Direito Civil

Aspectos da Sucessão Testamentária na França e na Itália

 

Em matéria de amor como de testamento, o último é o único válido e anula o anterior.

Pitigrilli, escritor italiano

 

1 – Introdução

 

O Código Napoleônico é um dos mais célebres códigos civil no mundo. Criado por uma comissão com o objetivo de juntar em um único corpo, a tradição jurídica francesa, tendo como modelo de referência o direito romano. Assim sendo em 21 de março de 1804, Napoleão Bonaparte promulgou o que se passou a chamar, Código Civil dos Franceses. O Código Napoleônico é relembrado ainda nos dias atuais por ter sido o primeiro código moderno, introduzindo as normas com clareza e simplicidade e, sobretudo sintetizando-as numa única peça jurídica. Esse código era composto de 2.281 artigos e seguia a tradição justiniana.

 

Na Europa desses tempos o Código Napoleônico era a imagem da revolução. Este código inseria o direito matrimonial no Livro das Pessoas e o regime patrimonial da família e o regime de sucessões no Livro dos Diferentes Modos de Aquisição da Propriedade. Já àquela época extingue as diferenças entre o homem e a mulher. De fato revolucionário!

 

Durante o domínio napoleônico sobre a Itália, havia um código que nada mais era do que a tradução do código francês. Com a queda do império, todos os estados italianos redigiram seus códigos, mas sempre à imagem daquele. Havia na Itália um slogan que dizia: “Viva o Rei da Itália! Viva Vitório Emanuel! Viva o Código Napoleônico”

 

Ainda nessa época havia juristas favoráveis à adoção pura e simples do Código Napoleônico como código civil italiano. Foi assim que este código revolucionário veio a constituir-se de fato, a base do Código Civil Italiano de 1865, o chamado Código Pisanelli, que foi feito seguindo a mesma estrutura daquele no qual se inspirava.

 

Dentro deste contexto surgiu a idéia de escolha de um tema referente ao código civil, com o objetivo de verificar as similitudes entre os preceitos jurídicos da legislação francesa e italiana com a brasileira. A escolha do tema para o presente estudo é o testamento sem, no entanto haver a pretensão de esgotar o assunto. Ressalva-se também que a tradução dos artigos foi executada pela autora do texto, de forma livre.

 

 

2 – Disposições Gerais sobre o Testamento

 

2.1 – França  

 

Costuma-se dizer que o testamento é quase tão antigo quanto a história das escrituras. Propaga-se no Ocidente com os testamentos das Cruzadas, redigidos pelos cruzados antes de partirem. Foi através de um testamento deste tipo que Luis VIII da França criou os primeiros favorecimentos em favor de seus filhos.

 

O testamento é um escrito através do qual uma pessoa indica outras para as quais deseja transmitir seus bens após sua morte, dentro do limites autorizados por lei. O testamento permite, pois fazer, a título gratuito, um legado que terá efeito após sua morte. As normas legais de testamento estão previstas pelo artigo 893 e seguintes, do Código Civil Francês.

 

A legislação francesa considera que a transmissão do patrimônio compreende o passivo, isto é, as obrigações em valor assumidas e o ativo, isto é, os bens.

 

Se o testador não tiver filhos, nem ascendentes (pais e avós) vivos, nem cônjuge sucessor, poderá então dispor da totalidade de seus bens. Ao contrário, havendo herdeiros legítimos, uma parte dos bens comporá a reserva obrigatória, cabendo-lhe para dispor livremente do restante, denominada quota disponível.

 

 

2.2 – Itália

 

O artigo 587 do Código Civil Italiano define testamento como “um ato revogável através do qual se pode dispor de todos os bens ou parte deles, para após a morte.” Continuando, as disposições de caráter não patrimonial que a lei permite que sejam contidas num testamento, terão eficácia, se determinadas por um ato que tenha a forma de testamento, ainda que neste não haja disposições de caráter patrimonial.

 

A liberdade e a revogabilidade são prerrogativas essenciais garantidas por lei para se fazer um testamento. No entanto, essa liberdade de dispor dos próprios bens só será absoluta na hipótese de ausência de herdeiros legítimos. Por outro lado, se o testador tiver esses herdeiros só disporá por testamento, de uma parte do próprio patrimônio.

