiência em inglês por não-nativos Nessa outra pesquisa foram testadas dois milhões de pessoas, de 16 a 30 anos, em 44 países. O Brasil foi classificado no 31.o lugar, isto mesmo: trigésimo-primeiro lugar dos 44 países examinados, ficando atrás de, por exemplo, Portugal, Argentina, México, Arábia Saudita e até mesmo de El Salvador, aquele pequeno país pobre da América Central.
É mole ou quer mais? Você ainda acha que não passa de grande exagero de expressão dizer que o Brasil é o País dos Analfabetos? Cai na real, mermão!
* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial..