Processo Civil

Pressupostos processuais e condições da ação – Bedaque

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Pressupostos processuais e condições da ação. Revista Justitia, nº 156, pp. 48-67

 

 

I. Introdução

 

A análise do processo permite a identificação daquilo que se denomina de categorias fundamentais da ciência do processo: pressupostos processuais, condições da ação e mérito.

 

O mérito está representado pela relação jurídica substancial sobre que incidirá o provimento do juiz.

 

Os pressupostos processuais e as condições da ação são os requisitos, sem os quais não pode o juiz sequer examinar a situação deduzida.

 

Neste trabalho, identificar-se-á cada uma das referidas categorias.

 

 

II. Pressupostos processuais

 

“A concepção dos pressupostos processuais tem origem na obra de Oskar Von Bülow, cujos conceitos vêm sendo repetidos e aprimorados pela doutrina processual.”

 

“Em resumida abordagem, pode-se afirmar que, para ser alcançada a tutela jurisdicional, há necessidade de que a relação jurídica processual, iniciada por provocação da parte interessada, esteja apta a desenvolver-se regularmente. Temos, pois, uma das categorias fundamentais do direito processual: os pressupostos processuais.”

 

Há duas correntes a respeito do tema: uma inclui nos pressupostos processuais todos os requisitos necessários ao nascimento e desenvolvimento válido e regular do processo; outra, uma tendência mais restritiva dos pressupostos processuais, entende como únicos requisitos o pedido, a capacidade de quem o formula e a investidura do destinatário.

 

“Pressupostos processuais, nessa visão restrita, seriam os requisitos mínimos para a existência de um processo válido, de uma relação jurídica regular, sem qualquer nexo com a situação de direito material deduzida na demanda.”

 

“A grande vantagem dessa posição consiste exatamente em ressaltar a autonomia da relação processual frente à de direito substancial. Aquela teria seus requisitos básicos, fundamentais, que não guardam qualquer elo com esta última.”

 

Destarte, pode-se afirmar que existem pressupostos de existência e de validade do processo. Sejam completos ou restritos os pressupostos processuais, fato é que, para emitir o provimento final sobre o caso concreto, o magistrado precisa que o processo se desenvolva sem vícios.

 

 

III. Condições da ação

 

1. Considerações iniciais – Três são as respostas possíveis a um pedido formulado por alguém ao órgão jurisdicional:

 

a) O juiz verifica a inexistência de um requisito de desenvolvimento do processo e, se não sanado o vício, põe fim à relação processual. (CPC, arts. 284, 267, I, II, III, IV, e V).

b) Superada a fase exclusivamente processual, examina o magistrado o pedido do autor, ou seja, sem se preocupar com a veracidade ou não dos fatos que o fundamentam. Limita-se o julgador a apreciar a pretensão, à luz do direito objetivo (possibilidade jurídica do pedido).

c) Após a análise da premissa maior, passa o juiz a verificar os fundamentos de fato do pedido, ou seja, a premissa menor. Aquele juízo hipotético feito anteriormente, transforma-se em juízo real.

 

“Consideradas essas colocações, três indagações são possíveis:

 

1. em qual desses momentos terá ocorrido o exercício da ação?

2. as chamadas condições da ação somente são examinadas em face da afirmação do autor ou podem depender de dilação probatória?

3. quando terá o juiz analisado o mérito?”

 

Todas essas indagações estão relacionadas a outra categoria fundamental do processo, que são as condições da ação.

 

 

2. O direito processual de ação – “Como já visto; somente se consegue o direito de ação conexo a um caso concreto. Já se afirmou num outro estudo que a ação deve ser entendida como o poder de provocar a atividade jurisdicional para que esta atinja seu escopo”.

 

Não se pode admitir a ação como um poder absolutamente autônimo sem qualquer ligação com uma situação de vida sobre que incidirá o provimento judicial. “Deve tal poder estar voltado para o resultado da atividade jurisdicional, ou seja, para a atuação da norma a um caso concreto, com a natural pacificação social. Essa coordenação entre o processo e o direito substancial não pode ser esquecida.”