 

As condições de legatário são estabelecidas pelo art. 588, o qual numa tradução livre prevê:

 

As disposições testamentárias, qualquer que seja a expressão ou denominação usada pelo testador, são a título universal e atribuem a qualidade de herdeiro, se compreendem a universalidade ou uma quota dos bens do testador. As outras disposições são a título particular e atribuem a qualidade de legatário. A indicação de bens determinados ou de um grupo de bens não impede que a disposição seja a título universal, quando se verifica que o testador pretende dar aqueles bens como quota do patrimônio.

 

Já o art. 589, coloca algumas restrições à vontade do testador:

Ø   “testamento conjunto”, isto é, ato único com o qual duas pessoas dispõem dos bens em favor de um terceiro

Ø   Testamento recíproco, através de ato único com o qual duas pessoas dispõem dos próprios bens de forma simétrica, ou seja, um para o outro.

               O artigo 590 trata da confirmação e da execução voluntária das disposições testamentárias nulas. Dispõe: que a nulidade das disposições testamentárias, que de qualquer motivo dependa, não poderá ser invocada por aqueles que, sabendo a causa de nulidade, após a morte do testador, confirmar o acordo ou derem sua aplicação voluntária.

 

3 – Capacidade Jurídica

 

3.1 – França

 

 Para fazer um testamento é necessário ter capacidade jurídica de dispor de seus bens. Também será necessário que esteja em pleno exercício de seus poderes e das faculdades mentais para ser testador. Em caso de impugnação a respeito dessa capacidade, caberá ao juiz decidir se o testador estava ou não em gozo das faculdades mentais, no momento do testamento.

 

A princípio, somente aos maiores de 18 anos é permitido fazer o testamento. Contudo aos menores emancipados é dado fazer testamento, assim como aos menores com mais de 16 anos é permitido fazer testamento da metade de seus bens.

 

Já o testamento feito por um menor de 16 anos, não será válido, mesmo que sua morte se dê após os 16 anos (art. 903). O menor que atinja 16 anos também não poderá dispor de seus bens, em favor de seu tutor. O menor emancipado ou que tenha atingido a maioridade não poderá fazer doação entre vivos nem por testamento cujo beneficiário tenha sido seu tutor, se a prestação de contas da tutela não tenha sido encerrada. Estão isentos destas restrições, os ascendentes dos menores que são ou tenham sido seus tutores (art. 907).

 

A única exceção feita ao menor de 16 anos é se ele for casado. É certo que estes casos são raros, porém a lei entende que deva ter em conta, o contrato que une os jovens cônjuges (art. 1095).

 

 

 

3.2 – Itália

 

 O artigo 591 do Código Civil estabelece que são aptos a fazer testamento, todos aqueles que não sejam declarados incapazes pela lei.

 

A lei estabelece quem são os incapazes para tal:

Ø   Os menores, isto é, aqueles que ainda não completaram 18 anos;

Ø   Os interditos, que são os deficientes mentais;

Ø   aqueles que, ainda que não interditos, mas que por qualquer causa, mesmo que transitória, prove-se sua incapacidade de entender ou de querer no momento do testamento, por exemplo os ébrios.

 

As hipóteses de incapacidade estão previstas no art. 591, que determina também que o testamento redigido por uma pessoa incapaz pode ser impugnado por qualquer que nele  tenha interesse. O prazo prescricional para intentar este tipo de ação é de cinco anos contados da data em que foram executadas as disposições testamentárias.

 

Podem ser beneficiárias de um testamento todas as pessoas físicas nascidas ou concebidas antes da abertura da sucessão e as pessoas jurídicas, tais como entidades de pesquisa, de assistência e de utilidade pública.

 

Convém ressaltar que o testamento que beneficia pessoa incerta ou alguém que será indicado por terceiro, é nula. Portanto o beneficiário deverá ser indicado com precisão.

 

4 – Formas testamentárias

 

4.1 – França

 

Existem três formas diferentes de testamento, previstas no art. 969, que são o testamento hológrafo, por ato público e o testamento denominado místico.

