Direito Civil

A Boa-Fé Objetiva na Fase Pré-Contratual

Jéssica De Jesus Ribeiro Teixeira[1]

Laíse Rodrigues Dos Santos²

Resumo

Neste artigo pretende-se analisar um dos princípios contratuais do Código Civil de 2002, que repersonalizaram o direito privado, a boa-fé objetiva, sendo uma regra de conduta impositiva de deveres das relações obrigacionais. Este principio deve estar presente no momento da elaboração do contrato como em sua execução e conclusão. Entretanto, será abordado a boa fé objetiva especificamente na fase pré-contratual, bem como considerações acerca da responsabilidade civil dos contratantes na ruptura injustificada das negociações. Isto é realizado a partir de um enfoque teórico de revisão bibliográfica, abrangendo concepções e definições de teorias de diversos autores, com o fim de proporcionar a compreensão sobre o tema em questão.

Palavras-Chave: Boa-fé objetiva, Pré-contratual, Responsabilidade civil,

Abstract

In this article we intend to analyze one of the contractual principles of the Civil Code 2002 repersonalizaram private law, the objective good faith, being an imposed rule of conduct duties of obligational relations. This principle must be present at the time of drafting the contract and in its implementation and completion. However, it will be addressed specifically objective good faith in the pre-contractual stage, as well as considerations regarding the liability of contractors in unjustified rupture of negotiations. This is accomplished from a theoretical approach to literature review, covering concepts and theories of several authors settings, in order to provide an understanding of the issue at hand.

 INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende discutir acerca da boa-fé objetiva no que diz respeito à fase pré-contratual das relações negociais, bem como a problemática da responsabilização civil para aquele que desrespeita este princípio contratual.

Para uma adequada compreensão do tema, eis que envolve uma breve abordagem sobre a teoria geral dos contratos. Pretende-se ainda identificar as hipóteses da indenização contratual pela quebra do princípio da boa-fé.

A realização deste trabalho consistiu na pesquisa, seleção, leitura dos textos sobre a boa-fé objetiva e análise do material bibliográfico, além de extrair do ordenamento jurídico brasileiro, em pesquisa jurisprudencial, doutrinária, em artigos científicos e pela internet fundamento justificador da tese apresentada na qual abrangerá concepções e definições de teorias de diversos autores sobre o determinado assunto.

A boa-fé objetiva tem aplicação no campo dos contratos, desde a fase preliminar, passando pela fase de execução ou contratual propriamente dita, até a fase pós-contratual o que enseja a responsabilidade pré-negocial, ou seja, da fase preliminar do contrato, A problemática que se impõe é um resultado da função atribuidora de deveres de confiança aos contratantes, porquanto incidem eles desde a fase pré-contratual, ensejando por vezes a responsabilidade civil do contratante que injustificadamente rompeu as tratativas, de modo a causar prejuízos ao seu parceiro negocial. Assim, enquanto temática nova e pouco desbravada, a responsabilidade de contratante por ruptura injustificada das negociações desperta questionamentos, causa polêmicas.

Necessita, portanto, visualizá-la dentro do quadro da função impositiva de deveres desenvolvida pela boa-fé objetiva, bem como delimitar a fase pré-contratual na linha temporal de desenvolvimento do contrato, elucidar sua natureza jurídica e delinear seus pressupostos. Propusemo-nos a analisar essa questão por ser de grande importância em nossa sociedade e haver uma crescente aplicação nas relações contratuais, visto que a boa-fé objetiva é um mantedor da ordem e lealdade contratual, além de controlar práticas abusivas.

1. LINHAS GERAIS DO CONTRATO

O atual ordenamento jurídico não se atentou em formular conceito para o termo contrato, ficando, portanto, a cargo da doutrina tal tarefa. No dicionário Aurélio há a seguinte definição: “acordo entre duas ou mais pessoas que transferem entre si algum direito ou se sujeitam a alguma obrigação. ” (AURÉLIO, 2009).

Na lição de Paulo Nader temos o contrato como o acordo de vontades que visa a produção de efeitos jurídicos de conteúdo patrimonial, sendo que por esse instituto cria-se, modifica-se ou extingue-se a relação de fundo econômico.

