Brasília, 3 a 7 de outubro de 2016
Data de divulgação: 18 de outubro de 2016
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a publicação do acórdão no Diário da Justiça.
Sumário
Plenário
Execução provisória da pena e trânsito em julgado – 2
Crimes contra a humanidade e prescrição
Anuidade de conselho profissional e sistema tributário – 4
ADI e “vaquejada” – 6
Repercussão Geral
Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal – 6
1ª Turma
“Habeas corpus” e trancamento de ação penal
2ª Turma
Cometimento de falta grave e indulto natalino
Fixação de competência e Justiça Militar
CNMP e vitaliciamento de membros do Ministério Público
Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições
CNJ – Poder Disciplinar – Competência Concorrente e Autônoma – Responsabilização de Magistrados – Procedimento Disciplinar – Garantia do “DUE PROCESS OF LAW” (MS 28.891/DF)
Inovações Legislativas
Outras Informações
Plenário
Execução provisória da pena e trânsito em julgado – 2
Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, indeferiu medida cautelar em ações declaratórias de constitucionalidade e conferiu interpretação conforme à Constituição ao art. 283 do Código de Processo Penal (CPP) (“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”). Dessa forma, permitiu a execução provisória da pena após a decisão condenatória de segundo grau e antes do trânsito em julgado — v. Informativo 837.
O Tribunal assentou que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, LVII, da Constituição Federal (CF). Esse entendimento não contrasta com o texto do art. 283 do CPP.
A Corte ressaltou que, de acordo com os arts. 995 e 1.029, § 5º, do Código de Processo Civil (CPC), é excepcional a possibilidade de atribuir efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário na seara criminal. A regra geral continua a ser o recebimento desses recursos excepcionais com efeito meramente devolutivo.
Entretanto, é possível atribuir-se efeito suspensivo diante de teratologia ou abuso de poder. Dessa forma, as decisões jurisdicionais não impugnáveis por recursos dotados de efeito suspensivo têm eficácia imediata. Assim, após esgotadas as instâncias ordinárias, a condenação criminal poderá provisoriamente surtir efeito imediato do encarceramento, uma vez que o acesso às instâncias extraordinárias se dá por meio de recursos que são ordinariamente dotados de efeito meramente devolutivo.
Não se pode afirmar que, à exceção das prisões em flagrante, temporária, preventiva e decorrente de sentença condenatória transitada em julgado, todas as demais formas de prisão foram revogadas pelo art. 283 do CPP, com a redação dada pela Lei 12.403/2011, haja vista o critério temporal de solução de antinomias previsto no art. 2º, § 1º, da Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Se assim o fosse, a conclusão seria pela prevalência da regra que dispõe ser meramente devolutivo o efeito dos recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), visto que os arts. 995 e 1.029, § 5º, do CPC têm vigência posterior à regra do art. 283 do CPP. Portanto, não há antinomia entre o que dispõe o art. 283 do CPP e a regra que confere eficácia imediata aos acórdãos proferidos por tribunais de apelação.
Ademais, a quantidade de magistrados com assento no STF e no STJ repele qualquer interpretação que queira fazer desses tribunais cortes revisoras universais. Isso afasta a pretensão sucessiva de firmar o STJ como local de início da execução da pena.
A finalidade que a Constituição persegue não é outorgar uma terceira ou quarta chance para a revisão de um pronunciamento jurisdicional com o qual o sucumbente não se conforma e considera injusto. O acesso individual às instâncias extraordinárias visa a propiciar ao STF e ao STJ o exercício de seus papéis de estabilizadores, uniformizadores e pacificadores da interpretação das normas constitucionais e do direito infraconstitucional. Por isso, o art. 102, § 3º, da Constituição Federal exige demonstração de repercussão geral das questões constitucionais debatidas no recurso extraordinário. Portanto, ao recorrente cabe demonstrar que, no julgamento de seu caso concreto, malferiu-se um preceito constitucional e que há, necessariamente, a transcendência e relevância da tese jurídica a ser afirmada pela Suprema Corte.
É a Constituição que alça o STF primordialmente a serviço da ordem jurídica constitucional e igualmente eleva o STJ a serviço da ordem jurídica. Isso está claro no art. 105, III, da CF, quando se observam as hipóteses de cabimento do recurso especial, todas direta ou indiretamente vinculadas à tutela da ordem jurídica infraconstitucional. Nem mesmo o excessivo apego à literalidade da regra do art. 5º, LVII, da CF, a qual, nessa concepção, imporia sempre o “trânsito em julgado”, seria capaz de conduzir à solução diversa.
O ministro Roberto Barroso acrescentou que, por não se discutir fatos e provas nas instâncias extraordinárias, há certeza quanto à autoria e materialidade. Dessa forma, impõe-se, por exigência constitucional em nome da ordem pública, o início do cumprimento da pena, sob o risco de descrédito e desmoralização do sistema de justiça.
Além disso, enfatizou que a presunção de inocência é princípio — não regra — e, como tal, pode ser ponderado com outros princípios e valores constitucionais que tenham a mesma estatura.
Portanto, o peso da presunção da inocência ou não culpabilidade, após a condenação em segundo grau de jurisdição, fica muito mais leve, muito menos relevante, em contraste com o peso do interesse estatal de que os culpados cumpram pena em tempo razoável. Desse modo, o estado de inocência vai-se esvaindo à medida que a condenação se vai confirmando.
Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que deferiam a medida cautelar para reconhecer a constitucionalidade do art. 283 do CPP e determinar a suspensão de execução provisória de pena cuja decisão ainda não houvesse transitado em julgado. Afirmavam que a execução provisória da pena, por tratar o imputado como culpado, configuraria punição antecipada e violaria a presunção de inocência, bem como a disposição expressa do art. 283 do CPP. Também pontuavam que a presunção de inocência exige que o réu seja tratado como inocente não apenas até o exaurimento dos recursos ordinários, mas até o trânsito em julgado da condenação.
Vencido, parcialmente, o ministro Dias Toffoli, que acolhia o pedido sucessivo para determinar a suspensão de execução provisória de réu cuja culpa estivesse sendo questionada no STJ. Segundo o ministro, esse Tribunal desempenha o relevante papel de uniformizar a aplicação da lei federal nacionalmente.
Todavia, no âmbito do STF, o recurso extraordinário não teria mais o caráter subjetivo. Afinal, a questão nele debatida deverá ter repercussão geral e ultrapassar os limites subjetivos do caso concreto, o que, geralmente não existe em matéria criminal. Ademais, a jurisprudência é no sentido de que a questão do contraditório e da ampla defesa é matéria infraconstitucional.
ADC 43 MC/DF, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 5-10-2016.
ADC 44 MC/DF, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 5-10-2016.
Crimes contra a humanidade e prescrição
O Plenário iniciou julgamento de pedido de extradição formulado pelo Governo da Argentina em desfavor de um nacional, a quem se imputa a suposta prática de delitos de lesa-humanidade. O extraditando é investigado por crimes correspondentes, no Código Penal brasileiro, aos de homicídio qualificado, sequestro e associação criminosa. Os delitos teriam sido cometidos quando o extraditando integrava o grupo terrorista “Triple A”, em atividade entre os anos 1973 e 1975, cujo objetivo era o sequestro e o assassinato de cidadãos argentinos contrários ao governo então vigente naquele país.
O ministro Edson Fachin (relator) reputou atendidos os pressupostos para o deferimento do pleito. Quanto à prescrição, entendeu que o Estado brasileiro não deve invocar limitações do seu direito interno, haja vista que a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade decorre de norma imperativa do Direito Internacional. Considerou que a qualificação de crime de lesa-humanidade atribuída pela legislação argentina é coerente com o Direito Internacional naquilo em que, para efeito de extradição, também vincula o Estado brasileiro. Nesse caso, é necessário adotar uma interpretação adequada ao Tratado de Extradição e ao Estatuto do Estrangeiro, de modo a excepcionar o requisito da prescrição quanto aos crimes contra a humanidade.
Para o relator, nos termos dos arts. 141 e 142, inciso 5º, do Código Penal argentino, os fatos atribuídos ao extraditando possuem natureza de delitos de lesa-humanidade. Assim, por constituírem grave violação dos direitos humanos, revestem-se do caráter de imprescritibilidade, o que atrairia a incidência do regime internacional da imprescritibilidade, previsto pela Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, adotada pela Resolução 2.391/1968, da Assembleia Geral das Nações Unidas, cujo artigo 3º obriga os Estados Membros a adotarem todas as medidas internas necessárias para permitir a extradição.