 

3. A garantia constitucional da ação – O direito processual de ação, como direito ao provimento jurisdicional, com todas as garantias a ele inerentes, é assegurado constitucionalmente (art. 5º, XXXV). Mas tal exercício está sujeito a determinadas regras previstas na legislação ordinária.

“Daí a noção de pressupostos processuais e de condições da ação, que representam os requisitos necessários a que o órgão jurisdicional possa satisfazer o direito de ação, fornecendo a prestação jurisdicional pleiteada.”

 “Enquanto os pressupostos processuais são requisitos atinentes ao processo, as chamadas condições da ação são examinadas à luz da relação jurídica substancial.”

 

4. Visão instrumentalista das condições da ação – “Segundo a regra constitucional já examinada, qualquer pessoa pode provocar a atividade jurisdicional do Estado, buscando a tutela para seus interesses. É claro que todos podem propor demandas, desde que estejam em condições de exercer seus direitos, isto é, sejam capazes. Se assim não for, a ação é intentada através de representante legal.”

 

Uma vez iniciado o processo, pode ele ter fim sem exame do mérito, ou seja, apenas com um pronunciamento sobre os requisitos necessários ao provimento jurisdicional. Tais pressupostos podem referir-se ao processo ou à demanda. Têm-se, então, os pressupostos processuais e as condições da ação.

 

É possível que o juiz sequer analise a demanda, caso estejam ausentes um dos requisitos necessários ao desenvolvimento da relação jurídica processual (pressupostos processuais).

 

“Também é possível que o juiz examine determinados elementos da relação substancial apresentada pelo autor, sem se aprofundar na cognição. A análise desses elementos deve ser feita à vista do afirmado na inicial, pois permitirá ao magistrado, desde logo, impedir o desenvolvimento de um processo inútil. Trata-se, aqui, das chamadas condições da ação.”

 

                   “[…] essas condições estão diretamente relacionadas com o momento procedimental da propositura da demanda. Devem ser analisadas à luz da afirmação do direito substanciai, abstraindo-se de sua efetiva existência (36). Reside aí a grande vantagem da concepção dessa categoria processual, que se coloca entre o processo e a relação material, pois se impede o prosseguimento inútil da relação processual. Consiste aplicação inconteste do princípio da economia processual e é conseqüência do método instrumentalista de estudo dos institutos processuais.”

 

                   As condições da ação são: possibilidade jurídica do pedido, interesse processual e legitimidade das partes.

 

5. Possibilidade jurídica da demanda – “A demanda apresenta-se juridicamente possível sempre que inexista, no ordenamento jurídico, vedação ao provimento jurisdicional decorrente de um dos elementos da ação (partes, pedido ou causa de pedir)”

 

“[…] a possibilidade jurídica pode ser concebida também em termos afirmativos, como existência de regra que contemple, em abstrato, o direito postulado na inicial. De qualquer modo, tanto a exclusão expressa da conseqüência pretendida quanto a mera ausência de previsão legal devem ser aferidas prima facie para configurar condição da ação. Em ambos os casos, se a impossibilidade não decorre da relação material, tal como exposta na inicial, a análise do Juiz implicará julgamento de mérito.”

 

“A impossibilidade jurídica configura, sem dúvida, uma improcedência evidente da demanda. Esse resultado, todavia, é conseqüência de uma cognição feita, em tese, no condicional, sem verificar se os fatos efetivamente ocorreram. Por isso, a decisão não toca o mérito propriamente dito. Trata-se de mecanismo imaginado pela doutrina e adotado pelo legislador, para permitir a extinção liminar de uma demanda inviável. Em face da cognição sumária e superficial aí verificada e por política legislativa, opta-se por não dotar os efeitos dessa sentença de imutabilidade.”

 6. Interesse processual – “Para se obter o provimento judicial, não basta a afirmação da titularidade de uma situação jurídica substancial. É necessário verificar a efetiva utilidade do provimento não só para quem o postula, mas também para o alcance do escopo da atividade jurisdicional que é a pacificação social.”

