Direito Penal

Responsabilidade Penal dos Policiais por Omissão nas Invasões ocorridas em Brasília

Francisco Nelson de Alencar Junior[1]

Marisa Rossafa[2]

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo uma breve reflexão sobre a responsabilidade dos policiais diante das manifestações ocorridas no último dia 08.01.2023 em Brasília com as destruições ocorridas nos prédios do Supremo Tribunal Federal (STF), o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.

É sabido que os agentes que não praticaram uma ação efetiva destruindo o patrimônio, entretanto, muitos noticiários televisivos e nas principais redes sociais como Twitter e Instagram, presenciamos condutas omissivas, tais como a tratativas pacíficas com os manifestantes, incluindo escolta até a praça dos três poderes, pausa para selfies com os depredadores e a emblemática cena do descanso bebendo água de coco. O que se indaga e busca a reflexão neste artigo é acerca da punição diante da conduta omissiva de quem deveria proteger.

Palavras-chave: 

Policial – Omissão – Dever de Agir – Lei – Proteção

Abstract

The present work aims at a brief reflection on the responsibility of the police in the face of the demonstrations that took place on the last day 08.01.2023 in Brasília with the destruction that occurred in the buildings of the Federal Supreme Court (STF), the Planalto Palace and the National Congress.

It is known that the agents who did not take effective action to destroy the property, however, many television news and the main social networks such as Twitter and Instagram, we witness omissive conduct and prevarication, such as peaceful dealings with the demonstrators, including escorts to the three powers square, a selfie break with predators and the emblematic resting scene drinking coconut water. What is questioned and sought for reflection in this article is about the punishment in the face of the omissive conduct of those who should protect.

Keywords:

Police – Omission – Duty to Act – Law – Protection

Sumário. Introdução. 1. Sobre a legislação 2. “Dando nome aos Bois”. Conclusão. Referências

Introdução

As depredações do patrimônio público em Brasília têm deixado a todos indignados e com sensação de que caberá punição severa a todos os envolvidos.

O fato de estarmos conectados 24 horas as redes sociais, faz com que as notícias cheguem com rapidez a todos os cantos do mundo, basta ter um celular em mãos.

E, por essa razão, logo após os acontecidos em 08.01.2023, nos permitiu, quase que de forma imediata, em tempo real, vermos a invasão e destruição aos órgãos públicos, pois os próprios autores postavam em suas redes sociais, sem qualquer receio de exposição.

E, assim, pudemos ver fotos de policiais sorrindo, abraçados com “manifestantes”, sem que estivessem esboçando qualquer ação em defesa ao patrimônio público. Essas atitudes são passíveis de punição?

1. Sobre a legislação.

Uma única conduta, seja ela comissiva (um agir), ou omissiva (um não fazer o que a lei determina), pode gerar reflexos em todo o ordenamento jurídico. Assim, de início, um agente público que vê uma pessoa quebrando a vidraça de um prédio público e não faz nada para contê-la, responde juntamente com o depredador, mas de forma omissiva como veremos adiante.

A todos que assistiram os ataques, ficou nítida a conivência de alguns agentes públicos que, por questões ideológicas, furtaram-se do seu dever de agir.

Além da aludida omissão, esta conduta também pode gerar ilícios civis, como a obrigação de reparar o dano, e administrativa, como a demissão do agente a bem do serviço público.

Lembramos que qualquer agente público é um longa manus deste poder, não devendo agir conforme suas convicções ideológicas, mas sempre em busca do bem comum.

O nosso ordenamento jurídico dispõe de forma bem clara algumas situações em que existe o dever de agir e assim há a figura do garantidor, em que exige que o agente faça o que estiver ao seu alcance para que não seja responsabilizado, não necessitando que assim o faça a qualquer custo, entretanto, que haja um esforço de sua parte. Há o exemplo habitual do salva-vidas ao ver alguém se afogando, presta prontamente socorro, valendo de todo os recursos que está a sua disposição, mesmo assim há o óbito por afogamento, o salva-vidas não responderá por nenhum crime. Situação diversa deste agente, ao ver o afogamento, nada faz, deve agir com o fim de tentar evitar o resultado, porém se nada fizer o resultado lesivo será atribuído a ele[3].