Consoante ressaltou, apesar de o Estado brasileiro não ter ratificado essa Convenção, vários países do continente americano o fizeram. Por isso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assentou que a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade obriga os Estados integrantes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos a punir os suspeitos da prática de tais crimes.
Quanto à exigência contida no art. III, “c”, do Tratado de Extradição entre Brasil e Argentina, asseverou que o método de interpretação “segundo o sentido comum atribuível aos termos” do art. 31 da Convenção de Viena deve ceder lugar a outro, conforme dispõe o art. 32 dessa mesma norma, pois a interpretação literal conduz a um resultado manifestamente absurdo ou desarrazoado. Por isso, a manutenção do entendimento de que a prescrição deve ser verificada apenas de acordo com o previsto na lei brasileira tem como consequência a transformação do país em um abrigo de imunidade para os autores das piores violações contra os direitos humanos. Isso ofende a jurisprudência da Corte Interamericana e esvazia o sentido do princípio contido no art. 4º, II, da CF.
O relator evidenciou a inexistência de um direito constitucional à prescrição, tendo em conta o disposto nos incisos XLII e XLIV do art. 5º da CF, e na EC 45/2004, que, ao acrescentar o § 4º ao art. 5º, reconhece a submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Por sua vez, o art. 29 do Estatuto de Roma prevê a imprescritibilidade dos crimes internacionais.
Para o ministro, a regra da imprescritibilidade pertence ao direito penal internacional, em cujas fontes deve-se buscar uma interpretação do Tratado de Extradição consentânea com o atual quadro normativo do Direito Internacional.
Aduziu, ainda, que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisdição é vinculante para o Estado brasileiro, nos termos do art. 62 do Pacto de São José da Costa Rica, entende serem inadmissíveis as disposições de prescrição que tenham por finalidade impedir a investigação e a punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, sendo tal proibição decorrente de normas costumeiras de Direito Internacional.
Consignou que do caráter cogente das normas que tipificam os crimes contra a humanidade decorre o afastamento do disposto no art. III, “c”, do Tratado de Extradição entre Brasil e Argentina, por força da previsão contida no art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que reputa nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral.
Por fim, o relator, tendo em conta o disposto no art. 5º, § 2º, da CF, e a hierarquia supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos, concluiu que a exigência constante do art. 77, VI, do Estatuto do Estrangeiro deve, no caso, acolher a regra de imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade. Seja porque incompatível com o ordenamento constitucional quando o extraditando responde por crime contra a humanidade, seja porque, com base no art. 27 da Convenção de Viena, o Estado não pode invocar limitações do direito interno para deixar de adimplir com obrigações internacionais.
Após o voto do ministro Roberto Barroso, que acompanhou o relator, o ministro Teori Zavascki pediu vista dos autos.
Ext 1362/DF, rel. min. Edson Fachin, julgamento em 6-10-2016.
Anuidade de conselho profissional e sistema tributário – 4
O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou improcedentes pedidos formulados em ações diretas propostas em face de dispositivos da Lei 12.514/2011 que dizem respeito à fixação de anuidades devidas aos conselhos profissionais — v. Informativo 832.
Inicialmente, o Colegiado definiu que essas anuidades têm natureza jurídica de contribuições corporativas com caráter tributário. Quanto à alegação de inconstitucionalidade formal, ressaltou a dispensabilidade de lei complementar para a criação de contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais.
Acerca da falta de pertinência temática entre a emenda parlamentar incorporada à medida provisória, que culminou na lei em comento, e o tema das contribuições devidas aos conselhos profissionais em geral, a Corte lembrou entendimento fixado no julgamento da ADI 5.127/DF (DJE de 11-5-2016). Naquela ocasião, o Plenário afirmou ser incompatível com a Constituição apresentar emendas sem pertinência temática com a medida provisória submetida à apreciação do parlamento (“contrabando legislativo”). Entretanto, o Colegiado definiu que essa orientação teria eficácia prospectiva. Assim, a medida provisória em questão não padece de vício de inconstitucionalidade formal, haja vista ter sido editada antes do mencionado precedente.
A respeito da constitucionalidade material da lei, o Tribunal teceu considerações acerca do princípio da capacidade contributiva. No ponto, afirmou que a progressividade deve incidir sobre todas as espécies tributárias. Além disso, a funcionalização da tributação para realizar a igualdade é satisfeita por meio do pagamento de tributos na medida da capacidade contributiva do contribuinte, o qual se vincula a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas do povo. Em síntese, a progressividade e a capacidade contributiva são os fundamentos normativos do Sistema Tributário Nacional.
Por conseguinte, esses princípios incidem sobre as contribuições sociais de interesse profissional. Finalísticas, se prestam a suprir os cofres dos órgãos representativos das categorias profissionais, com o escopo de financiar as atividades públicas por eles desempenhadas. Assim, o fato gerador das anuidades é a existência de inscrição no conselho respectivo, ainda que por tempo limitado, ao longo do exercício.
O Poder Legislativo observou, portanto, a capacidade contributiva dos contribuintes ao instituir o tributo. Em relação às pessoas físicas, estabeleceu razoável correlação entre a desigualdade educacional (níveis técnico e superior) e a provável disparidade de renda. No que tange às pessoas jurídicas, há diferenciação dos valores das anuidades baseada no capital social do contribuinte. Essa medida legislativa garante observância à equidade vertical eventualmente aferida entre os contribuintes.
Ainda no que se refere à constitucionalidade material da lei, o Plenário discorreu sobre o princípio da legalidade tributária, haja vista a atribuição da fixação do valor exato das anuidades aos conselhos profissionais, desde que respeitadas as balizas quantitativas da norma. Quanto à atualização monetária do tributo, tem-se matéria passível de tratamento normativo por intermédio de ato infralegal.
A respeito da imputação de responsabilidade aos conselhos profissionais de fixarem o valor exato da anuidade, a questão tem outras implicações. Devido à expressa previsão constitucional (CF, art. 150, I), o princípio da legalidade tributária incide nas contribuições sociais de interesse profissional. Pode-se afirmar que esse postulado se apresenta sob as seguintes feições: a) legalidade da Administração Pública; b) reserva de lei; c) estrita legalidade; e d) conformidade da tributação com o fato gerador. Há, ainda, a distinção entre reserva de lei – que condiciona as intervenções onerosas na esfera jurídica individual à existência de lei formal, isto é, emanada do Poder Legislativo – e legalidade estrita tributária, que, por sua vez, é a vedação constitucional dirigida à administração federal, estadual e municipal de instituir ou aumentar tributo sem que haja lei que o autorize.
Considerada essa diferença, por um lado, não há ofensa ao princípio da reserva legal, pois o diploma impugnado é lei em sentido formal que disciplina a matéria referente à instituição das contribuições sociais de interesse profissional para os conselhos previstos no art. 3º da Lei 12.514/2011. Por outro lado, o princípio da estrita legalidade tributária exige lei em sentido material e formal para as hipóteses de instituição e majoração de tributos, nos termos do art. 150, I, da CF.
No tocante à majoração, considera-se satisfeita a finalidade da referida limitação constitucional ao poder de tributar, uma vez que o “quantum debeatur” da obrigação tributária é limitado ao montante previamente estabelecido por lei. Assim, o requisito da autotributação da sociedade foi observado, ou seja, infere-se que a lei procurou acolher a pretensão de resistência do contribuinte à intervenção estatal desproporcional, em consonância com a Constituição. O diploma legal inova legitimamente o ordenamento jurídico ao instituir tributo com a respectiva regra matriz de incidência tributária, haja vista que a anuidade (tributo) é vinculada à existência de inscrição no conselho (fato gerador), tem valor definido (base de cálculo e critério de atualização monetária) e está vinculada a profissionais e pessoas jurídicas com inscrição no conselho (contribuintes).
Desse modo, está suficientemente determinado o mandamento tributário, para fins de observância da legalidade tributária, na hipótese das contribuições profissionais previstas no diploma impugnado. Além disso, é adequada e suficiente a determinação do mandamento tributário na lei impugnada, por meio da fixação de tetos aos critérios materiais das hipóteses de incidência das contribuições profissionais.
Vencidos a ministra Rosa Weber, que julgava procedentes os pedidos por inconstitucionalidade formal, e o ministro Marco Aurélio, o qual entendia procedentes as ações por inconstitucionalidade formal e material.
ADI 4697/DF, rel. min. Edson Fachin, julgamento em 6-10-2016.
