Política

O Governo Acabou

O Governo Acabou

 

 

Márcio Chalegre Coimbra*

 

“O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”

Lord Acton

 

A crise está instalada. O Planalto começa a colher os resultados do estilo de governança que escolheu, as alianças que privilegiou, os rumos que tomou. As denúncias são graves e apontam diretamente para o centro do poder, onde pulsa a estrela da direção petista. O que me leva a crer que esta crise não encontra saída, é o fato de que a mesma somente pode ser solucionada pela estratégia política, material escasso no atual Governo. O problema, ao contrário do que muitos pensam, não reside em dirigentes partidários, ministros de Estado ou mesmo em lideranças do Congresso. O problema, enfatizo, está no coração do Planalto, ou seja, é o próprio Presidente da República.

 

Enganam-se aqueles que acreditam que o deputado Roberto Jefferson, em seu magistral e juridicamente perfeito depoimento no Conselho de Ética, poupou o Presidente da República. Muito pelo contrário. Ao escancarar os bastidores sórdidos da compra de bancadas inteiras pelo Partido dos Trabalhadores no Congresso Nacional, sem o conhecimento do presidente Lula, evidenciou que o mandatário maior da nação não possuía conhecimento sequer de como seus projetos eram aprovados no Parlamento e do que se passava no gabinete de seu Chefe da Casa Civil. Se sabia, há inequivocamente crime de responsabilidade. Se não sabia, não possui controle sobre os movimentos de seu governo. Se a prática continuou depois que soube, (o que nega o deputado Jefferson) configura-se também o crime de responsabilidade. Na melhor das hipóteses teremos a certeza de que possuímos um Presidente que, apesar de bem intencionado, é fraco e não possui comando de sua equipe ou conhecimento das práticas de seu governo.

 

O depoimento de Jefferson foi inteligente, bem medido e eficaz, evidenciando sua capacidade de grande tribuno e advogado criminalista com larga experiência. Se possui provas, não era o momento de apresentá-las. Entretanto, forneceu, de forma cristalina, todos os caminhos que a CPI deve percorrer para apurar se suas denúncias são verdadeiras, inclusive os deputados que devem ser investigados. Vale lembrar que Pedro Collor também não apresentou provas, apenas apontou o caminho das investigações, da mesma forma que fez, desta vez, o presidente do PTB. No momento mais perspicaz, encurralou o PT, pois se for condenado por ter recebido recursos ilícitos para as campanhas do PTB, leva o partido do presidente Lula consigo. Se o PT reconhecer a doação, como lembrou Jefferson no depoimento, ambos realizarão retificação de suas declarações perante a Justiça Eleitoral. Em suma, se Jefferson for condenado, todos serão também. Se os denunciados desejarem abafar o caso, absolverão Jefferson. Por fim, mandou um recado: “Dirceu, se você não sair daí rápido, você vai fazer réu um homem inocente, o presidente Lula”. O Ministro Chefe da Casa Civil não durou mais do que três dias no cargo após o aviso.

 

O presidente pretende realizar um choque de gestão em seu governo. Entretanto, sem habilidade política, isto se torna uma tarefa praticamente impossível. Sem conhecimento da máquina governamental, improvável. Sem a batuta de Dirceu, inexeqüível. Antes de escolher o sucessor de Dirceu, o Presidente precisa tomar as rédeas de seu governo, entender seus mecanismos, a dinâmica política do cargo de Chefe do Poder Executivo. Primeiro é preciso delegar menos, engajar-se no jogo político, e fornecer os poderes certos ao novo ocupante da Casa Civil. O motivo de o governo não caminhar não era a suposta ineficácia de Dirceu, mas a falta de comando real do presidente Lula. Dilma Roussef não é pessoa para o cargo. Amargará momentos difíceis no terceiro andar do Planalto. O nome certo para o cargo, neste momento, seria o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

 

O presidente não sofrerá impeachment, a não ser que o amadorismo do governo no Congresso se aprofunde, algo improvável com a volta de Dirceu ao ringue. Entretanto, se as facções petistas não se unirem, se a lama começar a vir a tona e os antigos aliados, alijados e magoados, começarem a falar, o rumo deste governo será o de um fim melancólico e triste. Se não perder o mandato, Lula entrará politicamente ferido em 2006, com sua administração sangrando. Se tentar a reeleição e conseguir, em face estritamente de seu carisma pessoal, à despeito das denúncias de corrupção endêmica em seu governo, pode levar o país a uma crise institucional já nos primeiros meses do segundo termo. Portanto, mais do que a reeleição, neste momento, o presidente Lula deve buscar terminar seu mandato com dignidade, preservando a democracia, passando a faixa presidencial ao sucessor sem turbulências institucionais. O governo acabou.

 

 

 * Analista político, pesquisador do Friedrich August v. Hayek Institut em Viena, Austria. Membro da The Mont Pèlerin Society. Mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos com formação academica na Unisinos, UFRGS, FGV e Harvard Law School. Advogado especialista em Direito Internacional, autor da obra “A Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos Brasileiro e Norte-americano”, Ed. Síntese – IOB Thomson. Editor-chefe do site Parlata e responsável pelo Blog “Diários do Velho Mundo” (http://marciocoimbra.blogspot.com/).

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
COIMBRA, Márcio Chalegre. O Governo Acabou. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/o-governo-acabou/ Acesso em: 28 jun. 2025
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