BOBBIO, Norberto. Positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 131-146.
1. As características fundamentais do positivismo jurídico podem ser resumidas em sete pontos ou problemas:
- Modo de abordar o direito: como um fato; não como um valor, sendo o jurista comparado a um cientista que estuda a realidade sem formular juízos de valor.
- Definição do direito: é feita em função do elemento da coação, “de onde deriva a teoria da coercitividade do direito”. (p. 131) “[…] O direito que vige como tal numa determinada sociedade é o que, a saber, aquelas normas que são feitas valer por meio da força.” (p. 132)
- Fonte do direito: lei. Teoria da legislação como fonte preeminente do direito. O positivismo elabora uma complexa doutrina que relaciona lei e costumes, lei e direito judiciário e lei e direito consuetudinário.
- Teoria da norma jurídica: “[…] a norma como um comando, formulando a teoria imperativista do direito”. (p. 132)
- Teoria do ordenamento jurídico: “[…] a estrutura não mais isoladamente tomada, mas do conjunto de normas jurídicas vigentes numa sociedade”. (p. 132) O positivismo sustenta a teoria da coerência – exclui que, em um mesmo ordenamento, haja duas normas contraditórias – e da completude – que exclui qualquer possibilidade de lacuna do direito, podendo o juiz extrair sempre uma regula dicidendi para completá-lo.
- Interpretação mecanicista: “[…] faz prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo do direito”. (p. 133)
- Teoria da obediência: obediência absoluta da lei enquanto tal.
2. “O positivismo jurídico nasce do esforço de transformar o estudo do Direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais.” (p. 135)
3. “[…] a característica fundamental da ciência consiste na sua avaloratividade, isto é, na distinção entre juízos de fato e juízos de valor e na rigorosa exclusão destes últimos do campo científico: a ciência consiste somente em juízos de fato.” (p. 135)
4. “[…] o juízo de fato representa uma tomada de conhecimento da realidade, visto que a formulação de tal juízo tem apenas a finalidade de informar, de comunicar a outro a minha constatação”. (p. 135)
5. “ […] o juízo de valor representa, ao contrário, uma tomada de posição frente à realidade, visto que sua formulação possui a finalidade não de informar, mas de influir sobre o outro, isto é, de fazer com que o outro realize uma escolha igual à minha e, eventualmente siga certas prescrições minhas.” (p. 135)
6. “A ciência exclui do próprio âmbito os juízos de valor, porque ela deseja ser um conhecimento puramente objetivo da realidade, enquanto os juízos em questão [de valor] são tipicamente subjetivos (ou pessoais) e conseqüentemente contrários à exigência de objetividade.” (p. 135)
7. “O positivismo jurídico representa o estudo do Direito como fato, não como um valor: na definição do direito deve ser excluída toda qualificação que seja fundada num juízo de valor e comporte a distinção do próprio Direito em bom e mau, justo ou injusto.” (p. 136)
8. “O Direito, objeto da ciência jurídica, é aquele que efetivamente se manifesta na realidade histórico-social [a norma]; o juspositivista estuda tal direito real sem se perguntar se além deste existe um direito ideal (como aquele natural), sem examinar se o primeiro corresponde ou não ao segundo e, sobretudo, sem fazer depender a validade do direito real da sua correspondência com o direito ideal.” (p. 136)
9. “A validade de uma norma jurídica indica a qualidade de tal norma, segundo a qual existe na esfera do direito ou, em outros termos, existe como norma jurídica. Dizer que uma norma jurídica é válida significa dizer que tal norma faz parte de um ordenamento jurídico real, efetivamente existente numa dada sociedade.” (p. 136-137)
10. “O valor de uma norma jurídica indica a qualidade de tal norma, pela qual esta é conforme o direito ideal (entendida como síntese de todos os valores ideais no qual o Direito deve se inspirar); dizer que uma norma jurídica é válida ou justa significa dizer que esta corresponde ao direito ideal.” (p. 137)
11. O campo da ciência jurídica deve deter-se na formulação de juízo de validade do direito, isto é, a assegurar sua existência jurídica, conhecer a realidade empírica do direito. Isso fica claro na distinção de juízo de validade e de juízo de valor e não no caso particular do direito ao juízo de fato e juízo de valor.