Assim, contrato é todo negócio jurídico bilateral que visa a criação, modificação, extinção ou conservação de direitos e deveres. Ou seja, por trás de um contrato sempre teremos uma manifestação de vontade, pela qual dará origem ao contrato. E essa manifestação de vontade tem que ser sempre bilateral, pois, não existe contrato de uma pessoa só ou contrato consigo mesmo. Essa situação é insustentável pelo direito, sendo, portanto, o contrato nulo.

O contrato, nada mais é do que, o encontro de duas vontades – a manifestação de vontade de um lado com a manifestação de vontade do outro lado – e que tem por objetivo produzir uma norma jurídica, não criando uma lei, mas uma norma jurídica individual, até porque, a lei é uma norma jurídica geral.

Há elementos essenciais para a elaboração de um contrato, tais como:

– A capacidade plena das partes, onde exista duas ou mais pessoas capazes e aptas para contratar, caso contrário o contrato pode ser nulo.

– Consentimento válido, em que as vontades são livres e isentas de vícios, correspondendo a interesses contrapostos.

– Objeto do contrato, consiste na atuação das partes no contrato, ou seja, a prestação. Este objeto deverá ser licito; ter possibilidade física ou jurídica; certo, determinado ou determinável; economicamente apreciável e ter forma prescrita ou não defesa em lei.

Além destes elementos, os princípios são de suma importância na relação contratual e na codificação brasileira, eles são regramentos básicos aplicáveis a um determinado instituto jurídico, no caso em questão, aos contratos. Os princípios contratuais são os seguintes:

– Autonomia privada: trata da liberdade que as pessoas possuem para formar um contrato, regulando seus próprios interesses, ou seja, uma liberdade para celebrar contrato.

– Função social dos contratos: relaciona-se ao interesse coletivo, portanto no contrato deve ser levado em conta tanto as partes contratantes como a realidade social.

– Força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda): o contrato ao ser celebrado tem força de lei, e o que estiver estipulado deve ser fielmente cumprido pelos contratantes.

– Relatividade dos efeitos contratuais: o contrato vincula exclusivamente as partes que nele intervierem, é um princípio não absoluto.

– Boa-fé: conduta das partes no negócio jurídico.

2. A BOA FÉ OBJETIVA

Para o estudo do direito contratual, ingressando na seara dos princípios, interessante fazer uma imersão conceitual a respeito destes. No entendimento de Humberto Ávila (2004, p. 70): “Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção”.

Desse conceito é possível depreender que os princípios não se constituem em meros valores cuja realização depende de vontades individuais, mas sim impõem o dever de adoção de comportamentos necessários à viabilização de um estado de coisas. A boa-fé objetiva não é nada mais do que uma regra de comportamento, que goza de exigibilidade jurídica e tem alicerce na dignidade da pessoa humana.

Sendo a dignidade da pessoa humana um valor-fonte que norteia outros valores dentro do ordenamento jurídico, inspira-se o próprio legislador na sua técnica de elaboração de cláusulas gerais, que são textos dos quais se extraem normas, sendo muitas delas princípios informadores de um determinado ramo do Direito. No caso do direito dos contratos, pode-se mencionar justamente a boa-fé objetiva. O art. 422 do CC assim dispõe: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé”.

O art. 113, por sua vez: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

O BGB alemão abandonou a noção de boa-fé como sendo apenas uma ética individual, passando a consagrar esse princípio como um valor ou como uma cláusula objetiva.

A boa-fé subjetiva consistiria apenas num estado psicológico de desconhecimento ou inocência, ao passo que a boa-fé objetiva, prevista no art. 422 do CC, traduz uma cláusula geral principiológica de conteúdo ético e exigibilidade jurídica implícita.

Esse princípio tem a função de resguardar a eticidade e a cooperação entre as partes, bem como o cumprimento dos deveres anexos em todas as fases do contrato, a exemplo do dever de informação que os contratantes têm entre si. O desrespeito aos deveres de informação, cooperação, comportamento ético – deveres anexos – enseja violação positiva da relação contratual, gerando direito à indenização pelos danos materiais ou morais sofridos.

Assim dispõe o Enunciado 24 do Conselho de Justiça Federal: “Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”.

Resta lembrar que a doutrina identifica na boa-fé objetiva três funções: diretriz ou critério hermenêutico; criação de deveres jurídicos denominados anexos, conexos ou acessórios; limitação do exercício de direitos subjetivos.

