Direito Civil

A equidade na aplicação do direito

Brenda Monteiro Piancó

RESUMO

O Direito, por si, possui diversas lacunas. A Justiça, por ser genérica, não consegue atender a todos com o mesmo nível de satisfação. Para preencher essas lacunas na lei, assim como, para garantir a flexibilidade da mesma (já que uma mesma regra não pode ser aplicada a todos), surge a Equidade. A Equidade é então a adaptação da lei e da própria justiça a cada caso. É a confirmação de que uma lei não pode ser tão rígida a ponto de se tornar universal e nem tão minuciosa que não haja brechas que revelem a necessidade de se aplicar uma interpretação específica para uma situação particular.

Palavras-chave: direito, equidade, lacunas.

ABSTRACT

Law, by itself, has several gaps. Justice, being generic, can not meet everyone with the same level of satisfaction. To fill these gaps in the law, as well as to ensure its flexibility (since the same rule can not be applied at all), Equity arises. Equity is then the adaptation of the law and of justice itself to each case. It is the confirmation that a law can not be so rigid as to become universal and not so thorough that there are no loopholes revealing the need to apply a specific interpretation to a particular situation.

Keywords: law, equity, gaps.

INTRODUÇÃO

A equidade é prevista pelo legislador como critério utilizado pelo magistrado para execução de uma lei. Essa previsão também justifica-se pela própria sociedade, em que a velocidade das mudanças superam a das leis. Logo, os legisladores incorporam a equidade à própria lei, para garantir que sua aplicabilidade se adapte as mudanças na sociedade.

Por isso, a equidade é importante para a obtenção da justiça em seu grau mais satisfatório; senão, a lei, sendo estática, teria necessidade frequente de mudanças em sua constituição, para cada caso novo que surgisse na vida social. Essa inviabilidade nos permite concluir também que a rigidez de uma lei torna mais propensa à execuções injustas, culminando no colapso da própria noção do Direito e Justiça.

O fato dos legisladores permitirem o uso da equidade para execução de uma lei, não significa que quem a aplica tem o direito de fazer de modo irrestrito, inserindo sua pessoalidade como critério, de modo que a aplicação fuja à ideia da própria lei. É importante deixar claro que especificidade não deve ser confundida com pessoalidade. Ao utilizar a equidade, o aplicador não deve se esquecer da impessoalidade conferida à execução de uma lei. Cada caso específico em que a norma não consiga alcançar com plenitude, usa-se a equidade como uma interpretação privada desta lei pelo executor, mas que não fuja à coerência da própria norma contida para base desta interpretação.

A equidade, por completar as lacunas da lei e garantir sua aplicabilidade de modo mais justo a cada caso, confronta com seu oposto, inequidade (o cume de uma injustiça). Além de se abordar as consequências negativas do mau uso da equidade (resultando na inequidade), este trabalho visa, ainda, discutir o contexto histórico em que a equidade evoluiu; assim como: a relação entre a equidade, a isonomia e a jurisprudência; a interação de lacunas pela equidade; casos em que haja necessidade desse princípio, o perigo no uso da equidade, exceção do Direito penal em relação à equidade, a relação entre a equidade e o Direito positivo.

1 CONTEXTO HISTÓRICO

1.1 ANTIGUIDADE CLÁSSICA

1.1.1 Grécia

A equidade nasceu na Grécia com o nome Epieikeia. Quando se discute sobre o nascimento da equidade, não há como não citar a maior referência no assunto: Aristóteles, que definia a equidade como “A Justiça do caso concreto”. O filósofo abordou o tema em duas grandes obras: Ética a Nicômaco e Retórica.

Aristóteles diferenciava a Equidade da Justiça e colocava a primeira como superior, por acreditar que somente a Equidade poderia se flexibilizar a ponto de oferecer o que seria mais justo para cada caso específico; ao contrário da Justiça, que seria universal e não tinha como oferecer o mesmo tipo de adaptação. Porém, mesmo diferenciando, Aristóteles ressaltava que existia uma forte relação entre a Justiça e Equidade, pois ambas tinham sempre um propósito benéfico, positivo.

Aristóteles comparava a Equidade à uma “régua de chumbo” usada para ajustar as molduras lésbias (referente à ilha de Lesbos), em que a régua se adaptava à pedra, independentemente de seu formato. Ele ainda enfatiza, em sua obra Retórica, que a Equidade parece ser justa, mas essa justiça vai além da lei escrita, já que não seria possível o legislador prever todas as hipóteses que acontecerão quando uma lei está sendo criada.

