EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL
JOSÉ DOS SANTOS, nos autos da ação condenatória de indenização nº 0000001-01.2017.8.26.1111 que, perante esse MM. Juízo, move em face de DIAGNÓSTICO SERVIÇOS MÉDICOS E HOSPITALARES LTDA, vem, por seu advogado adiante assinado, em não se conformando com os termos da r. sentença de fls., apresentar RECURSO DE APELAÇÃO, nos termos do artigo 1.009 e seguintes do Novo Código de Processo Civil, mediante os termos anexos, que requer sejam recebidos e, após os trâmites de estilo, remetidos à e. Turma de Recursos.
Nestes termos,
Pede deferimento
Florianópolis, 04 de dezembro de 2016.
ANDRÉ ALDO PEREIRA GABRIELLA BRESCIANI RIGO
OAB/SC 0001 OAB/SC 424.242
EMANUELLE TILLMANN BIZ LUÍSA SILVA SCHMIDT
OAB/SC OAB/SC
BREVE RELATO DOS FATOS
O apelante propôs ação de indenização por danos morais e materiais em face da apelada em 2016, visando a condenação desta a pagar indenização àquele em função de grave infecção hospitalar contraída no pós-operatório nas instalações da apelada. Devido à prolongada internação, o apelante não pode trabalhar e, por ser profissional liberal, a sua renda familiar restou prejudicada demasiadamente.
Ficou comprovado nos autos que o problema no ar condicionado era grave, sendo que tal problema foi o que prejudicou o quadro médico do apelante. Em sede de contestação, a apelada alegou unicamente a falta de nexo causal. Contudo, a manutenção dos equipamentos do Hospital é de responsabilidade deste, bem como os danos causados pelo mau funcionamento destes aparelhos.
A sentença proferida em 1º grau julgou improcedente o pedido do ora apelante, acolhendo a fundamentação de falta de nexo de causalidade. Devido a isto, restou ao apelante recorrer para buscar seus direitos.
DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA E DO NEXO CAUSAL
A sentença recorrida negou o pedido do apelante fundamentada na exigência de comprovação da culpa da apelada, adotando a teoria da responsabilidade civil subjetiva, amparada na dicção do § 4° do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), consoante o excerto retro transcrito:
“Em se tratando de danos advindos da relação médico-paciente é imprescindível a comprovação de culpa na conduta do agente ofensor, para que exista o nexo de causalidade. No caso em tela, o autor não demonstrou de maneira inequívoca a conduta culposa dos profissionais médicos que o atenderam, não sendo possível, desta forma, auferir responsabilidade civil sobre os danos, conforme aduz o art. art. 14, § 4º do CDC
Desta forma, a legislação consumerista deve ser interpretada, in casu, no sentido de exigir que o consumidor (autor) comprove a culpabilidade dos profissionais médicos que prestaram os atendimentos necessários.”
No entanto, laborou com equívoco o ilustre Magistrado singular, porquanto referido dispositivo aplica-se exclusivamente às relações entre os profissionais liberais, ou seja, os médicos responsáveis por ministrar o tratamento, e o paciente.
No caso em tela, entretanto, o apelante postula a condenação da sociedade responsável pela manutenção do hospital no qual o autor foi internado, vindo a contrair, posteriormente, grave infecção, submetendo-se, portanto, à responsabilidade objetiva prevista no art. 14, caput, do CDC:
“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
A sociedade hospitalar, ao disponibilizar ao mercado consumidor serviços concernentes à prestação de serviços de saúde por meio do Hospital Monte da Luz, enquadra-se na definição de fornecedor insculpida no art. 3° do CDC, assumindo, por conseguinte, o risco da atividade.