A boa-fé objetiva foi introduzida no Código Civil de 2002, pois anteriormente na codificação de 1916, a boa fé era relacionada somente com a intenção do sujeito (estado psicológico do agente), sendo, portanto considerada subjetiva. No atual código passou a ser direcionada à conduta das partes, principalmente nas relações negociais e contratuais estando relacionada com os deveres anexos ou laterais dos contratantes, dentre ao quais:

-Dever de cuidado em relação à outra parte negocial;

-Dever de respeito;

-Dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio;

-Dever de agir conforme a confiança depositada;

-Dever de lealdade e probidade;

-Dever de colaboração ou cooperação;

-Dever de agir com honestidade;

-Dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão.

A quebra desses deveres anexos gera violação positiva do contrato, com responsabilização civil objetiva daquele que desrespeita a boa-fé objetiva.

Além desses deveres, são imputadas à boa-fé objetiva três funções importantes.

A primeira é a função de interpretação, que consiste no meio auxiliador do aplicador do direito para a interpretação dos negócios, da maneira mais favorável a quem esteja de boa-fé. A segunda função é a de controle, onde será responsabilizado quem agiu contrário a boa-fé, independente de culpa. E a terceira, é a de integração, na qual os contratantes deverão integrar em todas as fases negociais o princípio da boa-fé (pré, contratual e pós-contratual).

Ainda em relação à função integrativa, é necessária a abordagem dos conceitos parcelares da boa-fé, tais como:

– Surrrectio- é o surgimento de um direito diante de práticas, usos e costumes

-Supressio– é a perda do direito ou posição pelo não exercício com o passar dos tempos

-Tu quoque– vedado ao contratante que violou uma norma jurídica, sem caracterização do abuso de direito, aproveitar-se dessa situação anteriormente criada pelo desrespeito.

-Exceptio doli- defesa do réu contra ações dolosas contrárias a boa-fé.

-Venire contra factum proprium non potest- vedado comportamento contraditório

3. A BOA FÉ OBJETIVA NA FASE PRÉ CONTRATUAL

Tradicionalmente, se reconhece a existência de um dever jurídico central em cada relação obrigacional, encerrado em um dever de dar, fazer ou deixar de fazer. Inobstante, ladeando essa obrigação primaz, a boa-fé atribui deveres jurídicos anexos, dos quais são exemplos o dever de lealdade, o dever de assistência, o dever de informar, o dever de sigilo, e uma infinidade a depender do caso concreto, visto que o rol não é taxativo.

Todavia, há que se lançar mão da ressalva de Antônio Menezes Cordeiro, aviada em monumental obra sobre o assunto, no sentido de que a boa-fé atua apenas como fundamento normativo de tais deveres, e não como sua fonte material ou causa genética. Este papel cabe aos fatos que formam a estrutura da relação contratual, de sorte que a fonte das imposições não é a cláusula geral ora estudada, mas o próprio negócio em si.

A incidência destes deveres satelitários na fase pré-contratual cria uma situação jurídica que à qual o direito alemão denomina “relação obrigacional especial”, ou ainda “vinculação especial”, traduzido em português livre, que é marcada pela presença unicamente dos deveres de proteção, sem que haja uma obrigação prestacional. Depreende-se, portanto, que a responsabilidade pré-contratual é uma responsabilidade em função da quebra de algum destes deveres durante a fase de negociações preliminares. Aqui, enfatiza-se a responsabilidade pela ruptura desmotivada das negociações.

É forçoso, a esta altura, delimitar esta modalidade de responsabilidade. De um lado, não se confunde com a violação de contrato preliminar, porquanto neste a responsabilidade é tipicamente contratual. Não decorre também de revogação de proposta em sentido técnico, negócio jurídico unilateral em que se perfectibiliza o momento decisório do contrato. Esta modalidade de responsabilidade surge na fase negocial, situação jurídica marcada pela discussão e findada na proposta em sentido técnico. Esta fase não é desprovida de normatividade, dada a gama de deveres jurídicos de proteção que nela se apresentam. Em verdade, a fase negocial é marcada pela inexistência da inalterabilidade das tratativas, e não pela falta de normatividade.

No que respeita à natureza jurídica desta espécie de responsabilidade civil, colossal é a divergência doutrinária. De uma banda, ala respeitável da doutrina entende que a responsabilidade é contratual, capitaneados por Larenz, Menezes Cordeiro e Antunes Varela, e no Brasil por Ruy Rosado Aguiar Jr, Carlyle Popp e Antonio Junqueira Azevedo. Obtemperam que os deveres que exsurgem da boa-fé são de conteúdo imanentemente positivo e se caracterizam pela relatividade, é dizer, são dirigidos a pessoas certas, pressupondo, assim, uma relação jurídica, que é formada pelo contato negocial, e não pelo dano.