A Epieikeia , portanto, é a manifestação da Justiça e do próprio Direito a um caso particular. É uma interpretação que até se afasta da letra, mas que não deixa de ser coerente com o que o legislador teria dito. É como a régua citada por Aristóteles, que é maleável o suficiente para corrigir a rigidez do Direito e a universalidade da Justiça.

A equidade é, portanto, para Aristóteles, o método de aplicação de lei não-escrita para remediar a aplicação da lei escrita. Enfim, para esse autor, a equidade tinha como função: atenuar o rigor do Direito rigoroso, como regra proporcional da própria justiça, a cada um conforme o seu mérito. A equidade como justa correção do justo rigorosamente legal, como corretora das leis, limitada sua função, porém, ao procedimento judiciário, ao chamado “juízo de equidade”, como hoje mesmo se estabelece no Código de Processo Civil brasileiro (Arts. 127, 1.109 e 20, § 4º).

1.1.2 Roma

Se é na Grécia que a equidade nasce, em Roma, ela se desenvolve juridicamente. Para compreender a Equidade no Direito Romano, é necessário conhecer seu termo romano equivalente: “aequitas”, que significava basicamente, “igualdade”, “simetria” ou “proporção”.

Apesar de não se considerar um termo sinônimo ao Epieikeia da Grécia, ambas tinham o sentido de modelo ideal de justiça, que poderia corrigir a rigidez de uma norma geral e abstrata. Enquanto que a Epieikeia construía uma norma como um princípio ético que se identificava com a justiça, a aequitas não criava normas; apenas adaptava o “ius” (Direito) a cada caso. Por isso, não era superior ao Direito, já que fazia parte dele.

1.1.3 Idade Média e Idade Moderna:

Na Idade média, predominaram as ideias de São Tomás de Aquino referentes à Equidade. Baseado em Aristóteles, Aquino associou a Equidade ao contexto cristão. A equidade passa a ter um significado de virtude, prudência.

A doutrinadora Maria Helena Diniz explica que São Tomás de Aquino retoma a ideia de “Epieikeia”, ou seja, a noção de Equidade, para Aristóteles. Pois as ações humanas, segundo a autora, são únicas e podem variar ao infinito. Por isso, não é possível criar leis que atinjam todos os casos, já´ que, os legisladores criam leis, observando o que é mais frequente em uma sociedade.

Como exemplo, a jurista usa o depósito. Uma pessoa que deposita, hipoteticamente, uma espada e que, em acesso de loucura, exige essa espada. Seria um grande mal aplicar o que a lei diz, já que a mesma expõe que os depósitos sejam restituídos. Nesse caso, seria importante o uso da Equidade (ser prudente à situação específica).

A Equidade cristã ou Equidade da Idade Média, além de receber influência preponderante de Aristóteles e São Tomás de Aquino, também foi influenciada ela Equidade romana. No sentido de que, a equidade pode estimular a criação de leis. Um exemplo disso, é a própria legalização de seu uso pela norma legal.

Na Idade Moderna, a Equidade passou a ganhar um sentido diferente. O absolutismo dos reis foi responsável por condenar os abusos que eram cometidos pelo uso da equidade. Na França, por exemplo, em 1667, proibiu-se o recurso à Equidade. E essa integração da Equidade ao sistema jurídico francês permaneceu nos séculos XVIII e XIX. Logo houve uma oposição entre a ideia de equidade e Direito.

Felizmente, superou-se essa rivalidade entre o Direito absolutista e a Equidade, com a influência do Direito romano, em que o pretor utilizava a Equidade para corrigir a arbitrariedade do próprio Direito. Por isso, em vez de ser externa ao Direito, a partir de então, a Equidade passa a integrá-lo até hoje.

Depois dessa breve análise sobre a evolução da Equidade ao longo da história, foi possível observar como a Equidade se tonou importante para consolidação do Direito na atualidade e de como a ideia de Justiça, por ser relativa, também deve ter suas decisões relativizadas, de acordo com o caso.