A doutrina compartilha deste entendimento:
“A relação entre paciente e hospital é contratual. Escrita ou verbal, expressa ou tácita, onerosa ou gratuita, é indiferente. De forma geral, os danos sofridos por pacientes internados sempre foram apurados com base na verificação da culpa, porque decorrentes da má atuação médica isolada ou conjunta. Entretanto, após o advento do CDC, instalaram-se critérios distintos para aferimento da conduta médica e do procedimento hospitalar. Em relação ao médico, isoladamente, permanece o critério de apuração da culpa. Em relação ao hospital passou-se a adotar, cada vez mais, o critério de desprezo ou irrelevância da culpa. Assim, os conflitos paciente/hospital estão sendo examinados e interpretados pelos Tribunais, em boa parte, com base no princípio da responsabilidade objetiva, ora de natureza absoluta (afastamento da culpa), como se fosse autêntico contrato de risco (seguro), ora mitigada ou relativa, procurando detectar o nexo de causalidade, a conduta censurável (culpa presumida). Modestamente, aderimos a esta segunda posição. Por isso, em caso de dano ao paciente por decorrência do internamento, pela incorreta ação ou omissão da direção do hospital (a exemplo de infecção hospitalar, de falta de oxigênio, de medicamentos vencidos, de alimentos perecidos ou contaminados, de transfusão de sangue coletado de pessoa portadora de doença contagiosa, de exame laboratorial incorreto, etc), o estabelecimento de saúde pode ser responsabilizado isolado ou conjuntamente com o médico ou médicos (se em equipe), se não provar a sua culpa. O critério de apuração da responsabilidade, ao nosso ver, se estabelece pelo critério de presunção da culpa, como subespécie da culpa objetiva – já que, salvo rara exceção, é impossível falar em relação paciente/hospital sem participação médica. Para se esquivar da responsabilidade, cumpre ao estabelecimento de saúde comprovar culpa própria do paciente, fato de terceiro, caso fortuito externo ou força maior invencível e/ou, também, cumprimento de ordem legal. É que, em regra, o paciente em nada pode fazer, exceto cumprir as ordens do médico e o regulamento do estabelecimento de saúde” (Jurandir Sebastião, A Responsabilidade Civil, A Singularidade da Medicina e Aplicação do Direito, in Erro Médico: Responsabilidade Civil Médico-Hospitalar, vol. III, Rio de Janeiro: ADV/COAD, 2004 -Suplemento Seleções Jurídicas, p. 59).
O entendimento jurisprudencial não destoa. No julgamento de caso análogo, esta egrégia Corte reconheceu a aplicabilidade das regras de responsabilidade civil objetiva a hospitais:
“Os hospitais, em face do disposto no Código de Defesa do Consumidor, estão sujeitos à responsabilidade objetiva que prescinde de demonstração da culpa por ser o paciente a parte hipossuficiente da relação” (TJSC – Ap. cív. nº 2004.015582-4, de Araquari. Relator: Juiz Sérgio Izidoro Heil. Julgado em 08/03/2005).
Desnecessária, destarte, a comprovação da culpa da apelada para a configuração da responsabilidade objetiva, resta aferir a ocorrência de dano e de nexo causal entre este e a conduta da apelada, os quais, a despeito das conclusões da sentença de 1° grau, restaram amplamente comprovados.
Os danos restaram consubstanciados na contração de infecção hospitalar durante o período de recuperação pós-operatória, o que, inclusive, não foi negado pela apelante na contestação, a qual se limitou a alegar a inexistência de nexo causal entre os danos à saúde do autor e a sua conduta enquanto administradora do hospital, sendo, portanto, matéria incontroversa.
A verificação do nexo causal, por sua vez, depende da comprovação da falha na prestação de serviço, de modo a possibilitar a ocorrência dos danos suportados pelo autor, pois o Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria do risco da atividade, segundo a qual o fornecedor de produtos ou serviços deve responder, em contrapartida aos lucros auferidos com a exploração empresária, pelos danos que dela possam decorrer.
Ao oferecer o serviço médico-hospitalar com o objetivo de auferir lucros, portanto, sujeita-se a sociedade apelada à responsabilidade pelos danos possivelmente decorrentes da atividade, dentre os quais se destaca o risco de infecções e complicações que venham a afetar o estado de saúde dos pacientes.