ADI 4762/DF, rel. min. Edson Fachin, julgamento em 6-10-2016.
ADI e “vaquejada” – 6
O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou procedente ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 15.299/2013 do Estado do Ceará, que regulamenta a atividade de “vaquejada”, em que uma dupla de vaqueiros montados em cavalos distintos busca derrubar um touro dentro de uma área demarcada — v. Informativos 794 e 828.
Na espécie, o requerente sustentava a ocorrência de exposição dos animais a maus-tratos e crueldade, ao passo que o governador do Estado-membro defendia a constitucionalidade da norma, por versar patrimônio cultural do povo nordestino. Haveria, portanto, conflito de normas constitucionais sobre direitos fundamentais — de um lado, o art. 225, § 1º, VII; de outro, o art. 215.
O requerente alegava que o art. 225 da CF consagraria a proteção da fauna e da flora como modo de assegurar o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. Seria, portanto, direito fundamental de terceira geração, fundado na solidariedade, de caráter coletivo ou difuso, dotado de altíssimo teor de humanismo e universalidade. Tal manutenção do ecossistema beneficiaria as gerações do presente e do futuro, visto que o indivíduo é considerado titular do direito e, ao mesmo tempo, destinatário dos deveres de proteção (“direito dever” fundamental).
Sustentava que o STF, ao constatar conflito entre normas de direitos fundamentais, ainda que presente a manifestação cultural, conferiria interpretação mais favorável à proteção ao meio ambiente, sobretudo quando verificada situação de inequívoca crueldade contra animais. Tudo isso demonstra preocupação maior com a manutenção, em prol dos cidadãos de hoje e de amanhã, das condições ecologicamente equilibradas para uma vida mais saudável e segura.
O Tribunal asseverou ter o autor juntado laudos técnicos comprobatórios das consequências nocivas à saúde dos bovinos, tais como fraturas nas patas, ruptura dos ligamentos e dos vasos sanguíneos, traumatismos e deslocamento da articulação do rabo e até seu arrancamento, das quais resultariam comprometimento da medula espinhal e dos nervos espinhais, dores físicas e sofrimento mental. Ante os dados empíricos evidenciados pelas pesquisas, é indiscutível o tratamento cruel dispensado às espécies animais envolvidas, em descompasso com o preconizado no art. 225, § 1º, VII, da CF.
À parte das questões morais relacionadas ao entretenimento à custa do sofrimento dos animais, a crueldade intrínseca à “vaquejada” não permite a prevalência do valor cultural como resultado desejado pelo sistema de direitos fundamentais da Constituição. Portanto, o sentido da expressão “crueldade” constante da parte final do inciso VII do § 1º do art. 225 da CF alcança a tortura e os maus-tratos infligidos aos bovinos durante a prática impugnada, de modo a tornar intolerável a conduta humana autorizada pela norma estadual atacada.
Vencidos os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Teori Zavascki, Luiz Fux e Dias Toffoli, que julgavam o pedido improcedente.
ADI 4983/CE, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 6-10-2016.
Repercussão Geral
Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal – 6
O Plenário, em conclusão e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário que discutida a validade da exigência de taxa para expedição da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), baseada na Lei 6.994/1982, que estabelece limites máximos para a ART — v. Informativo 832.
O Colegiado, de início, traçou retrospecto acerca do tratamento das taxas devidas em decorrência da ART. Demonstrou, em síntese, que diversas leis passaram a autorizar a fixação, por atos infralegais, de variadas taxas a favor de vários conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, sem a prescrição de teto legal ou mesmo homogeneidade de tratamento.
A Lei 6.994/1982, por sua vez, delegou ao órgão federal de cada entidade a fixação dos valores das taxas correspondentes aos serviços relativos a atos indispensáveis ao exercício da profissão, observados os respectivos limites máximos. Com essa lei, a temática das taxas cobradas a favor dos conselhos de fiscalização de profissões ganhou nova disciplina.
Cabe indagar, portanto, se a fixação de valor máximo em lei formal atende ao art. 150, I, da CF, haja vista a natureza jurídica tributária da taxa cobrada em razão do poder de polícia (fiscalização de profissões). Em outras palavras, cumpre saber qual o tipo e o grau de legalidade que satisfazem essa exigência, especialmente no tocante à espécie tributária taxa.
O Tribunal teceu considerações sobre o princípio da legalidade tributária e apontou para o esgotamento do modelo da tipicidade fechada como garantia de segurança jurídica. Dessa forma, o legislador tributário pode valer-se de cláusulas gerais, e as taxas cobradas em razão do exercício do poder de polícia podem ter algum grau de indeterminação, por força da ausência de minuciosa definição legal dos serviços compreendidos. E, diante de taxa ou contribuição parafiscal, é possível haver maior abertura dos tipos tributários. Afinal, nessas situações, sempre há atividade estatal subjacente, o que acaba deixando ao regulamento uma carga maior de cognição da realidade, sobretudo em matéria técnica.
Assim, a ortodoxa legalidade tributária, absoluta e exauriente, deve ser afastada, em razão da complexidade da vida moderna e da necessidade de adaptação da legislação tributária à realidade em constante transformação. Nesse sentido, deve-se levar em conta o princípio da praticidade no direito tributário e a eficiência da Administração Pública, o que tem sido a tendência jurisprudencial da Corte.
Especificamente no que se refere a taxas, o montante cobrado, ao contrário do que ocorre com impostos, não pode variar senão em função do custo da atividade estatal, com razoável equivalência entre ambos. O grau de arbítrio do valor da taxa, no entanto, tende a ficar mais restrito nos casos em que o aspecto quantitativo da regra matriz de incidência é complementado por ato infralegal. Isso porque a razão autorizadora da delegação dessa atribuição anexa à competência tributária está justamente na maior capacidade de a Administração, por estar estritamente ligada à atividade estatal direcionada ao contribuinte, conhecer a realidade e dela extrair elementos para complementar o aspecto quantitativo da taxa. Assim, encontra, com maior grau de proximidade, a razoável equivalência do valor da exação com os custos que pretende ressarcir.
O Plenário ponderou, ainda, se a taxa devida pela ART, na forma da Lei 6.994/1982, insere-se nesse contexto. A princípio, não há delegação de poder de tributar no sentido técnico da expressão. A lei não repassa ao ato infralegal a competência de regulamentar, em toda profundidade e extensão, os elementos da regra matriz de incidência da taxa devida em razão da ART. Os elementos essenciais da exação podem ser encontrados nas leis de regência. Assim, no antecedente da regra matriz de incidência, está o exercício do poder de polícia relacionado à ART a que todo contrato está sujeito. O sujeito passivo é o profissional ou a empresa, ao passo que o sujeito ativo é o respectivo conselho regional. No tocante ao aspecto quantitativo, a lei prescreve o teto sob o qual o regulamento poderá transitar.
Esse diálogo realizado com o regulamento é mecanismo que objetiva otimizar a justiça comutativa. As diversas resoluções editadas sob a vigência dessa lei parecem condizer com a assertiva. Afinal, em geral, esses atos normativos, utilizando-se de tributação fixa, determinam um valor fixo de taxa relativa à ART para cada classe do valor de contrato. Esse valor é utilizado como critério para incidência do tributo, como elemento sintomático do maior ou menor exercício do poder de polícia. Ademais, não cabe aos conselhos realizar a atualização monetária do teto legal, ainda que constatem que os custos a serem financiados pela taxa relativa à ART ultrapassam o limite. Entendimento contrário violaria o art. 150, I, da CF.
Em suma, a norma em comento estabelece diálogo com o regulamento em termos de a) subordinação, ao prescrever o teto legal da taxa referente à ART; b) desenvolvimento da justiça comutativa; e c) complementariedade, ao deixar valoroso espaço para o regulamento complementar o aspecto quantitativo da regra matriz da taxa cobrada em razão do exercício do poder de polícia. O Legislativo não abdica de sua competência acerca de matéria tributária, portanto. A qualquer momento, poderá deliberar de maneira diversa e firmar novos critérios políticos ou outros paradigmas a serem observados pelo regulamento.
Vencidos os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que proviam o recurso, por entenderem inconstitucional a exigência da taxa para expedição de ART nos termos da Lei 6.994/1982, considerada a ofensa ao art. 150, I, da CF.
Em seguida, o Colegiado deliberou adiar a fixação da tese.
RE 838284/SC, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 6-10-2016.
Primeira Turma
“Habeas corpus” e trancamento de ação penal
A Primeira Turma denegou a ordem em “habeas corpus” em que se pretendia trancar ação penal contra paciente acusado da prática de atividade clandestina de telecomunicação por disponibilizar provedor de internet sem fio.
