SALVADOR, Regina; MARQUES, Bruno P. Geopolítica do Petróleo: De Estrabão à(s) Guerra(s) do Iraque.
Regina Salvador e Bruno Pereira Marques fazem, de maneira coerente e sucinta, uma breve retrospectiva do petróleo como fonte de energia utilizada e demandada por todas as regiões do planeta, e da importância que tal combustível adquiriu conforme a economia e as relações diplomáticas cresceram e tornaram-se mais complexas. Para tanto, os autores iniciam informando que 90% da energia consumida no planeta, tanto nos países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento, é oriunda da queima de combustíveis fósseis, os quais são fontes não-renováveis de energia. Relativo a esta questão, encontra-se o fato de que embora contenham apenas 20% da população, os países do Norte, maiores consumidores da energia produzida no globo, tenderam a se tornar, desde os choques petrolíferos de 1973 e 1979, utilizadores mais eficazes de tais alternativas energéticas.
O petróleo, no século XX, assumiu posição de destaque, haja vista as vantagens do seu uso, comparado às demais alternativas, dentre elas: maior rendimento calorífico-energético por unidade, facilidade de transporte por ser um fluido viscoso e, principalmente, a diversidade de subprodutos gerados após o processo de refinamento. Por exemplo, o mercado de hidrocarbonetos foi útil ao ramo de iluminação, mas conheceu seu apogeu quando deu propulsão aos serviços de transportes, principalmente aos grandes navios transatlânticos.
Para iniciar a análise dos fatos passados, Salvador e Marques encontraram provas de que o petróleo já era citado na antiguidade, mais especificamente desde Estrabão, um dos primeiros geógrafos. Entretanto, foi em meados do século XIX que o combustível foi “redescoberto” e passou a influenciar a economia mundial. Ainda neste período ocorreu o primeiro grande conflito pelo controle de reservas: o “Great Game”, em que a Inglaterra imperial e a Rússia czarista ambicionavam o domínio sobre as reservas da Ásia Central, região esta, que só perde em quantidade de produção para o Oriente Médio. Neste conflito foram demarcadas fronteiras que até hoje assinalam o panorama geopolítico e geoestratégico mundial.
No entanto, foi durante a I Guerra Mundial que surgiu o primeiro emblema real sobre o petróleo do Médio Oriente. O interesse britânico e francês era de expulsar o Império Otomano da localidade. Por conseqüência, no pós-guerra, foram criados os chamados paises árabes protetorados, o que fez com que tais nações não alcançassem autonomia própria. Já na II Guerra Mundial, a nova potência em ascensão, os Estados Unidos da América, transformou o petróleo em arma para derrotar, nas batalhas terrestres e na velocidade de deslocamento de tropas, tanto Alemanha quanto Japão. Compreenderam, então, que o acesso às reservas petrolíferas era condicionante para o sucesso estadunidense em confrontos futuros.
Ao pensar a realidade do século XX, os autores concluíram que esta foi, ao menos ate o colapso de 1973, de um constante cartel, formado majoritariamente pelas chamadas “sete irmãs”, empresas multinacionais que controlavam a tecnologia de extração e refinamento, fixavam preços e eram hostis às iniciativas de investidores externos. Abertamente, usavam do domínio político e militar das nações do Norte, os países de onde eram capitalizadas, para concretizar, em relativa cooperação, o que ambicionavam. Finalmente, o monopólio das “sete irmãs” recuou quando, estimulados por uma iniciativa do governo iraniano, outros dirigentes estatais do Oriente Médio agiram quebrando acordos com tais empresas, em prol de um maior poder do próprio país sobre a mercadoria.
Descontente com a diminuição nas suas receitas, ocasionadas pelo corte de preços imposto nos anos de 1959 e 1960 pelas companhias transnacionais, os governos de Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela se uniram, em 1960, uniram – se e decidiram fundar a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, para defender os interesses nacionais. Para os países do Médio Oriente, essa união correspondeu, ainda que simbolicamente, a uma proclamação de independência, uma tentativa de acabar com os neocolonialismos do pós-guerra. Entretanto, a saturação dos mercados impediu a OPEP de concretizar seu objetivo inicial, que seria, a partir do poder de negociação, forçar um aumento no preço do petróleo.
Foi nesse momento que a produção norte-americana começou a diminuir, e os países industrializados começaram a depender mais ainda do petróleo importado. Assim aconteceu a gradual reestruturação do mercado petrolífero a nível mundial. No entanto, o equilíbrio acabou quando os países do Oriente Médio decidiram usar do embargo de petróleo como instrumento de diplomacia. As economias de primeiro mundo entraram em pânico e tentaram fugir da dependência do combustível árabe, o que, inevitavelmente, elevou os preços, gerando o primeiro “Choque do Petróleo”.
Da mesma forma, o segundo “choque”, a intervenção dos EUA no Iraque durante a Guerra do Kuait e invasão no Afeganistão depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, sempre tiveram motivos dúbios, sendo alguns apresentados como políticos e econômicos, mas sempre acrescentada à preocupação estadunidense quanto à condução da extração e comercialização da energia que a região tem o potencial de disponibilizar. Atualmente, também há de se relevar a existência de uma nova luta de poder entre Rússia e EUA, uma espécie de “Great Game II”, sobre as rotas de navegação e bacias de petróleo no mar Cáspio.
É verdade que os dirigentes de Washington tentam, sobremaneira, diminuir a importância das importações vindas do Oriente Médio, diversificando suas fontes de energia. Sendo que, ao mesmo tempo, envolve-se toda a nação em empreitadas cujo interesse essencial é manter um relativo domínio sobre as reservas do Médio Oriente. Como exemplo, a Guerra do Iraque, em que um dos principais objetivos era controlar o petróleo da Arábia Saudita.
Os problemas centram-se em questões fundamentais: 65% das reservas encontram-se em 1% dos poços descobertos, sendo que a maioria situa-se no Médio Oriente. Também, o petróleo da região está em menor profundidade, e maior qualidade do que o restante do globo. Sendo assim, a conclusão é que, embora novas bacias estejam sendo descobertas em outros continentes, inclusive no Brasil, o combustível tão problemático do Oriente Médio continuará a ditar os rumos da política, economia e estratégia mundial, ainda que durante o século XIX tal realidade possa ser alterada.