Tema: Direito Administrativo
Subtema: Concurso Público
Tese: Não há lei que fixe limites mínimo ou máximo de índice de massa corpórea (IMC) como fator à aptidão médica de ingresso na carreira militar, sendo vedado fazê-lo por meio de portaria ou edital de concurso.
Aplicação: Requerimento administrativo, petição inicial, réplica ou recursos judiciais para reverter decisão de eliminação na fase de avaliação médica, em concurso para as forças armadas, pelo fato de o candidato apresentar índice de máxima corpórea inferior ou superior ao previsto em edital, pois não há autorização legal para tanto. Esta tese pode ser utilizada tanto no âmbito administrativo como no judicial.
Conteúdo da tese jurídica:
I. CONCURSO PÚBLICO PARA AS FORÇAS ARMADAS. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE MASSA CORPÓREA (IMC) COMO PARÂMETRO PARA APTIDÃO MÉDICA. PROIBIDA A CRIAÇÃO DE NOVOS PARÂMETROS POR MEIO INFRALEGAL. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA.
Em razão de regra constitucional, o ingresso em cargo ou emprego público depende de aprovação em concurso público, ocasião em que o candidato será avaliado por critérios objetivos, previstos, regra geral, em lei e no edital do certame.
No caso de concurso público para ingresso nas Forças Armadas, constituída pela Marinha, Exército e Aeronáutica, em razão de sua função altamente sensível para salvaguarda da soberania nacional e na garantia da democracia, o Constituinte foi específico em relação aos cargos que lhe compõem, estabelecendo regras particulares:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
[…]
X – a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. [grifo acrescido]
Nesse sentido, é cristalino que as regras aplicáveis aos concursos públicos abertos para preenchimento dos cargos das Forças Armadas devem ser estabelecidas por norma com estatura hierárquica de lei – sendo inaplicável, nesse sentido, qualquer inovação por meio de normas infralegais.
Atualmente, a legislação que rege o ingresso e a própria carreira é a Lei nº 6.880/1980. Neste diploma normativo não há qualquer disposição de que deve ser utilizado o índice de massa corpórea como parâmetro para aferir a aptidão médica dos aspirantes a militar.
Assim sendo, é ilegal que qualquer candidato, aprovado nas demais fases do concurso público, seja eliminado exclusivamente pelo fato de que seu IMC é superior a um parâmetro criado em edital. Se a lei não prevê a utilização desse índice, é ilegal a exclusão de candidatos com base nele.
Aliás, recentemente, em decisão de maio de 2019, o Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4) reafirmou este entendimento. Veja-se a ementa do acórdão do Relator do Desembargador Rogério Fravetto:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO SELETIVO PARA PREENCHIMENTO DE VAGA PARA O CARGO DE MILITAR TEMPORÁRIO NA ÁREA TÉCNICA EM SAÚDE. INAPTIDÃO FÍSICA. ÍNDICE DE MASSA CORPORAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. TATUAGEM. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO EDITAL OU À DIGNIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO MILITAR.
1. A Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares), de forma alguma estabelece especificamente os requisitos para exames de saúde em concursos às fileiras militares. Portanto, evidente que não existe a fixação do Índice de Massa Corpórea – IMC como fator à aptidão ou não para ingresso na carreira militar, sendo defeso fazê-lo através de portaria ou Edital de concurso, à míngua de Lei que o autorize.
2. O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 898.450, pacificou entendimento que o Estado não pode considerar como parâmetro discriminatório para ingresso na carreira pública o fato de uma pessoa possuir tatuagens, visíveis ou não, salvo nas hipóteses em que representem símbolos ou inscrições alusivas a ideologias que exteriorizem valores excessivamente ofensivos à dignidade dos seres humanos, ao desempenho da função pública pretendida, incitação à violência iminente, ameaças reais ou representem obscenidades.[1] [grifo acrescido]
Esta decisão, inclusive, não foi tomada de modo isolado, mas representa fidedignamente a interpretação jurisprudencial aplicável ao caso. Vejam-se os inúmeros precedentes nos quais se adota o mesmo entendimento aqui defendido:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO. CURSO DE FORMAÇÃO DE TAIFEIROS. LIMITAÇÃO DE PESO PREVISTO NO EDITAL. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
I – Como a decisão recorrida foi publicada sob a égide da legislação processual civil anterior, observam-se em relação ao cabimento, processamento e pressupostos de admissibilidade dos recursos as regras do Código de Processo Civil de 1973, diante do fenômeno da ultratividade e do Enunciado Administrativo n. 2 do Superior Tribunal de Justiça.
II – O Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que é possível realizar exigências quanto à altura e ao peso mínimo e máximo para ingresso na carreira militar, desde que haja previsão legal específica que imponha essas restrições. Nesse sentido: RMS 47.299/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 30/06/2015.
III – No caso, por mais que se possa compreender a razoabilidade da eventual fixação de limite de altura e peso para ingresso em determinadas carreira, é forçoso reconhecer que a lei (Estatuto dos Militares – Lei nº 6.880/80) não elenca qualquer exigência quanto ao limite de altura e peso ou IMC para o ingresso nas Forças Armadas, mormente para a matrícula no Curso de Formação de Taifeiros.
IV – Agravo interno improvido.[2] [grifo acrescido]
DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. INGRESSO NA CARREIRA MILITAR. APTIDÃO FÍSICA. ÍNDICE DE MASSA CORPORAL. CRITÉRIO. EXIGÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL ESPECÍFICA. AUSÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO.
I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II – A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade.
III – A exigência de limites máximo e mínimo de Índice de Massa Corporal (IMC), em concursos públicos, somente é permitida mediante previsão legal específica, compatível com as atribuições do cargo. Precedente.
IV – Recurso improvido.[3] [grifo acrescido]
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MILITAR. CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO DE SOLDADOS. TESTE DE AVALIAÇÃO DO CONDICIONAMENTO FÍSICO (TACF). APTO COM RESTRIÇÃO. IMC. ILEGALIDADE. 1. Situação em que o autor foi considerado Apto com Restrição (AR) na última avaliação, não atendendo à exigência da Instrução Reguladora do Quadro de Soldados (IRQSD), que expressamente exige o resultado APTO (A) no último Teste de Avaliação do Condicionamento Físico (TACF). 2. No entendimento do Superior Tribunal de Justiça o critério de avaliação quanto ao índice de massa corporal (IMC) do candidato se mostra ilegal. 3. Caso em que a União não trouxe elementos suficientes que permitissem aferir que dentro do 1º Teste de Avaliação de Condicionamento Físico Anual o deixou de atender satisfatoriamente a outras exigências além do critério de IMC. 4. Decisão mantida. Agravo de instrumento improvido.[4] [grifo acrescido]
Deste modo, resta claro que é juridicamente imprópria a eliminação de qualquer candidato em concurso público pelo mero fato de que seu índice de massa corpórea não condiz com o limite estabelecido em edital ou portaria, uma vez que estes não são meios próprios para estabelecimentos de restrições ao acesso do cargo.
Diante do exposto, é de se reconhecer, com base na jurisprudência pátria, o direito da parte autora a ter reconhecida a ilegalidade da sua eliminação e, por consequência, que seja determinada sua aprovação no concurso público e, oportunamente, seja nomeada e empossada no cargo ao qual faz jus.
*É proibida a cópia ou reprodução, total ou parcial, deste conteúdo, em qualquer meio. Fica autorizada a utilização deste conteúdo exclusivamente em petições dirigidas ao Poder Judiciário ou à Administração Pública.
[1] TRF-4, AC nº 5003370-91.2017.4.04.7101/RS, Desembargador Relator ROGERIO FAVRETO, 3ª Turma, Julgado em 13/05/2019.
[2] STJ, AgInt no REsp 1570361/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2018, DJe 26/03/2018
[3] STJ, REsp 1610667/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 15/12/2017
[4] TRF-4, AG 5003314-84.2018.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 16/07/2018