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As políticas afirmativas são essenciais para combater o racismo institucional, afirma o advogado Douglas Martins

20 | 11 | 2013

As políticas afirmativas são essenciais para combater o racismo institucional, afirma o advogado Douglas Martins

Vinte de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. Em todo o país, atividades estão sendo promovidas para ampliar as discussões sobre os temas raciais visando a expansão dos direitos conquistados pela população negra nos últimos anos. A escolha da data é uma homenagem a Zumbi dos Palmares, morto neste dia, em 1695, e que se tornou um símbolo da luta pela liberdade e valorização do povo afro-brasileiro.

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Espírito Santo (OAB-ES), por sua atuação permanente em defesa dos direitos humanos e de combate a todas as formas de preconceito e discriminação na sociedade, promoveu, durante dois dias, segunda (18) e terça-feira (19) a 1ª Conferência de Direito e Igualdade Étnico Racial, no Auditório Manoel Vereza, na Universidade Federal do Espírito Santo.

Na abertura do evento, organizado pela Comissão de Igualdade Racial, o advogado e mestre em Direito Douglas Martins proferiu a palestra “Políticas de ações afirmativas para aceleração da inclusão e para o enfrentamento do racismo institucional e social”.

Ex-secretário adjunto da Secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), Douglas Martins concedeu entrevista para o site da Seccional.  O advogado, que é autor de obras relacionadas ao tema da igualdade étnico-racial, assegurou que os resultados das políticas afirmativas são positivos. Ele também definiu o que é racismo institucional, uma prática, segundo Douglas Martins, observada no Poder Judiciário.

Confira a íntegra da entrevista.

As políticas afirmativas estão tendo resultados positivos no Brasil?

Sim, primeiro pelo mérito da colocação do tema, da necessidade de políticas complementares às políticas universais, e também porque elas, em si, configuram em oportunidade de acesso a vários setores ou segmentos sociais tradicionalmente dificultados para a população, no caso a população negra.

Alguns setores defendem que essas ações públicas não devem ter um recorte racial, mas apenas social, já que há brancos que também são penalizados pela desigualdade que existe no país. Por que é necessário adotar políticas específicas para a população negra?

Por conta da discriminação racial que existe, é um fato histórico, social e até político no Brasil e que demanda respostas desde sempre. Isso não exclui a realidade da pobreza e da exclusão por caráter eminentemente econômico de outros segmentos da população. Mas as políticas afirmativas não têm necessariamente a finalidade de combater apenas a pobreza, elas têm a finalidade de combater a segregação, o racismo. Nós temos que ter política de inclusão étnica-racial e políticas de inclusão social.

As políticas afirmativas estão focadas principalmente no acesso da população negra à educação e ao mercado de trabalho qualificado?

A educação é um setor fundamental por razões históricas e estruturais. A partir do momento da fundação da República, existe um gráfico que se mantém com uma separação em termos de escolaridade entre brancos e negros e que precisa ser aproximado. Há um déficit da escolaridade dos negros em relação aos brancos e um século de República não resolveu isso. Daí a necessidade de políticas de aceleração, de inclusão, nesta área específica. Há outras áreas, como a saúde, que tem questões específicas, e a religião. Então, podemos dizer que as políticas afirmativas são necessárias em todos aqueles espaços sociais onde os negros estão subrepresentados ou ausentes.

Qual sua opinião sobre o projeto encaminhado pelo governo federal ao Congresso Nacional estabelecendo cotas para negros em concursos públicos?

Sou totalmente favorável. O tema é polêmico e agora se radicaliza, inclusive porque alguns institutos estão medindo a participação do negro no serviço público e dizendo que ela é alta. No entanto, quando estratificamos este número, vemos que essa participação é alta na base, mas é rarefeita ou inexistente na cúpula e é isso exatamente o que torna necessárias as políticas afirmativas, para corrigir essas distorções.

O que é o racismo institucional?