Neste sentido é o acórdão cuja ementa é a seguir transcrita, no qual a contração de infecção hospitalar por paciente internado no hospital foi considerada como risco da atividade, enquadrado na esfera de responsabilidade objetiva do estabelecimento:
“CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. REDUÇÃO DA CAPACIDADE ARTICULATÓRIA DO JOELHO DIREITO. INFECÇÃO HOSPITALAR APÓS PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRESCINDIBILIDADE DA COMPROVAÇÃO DA CULPA DO HOSPITAL. DANO E NEXO DE CAUSALIDADE DEMONSTRADOS. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR CARACTERIZADA. DANO MATERIAL CIRCUNSCRITO AO PAGAMENTO DE CONSULTAS E FISIOTERAPIAS. REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL NÃO COMPROVADA. DANO À IMAGEM E DANO MORAL. ABRANGÊNCIA. CRITÉRIOS PARA O ARBITRAMENTO DA VERBA INDENIZATÓRIA. RAZOABILIDADE.
Os hospitais, considerados prestadores de serviços, submetem-se às normas insertas no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Por isso, a responsabilidade civil das entidades hospitalares é do tipo objetiva, que não exige a comprovação da culpa do nosocômio, exigindo tão-somente prova do dano e do nexo de causalidade” (TJSC – Ap. cív. nº 2000.007946-4, de Santo Amaro da Imperatriz. Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben. Julgado em 01/12/2005).
Não bastasse isso, o apelante comprovou, durante a instrução do feito, a existência de falhas na manutenção e higiene do estabelecimento, o que caracteriza a ocorrência de falha na prestação do serviço.
Neste sentido o documento colacionado à inicial, produzido pelo setor de manutenção do hospital, atestando a existência de problemas no seu sistema de ar-condicionado no dia da cirurgia, bem como nos 03 dias subseqüentes, e o depoimento dos funcionários da empresa responsável pela manutenção do sistema de ar refrigerado do hospital mantido pela apelada, os quais confirmaram a existência de graves problemas técnicos na época dos fatos.
Ademais, a apelada não conseguiu se desimcumbir do ônus de comprovar a ocorrência de excludente de responsabilidade, na modalidade caso fortuito.
O caso fortuito é definido pelo professor Fernando Noronha como “o acontecimento (força da natureza ou fato humano) normalmente imprevisível, ainda que pudesse ser evitável, em si mesmo ou nas suas conseqüências, se houvesse sido previsto” (Direito das Obrigações. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 630).
Ora, a infecção de paciente internado em hospital não é fato imprevisível, pois ocorre freqüentemente neste tipo de ambiente, cabendo aos responsáveis manter o ambiente o mais hígido possível para evitar a proliferação de infecções, o que, no caso, não ocorreu, pois ficou comprovado, na instrução do feito em 1º grau, que a apelada falhou com o dever de limpeza e higienização do hospital, pois o sistema de refrigeração de ar sofria de graves problemas técnicos, os quais certamente contribuíram para a contaminação do apelante.
Restou comprovada, portanto, a ocorrência de falha na prestação do serviço, consubstanciada nos problemas do sistema de ar-condicionado, a qual foi a causa hábil a ensejar a infecção do apelante e o agravamento do seu quadro clínico.
Portanto, deve ser reformada a sentença de 1º grau para responsabilizar a apelada pelo pagamento de indenização pelos danos decorrentes da infecção que acometeu o apelante.
DOS DANOS
Conforme anteriormente explanado, a relação jurídica existente entre o apelante e a apelada caracteriza-se como prestação de serviços hospitalares, regulada, portanto, pelas normas do Código de Defesa do Consumidor. Ou seja, no presente caso deve ser aplicado o art. 14 do supracitado codex, o qual dispõe que a responsabilidade civil do fornecedor de serviços é objetiva, independe da existência de culpa.
Assim, em se tratando da responsabilidade civil na sua modalidade objetiva, caberá ao lesado comprovar a existência do dano e do nexo de causalidade entre este e a conduta da ré. Ao fornecedor de serviços, por sua vez, incumbe provar a ocorrência de alguma das excludentes de responsabilidade, tais como o caso fortuito e a força maior.
Ora Excelência, o nexo de causalidade, conforme outrora exaustivamente analisado, restou devidamente comprovado. Passa-se, então, à análise da ocorrência de dano ao apelante. In casu, o recorrente foi internado no Hospital Monte da Luz, a fim de submeter-se a uma cirurgia. Ocorre que nos dias subseqüentes, nos quais o apelante recuperava-se da intervenção cirúrgica, contraiu uma infecção hospitalar, motivo pelo qual ficou internado durante o período de cinco meses. Tal infecção foi ocasionada por problemas técnicos graves no sistema de ar-condicionado na data dos fatos, o que já restou devidamente demonstrado na fase de instrução probatória.
