Uma situação já enfrentada por muitas empresas que participam de licitações públicas é aquela em que, apesar de desejarem participar de determinado processo licitatório, encontram-se impedidas por não atingirem algum requisito de qualificação técnica ou econômica exigida pelo Edital; ou, ainda, por não possuírem todo o know-how que o empreendimento exige. Todavia, caso fosse possível a reunião pontual com outra empresa, aqueles requisitos seriam atingidos, ou o know-how preenchido, e a participação seria possível. É precisamente para resolver situações como essa que a Administração Pública admite a participação de empresas reunidas na forma de consórcio nos certames licitatórios.
Conforme prevê o artigo 278, caput e §1º, da Lei nº 6.404/766, o consórcio pode ser definido como uma associação temporária entre duas ou mais pessoas jurídicas, por meio da qual as sociedades unem esforços para a consecução de um objetivo comum, sem que, contudo, percam sua independência[1]. Não por outra razão, o consórcio tem existência efêmera, definida no tempo, não comportando uma atividade empresarial de duração indefinida. Isso é: o consórcio dura enquanto perdurar o empreendimento, desfazendo-se quando ele termina, razão pela qual, inclusive, não possui personalidade jurídica e não pode ser titular de direitos e obrigações.
Em âmbito de licitações públicas, o Consórcio está disciplinado no artigo 33 da Lei nº 8.666/1993 e no artigo 15 da Lei nº 14.133/21. Entre as principais previsões de ambas as leis quanto ao tema, importa apontar as seguintes condições que são indicadas pelas normativas:
1) Na Lei nº 8.666/1993, a regra geral era de vedação à participação de consórcios, devendo o instrumento convocatório prever expressamente essa possibilidade, assim como as condições e formas de estruturação desse consórcio. A Lei nº 14.133/2021, por outro lado, tem como regra geral a permissão à participação de consórcios, inclusive quando o instrumento for omisso sobre o tema. A Administração Pública, quando não permitir a participação de licitantes em consórcios, deve motivar essa decisão, justificando as razões para tanto.
2) Mesmo que participem em consórcio, no que se refere à habilitação jurídica e regularidade fiscal, todas as empresas consorciadas devem apresentar os documentos que comprovam o atendimento desses requisitos de forma individual. Ou seja, no que se refere à fase de habilitação e apresentação dos respectivos documentos habilitatórios (como o contrato social, procuração, CNPJ), cada empresa que compõe esse consórcio deve apresentá-los individualmente, com o mesmo se repetindo no que se refere aos documentos que comprovam a regularidade fiscal (como a certidão do FGTS, certidão negativa de débitos trabalhistas, entre outros).
3) É necessário que se apresente a prova da constituição do consórcio, isto é, que seja firmado um contrato entre as empresas participantes[2]. Geralmente os editais exigem que essa prova se dê por meio do “Termo de Compromisso de Constituição de Consórcio”, que nada mais é do que documento que confirma o compromisso prévio assumido por aquelas empresas licitantes quanto ao objetivo de participar de determinada licitação por meio de um consórcio. Este contrato pode ser público ou particular e nele deverá ser indicada a empresa responsável pelo consórcio, que deverá atender as condições de empresa líder, obrigatoriamente fixadas no edital. A Empresa Líder, por sua vez, está relacionada com a representação das consorciadas perante terceiros, especialmente perante a Administração. É mandatária ou representante da totalidade das consorciadas e poderá estar autorizada, por meio do contrato de consórcio, a expressar a vontade comum das consorciadas perante terceiros, para assumir compromissos.
4) Quanto à habilitação técnica, os atestados apresentados pelas empresas podem ser somados a fim de comprovar a habilitação do consórcio (sendo essa uma das principais vantagens na formulação de um consórcio). Pode-se dizer, portanto, que todas as empresas do consórcio são tecnicamente habilitadas em conjunto.
5) No que se refere à qualificação econômico-financeira, na Lei nº 8.666/1993, a comprovação dá-se de modo proporcional, isto é, de acordo com a porcentagem de participação de cada empresa no consórcio, definida previamente e estabelecida no “Instrumento de compromisso de consórcio”, havendo, como regra, um acréscimo proporcional nos parâmetros financeiros que precisam ser atingidos conjuntamente. Já na Lei nº 14.133/2021, a comprovação se dá pelo somatório total de valores (como o patrimônio líquido, por exemplo), independentemente do percentual de participação de cada consorciada.
6) É expressamente vedado que uma empresa participante de consórcio participe na mesma licitação de forma individual, razão pela qual eventual empresa licitante deve optar por participar de um certame de forma individual ou por meio de um consórcio.
7) Ao participar e vencer a licitação, todas as empresas que compõem o consórcio passam a responder solidariamente pelo empreendimento, isto é, todas as obrigações decorrentes dessa participação são solidárias entre as empresas.
Quanto às mudanças entre a antiga e nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, destaca-se que, de modo geral, e apesar de grande parte das previsões da antiga lei de licitações repetirem-se na nova, esta última normatiza uma série de questões que já tinham se tornado entendimentos consolidados em tribunais nacionais, especialmente nos tribunais de contas, o que traz maior segurança jurídica à participação das licitantes em consórcios. Por exemplo, ao contrário da antiga lei, a atual não só expressamente permite a participação de consórcios de forma ampla, como também exige que eventual proibição da participação de licitantes em consórcio seja devidamente justificada pela Administração Pública.
Outra mudança da Lei nº 14.133/21 refere-se à liderança do consórcio. Se na antiga lei era exigido que nos casos de consórcios entre empresas estrangeiras e brasileiras a empresa brasileira fosse, necessariamente, a líder, essa exigência deixa de existir no novo regramento licitatório, podendo a liderança ser exercida por empresa estrangeira.
Esses seriam os principais apontamentos a serem realizados quanto aos consórcios em licitações públicas.
Autores Murillo Preve Cardoso de Oliveira; Matheus Lopes Dezan
Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/participacao-em-consorcio-e-as-subcontratacoes/
[1] BITTENCOURT, Sidney. Licitação Passo A Passo: Comentando Todos Os Artigos da Lei No 8.666/93. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 397.
[2] Os requisitos deste instrumento de compromisso de constituição de consórcio estão previstos na Lei nº 6.404/76, em seu artigo 279:
Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, do qual constarão:
I – a designação do consórcio se houver;
II – o empreendimento que constitua o objeto do consórcio;
III – a duração, endereço e foro;
IV – a definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade consorciada, e das prestações específicas;
V – normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados;
VI – normas sobre administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de administração, se houver;
VII – forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o número de votos que cabe a cada consorciado;
VIII – contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver.
Parágrafo único. O contrato de consórcio e suas alterações serão arquivados no registro do comércio do lugar da sua sede, devendo a certidão do arquivamento ser publicada.