Este garante o nosso Código Penal no art. 13, parágrafo 2º, inciso “a” incumbe o dever de agir aquele que tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância. Do exemplo acima, a obrigação do salva-vidas deriva da Constituição Federal no art. 144, inciso V, em virtude de pertencerem aos quadros das polícias militares estaduais[4]:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI – polícias penais federal, estaduais e distrital.

§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.  

Aqueles policiais militares e guardas civis metropolitanos que ali estavam, fizeram tudo o que estavam a sua disposição para impedir que as invasões aos órgãos públicos acontecessem?

Sem sombras de dúvidas, pela quantidade de pessoas que ali estavam, os agentes em número bem inferior, impedir que todos avançassem e invadissem os locais, seria muito difícil, mas se tentou evitar?

É perfeitamente possível e cabível tipificar os crimes dos invasores como de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito – art. 359-L do CP:

Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:        

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência

Decorre do próprio dispositivo legal que, além de responderem pelo crime do art. 359-L, ainda devam responder pelas penas correspondente a violência, e nesse dia fatídico ocorreram agressões aos seguranças do STF, que estavam a cavalo, lesão corporal leve ou qualificada e crimes de dano (simples ou qualificado)[5]. E, ainda, diante da quantidade de pessoas que ali estiveram, a forma como combinaram previamente o ataque, muitos se deslocando de outras cidades, ainda é possível falarmos de associação criminosa (art. 288 do CP e seu parágrafo único).

Entretanto, tudo dependerá das investigações que estão sendo realizadas, um inquérito policial extremamente complexo, apurações nas câmeras de segurança, depoimentos e vídeos gravados pelos acusados e colocados nas redes sociais, depois com a ação penal e a denúncia, assim saberemos, com exatidão, os crimes que responderão os invasores e os policiais.

2. “Dando nome aos Bois”

O Governador Distrital Ibaneis Rocha admitiu que houve falhas e pediu desculpas pela invasão às sedes dos Três Poderes[6]. Declarou que o governo local monitorava os movimentos de bolsonaristas junto do Ministério da Justiça desde o sábado, mas que não acreditava que as manifestações tomariam tamanhas proporções.

Uma vez apurada a responsabilidade penal dos agentes, isto não os exime de eventuais apurações na esfera administrativa e civil, vez que uma apuração não exclui a outra.

Outras responsabilidades também poderão ser atribuídas aqueles que ali estiveram, uma vez que o dano ao patrimônio histórico ainda deverá ser calculado e o ressarcimento ser feito.

Há grandes mobilizações nas redes sociais para a identificação dos participantes do quebra-quebra. Isso se deve às condutas das pessoas que ali estavam, se vangloriarem de seus atos, publicando nas redes sociais suas nefastas façanhas. Tal feito pouco inteligente, deu azo à possibilidade de pronta identificação dos responsáveis. Além disso, urina, sangue e fezes dos manifestantes também serão usados para a identificação por meio de perícia, pois até isto lá deixaram.

O pano de fundo desta invasão é a questão do ataque à democracia. A propagação desenfreada de notícia falsas aliena pessoas que buscam pouco a reflexão. Além disso, o discurso de ódio sempre encontra guarida entre algumas pessoas pouco escrupulosas.

Além destas formas de investigação, será possível a investigação pelas listas dos passageiros das caravanas que se destinaram ao local dos fatos e ao contingente policial que fazia plantão naquele dia.

O pedido de desculpas feito pelo governador distrital não foi aceito pelo Presidente da República, que decretou intervenção Federal na segurança pública do Distrito Federal, e ressaltou que a segurança da região é de competência da Polícia Militar, mas a corporação foi omissa, conivente ou mesmo cúmplice, em suas palavras[7]:

“Houve, eu diria, incompetência, má-vontade ou má-fé das pessoas que cuidam da segurança pública do Distrito Federal”, declarou Lula. Ele também mencionou as cenas em que policiais aparecem guiando grupos até a Praça dos Três Poderes: “Os policiais que participaram disso não poderão ficar impunes e não poderão participar da corporação porque não são de confiança da sociedade brasileira”.