 

4.1.1 – Testamento hológrafo – art. 970

 

É a forma mais utilizada. Deve ser inteiramente redigido à mão, em papel comum. Não pode ser digitado nem datilografado, mesmo que em parte. Deve ser datado e assinado pelo próprio testador.

 

Como se verifica não é necessário nenhuma outra formalidade. Tem a vantagem de ser gratuito e não envolver despesas, sendo facilmente revogável, pela simples destruição do mesmo ou então a escrita de um novo que anule e substitua o anterior.

 

Apresenta como desvantagens:

Ø   pode ser destruído após a morte do testador;

Ø   a validade pode ser questionada, quer pela falta de uma data, quer por se entender que esteja incompleto;

Ø   pode conter disposições contrárias ao direito.

 

4.1.2 – Testamento público – art. 971

 

É considerado um ato autêntico, feito por dois notários ou por um notário assistido por duas testemunhas.

 

Se o testamento é recebido por dois notários, ele é ditado pelo testador, sendo que um deles o redigirá ou mandará escrever à mão ou mecanicamente.

 

Havendo somente um notário, o testamento deverá ser igualmente ditado pelo testador. Em ambas as hipóteses, o testamento deverá ser lido ao testador (art.972).

 

Ao fim será assinado pelo testador diante das testemunhas e do notário. Caso o testador não saiba escrever, será feita menção expressa dessa sua declaração que o impossibilita de assinar. (art. 973)

 

O testamento será também assinado pelo notário e pelas testemunhas (art. 974), sendo que estas não poderão ser os legatários, a qualquer título, nem seus pais ou parentes até 4º grau inclusive, bem como funcionários do cartório (art. 975).

 

Como desvantagem este tipo de testamento envolve despesas.

 

4.1.3 – Testamento místico – art. 976

 

É uma forma mais complexa e de pouco uso.

 

Se a opção for por este tipo de testamento, o papel onde serão escritas as disposições testamentárias ou o envelope que o contiver, deverá ser fechado, lacrado e selado. Será então apresentado ao notário, na presença de duas testemunhas, onde se ainda não foi fechado, lacrado e selado, isto será feito. Declarará que o conteúdo é seu testamento, assinado por ele, escrito por ele ou por outrem, afirmando neste último caso, que ele verificou o texto e indicará a forma como foi escrito, se a mão ou mecanicamente.

 

Então, o notário fará o ato de inscrição, apondo data e lugar onde o ato ocorreu, assim como a descrição do lacre e da logomarca do selo e ainda, as demais formalidades seguidas. Posteriormente este ato será assinado pelo testador, pelo notário e pelas testemunhas.

 

No caso em que o testador, por qualquer motivo não possa agora assinar, será mencionado o fato na declaração e o motivo pelo qual não o tenha feito.

 

Este tipo de testamento não é permitido àqueles que não sabem ou não podem ler (art. 978).

 

Ao contrário, se o testador não pode falar, mas sabe escrever, poderá utilizar-se deste tipo de testamento seguindo todas as formalidades do art. 976.

 

Todavia se as formalidades para o testamento místico não foram observadas o que fará com que seja considerado nulo, poderá ser considerado testamento hológrafo se as formalidades para esta espécie forem preenchidas, não importando a denominação recebida (art.979).

 

Ainda quanto às testemunhas, em qualquer caso, deverão entender a língua francesa, serem maiores de idade, saber assinar e estar de posse de seus direitos civis. Indiferente ser homem ou mulher, porém marido e mulher não podem testemunhar o mesmo ato (art. 980).

 

4.1.4 – Testamentos especiais

 

4.1.4.1 – Testamentos militares

 

Os testamentos dos militares das forças armadas e de seus empregados poderão ser recebidos nos casos e condições previstas no art. 93, seja por um oficial superior ou um médico militar, de patente correspondente, na presença de duas testemunhas. O testamento de um oficial comandante de um destacamento isolado, poderá ser recebido por oficial de patente imediatamente inferior. Poderão utilizar-se desta forma aqueles que estiverem prisioneiros de guerra (art. 981).