2 NOÇÃO GERAL DE EQUIDADE

Segundo Aristóteles, no livro a Ética a Nicômaco a equidade é “uma correlação da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade”, ou seja, quando o legislador cria a lei, as normas jurídicas, essas possuem dentre os seus caracteres, a generalidade, logo, o juiz aplicando rigidamente a norma, sem observar as particularidades de cada caso, poderia dar uma sentença injusta, por isso, Aristóteles diz que equidade é “a justiça do caso concreto”, como já dito, julgar os casos com plena liberdade, onde “se leva em conta o que há de particular em cada relação”. (VANNI apud NADER, p.114)

Aristóteles ainda compara a equidade com a regra de Lesbos, régua especial que servia para medir certos blocos de granito, e que por não ser rígida, adaptava-se as irregularidades do objeto, ou seja, assim como a equidade serve para se adequar os decretos ao fatos concretos, a régua de Lesbos “não mede apenas aquilo que é normal, mas, também, as variações e curvaturas inevitáveis de experiência humana.” (REALE, 2009)

Remetendo-se a utilização do termo equidade, é preciso mencionar que antes de Aristóteles, Platão já havia citado a necessidade de utilizar esse princípio:

“A justiça traduzida em normas gerais e abstratas toma formas geométricas definidas, que nem sempre se acomodam à conformação real de cada caso. A epiekeia [equidade] ajusta o Direito ao caso. A norma geral é dura, é sólida, e os sólidos não se conformam aos recipientes; a epiekeia, sem dissolver o Direito e, sobretudo, sem lhe cambiar a essência, tornao [sic], entretanto, pastoso e lhe permite amoldar-se a caso por caso.” (Platão apud PALERMO, p.1)

Destacando outro autor com a sua definição, é possível retornar a São Tomás de Aquino que “associava a equidade à razão de justiça”.

Ainda é relevante mencionar a relação da equidade com o caráter de “correção”, visto que, quando a lei apresenta certa omissão, lacuna, poder-se-á utilizar o princípio da equidade.

A equidade ainda pode ser divida em:

a) A equidade como forma de interpretação da lei: Refere-se como já percebido, conduz a justiça do caso concreto.

b) a equidade como substituta da lei: Refere-se a “a autorização, ao juiz, de produzir direito fora de cada limite material imposto pelas normas superiores”. (BOBBIO apud PALERMO)

Por fim, Miguel Maria de Serpa Lopes afirma que “a equidade se apresenta no plano jurídico com uma tríplice função: a equidade na elaboração das leis (espírito idealista); a equidade na aplicação do Direito e, finalmente, a equidade na interpretação”.

EQUIDADE COMO DIREITO

A equidade de uma forma geral traduz o equilíbrio a todos e a qualquer cidadão do país e é de fundamental importância para uma sociedade mais justa. Alguns fatores são relevantes para o desenvolvimento de uma igualdade, tais como: A revolução francesa que trouxe um marco no ordenamento jurídico, as lutas pela liberdade, igualdade e fraternidade, em especial a igualdade (equidade). Outro foi A Declaração Universal dos Direitos Humanos criado pela ONU que trouxe uma alteração às lutas pela igualdade, além da Constituição brasileira em especial a de 88 em seu art. 5º Caput que trata também do princípio da igualdade e que todos estes fatores contribuíram e que foram de fundamental importância para esse processo.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos que se mantêm até hoje, tem em seu caráter universal a importância de apaziguar conflitos e preconceitos entre as nações e a sociedade, como a discriminação racial a igualdade entre outras. Essa lei traz em seu Artigo VII, que dispõe, todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

O Art. 5º da Constituição brasileira menciona que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza “garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.Entretanto ter igualdade (equidade) é manter o equilíbrio das partes e tratar de forma igual quem tem diferentes níveis, seja de intelecto, seja étnico social.

O art.4º da Lei de Introdução do Código Civil, quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, dos costumes e os princípios fundamentais do direito.

