Direito Constitucional

A inconstitucionalidade do conselho federal de jornalismo

A inconstitucionalidade do conselho federal de jornalismo

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

 

Apesar de o Conselho Federal da OAB, por parcela de seus Conselheiros, ter se manifestado favorável à criação do Conselho Federal de Jornalismo, ponderável corrente de ex-Conselheiros e ex-presidentes nacionais e seccionais são contrários à pretendida instituição.

 

Os signatários deste curto artigo foram presidentes do Instituto dos Advogados de São Paulo, conselheiros da Seccional de São Paulo –um deles é nato do Conselho Seccional e Federal, por também ter sido presidente da Seccional e do Conselho Federal—e, em face de quase 50 anos de exercício da advocacia, vêm a público manifestar sua oposição à criação do Conselho Federal de Jornalismo.

 

O primeiro dos signatários foi titular de Direito Constitucional da Universidade Mackenzie e comentou a Constituição Federal, juntamente com o saudoso jurista Celso Bastos, tendo o capítulo da Comunicação Social, nos referidos comentários ficado sob sua responsabilidade (Saraiva, Comentários à Constituição Federal, volume 8, p. 872 e seguintes). O segundo, ex-presidente do Conselho Federal, manifestou-se contrário, em audiência pública anterior à referida sessão da entidade.

 

A questão é constitucional, exclusivamente, não admitindo, a lei maior, qualquer controle à livre manifestação de pensamento. Além disso, já há, nos direitos civil, penal e processual, os meios necessários para atalhar abusos perpetrados pela imprensa, inclusive para responsabilização por danos morais ou patrimoniais.

 

É inadequada a pretendida assemelhação de um tal Conselho à OAB. É que a advocacia, atividade essencial à administração da justiça a teor do que estabelece o art. 133 da CF, só pode ser exercida por quem tenha preparo técnico para tanto, condição que é constatada pelo órgão de classe que confere a respectiva habilitação. A prática dos operadores de direito – como os da engenharia ou da medicina – além de exigir qualificação técnica e estudos especializados que só uma Faculdade de Direito pode proporcionar, demanda, ainda, exame de aptidão aplicado pelo órgão de classe.

 

No jornalismo não. Embora hoje existam excelentes Faculdades que qualificam as pessoas para a prática do jornalismo, tal atividade insere-se no campo da cultura literária, esportiva, política e sociológica, estando mais próxima da literatura em que, não obstante o preparo propiciado pela Faculdade de Letras, a inspiração e o talento prescindem de autorização de um órgão controlador da profissão.

 

Um Conselho Federal de Jornalismo seria tão esdrúxulo quanto criar, por exemplo, um Conselho Federal da Poesia, para fiscalizar os poetas –como o eram na antiga União Soviética – e condicionar sua pena às exigências burocráticas e ideológicas dos dirigentes do órgão controlador.

 

Os próprios subscritores deste artigo, por não serem jornalistas formados ou registrados, poderiam vira ser proibidos de manifestar livremente suas idéias e pensamentos, como fazem, nos dias atuais, em artigos que são publicados em diversos órgãos de comunicação social.

 

Para evitar tal contra-senso é que reza o art. 220 da Constituição Federal :

 

“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

 

Se, em face do que dispõe o art. 220 da CF: a) não há possibilidade de qualquer restrição à livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação sob qualquer forma, processo ou veículo, observado o disposto na Lei Maior e b) a Constituição não prevê a criação de um Conselho para controlar a atividade de jornalismo, parece-nos de fantástica inconstitucionalidade a iniciativa.

 

Trata-se, ademais, de instrumento perigoso, bastando lembrar a manifestação, em artigo para jornal de grande circulação no país, do eminente Presidente do PT, José Genoino, segundo a qual o órgão destinar-se-ia a estabelecer um equilíbrio de forças entre a imprensa e jornalistas – que têm veículo próprio de manifestação – e a sociedade –diga-se Governo—, que passaria a controlá-los através do referido Conselho.

 

Temos a certeza de que a liberdade de imprensa – pela qual não se manifestam apenas jornalistas, mas também formadores de opinião, intelectuais, dirigentes de classe, empresários e trabalhadores, além de profissionais liberais, em artigos de livre expressão – não pode ser cerceada por entidade que nada tem de semelhante com a OAB.

 

Um bacharel não inscrito na OAB não pode advogar. Pela Constituição Federal, qualquer cidadão pode expressar pela imprensa sua opinião, em seções específicas, como a de carta aos leitores ou mesmo em artigos, sem ser jornalista. Este simples fato demonstra que o controle exercido pela OAB é necessário e imprescindível enquanto aquele que se pretende seja exercido pelo Conselho Federal de Jornalismo não só é desnecessário, mas inconstitucional, pois impõe uma restrição que a Constituição não permite, no seu art. 220.

 

Esta é razão pela qual esperam, os signatários deste, que o Congresso Nacional fulmine, desde a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, tão absurdo projeto de controle da manifestação do pensamento.

 

SP. 03/11/2004.

 

 

* Advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A inconstitucionalidade do conselho federal de jornalismo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/a-inconstitucionalidade-do-conselho-federal-de-jornalismo/ Acesso em: 07 jul. 2025
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