Política

A Líbia e os Muçulmanos


Árabes residentes no Brasil, principalmente
muçulmanos, têm sofrido constrangimentos e humilhações, em decorrência de
episódios que estão ocorrendo na Líbia.

Nenhuma justificativa existe para que árabes em
geral sofram represálias e muito menos que sejam atingidos árabes, muçulmanos
ou não, residentes no Brasil.

Isto me lembra humilhações que minha própria
família, de origem germânica, sofreu, durante a Segunda Guerra Mundial. Éramos
alemães ou descendentes de alemães, já de muito incorporados à vida e à luta do
povo brasileiro, mas o preconceito e o ódio atingiram injustamente meus
familiares e outros imigrantes alemães e italianos.

Com os muçulmanos está agora acontecendo o mesmo.
Imigrantes que já vivem no Brasil, alguns há muito tempo, inclusive com filhos
brasileiros, são vítimas da insânia e da desinformação.

Não há a minima racionalidade nessa atitude, como
não existe qualquer motivo para discriminações contra os muçulmanos.

O Islamismo ensina que o homem é “vigário
(representante) de Deus”, conforme se lê no Corão.

Observa Jean-François Collange, um especialista em
estudos sobre religiões, que a igualdade, a dignidade e a liberdade inerentes a
todos os seres não podem ser contestadas por qualquer instância humana, segundo
o ensinamento islâmico.

O Islamismo prescreve a fraternidade, adota a ideia
da universalidade do gênero humano e de sua origem comum; ensina a
solidariedade para com os órfãos, os pobres, os viajantes, os mendigos, os
homens fracos, as mulheres e as crianças; define a supremacia da Justiça acima
de quaisquer considerações; prega a libertação dos escravos; proclama a
liberdade religiosa e o direito à educação; condena a opressão e estatui o
direito de rebelar-se contra ela; estabelece a inviolabilidade da casa.

Há uma semelhança estreita entre a visão islâmica
do ser humano (homem, vigário de Deus), a ideia cristã ensinada por Paulo
Apóstolo (homem, templo de Deus) e a ideia de homem como imagem de Deus
(Gênesis, livro sagrado de judeus e cristãos).

Mohammed Ferjani, outro brilhante autor, nega que o
Islamismo seja uma Religião obtusa, que impeça seus fiéis de ingressar na
Modernidade. Mostra como é preconceituosa a tese de que caiba ao Ocidente a
missão civilizatória.

Participei, durante período de pós-doutoramento na
França, do Segundo Colóquio Internacional Islâmico-Cristão. Foi uma das mais
belas experiências que a vida me proporcionou.

Nessa ocasião, pude partilhar com crentes
muçulmanos um projeto de mundo baseado na liberdade, na solidariedade e na
Justiça. Não se tratou apenas de um intercâmbio intelectual mas de algo muito
mais profundo, radicado no afeto, na compreensão recíproca, na comunhão.

A meu ver, esse mundo que, naqueles três dias,
centenas de homens e mulheres de boa vontade supuseram possível construir, a
partir do respeito mútuo e do diálogo, está bem próximo da utopia humanista
redentora do mundo.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, Juiz de Direito
(aposentado), Professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor.
Autor do livro Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de
um juiz (Editora Forense, Rio). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HERKENHOFF, João Baptista. A Líbia e os Muçulmanos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/a-libia-e-os-muculmanos/ Acesso em: 28 jul. 2025
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