12. “A filosofia do direito pode […] ser definida como o estudo do direito do ponto de vista de um determinado valor, com base no qual se julga o direito passado e se procura influir no direito vigente.” (p. 138)
13. “Os positivistas jurídicos não aceitam as definições filosóficas porque estas […] restringem arbitrariamente a área dos fenômenos sociais que empírica e factualmente são direito.” (p. 138)
14. “Temos […] duas categorias diversas de definições de direito, que podermos qualificar, respectivamente, como definições cientificas e definições filosóficas: as primeiras são definições factuais, ou avalorativas, ou ainda ontológicas, isto é, definem o direito tal como ele é.” (p. 138)
15. “As segundas são definições ideológicas, ou valorativas, ou deontológicas, isto é, definem o direito tal como deve ser para satisfazer certo valor.” (p. 138)
16. Segundo Bobbio, podemos encontrar a primeira definição neutra de direito em Marsílio de Pádua, um pensador medieval. Para Marsílio, “o que é justo não é de per si o próprio direito; o justo não é um requisito essencial da lei, visto que a ausência da justiça não exclui a juridicidade da norma; o justo serve não serve para distinguir a lei da não-lei, mas sim a lei perfeita da lei imperfeita, isto é, a justiça incide não sobre a juridicidade, mas sobre o valor lei”. (p. 141) Esta definição neutra de direito, o liga ao poder soberano e àquela expressão típica desse poder, que é a coerção.
17. Kelsen, um dos mais coerentes e importantes teóricos do positivismo jurídico, define o Direito como: “a técnica social que consiste em obter a desejada conduta social dos homens mediante a ameaça de uma medida de coerção a ser aplicada em caso de conduta contrária”. (p. 142. KELSEN apud BOBBIO). Pode-se ver que está definição é depurada de qualquer elemento valorativo.
18. A Escola Realista do Direito é uma corrente contemporânea que, embora possa ser considerada positiva, diz que é insuficiente a definição de Direito baseada no requisito exclusivo da validade. Aqui se introduziu, também, o requisito da eficácia. “A doutrina desta corrente […] pode ser resumida da seguinte maneira: é o direito o conjunto de regras que são efetivamente seguidas numa determinada sociedade.” (p. 142)
19. “Os juspositivistas enfocam o fenômeno jurídico pelo ângulo visual do dever ser, considerando assim o direito como uma realidade normativa; os realistas enfocam o direito do ângulo visual do ser, considerando assim o direito como uma realidade factual.” (p. 143)
20. A partir do fenômeno jurídico podemos analisar a diferença do positivismo e do realismo partindo do modo diverso de individualizar as fontes do direito.
21. “A definição do positivismo e a do realismo jurídico, em sua diversidade, tem um elemento em comum: são definições antiideológicas, definições que não fazem referência a valores ou fins que seriam próprios do Direito. Deste ponto de vista, ambas podem ser qualificadas como definições positivistas (em sentido lato), em contraposição às definições ideológicas ou valorativas, que (sempre em sentido lato) podem ser qualificadas como jusnaturalistas.” (p. 144)
22. A característica fundamental das definições positivistas é que procuram estabelecer o que é direito prescindindo de seu conteúdo.
23. “Qualquer tentativa de definir o Direito em relação ao seu conteúdo estaria fadada ao fracasso, porque não existe matéria que o direito não tenha historicamente regulado ou não possa num eventual futuro regular” (p. 145)
24. Definir o direito exclusivamente em função de sua estrutura formal, prescindindo completamente de seu conteúdo é chamado de formalismo. Isto é, considera-se somente como o direito se produz e não o que ele estabelece. Divide-se o formalismo em dois tipos: o formalismo ético e o científico.
25. “Entende-se por formalismo ético a concepção própria do positivismo jurídico […] segundo a qual a ação justa consiste pura e simplesmente no cumprimento do dever imposto pela lei, qualquer que seja esta, qualquer que seja seu conteúdo (neste sentido se fala também de concepção legalista da moral).” (p. 146)
“Entende-se por formalismo científico a concepção da ciência jurídica que dá relevo predominante à interpretação lógico-sistemática, de preferência à teleologia [ou seja, que visa fins]; segundo a concepção formalista da interpretação […] desconsidera-se a finalidade perseguida por esta [norma legislativa], o conflito de interesses que deve dirimir [dissolver] e assim por diante, mas essencialmente com base numa operação de caráter lógico.” (p. 146)
A Doutrina Positivista e Formalista não se identificam nem são estranhas uma à outra. São doutrinas diferentes que possuem, todavia, muitos pontos em comum, e que se acompanham em seu desenvolvimento histórico.
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