 

Este tipo de testamento será admitido ainda se o testador estiver doente ou ferido e internado em hospitais militares conforme o regulamento das forças armadas. Será recebido pelo médico-chefe, não importando sua patente, assistido pelo oficial administrativo. Além deste, faz-se necessária a presença de duas testemunhas (art.982).

 

Nos casos dos art. 981 e 982, o testamento é redigido em duas vias. Se em razão do estado de saúde do testador esta formalidade não puder ser preenchida, é feita uma cópia do testamento que será assinada pelas testemunhas e pelo oficial e tomará o lugar da 2ª via, sempre mencionando a razão disto.

 

Assim que possível e no mais curto espaço de tempo, os dois originais ou um original e uma cópia, todos selados e lacrados, serão enviados por vias separadas ao ministro da defesa, para que este o arquive no cartório de notas indicado pelo testador, ou na falta de indicação, no cartório principal do último domicílio do testador (art. 983).

 

Os testamentos feitos nestas modalidades perderão sua eficácia seis meses depois que o testador retornar a um lugar onde possa utilizar a forma ordinária (art.984).

 

4.1.4.2 – Testamentos por doenças contagiosas – art. 985

 

OS testamentos que forem feitos em um lugar com o qual a comunicação seja impossível em razão de doença contagiosa pode ser feito por qualquer pessoa que esteja contaminada ou que se situe nesse local, fazendo-o perante um juiz ou um funcionário municipal, na presença de duas testemunhas. Sua validade será de seis meses após o restabelecimento da normalidade.

 

4.1.4.3 – Testamentos marítimos – art. 988

 

O testamento marítimo será utilizado no decurso de uma viagem marítima, seja em rota, seja atracado num porto, no qual seja impossível comunicar-se ou porque neste porto estrangeiro não exista agente diplomático ou consulado francês investido nas funções notariais. Os testamentos das pessoas a bordo serão recebidos na presença de duas testemunhas: se em navio oficial, pelo oficial administrativo ou na sua falta, pelo comandante ou aquele que exerce suas funções; nos navios civis, pelo capitão, pelo mestre, assistido pelo segundo da ordem hierárquica, ou na sua falta, por quem os substitui. O ato de recebimento indicará as circunstâncias acima previstas de como foi recebido.

 

O testamento será feito em duas vias originais. Se esta formalidade não puder ser preenchida em razão do estado de saúde do testador, será feita uma cópia do testamento, como sendo o segundo original, que será assinada pelas testemunhas e pelo oficial, que mencionará as razões do impedimento (art. 990).

 

O art. 991 determina que no primeiro porto estrangeiro que atracar, onde se encontre um agente diplomático ou consulado francês, um dos originais será entregue e seguirá da mesma forma que para o artigo 983.

 

O art. 992 prevê quando da chegada em porto de mar territorial, os originais ou aquele que restou da entrega no estrangeiro, serão lacrados e selados e encaminhados ao ministro da defesa que procederá conforme o art. 983.

 

Este testamento será válido se o testador morrer durante a viagem ou por até seis meses após o desembarque em local no qual possa se utilizar da forma ordinária (art. 994).

 

As cláusulas do testamento marítimo que venham a beneficiar oficiais do navio, que não sejam pais ou parentes do testador, serão consideradas nulas e não consideradas (art. 995).

 

4.2 – Itália

 

Os testamentos italianos podem ser hológrafo e por ato notarial, sendo que este pode ser de forma pública ou secreta (art. 601).

 

4.2.1 – Testamento hológrafo

 

Este tipo de testamento está previsto no art. 602 do Código Civil. Deve ser escrito, datado (dia, mês e ano) e assinado pelo testador. A assinatura será aposta ao término das disposições. A prova de validade da data só será admitida quando se tratar de julgar a capacidade do testador, a prioridade de data com outros testamentos ou de outra questão que deva ser decidida com base na data do testamento.

 

4.2.2 – Testamento público – art.603

O testamento público é feito por um notário na presença de duas testemunhas. O testador declarará sua vontade, a qual será escrita pelo notário. Após, será lido ao testador na presença das duas testemunhas. Todas as formalidades serão mencionadas no testamento, além de indicar o lugar, a data e hora da assinatura e após todos assinarão: testador, notário e as duas testemunhas. Se o testador não puder assinar ou se o faz com dificuldade, esta observação será anotada antes da leitura do ato.