Em primeiro lugar, não há dúvidas Excelência, diante de tais fatos, de que o recorrente sofreu dano moral. Aliás, para o Professor Yussef Said Cahali, dano moral “é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral(honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)” (CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, Editora Revista dos Tribunais, SP, 1998, 2ª edição, p. 20).
Do conceito trazido, tem-se que o apelante sofreu lesão da sua paz, tranqüilidade, integridade física e individual, uma vez que teve que ficar internado por um longo período dado à negligência da entidade apelada. A jurisprudência é assente no sentido de que infecção hospitalar causada por omissão dos hospitais gera o dever destes de indenizar o lesado pelos danos morais e materiais sofridos. É o que se extrai do seguinte acórdão:
“O hospital responde pelos danos materiais e morais decorrentes de infecção hospitalar, se não prova, de maneira clara e convincente, a ocorrência de caso fortuito” (TJSP, AC nº 65.635-4, Rel. Des. Cezar Peluso, j. 23/02/1999).
Assim sendo, não há dúvidas de que o apelante teve de suportar intenso abalo psíquico devido à conduta do apelado, configurando, portanto, o dever deste de indenizar o recorrente por danos morais. Tanto é verdade e indubitável a ocorrência do dano que o recorrido sequer impugnou a existência deste, limitando-se a alegar a ausência de nexo.
No tocante a quantum que deve ser arbitrado para a verba indenizatória, repisa-se o que foi defendido na exordial de que o valor da indenização do dano moral deve ser arbitrado pelo juiz a fim de, por um lado, mitigar dor psíquica sofrida pelo lesado, e, por outro, deve desempenhar uma função pedagógica e uma séria reprimenda ao ofensor. No caso dos autos, a indenização deve ser fixada no montante de cem salários mínimos, valor este que corresponde satisfatoriamente à função reparatória e pedagógica da condenação.
Deve, ainda, ser o autor ressarcido do tempo que ficou internado e, portanto, impossibilitado de exercer a sua profissão e auferir os seus rendimentos, ou seja, deve ser indenizado por lucros cessantes. Lucros cessantes são prejuízos causados pela interrupção das atividades profissionais em decorrência de acidente, ou seja, o que a vítima efetivamente perdeu e razoavelmente deixou de lucrar por todo o período da convalescença. O apelante é corretor de imóveis e, portanto, depende da sua própria atividade para obter a sua renda mensal, o que foi lhe privado durante todo o tempo que ficou hospitalizado (05 meses). Assim, provada a responsabilidade do recorrido e a existência do dano sofrido pelo apelante, deve aquele ser condenado a pagar o valor de 15 mil reais (média dos rendimentos do autor nos últimos 24 meses de três mil reais mensais multiplicados pelo número de meses, ou seja, cinco), valor este que a vítima deixou de ganhar no período da sua internação.
Deste modo, a sentença monocrática exarada merece ser reformada, com a conseqüente condenação da apelada ao pagamento de 38 mil reais (cem salários mínimos) a título de indenização por dano moral, e 15 mil reais a título de indenização por lucros cessantes.
DO PEDIDO
Por todo o exposto, e pelo que há de ser suprido diante do elevado descortino jurídico de V. Exas., requer essa colenda Turma se digne conhecer e dar provimento ao presente recurso, para que seja reformada a decisão a quo, nos termos supramencionados, em medida de lídima, serena e ponderada justiça.
Nestes termos,
Pede deferimento
Florianópolis, 04 de dezembro de 2016.
ANDRÉ ALDO PEREIRA GABRIELLA BRESCIANI RIGO
OAB/SC 0001 OAB/SC 424.242
EMANUELLE TILLMANN BIZ LUÍSA SILVA SCHMIDT
OAB/SC OAB/SC
Obs.: As alterações em vermelho foram realizadas pelo editor do Portal Jurídico Investidura a título de atualização.