A defesa, ao sustentar a insignificância da conduta, ponderava que a atividade desenvolvida teria sido operada abaixo dos parâmetros objetivos estabelecidos pela Lei 9.612/1998. Acrescentava, ainda, que não teria sido realizado, nos autos da ação penal, qualquer tipo de exame técnico pericial que comprovasse a existência de lesão ao serviço de telecomunicações.
Porém, para o Colegiado, houve o desenvolvimento de atividade clandestina de telecomunicações, de modo que a tipicidade da conduta está presente no caso. Ademais, o trancamento da ação penal, por meio de “habeas corpus”, seria algo excepcional.
HC 118400/RO, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 4-10-2016.
Segunda Turma
Cometimento de falta grave e indulto natalino
A Segunda Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” no qual se pedia a concessão de indulto, desconsiderando-se o cometimento de falta disciplinar de natureza grave. O pedido teve como base a não homologação judicial de falta grave dentro do período de doze meses anteriores à entrada em vigor do Decreto 8.380/2014, visto que a norma condiciona a concessão do benefício ao não cometimento de falta disciplinar de natureza grave nos doze meses anteriores a sua publicação (Art. 5º “A declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste Decreto fica condicionada à inexistência de aplicação de sanção, reconhecida pelo juízo competente, em audiência de justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à data de publicação deste Decreto”).
Na espécie, foi negada a concessão do indulto ao paciente em decorrência do cometimento de falta grave nos doze meses antecedentes à publicação do Decreto 8.380/2014, embora a homologação judicial da falta disciplinar tenha ocorrido em momento posterior.
Na impetração, sustentava-se que o art. 5º do referido decreto condicionaria a concessão de indulto à inexistência de falta grave devidamente homologada, nos doze meses anteriores à sua publicação. Para a defesa, a interpretação conferida pelas instâncias inferiores estaria, na verdade, a exigir requisito não previsto no Decreto 8.380/2014 e, a um só tempo, contrariaria a regra da legalidade penal (CF/1988, art. 5º, XXXIX), bem como usurparia a competência discricionária e exclusiva do presidente da República para a concessão de indulto (CF/1988, art. 84, XII).
No caso em comento, coube à Turma decidir se, para obstar a concessão do indulto, a sanção por falta grave precisaria de fato ser homologada pela via judicial no prazo de doze meses — contados retroativamente à data de publicação do decreto —, ou se bastaria que a falta grave tivesse sido praticada nesse interstício, ainda que a homologação judicial da sanção ocorresse em momento posterior. O Colegiado deliberou que, não só em face do próprio texto legal, como também de sua “ratio”, é exigível apenas que a falta grave tenha sido cometida no prazo em questão, sendo irrelevante a data de sua homologação judicial. Entendeu, ademais, que o art. 5º do Decreto 8.380/2014 se limita a impor a homologação judicial da sanção por falta grave, não se exigindo que ela tenha sido realizada nos doze meses anteriores à sua publicação. Não bastasse isso, uma vez que se exige a realização de audiência de justificação, assegurados o contraditório e a ampla defesa, não faria sentido que a homologação judicial devesse ocorrer dentro daquele prazo, sob pena de nem sequer haver tempo hábil para a apuração de eventual falta grave praticada em data próxima à publicação do decreto.
Vencido o ministro Ricardo Lewandowski, que dava provimento ao recurso por entender que o juízo da execução deveria realizar a audiência de justificação — prevista no art. 5º do Decreto 8.380/2014 — dentro do interstício de doze meses, não se admitindo imputar uma falha do Estado ao paciente, de modo a obstar-lhe a concessão do indulto.
RHC 133443/SC, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 4-10-2016.
Fixação de competência e Justiça Militar
Compete à Justiça Castrense processar e julgar ação penal destinada à apuração de delito de apropriação de coisa havida acidentalmente [Código Penal Militar (CPM), art. 249], praticado por militar que não esteja mais na ativa. Esse foi o entendimento da Segunda Turma, que indeferiu a ordem em “habeas corpus”.
Na espécie, o paciente foi denunciado perante a Justiça Militar porque, após seu licenciamento, continuou a receber remuneração da Administração Militar por não ter sido excluído do sistema de folha de pagamento de pessoal do Exército.
A Turma reafirmou a jurisprudência consolidada sobre a matéria. Dessa forma, compete à Justiça Castrense o julgamento de crimes militares, assim definidos em lei (CPM, art. 9º, III, “a”), praticados contra as instituições militares, o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar, ainda que cometidos por militar da reserva, ou reformado, ou por agente civil (HC 109544/BA, DJE de 31-8-2011).
HC 136539/AM, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-10-2016.
CNMP e vitaliciamento de membros do Ministério Público
A Segunda Turma denegou ordem em mandado de segurança impetrado contra ato do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que decretava o não vitaliciamento de membro do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Na espécie, o impetrante arguia que, nos termos do art. 128, I, “a”, da CF, o promotor de Justiça vitalício somente perderia o cargo por sentença judicial transitada em julgado, a ser proposta, nos termos do art. 38, § 2º, da Lei 8.625/1993, pelo procurador-geral de Justiça, após autorização do Colégio de Procuradores. Defendia, ainda, que já seria detentor da garantia constitucional da vitaliciedade desde 1º-9-2007, data da decisão do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça do Estado de São Paulo, o que conduziria à incompetência do CNMP para deliberar sobre sua exoneração.
Para a Segunda Turma, o ato de vitaliciamento — decisão pela permanência de membro em estágio probatório nos quadros da instituição — tem natureza de ato administrativo. Dessa forma, sujeita-se ao controle de legalidade pelo CNMP, por força do art. 130-A, § 2º, II, da CF, que se harmoniza perfeitamente com o disposto no art. 128, § 5º, I, “a”, do texto constitucional. Ademais, a previsão normativa que permite desfazer ato de vitaliciamento apenas por decisão judicial (CF, art. 128, I, “a”) não afasta a possibilidade de o CMNP, a partir da EC 45/2004, analisar, com específica função de controle, a legalidade desse tipo de questão.
Salientou, por fim, que a existência de processo penal em andamento, no qual o ora impetrante alega ter agido em legítima defesa, não é prejudicial à análise do “writ”. Quanto a isso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido da independência entre as instâncias cível, penal e administrativa. Não há falar, por conseguinte, em violação ao princípio da presunção de inocência pela aplicação de sanção administrativa por descumprimento de dever funcional fixada em processo disciplinar legitimamente instaurado antes de finalizado o processo penal em que apurados os mesmos fatos.
MS 27542/DF, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 4-10-2016.
Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
1ª Turma 4.10.2016 — 54
2ª Turma 4.10.2016 — 15
R e p e r c u s s ã o G e r a l
DJe de 3 a 7 de outubro de 2016
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 946.648-SC
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
IMPOSTO SOBRE PRODUTO INDUSTRIALIZADO – IPI – DESEMBARAÇO ADUANEIRO – SAÍDA DO ESTABELECIMENTO IMPORTADOR – INCIDÊNCIA – ARTIGO 150, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ISONOMIA – ALCANCE – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia relativa à incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI na saída do estabelecimento importador de mercadoria para a revenda, no mercado interno, considerada a ausência de novo beneficiamento no campo industrial.
Decisões Publicadas: 1
C l i p p i n g d o D Je
3 a 7 de outubro de 2016
Inq N. 4.146-DF
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
Ementa: INQUÉRITO. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES PREVISTOS NO ART. 317, § 1º, C/C ART. 327, § 2º, DO CÓDIGO PENAL, ART. 1º, V, e § 4º, DA LEI 9.613/1998, ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.492/1986 E ART. 350 DA LEI 4.737/1965, NA FORMA DO ART. 69 DA LEI PENAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. COOPERAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DE PROCEDIMENTO CRIMINAL DA SUÍÇA PARA O BRASIL. VIABILIDADE. INÉPCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. AFASTAMENTO. DESCRIÇÃO SUFICIENTE DAS CONDUTAS ATRIBUÍDAS AO DENUNCIADO, ASSEGURANDO-LHE O EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. ATENDIMENTO AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. MAJORANTE DO ART. 327, § 2º, DO CP. EXCLUSÃO. DENÚNCIA PARCIALMENTE RECEBIDA.