3 EQUIDADE NO CÓDIGO CIVIL

A equidade é um conceito multissignificativo, uma verdadeira cláusula geral, uma hipótese legal de ampla generalidade que se faz presente em todas as experiências jurídicas do mundo ocidental, interessando à filosofia e à teoria do Direito, particularmente no que tange à interpretação jurídica. Excepcional por natureza, pois somente aplicável nas hipóteses legais previamente estabelecidas, tem vários significados, conforme sua imediata função. Tem-se, assim: a equidade interpretativa, quando o juiz, perante dificuldade de estabelecer sentido e o alcance de um contrato, por exemplo, decide com um justo comedimento; a equidade corretiva, que contempla o equilíbrio das prestações, reduzindo, por exemplo, o valor da cláusula penal; a equidade quantificadora, que atua na hipótese de fixação do quantum indenizatório; a equidade integrativa, na qual a equidade é a fonte de integração, e ainda a equidade processual, ou juízo de equidade, conjunto de princípios e diretivas que o juiz utiliza de mofo alternativo, quando a lei autoriza, ou permite que as partes a requeiram, como ocorre nos casos de arbitragem.

Ressalta-se, de início, que a sedes materiae da equidade está no problema de realização integral da Justiça, pelo que justiça e equidade são inseparáveis. A justiça é uma virtude que consiste em dar a cada um o que é seu. Representa basicamente uma preocupação com a igualdade com a proporcionalidade. A primeira implica uma correta aplicação do Direito, de modo a evitar o arbítrio; a segunda significa tratar de modo igual os iguais e de modo desigual os desiguais, na proporção de sua desigualdade e de acordo com o seu mérito. Equivalência e proporção.

No conceito de justiça percebe-se, todavia, uma antinomia, uma contradição, que se manifesta entre a exigência de igualdade e o de justiça individual, surgida no processo de realização do direito em um caso concreto. Sendo a norma, em princípio, de natureza geral, pode constituir-se tal atributo em obstáculo a uma decisão justa se não se observarem as peculiaridades do caso posto em julgamento. A exigência de igualdade de todos perante a lei, sob o ponto de vista formal, não pode desconhecer a necessidade de uma decisão também materialmente justa, de acordo com as circunstâncias. Entra aqui o conceito de equidade como critério interpretativo, que permite adequar a norma ao caso concreto e chegar à solução justa. Diz-se, por isso, ser a equidade a justiça do caso concreto. E a decisão será equitativa quando levar em conta as especiais circunstâncias do caso decidido e a situação pessoal dos respectivos interessados.

O recurso à equidade como critério intermediador no processo de realização do direito pode deixar clara a inadequação da norma jurídica devido a, por exemplo, um processo de mudanças sociais, exigindo uma reflexão sobre o direito e sua aplicação, dizendo-se também, ser a equidade a consciência do Direito. Vislumbraram-se assim, desde já, duas funções para a equidade: proporcionar um critério para a interpretação jurídica, concedendo ao intérprete maior autonomia, e constituir-se, como consciência do Direito, em impulso para as respectivas mudanças, buscando o Direito, o novo Direito, como solução justa para casos concretos.

4 EQUIDADE COMO FONTE DE DIREITO

Na definição de BOBBIO, “fontes do direito são aqueles fatos ou atos dos quais o ordenamento jurídico faz depender a produção de normas jurídicas. O conhecimento de um ordenamento jurídico (e também de um setor particular desse ordenamento) começa sempre pela enumeração de suas fontes”. Costuma-se dizer que o ordenamento jurídico regula a própria produção normativa porque, além de regular o comportamento das pessoas, regula também o modo pelo qual se devem produzir as regras.

Não há um consenso, entre os autores (como de resto na grande maioria das questões de direito) a respeito de constituir a equidade uma das fontes do direito. Aqueles que a consideram uma fonte de direito apontam como argumento básico ser por meio dela que o caso se resolve. A equidade revela, pois, o direito daquele caso concreto. Seria, portanto, uma fonte formal do direito, principalmente quando preenche as lacunas da lei.

VICENTE RAO a define, no entanto, como uma particular aplicação do princípio da igualdade “às funções do legislador e do juiz, a fim de que, na elaboração das normas jurídicas e em suas adaptações aos casos concretos, todos os casos iguais, explícitos e implícitos, sem exclusão, sejam tratados igualmente e com humanidade, ou benignidade, corrigindo-se, para este fim, a rigidez das fórmulas gerais usadas pelas normas jurídicas, ou seus erros, ou omissões.”.