Canaris, por sua vez, entende que a responsabilidade pré-contratual configura um terceiro gênero de responsabilidade, merecendo um sistema próprio de regras, o que, todavia, constitui um forte obstáculo prático.

No Brasil, a responsabilidade é legislativamente tratada como se aquiliana fosse, com base em dois argumentos precípuos: a) não há contrato a ser violado; b) os deveres de consideração decorrem da máxima do “neminem laedere”. Esta posição é defendida por autores do calibre de Fernando Noronha e Carlos Roberto Gonçalves.

Tocante aos requisitos da configuração desta responsabilidade, imperioso destacar que prescinde da culpa, de vez que seu fundamento normativo constitui norma de conduta cuja observância é objetivamente aferida. Isto é, a responsabilidade é objetiva.

Podem ser elencados quatro requisitos fundamentais: a) as negociações preliminares, fase de formação dos contratos, marcada pela liberdade contratual e por juízos de conveniência e oportunidade, mas nem por isso desvinculada de normatividade. Note-se que desta fase pode decorrer um dever indenizatório, mas jamais uma obrigação de celebrar o contrato, pois isto acabaria com a própria liberdade contratual; b) a certeza na celebração do negócio: a legítima expectativa da celebração do contrato, baseada em dados concretos e objetivos. O momento de surgimento desta expectativa se dá a partir da análise de dois fatores, quais sejam, a qualidade pessoal das partes, e o progresso das negociações, medido pelo avanço na concordância quanto a pontos essenciais do contrato; c) a ruptura injustificada: é a violação da boa-fé. A partir do momento em que surge a confiança na contratação, o motivo para ruptura deve ser justificado. A “justiça” do motivo é apurada em função do motivo em si e da consonância do comportamento da parte com os ditames da boa-fé objetiva; d) o dano: indeniza-se o dano da confiança, isto é, o dano que o agente teve por ter confiado na lealdade do outro, os danos que teria evitado se não tivesse confiado que a outra parte agiria de acordo com a boa-fé objetiva, que não abrangem o interesse positivo, caracterizado pelo que o ofendido teria logrado se o contrato tivesse sido celebrado. O dano pode ser material ou moral, embora este seja de difícil caracterização, bem como pode constituir-se em dano emergente ou lucro cessante, composto por aquilo que a parte deixou de ganhar por não celebrar contrato com terceiro em razão da fidelidade ao pacto violado.

Bem vincados estes esclarecimentos, vê-se que a incidência da boa-fé objetiva nas relações contratuais não é circunscrita às fases de conclusão ou execução do contrato, conforma a dicção recalcitrante do Código Civil brasileiro, constante do artigo 422.

No intuito de mitigar este “silêncio eloquente” do diploma civilístico pátrio, cai a lanço o Enunciado 170, aprovado na III Jornada de Direito Civil organizada pelo Conselho da Justiça Federal, com o seguinte teor: “a boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”.

4. AS HIPÓTESES DE RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-NEGOCIAL

A responsabilidade civil pré-contratual, também denominada de responsabilidade por culpa in contrahendo ou culpa na formação dos contratos, corresponde à obrigação de indenizar surgida anteriormente à conclusão do negócio juridico.

Nas palavras de Antônio Chaves,[…] há responsabilidade pré-contratual quando ocorre a ruptura arbitrária e intempestiva das negociações contrariando o consentimento dado na sua elaboração, de tal modo que a outra parte se soubesse que ocorria o risco de uma retirada repentina, não teria tomado as medidas que adotou.

A situação descrita corresponde, precisamente, à quebra das negociações preliminares, ou seja, ao rompimento injustificado da legítima expectativa de contratar, em prejuízo à parte que despendeu gastos, em razão de crer na celebração do contrato.

Contudo, a ocorrência de outra hipótese também configura a responsabilidade civil pré-contratual. Trata-se, precisamente, da recusa de contratar, caracterizada pela recusa injustificada na venda ou prestação de serviços, conduta esta que constitui, indubitavelmente, abuso de direito.