 

Ainda, para mudos, surdos e surdos-mudos serão observadas as normas estabelecidas pela legislação notarial para os atos públicos.

 

Se o testador for incapaz de escrever, serão necessárias quatro testemunhas.

 

4.2.3 – Testamento secreto – art. 604

 

O testamento secreto poderá ser escrito pelo testador ou por um terceiro. Se for escrito pelo próprio testador, deverá ser assinado por ele ao final das disposições.

 

O testamento secreto é feito em duas etapas. Na primeira o testador expressa sua vontade testamentária, escrita de próprio punho ou por um terceiro, em uma folha de papel ou mais. A outra etapa é o recebimento pelo notário, que irá documentar que o testador, na presença de duas testemunhas, entregou-lhe pessoalmente o documento testamentário, declarando que ali se encontra a expressão de sua vontade pós morte. Na seqüência o notário irá selar o documento para então ser assinado pelo testador e duas testemunhas, sem esquecer de declarar que ele é o autor.

 

Neste tipo de testamento o momento em que o ato se aperfeiçoa é o do recebimento pelo notário, que também declarará a capacidade do testador. A impossibilidade superveniente de assinar do testador também será mencionada neste momento, bem como da causa do impedimento. A data válida é a do recebimento pelo notário, não sendo obrigatória sua aposição pelo testador.

 

Quem não sabe ou não pode ler está impedido de fazer o testamento secreto e como já dito, valer-se-á somente do testamento público. Faltando algum requisito essencial ao testamento secreto, mas tendo sido escrito de próprio punho, datado e assinado pelo testador, será considerado testamento hológrafo (art. 607).

 

E, finalmente, se o testador pretender revogá-lo, basta retirá-lo do cartório.

 

4.2.4 – Testamentos especiais – art. 609 e SS.

 

Em caso de situações especiais a lei permite a derrogação das formas ordinárias de testamento, ocorrendo:

Ø   em caso de epidemia, de calamidade pública ou outro fato que coloque a vida do testador em perigo;

Ø   durante viagem aérea ou marítima;

Ø   testamento de militares das forças armadas que se encontrem em zona bélica ou prisioneiro de guerra.

 

Em última instância trata-se de testamentos públicos, dotados de uma forma espacial: forma escrita mais simples, possibilidade de recebimento por outro que não o notário e eficácia temporal limitada a (três) meses da cessação da causa que o permitiu.

 

Todos estes testamentos serão considerados nulos (art. 619) quando faltar a redação por escrito da declaração do testador ou a falta de assinatura da pessoa autorizada a recebê-la do testador. Para outros defeitos deve-se observar as disposições gerais de nulidade.

 

4.2.4.1 – Testamentos por doenças contagiosas, calamidade pública ou infortúnio.

 

Quando o testador se encontra num local onde esteja ocorrendo uma epidemia de doença contagiosa, ou em consequência de infortúnio (que nada mais é do que o nosso caso fortuito) ou calamidade pública, o testamento será válido se recebido por um notário ou pretor ou prefeito ou de quem lhes faça as vezes, ou um padre, na frente de duas testemunhas que sejam maiores de 16 (dezesseis) anos. O testamento é redigido por quem o recebe e assinado pelo testador e pelas testemunhas. Se um deles não puder assinar, assinala-se a razão.

 

Não é pré-requisito que o testador tenha sido contagiado pela doença. Quanto à calamidade pública esta dever ser realmente uma situação especial, como por exemplo, terremotos, aluviões ou ainda estado de guerra. O caso fortuito também deverá ser uma situação excepcional que coloque em risco a vida do testador.

 

O testamento realizado desta forma perderá a eficácia 3 (três) meses depois que cessar a causa que impediu a utilização da forma ordinária.