 

“Muitas vezes a necessidade da tutela jurisdicional verifica-se com a mera alegação de incidência da hipótese legal, na medida em que inexiste outro meio de se obter o resultado pretendido. São as chamadas ações constitutivas necessárias (p. ex., anulação de casamento), em que a atividade jurisdicional constitui a solução primária para a pretensão.”

 

“Há casos, porém, onde a solução extrajudicial é perfeitamente possível, somente sendo necessário o recurso ao órgão jurisdicional quando a atuação da lei não se verifica voluntária e espontaneamente. O autor não precisa, é claro, provar tal circunstância, basta alegá-la.”

 

“O legítimo interesse processual consiste, pois, na necessidade de tutela jurisdicional adequada. Nasce com a violação do direito, com a dúvida a seu respeito ou com um fato que propicie sua modificação. A necessidade é aferida pela afirmação desses fatos na inicial.”

 

“A posição aqui sustentada abranda a dificuldade que a doutrina encontra para identificar o dado caracterizador do interesse. Ele estará presente sempre que o autor afirmar a existência de determinado fato ensejador do provimento por ele pleiteado.”

 

“A efetiva ocorrência desse fato é problema de mérito. Ressalte-se, novamente que, em determinados casos, a desnecessidade do provimento judicial é revelada pelo réu, na contestação. Desde que a cognição do Juiz se limite a esse elemento, ainda se estará no âmbito das condições da ação.”

 

7. Legitimidade “ad causam” – “A apuração da legitimidade ‘ad causam’ depende daquilo que a doutrina denomina de situação legitimante, isto é, a situação com base em que se determina qual o sujeito que, em concreto, pode e deve praticar certo ato. Dela decorre a situação legitimada, ou seja, o poder, a faculdade ou o dever que, em conseqüência, vem a pertencer ao sujeito.”

 

“O direito afirmado deve pertencer àquele que propõe a demanda e ser exigido do sujeito passivo da relação material exposta. A ausência dessa coincidência tanto no aspecto ativo, quanto no passivo, já possibilita ao Juiz a conclusão de que não importa se os fatos narrados são verdadeiros ou falsos, pois o suposto direito não pertence ao autor ou não é exigível do réu. Não se tratando daquelas hipóteses em que o legislador admite que alguém, em seu nome, exerça direitos alheios (substitui¬ção processual), seria completamente inútil o prosseguimento do processo, pois não poderia o magistrado emitir provimento sobre a situação concreta.”

 

“Se a verificação da legitimidade dependesse da efetiva existência da relação material, sua apuração somente seria possível com a análise do mérito, o que não se apresenta correto. O problema da legitimidade deve ser resolvido em face da relação substancial, tal como o autor a apresenta.”

 

“A situação legitimante é aquela em que deve encontrar-se o sujeito, para ser titular de um poder (legitimidade ativa) ou destinatário de efeitos (legitimidade passiva). Não pertence a todos que possuam capacidade, mas somente àqueles que se inserem na situação substancial afirmada pelo autor, isto é, a relação jurídica material em que as partes se inserem.”

 

8. Conclusão– Viu-se que três são as categorias fundamentais do processo: pressupostos processuais, condições da ação e mérito.

 

                   “Os pressupostos processuais são os requisitos necessários a que o processo atinja seu objetivo, seu escopo.”

 

“Quanto ao direito processual de ação, não se confunde ele com o mero direito de acesso ao Judiciário, muito embora ambos tenham assento na Constituição. O direito processual de ação é aquele cujo objeto é o provimento jurisdicional e está subordinado a determinadas condições.” As condições da ação devem, em princípio, ser analisadas à luz da petição inicial em juízo hipotético. “Se a cognição do Juiz se aprofundar, visando à verificação da efetiva existência dos fatos narrados, teremos exame do mérito.”

 

Como citar e referenciar este artigo:
CTEC,. Pressupostos processuais e condições da ação – Bedaque. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/processo-civil-resumos/pressupostos-processuais-e-condicoes-da-acao-bedaque/ Acesso em: 21 nov. 2024
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