A primeira espécie de responsabilidade civil pré-contratual mencionada corresponde à quebra das tratativas preliminares, ao rompimento injustificado das negociações iniciais. Para que seja bem compreendida esta modalidade, é imprescindível analisar as distintas fases de formação do contrato, em especial a fase de puntuação, que abrange a negociação preliminar.

Neste sentido, ressalte-se que o processo de formação dos contratos é composto das seguintes fases: puntuação (correspondente às negociações ou tratativas preliminares), proposta e aceitação.

A proposta, também denominada de policitação, compreende a oferta de contratar que uma parte faz à outra. O Código Civil Brasileiro, em seu art. 427, estabelece o princípio da vinculação ou da obrigatoriedade da proposta, que determina que a proposta de contratar, regra geral, obriga o proponente.

Trata-se a aceitação, por sua vez, da aquiescência, por uma das partes, a uma proposta anteriormente formulada pela outra. Cumpre observar que o contrato só se forma com a junção destas últimas fases, com a reunião entre a proposta e a aceitação.

Em razão de estar absolutamente imbricada à temática da responsabilidade civil pré-contratual, a fase da puntuação será analisada de modo mais detalhado. Esta etapa se caracteriza pelas primeiras manifestações das partes a fim de demonstrar interesse em pactuar o contrato.

Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, neste momento prévio “[…] as partes discutem, ponderam, refletem, fazem cálculos, estudos, redigem a minuta do contrato, enfim, contemporizam interesses antagônicos, para que possam chegar a uma proposta final e definitiva”.

Ressalte-se que há quem defenda a independência da fase da minuta contratual em relação à etapa de puntuação, fundamentando-se no argumento de que esta última é caracterizada apenas por sondagens, enquanto a primeira pressupõe o estabelecimento de algumas condições mínimas, por meio do instrumento denominado “minuta de contrato”, cujo conteúdo servirá como base, como alicerce para o texto do contrato que será celebrado.

As negociações ou tratativas preliminares possuem como característica essencial a circunstância de não vincularem as partes a uma relação jurídica. Isto se justifica em razão de ser direito das partes a opção por celebrar ou não um contrato.

A responsabilidade passa a existir nesta fase, como via de exceção, quando este direito é exercido de modo puramente potestativo, ou seja, quando se verifica abuso do direito de contratar.

Dário Moura Vicente ilustra com precisão esta modalidade de responsabilidade, apresentando a hipótese de um empresário estabelecido em uma cidade que convida um colega a viajar a outra cidade bem distante daquela, a fim de negociarem um contrato. Informa que este convidado efetua gastos com passagens de avião, aluguel de automóvel, reserva de hotel e que posteriormente, após chegar ao escritório do anfitrião, este lhe informa já ter celebrado o contrato com um terceiro.

Após relatar esta hipotética situação, o autor admite a possibilidade de o convidado pleitear a responsabilização do anfitrião, solicitando o reembolso das despesas feitas, bem como indenização pela perda da oportunidade de celebrar o mesmo contrato com um terceiro, em razão de haver descumprido deveres de conduta que integram a relação entre as partes negociantes.

Ressalte-se que para que seja configurada a responsabilidade civil pré-contratual imperiosa se faz a verificação da seriedade nas negociações preliminares, a qual é a responsável por criar uma confiança entre estas. Ana Prata [06], com precisão, alerta que esta confiança não é a que uma parte, em razão de suas características psicológicas, depositou na outra, mas sim surge em razão de uma apreciação objetiva no quadro em que as negociações se desenvolveram.

É bem de se ver, pois, que o marco ensejador da responsabilidade civil pré-contratual é o descumprimento da boa-fé objetiva, e por conseguinte, dos deveres contratuais acessórios que dela advém.

Assim, a responsabilidade civil pré-contratual decorrente da quebra das negociações preliminares surge em razão do injustificado rompimento da legítima expectativa de contratação de uma parte, a qual incorreu em prejuízo em razão de gastos efetuados na certeza da celebração do contrato.

É inegável que o contrato não se esgota apenas com o cumprimento de sua obrigação principal de dar, fazer ou não fazer. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho precisamente relembram que ao lado desse dever jurídico, encontram-se outros, não menos relevantes, impostos pela boa-fé objetiva, como os deveres de informação, lealdade, confiança, assistência, de confidencialidade ou sigilo, dentre outros.

Há, indubitavelmente, na conduta daquele que rompe injustificadamente a justa expectativa de contratação, a quebra dos deveres de lealdade, probidade e de informação, gerando o dever de indenização dos danos dela decorrentes.