 

4.2.4.2 – Testamento em viagem marítima

 

A possibilidade de utilização deste tipo de testamento ocorrerá se o navio estiver em alto mar, não importando a sua tonelagem. O testamento será apresentado ao comandante do navio e terá sido redigido em duas vias, na presença de duas testemunhas e assinado pelo testador, por quem o recebeu e pelas testemunhas também. Da mesma forma, se o testador ou as testemunhas não puderem  assinar, será feita observação da razão do impedimento. O testamento será conservado junto aos documentos de bordo e registro no diário de bordo. É importante lembrar que este tipo de testamento não poderá ser feito se o navio estiver atracado em algum porto.

 

O navio poderá ser da marinha ou navio mercante.

 

4.2.4.3 – Testamento em viagem aérea.

 

Ao testamento em viagem aérea se aplicam as disposições do testamento marítimo, sendo admissível ao caso uma só testemunha. Ele será anotado no diário de bordo.

 

4.2.4.4 – Testamento militar

 

O testamento de militares e do pessoal das forças armadas pode ser recebido por um oficial, um capelão militar ou um oficial da Cruz Vermelha, na presença de duas testemunhas.

 

Deverá ser assinado pelo testador, por quem o recebeu e pelas testemunhas. Ele deverá ser transmitido o mais rápido possível para o quartel general e deste para o ministério competente, que ordenará seu arquivamento no cartório de notas da última residência do testador.

 

 

5 – Conclusão

 

Pode-se observar que nosso Código Civil não conceitua testamento, o que já ocorre no texto francês – “Le testament est un acte par lequel le testateur dispose, pour le temps où il n’existera plus, de tout ou partie de ses biens ou de ses droits et qu’il peut révoquer”[1] assim como no texto italiano – “Il testamento è un atto revocabile con il quale taluno dispone, per il tempo in cui avrà cessato di vivere, di tutte le proprie sostanze o di parte di esse”[2]. No entanto este vai um pouco mais longe e emenda que “todas as disposições de caráter não patrimonial, que a lei consente estarem contidas em um testamento, terão eficácia se contidas em um ato que tenha a forma de testamento, ainda que faltem disposições de caráter patrimonial.

 

Na legislação pátria, a rigor faz-se a distinção entre herdeiro e legatário. Herdeiro quer indicar a pessoa que, na qualidade de parente ou de legítimo sucessor, é convocada a receber os bens deixados pelo de cujus. Porém, hodiernamente, ampliou-se o entendimento de herdeiro. Aquele que é nomeado a receber os bens a título universal será considerado também herdeiro testamentário. Legatário é aquele que recebe bem certo, bem determinado, portanto a título singular.

 

No direito francês o herdeiro está ligado à qualidade de parente. Aquele que recebe em testamento é legatário, mesmo que a título universal. É o que se depreende do artigo 1003 – “Le legs universel est la disposition testamentaire par laquelle le testateur donne à une ou plusieurs personnes l’universalité des biens qu’il laissera à son décès”[3]; do artigo 1010 – “Le legs à titre universel est celui par lequel le testateur lègue une quote-part des biens dont la loi lui permet de disposer, telle qu’une moitié, un tiers, ou tous ses immeubles, ou tout son mobilier, ou une quotité fixe de tous ses immeubles ou de tout son mobilier. Tout autre legs ne forme qu’une disposition à titre particulier.”[4]; do artigo 1014 – Tout legs pur et simple donnera au légataire, du jour du décès du testateur, un droit à la chose léguée, droit transmissible à ses héritiers ou ayants cause.  Néanmoins le légataire particulier ne pourra se mettre en possession de la chose léguée, ni en prétendre les fruits ou intérêts, qu’à compter du jour de sa demande en délivrance, formée suivant l’ordre établi par l’article 1011, ou du jour auquel cette délivrance lui aurait été volontairement consentie.[5]

 

No direito italiano vemos um entendimento similar ao do nosso direito. O artigo 588 – “Le disposizioni testamentarie, qualunque sia l’espressione o la denominazione usata dal testatore, sono a titolo universale e attribuiscono la qualità di erede, se comprendono l’universalità o una quota dei beni del testatore. Le altre disposizioni sono a titolo particolare e attribuiscono la qualità di legatario.”[6]

 

No que se refere ao testamento conjuntivo todas as três legislações são unânimes.