Ainda segundo o autor, nos sistemas de direito escrito, como o nosso, normas jurídicas positivas são, apenas, as leis, a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Nos sistemas Anglo-americanos, em que as decisões judiciais têm a força de precedentes obrigatórios, vinculantes, portanto, para casos futuros, as decisões fundadas em equidade têm eficácia de norma jurídica. Mas, nos sistemas de direito escrito, conclui ele, as decisões judiciais fundadas em equidade incorporam a jurisprudência, não constituindo, portanto, fonte de direito, embora constituam fonte “interpretativa do direito que é, ao mesmo tempo, poderoso elemento de influência na elaboração, transformação e progresso das disciplinas jurídicas”.

No mesmo sentido é a conclusão de OLIVEIRA ASCENSÃO. A equidade é “tipicamente um critério formal de decisão de casos singulares e não um critério normativo, pois não se eleva e nem necessita elevar-se à formulação de regras. Ela dita soluções para casos, atendendo às peculiaridades características destes; não elabora regras, pois não tem intuito generalizador; não lhe interessam outros casos, semelhantes embora”.

As fontes do direito são os modos de formulação e revelação de regras jurídicas. Se a equidade é um critério formal de decisão, está inteiramente afastada desta primeira noção, pois através dela não se criam regras, bem como a solução do caso concreto não se faz através da mediação de uma regra, mas tão somente pelo exame das características do caso concreto em exame.

É inegável que, a exclusão da equidade do rol das fontes de direito, leva em conta a premissa de que o conceito de fonte do direito exclui os critérios de decisão, restringindo-se aos modos de formação e revelação de critérios materiais de decisão. Mas se ampliado o conceito, para que abarque tudo o que revele o direito a aplicar aos casos, inclusive os critérios de decisão, a equidade estaria entre as fontes do direito. Toda esta diversidade de conclusões tem em conta que, o conceito de fonte do direito, bem como de equidade, não é unívoco.

Como bem pondera TÉRCIO FERRAZ, “a expressão fonte do direito é uma metáfora cheia de ambiguidades. O uso da palavra está transposto e pretende significar origem, gênese. As discussões sobre o assunto, que mencionamos, revelam que muitas das disputas resultam daquela ambiguidade, posto que por fonte quer-se significar simultaneamente e às vezes confusamente a origem histórica, sociológica, psicológica, mas também a gênese analítica, os processos de elaboração e de dedução de regras obrigatórias, ou ainda a natureza filosófica do direito, seu fundamento e sua justificação. Por sua vez, a própria expressão direito, igualmente vaga e ambígua, confere à teoria uma dose de imprecisão, pois ora estamos a pensar nas normas (direito objetivo) ora nas situações (direito subjetivo) e até na própria ciência jurídica e sua produção teórica (as fontes da ciência do Direito).

Mas a equidade seja como critério de inspiração, interpretação ou integração da norma a ser individualizada não pode ser considerada como fonte formal do direito, pois em qualquer um destes casos, quem interpreta ou integra a norma é a jurisprudência. E mesmo, quando substituta da lei, com aparente função normativa, podendo dar margem, inclusive à decisão contra legem, também não pode ser erigida à condição de fonte formal do direito, pois também neste caso, o direito emana do julgador, que aplica o princípio e formula a regra do caso concreto.

No entanto, enquanto critério de ajuste da norma às especificidades do caso concreto, a fim de que a solução seja justa, critério de interpretação e integração da norma, pode ser considerada uma fonte material de direito. Feitas estas considerações, podemos concluir que a equidade não é uma fonte formal de direito e sim uma fonte material.

5 EQUIDADE, DIREITO E JUSTIÇA

O vocábulo “Direito” provém do termo latino directus, expressão que designa aquilo que está em conformidade com a reta, não apresentando desvios ou curvaturas. Na perspectiva de Emmanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII: ”Direito é o conjunto de condições, segundo as quais, o arbítrio de cada um pode coexistir com o arbítrio dos outros de acordo com uma lei geral de liberdade”. Portanto o direito é aquilo que se revela em conformidade com a lei, é um conjunto de leis, sendo assim a ciência que as estuda. Para o doutrinador Paulo Nader, “É um conjunto de normas de conduta social, imposto coercitivamente pelo Estado, para realização da segurança, segundo os critérios de justiça”.

Percebe-se então que o direito orienta a conduta social a fim de alcançar o “Bem comum”, tal expressão configura-se como consumação da ordem nas relações sociais, tornando-se possível através do cumprimento das determinações contidas no direito. Além de ditar normas que disciplinam o convívio social, promovendo de tal maneira o ordenamento público, o direito tem como objetivos o estabelecimento da igualdade e o cumprimento da justiça, sendo que, para a ordem jurídica constituir-se autêntica, legítima, é necessário que seja a expressão da justiça.

