Direito Civil

Alimentos para a vida

Alimentos para a vida

 

 

Maria Berenice Dias*

 

 

Enfim está garantido o direito à vida mesmo antes do nascimento.

 

   Outro não é o significado da Lei 11.804 de 5/11/2008 que acaba de ser sancionada, pois assegura à mulher grávida o direito a alimentos a lhe serem alcançados por quem afirma ser o pai do seu filho.

 

    Trata-se de um avanço que a jurisprudência já vinha assegurando. A obrigação alimentar desde a concepção estava mais do que implícita no ordenamento jurídico, mas nada como a lei para vencer a injustificável resistência de alguns juízes em deferir direitos não claramente expressos. 

 

   Afinal, a Constituição garante o direito à vida (CF 5º). Também impõe à família, com absoluta prioridade, o dever de assegurar aos filhos o direito à vida, à saúde, à alimentação (CF 227), encargo a ser exercido igualmente pelo homem e pela mulher (CF 226, § 5º). Além disso, o Código Civil põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (CC 2º).  Ainda assim a tendência sempre foi reconhecer a obrigação paterna exclusivamente depois do nascimento do filho e a partir do momento em que ele vem a juízo pleitear alimentos.

 

            Agora, com o nome de gravídicos, os alimentos são garantidos desde a concepção. A explicitação do termo inicial da obrigação acolhe a doutrina que de há muito reclamava a necessidade de se impor a responsabilidade alimentar com efeito retroativo a partir do momento em que são assegurados direitos ao nascituro.

 

A lei enumera as despesas da gestante que precisam ser atendidas da concepção ao parto (2º): alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis a critério do médico. Outras podem ser consideradas pertinentes pelo juiz.

 

Bastam indícios da paternidade para a concessão dos alimentos que irão perdurar mesmo após o nascimento, oportunidade em que a verba fixada se transforma em alimentos a favor do filho. Como o encargo deve atender ao critério da proporcionalidade, segundo os recursos de ambos os genitores, nada impede que sejam estabelecidos valores diferenciados vigorando um montante para o período da gravidez e valores outros a título de alimentos ao filho a partir do seu nascimento. 

 

De forma salutar foram afastados dispositivos do projeto que traziam todo um novo e moroso procedimento, o que não se justificava em face da existência da Lei de Alimentos. Permaneceu somente uma regra processual: a definição do prazo da contestação em cinco dias (7º). Com isso fica afastado o poder discricionário do juiz de fixar o prazo para a defesa (L 5.478/68, 5º, § 1º). 

 

A transformação dos alimentos em favor do filho ocorre independentemente do reconhecimento da paternidade.  Caso o genitor não conteste a ação e não proceda ao registro do filho, a procedência da ação deve ensejar a expedição do mandado de registro, sendo dispensável a instauração do procedi­mento de averiguação da paternidade para o estabelecimento do vínculo parental.

 

A lei tem outro mérito. Dá efetividade a um princípio que, em face do novo formato das famílias, tem gerado mudanças comportamentais e reclama maior participação de ambos os pais na vida dos filhos. A chamada paternidade responsável ensejou, por exemplo, a adoção da guarda compartilhada como a forma preferente de exercício do poder familiar. De outro lado, a maior conscientização da importância dos papéis parentais para o sadio desenvolvimento da prole permite visualizar a ocorrência de dano afetivo quando um dos genitores deixa de cumprir o dever de convívio.

 

Claro que leis não despertam a consciência do dever, mas geram responsabilidades, o que é um bom começo para quem nasce. Mesmo sendo fruto de uma relação desfeita, ainda assim o filho terá a certeza de que foi amparado por seus pais desde que foi concebido, o que já é uma garantia de respeito à sua dignidade.

 

 

 

* Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões. Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS. Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

 

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Como citar e referenciar este artigo:
DIAS, Maria Berenice. Alimentos para a vida. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/alimentos-para-a-vida/ Acesso em: 05 fev. 2025
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