 

Outra característica comum as três é o princípio da revogabilidade. Todas elas admitem a revogação, salvo a francesa que faz restrição ao modo. De acordo com o artigo 1035, resta determinado que os testamentos não poderão ser revogados, no todo ou em parte, que por outro testamento posterior ou por um ato notarial de declaração de mudança de vontade.

 

A legislação italiana assim como a brasileira observa que não será revogável o reconhecimento de um filho, feito através de um testamento, cujo conhecimento só ocorrerá após a morte do testador.

 

NO aspecto da incapacidade os três direitos se equivalem, exceto no direito italiano no qual somente os maiores de idade podem testar. O direito francês admite que o menor de 18 e maior de 16 anos possa testar,sendo que ao casado não importa a idade.

 

A legislação brasileira no que se refere às deficiências visuais, auditivas e orais determina que o cego só poderá valer-se de testamento público. O surdo-mudo deverá escrever todo o testamento e assiná-lo, o que só poderá ser feito através do testamento cerrado.

 

E como já observado anteriormente, o Código Civil francês prevê que se todas as formalidades para o testamento místico não forem observadas, o que ocasionaria sua nulidade, poderá ser considerado testamento hológrafo, se as formalidades para esta espécie forem preenchidas, não importando, pois a denominação dada.

 

Quanto aos chamados testamentos especiais, as três legislações se equiparam, no sentido da perda da sua eficácia, depois de decorrido certo lapso de tempo, a partir do momento que se encerre a situação que o justificou.

 

            Concluo, portanto que embora haja algumas diferenças, a base e a idéia central são a mesma. Elas acabam por se diferenciar em detalhes, justificável plenamente pelas diferenças culturais, que determinam essas necessidades.

 

 

 

6 – Bibliografia

 

DICIONÁRIO LE PETIT LAROUSSE ILLUSTRÉ. Coordenação de Mady Vinciguerra. Paris. 2002. 1786 p.

ZINGARELLI, Nicola. Lo Zingarelli Minore– Vocabolario Della Lingua Italiana. Bolonha: Terzo Millenio,2001 – 1248 p.

Legislação:

Disponível na internet em 14/05/2010

http://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=A760357CF3DC23 8AF2069C75F965BECF.tpdjo12v_3?cidTexte =LEGITEXT000006070721&dateTexte=20100526

 

http://www.rosenczveig.com/technique/testament.htm

http://www.lexced.it/Codice_Civile.aspx?libro=2&titolo=17

 

Regina Maria de Paula – Estudante do Curso de Direito da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP – 8ª etapa

 



[1] Tradução livre: “O testamento é um ato pelo qual o testador dispõe para quando não existir mais, do todo ou uma parte de seus bens ou de seus direitos e que é passível de revogação.”

[2] Tradução livre: “O testamento é um ato revogável com o qual alguém pode dispor de todos seus bens ou parte deles, quando não mais estiver vivo.”

[3] “O legado universal é a disposição testamentária pela qual o testador dá a uma ou mais pessoas, a universalidade de seus bens, que ele deixará após sua morte.”

[4] “O legado a título universal é aquele pelo qual o testador lega uma quota-parte dos bens disponíveis, como uma metade, um terço, ou todos os seus imóveis, ou todo seu mobiliário, ou uma quota fixa de todos imóveis ou de todo seu mobiliário.”

[5] “Todo legado puro e simples dará ao legatário, a partir da morte do testador, um direito à coisa legada, direito este transmissível a seus herdeiros ou cessionários. Entretanto, o legatário particular não poderá tomar posse da coisa legada, nem pretender os frutos e juros, somente a partir do dia   da liberação da coisa , de acordo com o estabelecido no art. 1011 ou do dia no qual esta liberação lhe será concedida voluntariamente.”

[6] “As disposições testamentárias, qualquer que seja a expressão ou denominação usada pelo testador, são a título universal e atribuem a qualidade de herdeiro, se compreender a universalidade ou uma quota dos bens do testador. As outras disposições são a título particular e atribuem a qualidade de legatário.”

Como citar e referenciar este artigo:
PAULA, Regina Maria de. Aspectos da Sucessão Testamentária na França e na Itália. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/aspectos-da-sucessao-testamentaria-na-franca-e-na-italia/ Acesso em: 20 nov. 2024
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