1. Nos termos do art. 4º, § 13, da Lei 12.850/2013, não há indispensabilidade legal de que os depoimentos referentes a colaborações premiadas sejam registrados em meio magnético ou similar, mas somente uma recomendação para assegurar maior fidelidade das informações. Inexiste, portanto, nulidade ou prejuízo à defesa pela juntada apenas de termos escritos, sobretudo quando não foi realizada a gravação dos depoimentos.
2. A tradução para o vernáculo de documentos em idioma estrangeiro só deverá ser realizada se tal providência tornar-se absolutamente “necessária”, nos termos do que dispõe o art. 236 do Código de Processo Penal.
3. A transferência de procedimento criminal, embora sem legislação específica produzida internamente, tem abrigo em convenções internacionais sobre cooperação jurídica, cujas normas, quando ratificadas, assumem status de lei federal. Exsurgindo do contexto investigado, mediante o material compartilhado pelo Estado estrangeiro, a suposta prática de várias condutas ilícitas, nada impede a utilização daquelas provas nas investigações produzidas no Brasil, principalmente quando a autoridade estrangeira não impôs qualquer limitação ao alcance das informações e os meios de prova compartilhados, como poderia tê-lo feito, se fosse o caso. É irrelevante, desse modo, qualquer questionamento sobre a dupla tipicidade ou o princípio da especialidade, próprios do instituto da extradição.
4. Tem-se como hábil a denúncia que descreve todas as condutas atribuídas ao acusado, correlacionando-as aos tipos penais declinados. Ademais, “não é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar” (HC 87324, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 18.5.2007).
5. É incabível a causa de aumento do art. 327, § 2º, do Código Penal pelo mero exercício do mandato parlamentar, sem prejuízo da causa de aumento contemplada no art. 317, § 1º (Inq 3.983, minha relatoria, Tribunal Pleno, DJe 12.05.2016). A jurisprudência desta Corte, conquanto revolvida nos últimos anos (Inq 2606, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 11.11.2014, Dje-236, divulg. 1.12.2014, public. 2.12.2014), exige uma imposição hierárquica ou de direção (Inq 2191, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 8.5.2008, processo eletrônico Dje-084, divulg. 7.5.2009, public. 8.5.2009) que não se acha nem demonstrada nem descrita nos presentes autos.
6. Afigura-se suficiente ao recebimento da denúncia a existência de fartos indícios documentais que demonstram que o acusado teria ocultado e dissimulado a origem de valores supostamente ilícitos, mediante a utilização de meios para dificultar a identificação do destinatário final, por meio de depósitos em contas vinculadas a “trusts”.
7. A existência de elementos indiciários que indicam a plena disponibilidade econômica sobre os ativos mantidos no exterior, ainda que em nome de trusts ou empresas offshores, torna imperativa a admissão da peça acusatória pela prática do crime de evasão de divisas.
8. É certo que o tipo penal do art. 350 do Código Eleitoral exige expressamente, para sua configuração, que a omissão de declaração que deva constar do documento público seja realizada com fins eleitorais. No caso, há indícios que esse comportamento deu-se em razão de o denunciado não ter como justificar a existência de valores no exterior, em soma incompatível com seu patrimônio. Ao lado disso, conforme firme orientação deste Supremo Tribunal Federal, a aferição do elemento subjetivo, em regra, é matéria que se situa no âmbito da instrução processual: INQ 3588-ED, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe de 16.4.2015; INQ 3696, minha relatoria, Segunda Turma, DJe de 16.10.2014.
9. Denúncia parcialmente recebida, com exclusão somente da causa de aumento prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal.
*noticiado no Informativo 831
HC N. 128.650-PE
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Habeas corpus. Processual Penal. Tráfico e associação para o tráfico (arts. 33 e 35 da Lei nº 11343/06). Impetração dirigida contra a decisão de negativa de seguimento ao HC nº 286.196/PE no Superior Tribunal de Justiça e contra o acórdão com que a Quinta Turma não conheceu do HC nº 286.219/PE. Não conhecimento da impetração em relação ao primeiro habeas corpus, em razão de não submissão da decisão singular ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno. Não exaurimento da instância antecedente. Precedentes. Ausência de ilegalidade flagrante no julgamento colegiado do segundo writ. Prisão preventiva. Falta de fundamentação idônea. Não caracterização. Custódia justificada na garantia da ordem pública. Paciente integrante de bem estruturada organização criminosa voltada à distribuição de drogas no Estado de Pernambuco e em seus estabelecimentos prisionais. Gravidade em concreto da conduta e periculosidade do paciente, evidenciadas pelo modus operandi da organização. Excesso de prazo. Complexidade do feito, consubstanciada na pluralidade de réus (15 acusados) e na necessidade de expedição de cartas precatórias para oitiva de 2 (dois) acusados. Notícia constante do sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Pernambuco de que a instrução chegou a termo. Prejudicialidade. Precedentes. Alegada ausência de elementos concretos para corroborar a justa causa para a ação penal. Necessário reexame de fatos e de provas não admitido em sede de habeas corpus. Precedentes. Nulidade das interceptações telefônicas pelo não esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova. Não ocorrência. Procedimento devidamente fundamentado. Demonstração inequívoca da necessidade da medida. Utilização de terminal telefônico como meio de comunicação entre integrantes da organização presos e em liberdade para fomentar o tráfico. Alegações de não observância do prazo do § 2º do art. 4º da Lei nº 9.626/96 para a análise do pedido de interceptação telefônica, de supostos vícios formais no mandado de prisão e de excessos em seu cumprimento. Temas não analisados pelas instâncias antecedentes. Dupla supressão de instância configurada, o que impede sua análise de forma originária pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada.
1. Não se deve conceder habeas corpus em relação ao Relator do HC nº 286.196/PE no Superior Tribunal de Justiça, que a ele negou seguimento monocraticamente.
3. O julgado proferido pela Quinta Turma no HC nº 286.219/PE não encerra situação de constrangimento ilegal a justificar a intervenção do Supremo Tribunal Federal.
4. A prisão preventiva encontra-se alicerçada na garantia da ordem pública, tendo em vista a gravidade em concreto da conduta e a periculosidade do paciente, que integra complexa organização criminosa voltada ao tráfico de drogas no Estado de Pernambuco e em seus estabelecimentos prisionais.
5. É firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “[a] periculosidade do agente, evidenciada pelo modus operandi, e a gravidade em concreto do crime constituem motivação idônea para a manutenção da custódia cautelar” (RHC nº 117.243/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 5/12/13).
6. Em relação ao suposto excesso de prazo, é entendimento da Corte que o lapso temporal transcorrido desde a prisão preventiva, por si só, não induz à conclusão de que esteja ocorrendo o excesso, mormente se levada em conta a complexidade do processo, consubstanciada, na espécie, na pluralidade de réus (15 acusados) e a necessidade de expedição de cartas precatórias para Itamaracá/PE e Petrolina/PE para oitiva de 2 (dois) dos acusados.
7. O sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Pernambuco indica que já foram apresentadas as alegações finais na ação penal objeto da discussão, o que demonstra a conclusão da instrução. Em casos como esse a Corte sinaliza que “o encerramento da instrução criminal, inclusive com a apresentação de alegações finais pela acusação e pela defesa, torna prejudicada a alegação de excesso de prazo da prisão preventiva” (HC nº 86.618/MT, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 28/10/05).
8. A justa causa consiste na exigência de suporte probatório mínimo a indicar a legitimidade da imputação e se traduz na existência, no inquérito policial ou nas peças de informação que instruem a denúncia, de elementos sérios e idôneos que demonstrem a materialidade do crime, bem como de indícios razoáveis de autoria. Logo, para se acolher a tese defensiva de que não haveria elementos para comprovar o envolvimento do paciente na prática criminosa, necessário seria o reexame dos fatos e das provas dos autos, o que não se admite em sede de habeas corpus, na linha de precedentes.
9. Não procede a tese de nulidade das interceptações telefônicas levadas a cabo por não ter havido o esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova na espécie.
10. A decisão do juízo processante autorizando o procedimento em questão foi devidamente fundamentada, indicando com clareza a situação objeto da investigação e a necessidade da medida, mormente se levada em conta a notícia de que um dos investigados, de dentro da unidade prisional, utilizava terminal telefônico para se comunicar com os integrantes da organização criminosa e fomentar o tráfico de drogas, atendendo, portanto, a exigência prevista na lei de regência (art. 4º da Lei nº 9.296/96).