A justiça e o direito estão intimamente ligados, uma vez que um depende do outro para cumprir as suas atribuições, se o significado de justiça permanecer apenas no campo ideal, não há como efetivar o seu papel, uma vez que este só pode ser consumado se a justiça estiver incorporada às leis, sendo o resultado do cumprimento destas. Fruto de uma formulação greco-romana, a definição de justiça corresponde à constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu, trata-se do lidar de maneira proporcional ao tomar decisões frente a um processo social posto em análise.

Verifica-se que isonomia, princípio da igualdade de todos perante a lei, está vinculado à noção de justiça, uma vez que esta exige tratamento igual para situações iguais. Sabe-se que a justiça é o resultado obtido através da execução das leis, porém as peculiaridades de cada caso disposto em avaliação permitem uma adequação das normas às circunstâncias, com o objetivo de promover soluções justas. Sendo assim, nota-se que se não houvesse tal flexibilidade na execução das leis, a aplicação destas de maneira rígida poderia fazer do direito um instrumento de injustiça, ou seja, deturparia o seu objetivo, que é o cumprimento da justiça.

Nesse contexto, a equidade, que para Aristóteles corresponde a “uma correção da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade”, entra como elemento primordial para o cumprimento da justiça, uma vez que em casos específicos admite-se a necessidade do ajustamento das determinações compreendidas no direito. Portanto, para que a justiça seja obtida em sua plenitude, é essencial que o direito possa ser flexível, maleável, a fim de moldar as normas a cada caso específico. Nos arts. 6°e 25 da Lei n° 9.099, de 26.09.95 (Juizados Especiais) e no art. 1.109 do Código de Processo Civil, é permitido ao juiz “adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna”, lembrando-se de usar da impessoalidade, assim o juiz pode adaptar a norma geral ao caso concreto.

Sendo assim, é nítido que o direito, a justiça e a equidade estão intimamente conectados, um depende do outro para que a ordem social seja consumada. Agir em conformidade com as determinações vigentes, visando à harmonia nas relações sociais, buscando a proporcionalidade entre as partes envolvidas a ponto de ser flexível em determinados casos, resultando em ajustes de tais normas, corresponde ao anseio social e ao êxito da relação entre essas três importantes características.

CONCLUSÃO

No decorrer deste artigo foi possível notar que a equidade, na Grécia, em Roma, na Idade Média e Moderna, esteve presente manifestando-se como recurso necessário ao cumprimento do ideal jurídico, que é estabelecer a igualdade e pôr em prática a justiça. Constatou-se que a aplicação da equidade encontra-se prevista no Código de Processo Civil e, portanto o emprego desta é permitido quando for previsto por lei. Sendo assim, percebe-se que a utilização deste recurso é legítima, sendo reconhecido como instrumento conveniente e essencial ao mantimento da ordem social.

Foi possível constatar que ao aplicar a equidade em determinados casos, é necessário dispor de prudência, uma vez que o mau emprego deste recurso pode ocasionar transtornos e desvirtuar o principal objetivo de sua aplicação, a promoção da justiça. Notou-se que a equidade também pode ser empregada com o objetivo de corrigir algumas determinações, quando o propósito de determinadas leis for contrário aos interesses pretendidos, a equidade tem a finalidade de retificá-las, sendo assim útil no sentido de promover decisões mais justas.

É perceptível a importância da equidade para o direito, esta se encontra presente na vida pública e configura-se como algo essencial para a efetivação do ideal político. Entende-se como política aquilo que envolve interesses e que visa a concretização de objetivos através de uma tomada de decisão, sendo que tais interesses e decisões têm que envolver a esfera pública. Sabe-se que existem casos peculiares postos em análise em que é necessária a adequação da lei, durante este trabalho foi exposto que a equidade tem essa finalidade, portanto se é necessário o uso deste artifício para a tomada de decisões que correspondam ao interesse coletivo, à equidade revela-se como fundamental para a efetivação do ideal político.

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Como citar e referenciar este artigo:
PIANCÓ, Brenda Monteiro. A equidade na aplicação do direito. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/a-equidade-na-aplicacao-do-direito/ Acesso em: 15 fev. 2025
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