Para deixar o cenário ainda mais caótico, o secretário de Segurança Público do Distrito Federal, Anderson Torres, estava passeando em outro país e não foi poupado da fala do presidente[8]: “Todo mundo sabe a fama dele de ser conivente com as manifestações. Então, a intervenção vai cuidar disso”. Após o imbróglio, o secretário foi exonerado pelo governador distrital Ibaneis Rocha, numa tentativa de diminuir a tensão.

Não podemos esquecer que os agentes de segurança seguem a um comando e ele estava totalmente engajado com os manifestantes/depredadores que chegavam de todas as partes do país.

A nós, brasileiros, resta-nos acompanhar as apurações e cobrar para que as punições sejam exemplares de modo a dissuadir novos eventos como este.

Conclusão

Temos um cenário de desastrosa tentativa de tomada de poder que gerou uma perda inestimável a todo o povo brasileiro. Afora as considerações acerca da malignidade dos autos, observamos atônitos a omissão e a conivência de agentes públicos de segurança.

É preciso resgatar o sentido da nomenclatura do “servidor público” no sentido daquele que está ali para proteger o patrimônio e as instituições democráticas que têm como fundamento a nossa Constituição.

Vimos que nosso ordenamento prevê as punições das condutas e que é farta a tipificação que esses agentes podem ser enquadrados, desde que haja a devida apuração para a identificação de todos os bandidos travestidos de heróis patrióticos.

REFERÊNCIAS

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal – 24. ed. – Barueri [SP]: Atlas, 2022.

SOUZA, Luciano Anderson de. Direito Penal 1: Parte Geral – 3ªed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.

Sites pesquisados:

 https://professormadeira.com/2023/01/08/quais-crimes-foram-cometidos-dia-08-01-23/, acesso em 09.01.2023.

 https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2023/01/08/terrorismo-em-brasilia-ibaneis-admite-falha-do-governo-do-df-mas-recusa-responsabilidade.ghtml, acesso em 10.01.2023.

 https://www.osul.com.br/policia-militar-do-distrito-federal-e-criticada-por-omissao-em-atos-terroristas-de-brasilia-imagens-mostram-guardas-tirando-selfies-e-escoltando-manifestantes/, acesso em 10.01.2023.

 https://interior.ne10.uol.com.br/noticias/2023/01/15156091-quem-e-anderson-torres-secretario-do-df-foi-demitido-apos-invasao-em-brasilia.html, acesso em 10.01.2020.

 https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2023/01/09/invasao-de-bolsonaristas-em-brasilia–em-resumo-os-acontecimentos-ate-agora.htm Acesso em 09.01.2023.



[1]Mestre em Direitos Fundamentais pela UNIFIEO. Coordenador e professor do curso de Direito na Faculdade Anhanguera de Taboão da Serrae advogado.

[2]Especialista em Direito Criminal pela LFG. Professora do curso de Direito na Faculdade Anhanguera de Taboão da Serrae advogada.

[3]GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal – 24. ed. – Barueri [SP]: Atlas, 2022, p. 664.

[4]GRECO, Op. Cit., pp. 667 e 668.

[5]Disponível em  https://professormadeira.com/2023/01/08/quais-crimes-foram-cometidos-dia-08-01-23/, acesso em 09.01.2023.

[6]Disponível em  https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2023/01/08/terrorismo-em-brasilia-ibaneis-admite-falha-do-governo-do-df-mas-recusa-responsabilidade.ghtml, acesso em 10.01.2023.

[7]Disponível em  https://www.osul.com.br/policia-militar-do-distrito-federal-e-criticada-por-omissao-em-atos-terroristas-de-brasilia-imagens-mostram-guardas-tirando-selfies-e-escoltando-manifestantes/, acesso em 10.01.2023.

[8]Disponível em  https://interior.ne10.uol.com.br/noticias/2023/01/15156091-quem-e-anderson-torres-secretario-do-df-foi-demitido-apos-invasao-em-brasilia.html, acesso em 10.01.2020.

 
Como citar e referenciar este artigo:
JUNIOR, Francisco Nelson de Alencar; ROSSAFA, Marisa. Responsabilidade Penal dos Policiais por Omissão nas Invasões ocorridas em Brasília. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2023. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/responsabilidade-penal-dos-policiais-por-omissao-nas-invasoes-ocorridas-em-brasilia/ Acesso em: 06 nov. 2024
Sair da versão mobile