12. De todo modo os poucos documentos que instruem a impetração não permitem analisar essas questões, ainda que de ofício. Conforme a reiterada jurisprudência da Corte, “constitui ônus do impetrante instruir adequadamente o writ com os documentos necessários ao exame da pretensão posta em juízo” (HC nº 95.434/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 2/10/09).
13. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada.
Acórdãos Publicados: 393
Transcrições
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do InformativoSTF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
CNJ – Poder Disciplinar – Competência Concorrente e Autônoma – Responsabilização de Magistrados – Procedimento Disciplinar – Garantia do “DUE PROCESS OF LAW” (Transcrições)
MS 28.891/DF*
RELATOR: Ministro Celso de Mello
EMENTA: Mandado de segurança. Conselho Nacional de Justiça (CNJ).Órgão constitucionalmente posicionado na estrutura institucional do Poder Judiciário (CF, art. 92, I-A). Outorga,ao CNJ, de poder de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e de fiscalização do cumprimento, pelos magistrados, de seus deveres funcionais. O dogma republicano da responsabilização dos agentes públicos em geral. A legitimidade da apuração da responsabilidade disciplinar de juízes como natural consectário do modelo republicano. Pretendida caracterização do CNJ como tribunal de exceção, por haver sido instituído “ex post facto” (EC nº 45/2004). Não configuração. Precedentes. Inexistência, no caso, de qualquer juízo “ad hoc” ou “ad personam”. Prática impessoal e independente, pelo CNJ,de sua atividade administrativo-disciplinar, exercida, na espécie,sem qualquer conotação de índole casuística. A questão da incidência do princípio da subsidiariedade como requisito legitimador do exercício, pelo CNJ, de sua competência em matéria disciplinar. Jurisprudência plenária do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, reconhecendo ser originária,autônoma e concorrente a competência do CNJ em matéria disciplinar (MS 28.003/DF – MS 29.187-AgR/DF, v.g.). Posição pessoal deste Relator, em sentido contrário, que admite a tese da subsidiariedade dessa competência disciplinar, ressalvada a ocorrência de situações anômalas (MS 28.784-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Alegação de ofensa ao postulado do “due process of law”. Inocorrência. Observância, pelo CNJ, de todas as prerrogativas jurídicas que compõem a garantia constitucionaldo devido processo legal (RMS 28.517-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Interrogatório realizado, no caso, sem a presença de Advogado. Impetrante que, não obstante assegurado o seu direito de fazer-se acompanhar por Advogado, dispensou-lhe, expressa e formalmente, a presença no curso do interrogatório a que foi submetido, assumindo, em razão de tal opção, todas as consequências dela decorrentes. Validade jurídica desse ato de inquirição do impetrante. Alegado cerceamento do direito de defesa que teria decorrido de suposta limitação ao número de testemunhas. Considerações em torno dessa questão. Iliquidez, no entanto, dos fatos subjacentes a tal objeção, pois o impetrante deixou de comprovar, documentalmente, neste “writ” mandamental, o seu pretendido rol ampliado de testemunhas, além de não haver indicado os eventos que por elas poderiam ser esclarecidos nem produzido cópia do teor da decisão que indeferiu, em sede administrativa, referida postulação. Ausência de comprovação, de outro lado, de qualquer prejuízo para o impetrante, que exerceu, plenamente, o direito à prova. Aproveitamento, pelo CNJ, dos elementos probatórios coligidos no âmbito de inspeção realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça. Possibilidade. Doutrina. Precedentes. Direito de contestar e de criticar as provas produzidas, em caráter unilateral, na fase pré-processual, bem assim de a elas opor-se. Prerrogativa jurídica que foi efetivamente asseguradaao impetrante durante a instrução, sob o crivo do contraditório, do processo administrativo-disciplinar. Sindicância instaurada perante o Tribunal de Justiça local. Desnecessidade, em tal caso, de prévia deliberação do órgão referido no art. 33, parágrafo único, da LOMAN, por tratar-se de procedimento revestido de caráter estritamente administrativo-disciplinar. Suposta transgressão ao postulado da motivação dos atos decisórios (CF, art. 93, IX). Inocorrência. Pretendida reavaliação dos elementos de prova que, ponderados pelo órgão competente, substanciam o juízo censório proferido pelo CNJ. Controvérsia que implica exame aprofundado de fatos e que demanda confronto analítico de matéria essencialmente probatória. Tema que refoge aos estreitos limites do “writ” mandamental, em cujo âmbito não se admite a instauração incidental de dilação probatória. A ação de mandado de segurança configura processo de caráter tipicamente documental. Doutrina. Precedentes. Pretendida análise da proporcionalidade e da razoabilidade da sanção constitucional imposta ao impetrante (CF, art. 93, VIII). Inviabilidade do reexame fundado em tais critérios. Precedentes específicos do STF. Penalidade legitimamente aplicada pelo Conselho Nacional de Justiça em consonância com a natureza grave da falta cometida, em harmonia com a regência normativa pertinente à matéria e com pleno apoio em conjunto probatório produzido sob o signo do contraditório no procedimento disciplinar. Mandado de segurança denegado.
DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança impetrado contra deliberação que o E. Conselho Nacional de Justiça proferiu nos autos do Processo Administrativo Disciplinar nº 200910000019225, Rel. Cons. IVES GANDRA, consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 82/84):
“PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS PARA SOCORRER LOJA MAÇÔNICA – ENVOLVIMENTO DE JUÍZES – ATENTADO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, IMPESSOALIDADE E MORALIDADE ADMINISTRATIVAS (CF, ART. 37) E AOS DA IMPARCIALIDADE, TRANSPARÊNCIA, INTEGRIDADE, DIGNIDADE, HONRA E DECORO DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL – APOSENTADORIA COMPULSÓRIA, A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO (LOMAN, ART. 56, II), DE PARTE DOS JUÍZES ENVOLVIDOS.
1. A Administração Pública se pauta pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, dentre outros (CF, art. 37). O Juiz se pauta, em sua conduta, pelos princípios da imparcialidade, transparência, integridade, dignidade, honra e decoro (Código de Ética da Magistratura Nacional).
2. Fere de morte os referidos princípios e o sentido ético do magistrado: a) a escolha discricionária, por parte do Presidente do TJ-MT, assistido por juiz auxiliar que se encarregava dessa tarefa, dos juízes que irão receber parcelas atrasadas, pautando-se pela avaliação subjetiva do administrador da ‘necessidade’ de cada um; b) o pagamento das referidas parcelas sem emissão de contra-cheque, mediante simples depósito em conta do magistrado contemplado, que desconhece a que título específico recebe o montante depositado; c) o direcionamento de montante maior do pagamento de parcelas atrasadas aos integrantes da administração do Tribunal (constituindo, no caso do Vice-Presidente e do Corregedor-Geral, verdadeiro pagamento de ‘cala a boca’, em astronômicas somas, para não se oporem ao ‘esquema’) e aos magistrados que poderiam emprestar o valor recebido à Loja Maçônica ‘Grande Oriente do Estado de Mato Grosso’, presidida pelo Presidente do Tribunal e integrada por seus juízes auxiliares, que procederam às gestões para obter empréstimos de outros magistrados (que funcionaram como verdadeiros ‘laranjas’, ou seja, meros intermediadores do repasse das quantias pagas), visando a socorrer financeiramente a referida Loja, pelo desfalque ocorrido em Cooperativa de Crédito por ela instituída; d) o cálculo ‘inflacionado’ dos atrasados abrangendo período prescrito, com adoção de índices de atualização mais favoráveis aos beneficiários e incluindo rubricas indevidas ou com alteração posterior do título pelos quais as mesmas verbas eram pagas.
3. Hipótese de aposentadoria compulsória dos Requeridos, proporcional ao tempo de serviço, a bem do serviço público, nos termos dos arts. 42, V, e 56, II, da LOMAN, por patente atentado à moralidade administrativa e ao que deve nortear a conduta ética do magistrado, quando da montagem de verdadeiro ‘esquema’ de direcionamento de verbas públicas à Loja Maçônica GOEMT em dificuldades financeiras.
Processo Administrativo Disciplinar julgado procedente.” (grifei)
A presente ação mandamental impugna o procedimento administrativo disciplinar em referência, sob a alegação de que o E. Conselho Nacional de Justiça, além de haver desrespeitado o postulado da subsidiariedade, que, segundo o impetrante, regeria a atuação do órgão apontado como coator, teria transgredido, ainda, o princípio do juiz natural, ao apurar a responsabilidade disciplinar de membros do Poder Judiciário em relação a fatos anteriores à própria instalação do CNJ.