Não se pode admitir que as negociações preliminares sejam conduzidas com a omissão à outra parte de informações imprescindíveis para a decisão da contratação, tampouco que uma parte conduza negociações paralelas com terceiros sem informar à outra ou que rompa as tratativas iniciais arbitrariamente.

É bem de se ver, pois, que a boa-fé objetiva, distintamente da violadora da subjetiva, não exige a não a intenção de prejudicar, a inexistência de má-fé, mas apenas corresponde ao dever de se comportar com lealdade.

A responsabilidade civil pré-contratual decorrente da recusa de contratar, assim como a responsabilidade baseada no rompimento ilegítimo das negociações preliminares também se fundamenta no abuso de direito. Trata-se, nesta hipótese, do direito de contratar, decorrente do princípio da autonomia da vontade

Assim, a recusa injustificada à contratação pode ensejar a discriminação do sujeito rechaçado. A análise de eventual responsabilização por recusa de contratar passa, portanto, pela necessidade de ponderação de dois princípios constitucionalmente assegurados, a autonomia da vontade e a igualdade, que possui como corolário a proibição à discriminação.

Também neste sentido entende Dário Moura Vicente, para quem:

Avulta a este respeito a diferente hierarquização dos valores jurídicos que estão no cerne da problemática em apreço: a liberdade individual na negociação e conclusão dos contratos, por um lado, e a solidariedade traduzida no respeito pelos interesses legítimos da contraparte e na confiança que esta deposita na válida celebração do contrato, por outro.

Silvio Venosa também reconhece o inexorável liame entre a conduta abusiva da recusa injustificada de contratar e a obrigatoriedade de responsabilização:

A recusa injustificada na venda ou na prestação de serviços constitui ato que se insere no campo do abuso do direito. O comerciante não está obrigado a vender, mas se dispôs a vender, não pode recusar-se a fazê-lo a quem pretende adquirir o objeto de sua mercancia. Essa conduta extravasa os limites do direito, é prática abusiva, pois existe um desvio de finalidade. (…) Quando um titular de uma prerrogativa jurídica, de um direito subjetivo, atua de modo tal que sua conduta contraria a boa-fé, a moral, os bons costumes, os fins econômicos e sociais da norma, incorre no ato abusivo. Em tal situação, o ato é contraditório ao Direito e ocasiona a responsabilidade do agente pelos danos causados.

5. INDENIZAÇÃO CONTRATUAL PELA QUEBRA DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

Como se viu, o quebrantamento da boa-fé, em sua concepção objetiva, só por só permite que se categorize tal fenômeno como ilicitude contratual, visto que, tanto os deveres diretos como os deveres indiretos que promanam do conclave contratual dão ensanchas à possibilidade de se vindicar indenização, pois tanto o inadimplemento como a mora, permitem de per se, a propositura de demandas visando a reparação de eventuais danos que emerjam do descumprimento da prestação. De mais a mais, como de sabença trivial, a responsabilidade contratual, surge como substitutivo da ulceração de um dever primitivo, calcado na prestação pactuada e que, uma vez não atendida ou por outra, descumprida mesmo, dá azo a que se propugne por seu sucedâneo ou seja, importe pecuniário que venha fazer as vezes, ainda que de forma imperfeita, do cumprimento que fora avençado.

Frise-se sobremais, que tal perspectiva, da boa-fé objetiva não diz respeito apenas e somente aos deveres diretos ou principais, que se encontram umbilicalmente vinculados ao interesse das partes que se uniram em convenção. O aqui se deseja afirmar é que também a boa-fé objetiva impõe que se preste reverência, no que tange à responsabilidade contratual, aos chamados deveres indiretos ou secundários, porque mesmo eles, após a apuração do correspecitvo dano, permitirão que se vindique de forma idônea e lícita possível reparação, seja ela de matiz moral ou mesmo material.

