A meação
Maria Berenice Dias*
A igualdade entre o homem e a mulher proclamada na Carta Constitucional não foi suficiente para impor uma mudança na postura dos operadores do Direito a ensejar sua efetividade. Profunda a repercussão da norma inserida no § 5º do art. 226 da CF ao repartir igualmente as obrigações referentes à sociedade conjugal. De imediato, fizeram-se presentes vozes proclamando a revogação de toda a legislação infraconstitucional que se incompatibilizava com a absoluta isonomia, principalmente no que diz com os deveres dos cônjuges no casamento. No entanto, a só constatação da falta de vigência de tais dispositivos não tem levado às conseqüências a que a paridade absoluta conduz.
Inquestionavelmente não é mais o marido o chefe da sociedade conjugal, o administrador dos bens comuns, o representante da família nem o único responsável pela sua manutenção. Como não é mais o homem dotado do poder de representatividade e administração da família, não pode contrair débitos em nome da entidade familiar. Também descabe presumir que a dívida veio em benefício da família a permitir o comprometimento da meação da mulher.
A absoluta igualdade dos cônjuges impõe que se restrinja a responsabilidade patrimonial exclusivamente aos bens do devedor. Assim está posto no art. 591 do CPC. Nem a exceção prevista no inciso IV do artigo seguinte admite a possibilidade de sujeitar os bens do cônjuge, pois estes não respondem pela dívida do devedor.
Nada mais justifica a extensão obrigacional que levava a perquirir se houve o beneficiamento da família. Ainda que eventualmente um dos cônjuges assuma obrigação em prol do núcleo familiar, nem assim responde o outro pela dívida.
A igualdade e a responsabilidade solidária do par faz necessária a expressa vênia conjugal para o comprometimento do patrimônio comum. Agora não mais existe qualquer hipótese que admita que eventual beneficiário de débito contraído por terceiro responda pelo seu pagamento.
Essa conseqüência necessita ser atentada, sob pena de se ter por letra morta os ganhos incorporados pelo atual sistema jurídico.
* Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
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