O autor deste “writ” constitucional sustenta, ainda, a ocorrência de transgressão à garantia constitucional do “due process of law”, eis que o E. Conselho Nacional de Justiça teria deixado de assegurar ao ora impetrante, no âmbito de mencionado procedimento administrativo disciplinar, o direito ao contraditório e à ampla defesa.
A parte ora impetrante, finalmente, apoia o seu pleito na afirmação de que a decisão administrativa, ao aplicar a sanção disciplinar, não teria observado os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. FRANCISCO DE ASSIS VIEIRA SANSEVERINO, aprovado pela Chefia da Instituição, opinou pela denegação da segurança em manifestação que está assim ementada (fls. 619):
“Mandado de Segurança. CNJ.
Processo Administrativo Disciplinar nº 2009.10.00.001.922-5 do CNJ. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Prática de atos incompatíveis com a dignidade, honra e decoro das funções da magistratura, art. 56, II, da LOMAN. Aplicação da pena de Aposentadoria Compulsória. Parecer pela denegação da ordem.” (grifei)
Sendo esse o contexto, passo a apreciar esta impetração.
Antes de fazê-lo, no entanto, assinalo que o exame da pretensão ora deduzida nesta sede processual suscita reflexão em torno de temas impregnados do mais alto relevo constitucional, a começar por aquele que se refere à legitimidade da competência que, em matéria disciplinar, foi constitucionalmente outorgada ao E. Conselho Nacional de Justiça.
Como se sabe, o E. CNJ dispõe de competência, em sede disciplinar, para fazer instaurar procedimentos destinados a investigar e apurar desvios funcionais, ou atos de improbidade administrativa, ou, ainda, outras ilicitudes de caráter jurídico-administrativo.
Inquestionável, por isso mesmo, a integridade dessa competência em matéria disciplinar, que traduz, mais do que uma prerrogativa jurídica, verdadeiro dever-poder de adotar medidas que viabilizem a plena e efetiva responsabilização disciplinar de magistrados que hajam conspurcado o seu ofício e transgredido a autoridade da lei.
O estatuto jurídico que rege a atuação dos juízes não pode ser invocado para excluir a possibilidade de responsabilização penal e/ou disciplinar dos magistrados faltosos, que, ao procederem com dolo ou fraude, tenham causado injusto gravame aos direitos de qualquer pessoa ou tenham revelado, em seu comportamento funcional, absoluta inadequação aos vetores axiológicos e aos parâmetros ético-jurídicos que regem a atuação dos membros do Poder Judiciário.
É sempre importante reafirmar que o princípio republicano consagra o dogma segundo o qual todos os agentes públicos, inclusive os magistrados, são responsáveis em face da lei e perante a Constituição, devendo expor-se, por isso mesmo, de maneira plena, às consequências que derivam de eventuais comportamentos ilícitos.
Impõe-se ao Poder Judiciário, por efeito do princípio republicano, como acima acentuado, o dever-poder de processar e de punir magistrados que hajam incidido em censuráveis desvios ético-jurídicos, ou em condutas ilícitas, ou, ainda, em comportamentos caracterizadores de improbidade administrativa, observadas, sempre, em tais procedimentos, as garantias constitucionais reconhecidas a qualquer cidadão da República, notadamente aquelas concernentes ao “due process of law” (MS 28.889-MC-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), que impedem o Estado de, agindo arbitrariamente, transgredir os limites cuja observância – resultante de nosso próprio estatuto fundamental – condiciona o legítimo exercício, pelo aparelho estatal, de seu magistério punitivo.
Os membros de Poder, como os juízes, quando atuam de modo reprovável ou contrário ao direito, vulneram as exigências éticas que devem pautar e condicionar a atividade que lhes é inerente.
A ordem jurídica não pode permanecer indiferente a condutas de quaisquer autoridades da República, inclusive juízes, que tenham eventualmente cometido reprováveis desvios éticos no desempenho da elevada função de que se acham investidas.
O sistema democrático e o modelo republicano não admitem nem podem tolerar a existência de regimes de governo sem a correspondente noção de fiscalização e de responsabilidade, que representam fatores de preservação da ordem democrática e que constituem elementos de concretização da ética republicana, por cuja integridade todos, sem exceção, devemos velar, notadamente aqueles investidos em funções no aparelho de Estado, quer no plano do Poder Executivo, quer na esfera do Poder Legislativo, quer, ainda, no âmbito do Poder Judiciário.
Na realidade, a gestão republicana do poder, a composição dos corpos judiciários e a escolha de juízes expõem-se, em plenitude, aos postulados ético-jurídicos da probidade e da moralidade e representam exigência incontornável imposta pela ordem democrática.
Inquestionável, bem por isso, a alta importância da vida ilibada dos magistrados, pois a probidade pessoal e a moralidade administrativa representam valores que consagram a própria dimensão ética em que necessariamente se deve projetar a atividade pública.
Sabemos todos que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes austeros, que desempenhem as suas funções com total respeito aos postulados ético-jurídicos condicionadores doexercício legítimo da atividade pública. O direito ao governo honesto – nunca é demasiado proclamá-lo – traduz prerrogativa insuprimível da cidadania.
Tenho reconhecido, por isso mesmo, que a probidade e a moralidade traduzem pautas interpretativas que devem reger o processo de formação, composição, atuação e fiscalização dos órgãos do Estado, observando-se, no entanto, quando se cuidar da prática da jurisdição censória, as cláusulas constitucionais que conformam, que condicionam e que subordinam o exercício dos poderes estatais, qualquer que seja a dimensão em que se projetem.
A defesa dos valores constitucionais da probidade administrativa e da moralidade para o exercício da magistratura traduz medida da mais elevada importância e significação para a vida institucional do País.
Daí a necessidade de atenta vigilância sobre a conduta, pessoal e funcional, dos magistrados em geral, em ordem a evitar que eles desrespeitem os valores que condicionam o exercício correto e independente da função jurisdicional.
Assentadas tais premissas, que se apoiam no reconhecimento de que ninguém, inclusive os próprios magistrados, está acima da autoridade das leis e da Constituição da República, impende examinar a questão suscitada na presente impetraçãoconcernente à incidência, ou não, do postulado da subsidiariedade como requisito legitimador da prática concreta, pelo E. Conselho Nacional de Justiça, de sua competência em matéria correcional, disciplinar e/ou administrativa.
Ao assim proceder, observo que o exame da matéria pertinenteà competência originária do E. Conselho Nacional de Justiça, muito embora revestida de natureza constitucional (CF, art. 103-B, § 4º), revela, no plano da jurisdição disciplinar, a existência, nesse contexto, de notória situação de tensão dialética, que põe em confronto, de um lado, a autonomia institucional do Poder Judiciário e, de outro, o poder censório outorgado a órgão (o CNJ) posicionado na estrutura central do aparelho de Estado.
É certo que, ao apreciar o tema do caráter subsidiário da atuação do E. Conselho Nacional de Justiça (MS 28.712-MC-AgR/DF, MS 28.743-MC/DF, MS 28.799-MC/DF, v.g.), tive o ensejo de assinalar que só se revelaria legítimo o exercício, pelo CNJ, de seu poder censório, viabilizador da imposição de sanções de índole disciplinar, se e quando configurada qualquer das situações anômalasa que então aludi em anterior decisão nesta causa.