Com pena de ouro cumpre-nos trazer a baila a cartesiana lição do papa da responsabilidade civil, o mestre de todos nós, Aguiar Dias: “Se o contrato é uma fonte de obrigações, a sua inexecução também o é. Quando ocorre a inexecução, não é obrigação contratual que movimento o mundo da responsabilidade. O que se estabelece é uma obrigação nova, que se substitui à obrigação preexistente no todo ou em parte: a obrigação de reparar o prejuízo conseqüente à inexecução da obrigação assumida. Essa verdade se afirmará com mais vigor se observarmos que a primeira obrigação (contratual) tem origem na vontade comum das partes, ao passo que a obrigação que a substitui por efeito de inexecução, isto é, a obrigação de reparar o prejuízo advém, muito a contrário, contra a vontade do devedor: este não quis a obrigação nova, estabelecida com a inexecução da obrigação que contratualmente consentira. Em suma: a obrigação nascida do contrato é diferente da que nasce de sua inexecução”. Na linha da lição ofertada pelo ilustre tratadista, a obrigação pactuada é que carece de cumprimento, não ocorrendo tal desiderato exsurge o dever reparatório denominado de “responsabilidade”, desfrutando do galardão de dever-responsabilidade de segundo grau ou segunda geração.

Sobreleva pontuar que referida responsabilidade se faz cristalina com o descumprimento da avença contratual, seja a prestação direta ou mesmo aquela que denominamos na abordagem científica e apreço, indireta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalmente, conclui-se que os deveres satelitários decorrentes da boa-fé objetiva, ainda que na fase anterior à formalização do negócio jurídico, dão azo à responsabilização civil do contratante que injustificadamente interrompeu as negociações preliminares, de sorte a causar danos ao parceiro, desde que presentes determinados pressupostos, dentro os quais não se inclui a culpa.

Entende-se, portanto, que os objetivos retromencionados foram alcançados, sem embargo do grande campo de trabalho que se mostra à frente, promissor e convidativo.

Imprescindível era a comprovação da indispensabilidade da responsabilização dos indivíduos que causaram danos a outros, em razão do rompimento injustificado da legítima expectativa de contratar e por meio da recusa de contratar.

Outra não poderia ser a conclusão desta obra, uma vez que impera em nosso sistema jurídico o princípio da reparação integral dos danos causados. Por esta razão, a responsabilização civil se impõe, como o mecanismo mais útil de prevenção e sanção de atos ilícitos.

Por fim, impõe-se observar que o presente trabalho de modo algum pretendeu esgotar o tema proposto. As proposições aqui sugeridas representam apenas mais um instrumento hábil a conferir maior proteção aos indivíduos prejudicados por atos abusivos, por condutas que afrontam com as diretivas adotadas tanto pela Constituição Federal, quanto pelo Código Civil Brasileiro.

Um simples incentivo, um estímulo que o presente trabalho possa representar ao aprofundamento dos estudos relacionados à importantíssima temática da responsabilidade civil pré-contratual, já trará grande satisfação e sensação de dever cumprido.

REFERENCIAS

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Cláusulas abusivas no Código do Consumidor. Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e no Mercosul. Coordenação de Cláudia Lima Marques, Livraria do Advogado.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.

CARMO, Jairo Vasconcelos do. In apontamentos de classe, aulas ministradas para o curso de pós-graduação em Direito Civil e Processual Civil da Universidade Estácio de Sá.

CAVALIERI FILHO. Sérgio. O Novo Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Revista da Emerj, V. 5, nº 20, 2002.

CORDEIRO, Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. V. 2, 1984

GAGLIANO Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil. Vol I. São Paulo: Saraiva, 2004;

GOMES Orlando, Introdução ao Direito Civil, 10ª. Ed. Introdução ao Direito Civil, 10ª. Ed., Rio de Janeiro, 1990;

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria Geral dos Contratos no Novo Código Civil. Método, 2002.

REALE, Miguel. Dos Contratos no Novo Código Civil. Revista da Emerj, v. 5, nº 20, 2002.

TEPEDINO Gustavo, Heloisa Helena Barbosa, Maria Celina Bodin de Morais. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Revonar, 2004;

TONIN, Mayara Gasparoto. A boa ­fé na fase pré­ contratual: uma Perspectiva do direito inglês. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, n.º 68, Curitiba, outubro de 2012, disponível em http://www.justen.com.br//informativo.php?l=pt&informativo=68&artigo=702, acesso em 02/06/2015.



[1] Aluna acadêmicas do curso de direito da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA

² Aluna acadêmicas do curso de direito da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA

Como citar e referenciar este artigo:
TEIXEIRA, Jéssica de Jesus Ribeiro; SANTOS, Laíse Rodrigues dos. A Boa-Fé Objetiva na Fase Pré-Contratual. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/a-boa-fe-objetiva-na-fase-pre-contratual/ Acesso em: 30 jun. 2025
Sair da versão mobile