Ele se configura todas as vezes que uma instituição tem práticas segregatórias, ainda que não as assuma, e normalmente ela não as assume, mas que resulta na exclusão. Então, você mede isso e constata a ausência de determinado grupo daquele segmento. Nas democracias contemporâneas não há ninguém que assuma a exclusão institucionalmente, mas há este resultado. O racismo institucional vem exatamente discutir esse mistério, eu não sou racista mas outros grupos não entram no meu espaço. O racismo institucional não configura no método tradicional da legislação que trata da repressão criminal. Você não vai encontrar o racista, vai encontrar uma prática institucional reiterada que leva à segregação, como por exemplo não haver negros na linha de frente no atendimento dos bancos. É uma política de identidade estética, da boa aparência, que exclui os negros, e isso é racismo institucional. E isso só se consegue comprovar com estatísticas. É preciso ter determinado número que demonstre que reiteradas vezes há esta exclusão. E o grande problema é que o Poder Judiciário não reconhece e isso é racismo institucional. Todas as vezes que se discute exclusão por meio de estatísticas, os juízes dizem que estatísticas não são provas e indeferem pretensões de tutela da diversidade, no caso, no ambiente do trabalho. O Ministério Público do Trabalho fez várias ações e perdeu todas. Essa terminologia vem da experiência internacional. Países europeus começaram a perceber que suas instituições estatais não tratavam bem os não-locais, como o caso de Londres, onde o  departamento de polícia tinha uma política de abordagem dos indianos totalmente diversa dos locais. Os policiais entendiam que isso era natural. Ali se começou a discutir essa categoria que é o racismo institucional, uma prática aceita pela instituição, em que determinado grupo é tratado de maneira discriminatória em relação aos demais e isso é tido como natural e não é tido como racismo e o resultado é exclusão e a violação de direitos humanos. Temos isso no Brasil, por exemplo, com a nossa polícia em relação aos negros.

Eventualmente compara-se a realidade norte-americana com a brasileira. O racismo é mais violento nos Estados Unidos do que no Brasil?

Existe a diferença estrutural, mas o resultado é o mesmo. Às vezes, até mais violento. Na trajetória da história dos Estados Unidos as leis segregatórias eram assumidas pelo Estado como compatíveis com o direito de igualdade. Dizia-se, na época, se há escola para negro e para branco, banheiro para negro e para branco, bairro para negro e bairro para branco, eles seriam separados, mas iguais, e não afrontaria a 14ª Emenda da Constituição americana que trata do direito da igualdade. Isso até a década de 1950, quando começou a se questionar essa política e mesmo assim a Suprema Corte indeferia todos os pedidos por conta da doutrina dos separados mas iguais, que foi revista exatamente porque a própria Suprema Corte entendeu que qualquer segregação de ser humano com fundamento em raça, etnia, gênero, viola o substrato comum a todos que é a dignidade humana. Então, isto tem relação com uma legislação discriminatória. No Brasil, até 1888 existe, mas depois não há mais a segregação, mas existe exatamente o racismo institucional, que são as práticas não declaradas, culturais, excludentes, que mantêm, no caso os negros, fora dos espaços sociais, e reforça a ideia de que determinadas áreas de convivência são melhores se forem, aspas, puras. Então, esse é o nosso racismo, é cínico, porque a pessoa diz que não é racista, que odeia racista, mas para ela em determinados espaços negro não entra. Então, temos o paradoxo do racismo sem racista e isso é uma falácia. É diferente, mas é tão pernicioso quanto e demanda políticas que superem esse obstáculo social.

Fonte: OAB/ES

Como citar e referenciar este artigo:
NOTÍCIAS,. As políticas afirmativas são essenciais para combater o racismo institucional, afirma o advogado Douglas Martins. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2013. Disponível em: https://investidura.com.br/noticias/oabes/as-politicas-afirmativas-sao-essenciais-para-combater-o-racismo-institucional-afirma-o-advogado-douglas-martins/ Acesso em: 25 out. 2025
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