Com efeito, embora seja essa uma posição pessoal e minoritária no Tribunal, entendo unicamente possível ao E. Conselho Nacional de Justiça exercer, desde logo, em sede originária, a sua competência disciplinar, desde que registradas hipóteses caracterizadoras de situações anômalas (que identifiquei em rol meramente exemplificativo), tais como: (a) inércia do Tribunal competente para a instauração do procedimento administrativo-disciplinar; (b) simulação investigatória; (c) procrastinação indevida; e (d) incapacidade de atuação do Tribunal incumbido da atividade correcional:
“CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. JURISDIÇÃO CENSÓRIA. APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR DE MAGISTRADOS. LEGITIMIDADE DA IMPOSIÇÃO, A ELES, DE SANÇÕES DE ÍNDOLE ADMINISTRATIVA. A RESPONSABILIDADE DOS JUÍZES: UMA EXPRESSÃO DO POSTULADO REPUBLICANO. CARÁTER NACIONAL DO PODER JUDICIÁRIO. AUTOGOVERNO DA MAGISTRATURA: GARANTIA CONSTITUCIONAL DE CARÁTER OBJETIVO. EXERCÍCIO PRIORITÁRIO, PELOS TRIBUNAIS EM GERAL, DO PODER DISCIPLINAR QUANTO AOS SEUS MEMBROS E AOS JUÍZES A ELES VINCULADOS. A QUESTÃO DAS DELICADAS RELAÇÕES ENTRE A AUTONOMIA CONSTITUCIONAL DOS TRIBUNAIS E A JURISDIÇÃO CENSÓRIA OUTORGADA AO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. EXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO DE TENSÃO DIALÉTICA ENTRE A PRETENSÃO DE AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS E O PODER DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NA ESTRUTURA CENTRAL DO APARELHO JUDICIÁRIO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE COMO REQUISITO LEGITIMADOR DO EXERCÍCIO, PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, DE UMA COMPETÊNCIA COMPLEMENTAR EM MATÉRIA CORRECIONAL, DISCIPLINAR E ADMINISTRATIVA. PAPEL RELEVANTE, NESSE CONTEXTO, PORQUE HARMONIZADOR DE PRERROGATIVAS ANTAGÔNICAS, DESEMPENHADO PELA CLÁUSULA DE SUBSIDIARIEDADE. COMPETÊNCIA DISCIPLINAR E PODER DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: EXERCÍCIO, PELO CNJ, QUE PRESSUPÕE, PARA LEGITIMAR-SE, A OCORRÊNCIA DE SITUAÇÕES ANÔMALAS E EXCEPCIONAIS REGISTRADAS NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS EM GERAL (HIPÓTESES DE INÉRCIA, DE SIMULAÇÃO INVESTIGATÓRIA, DE PROCRASTINAÇÃO INDEVIDA E/OU DE INCAPACIDADE DE ATUAÇÃO). PRESENÇA CUMULATIVA, NA ESPÉCIE, DOS REQUISITOS CONFIGURADORES DA PLAUSIBILIDADE JURÍDICA E DO ‘PERICULUM IN MORA’. SUSPENSÃO CAUTELAR DA EFICÁCIA DA PUNIÇÃO IMPOSTA PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, CONSISTENTE EM APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DO MAGISTRADO POR INTERESSE PÚBLICO (CF, ART. 93, VIII, c/c O ART. 103-B, § 4º, III). MEDIDA CAUTELAR QUE SE DEFERE EM JUÍZO DE RECONSIDERAÇÃO.”
(MS 28.784-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Daí porque então sustentei que o desempenho da atividade fiscalizadora (e eventualmente punitiva) do E. Conselho Nacional de Justiça deveria ocorrer somente nos casos em que os Tribunais – havendo tido a possibilidade de exercerem, eles próprios, a competência disciplinar e correcional de que se acham ordinariamente investidos – deixassem de fazê-lo (inércia), ou pretextassem fazê-lo (simulação), ou demonstrassem incapacidade de fazê-lo (falta de independência), ou, ainda, entre outros comportamentos evasivos, protelassem, sem justa causa, o seu exercício (procrastinação indevida).
Ocorre, no entanto, que a controvérsia constitucional suscitada pela parte impetrante na presente causa veio a ser amplamente debatida, em momento posterior ao do ajuizamento desta ação mandamental, nos autos da ADI 4.638-MC-REF/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, tendo o Plenário desta Suprema Corte estabelecido, em julgamento majoritário (no qual fiquei vencido), entendimento diverso do ora sustentado pelo autor deste “writ”, que invocou, como um dos fundamentos legitimadores de sua pretensão mandamental, ofensa ao princípio da subsidiariedade.
Cabe ressaltar, bem por isso, a propósito de referido postulado, que o Supremo Tribunal Federal, em outro julgado, veio a reafirmar a diretriz jurisprudencial por mim anteriormente aludida, valendo destacar, por ser expressiva dessa orientação, a decisão que, proferida pelo E. Plenário desta Suprema Corte, restou consubstanciada em acórdão que, no ponto, está assim ementado:
“(…) 6) A competência originária do Conselho Nacional de Justiça resulta do texto constitucional e independe de motivação do referido órgão, bem como da satisfação de requisitos específicos. A competência do CNJ não se revela subsidiária.”
(MS 28.003/DF, Red. p/ o acórdão Min. LUIZ FUX – grifei)
Esse mesmo entendimento, até mesmo em razão do postulado da colegialidade, tem sido observado em sucessivas decisões proferidas por ambas as Turmas desta Suprema Corte (MS 28.620/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – MS 29.465-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 30.568-AgR/DF, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – MS 32.581-AgR/DF, Rel. Min. EDSON FACHIN, v.g.), inclusive pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal:
“Agravo regimental em mandado de segurança. Conselho Nacional de Justiça. Competência. Atuação dos tribunais. Caráter originário e autônomo. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
1. A competência do Conselho Nacional de Justiça deriva da Carta Magna e é originária e autônoma, não tendo caráter subsidiário no que se refere a matéria disciplinar.
2. Agravo regimental ao qual se nega provimento.”
(MS 29.187-AgR/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – grifei)
Não obstante a minha pessoal convicção, que acolhe exegese restritiva a propósito do tema em exame, fundada na necessidade de respeitar a garantia da autonomia institucional dos Tribunais judiciários em geral, de um lado, e o postulado da subsidiariedade, de outro, tal como expus nas decisões anteriormente mencionadas, devo ajustar o meu entendimento à diretriz jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte, em respeito e em atenção ao princípio da colegialidade, motivo pelo qual reconheço a possibilidade de o E. Conselho Nacional de Justiça agir autonomamente em tema de apuração de responsabilidade disciplinar dos membros do Poder Judiciário, tal como se verificou no caso ora em exame.
Reconhecida, desse modo, a ocorrência, na espécie, de hipótese apta a justificar a instauração, em caráter originário e autônomo, da competência disciplinar do E. CNJ, cumpre verificar se a sua atuação teria transgredido, segundo alega a parte impetrante, o princípio do juiz natural.
Sustenta-se, quanto a tal aspecto, que a imposição, ao impetrante, da sanção ora questionada teria desrespeitado o postulado do juiz natural, pois os fatos ensejadores da punição em causa teriam ocorrido em momento anterior ao da promulgação da EC nº 45/2004 e, até mesmo, ao da instalação, em 14/06/2005, do E. Conselho Nacional de Justiça.
Em outras palavras: o E. Conselho Nacional de Justiça, por haver sido instituído e instalado “ex post facto”, qualificar-se-ia como verdadeiro tribunal “ad hoc”, que teria exercido, por isso mesmo, de modo ilegítimo a jurisdição censória que lhe foi atribuída em sede constitucional.
Não se questiona a asserção de que as sanções ou medidas restritivas de direitos só podem ser validamente impostas com estrita observância da cláusula constitucional da naturalidade do juízo, vale dizer, somente se legitimam quando aplicadas “pela autoridade competente” (CF, art. 5º, incisos XXXVII e LIII).
Todas essas considerações revelam-se de indiscutível importância em face do caráter de fundamentalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, o princípio do juiz natural.
É certo que o postulado da naturalidade do juízo representa uma das mais importantes matrizes político-ideológicas que conformam a própria atividade legislativa do Estado e que condicionam o desempenho, por parte do Poder Público, das funções de caráter penal-persecutório ou da atividade de natureza administrativo-disciplinar (ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO, “Processo Administrativo Disciplinar”, p. 332/337, item n. 8.2, 2ª ed., 2003, Max Limonad, v.g.), ainda que o domínio natural de sua incidência seja, em princípio, o procedimento de índole judicial.
A análise do contexto emergente deste processo mandamental, no entanto, revela que esse postulado fundamental não foi transgredido pelo E. Conselho Nacional de Justiça, pois a jurisdição censória que lhe foi cometida adveio de norma impregnada de estatura constitucional e que, por veicular prescrição geral, impessoal e abstrata, não permite substantivar a alegação de que aquele órgão administrativo, posicionado na estrutura institucional do Poder Judiciário, equivaleria a um tribunal “ad hoc”, tal como já decidiu o Supremo Tribunal Federal (MS 25.962/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Pleno):
“CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – ATUAÇÃO – TERMO INICIAL. A atuação fiscalizadora do Conselho Nacional de Justiça não ficou balizada no tempo, considerada a Emenda Constitucional nº 45/2004.” (grifei)
Ao contrário, o E. Conselho Nacional de Justiça agiu de modo rigorosamente impessoal, praticando, de maneira regular, atos incluídos na esfera constitucional de suas atribuições, não se registrando, em consequência, qualquer atuação “ultra vires” do órgão ora apontado como coator.
Vale enfatizar, no ponto, que a instituição do E. Conselho Nacional de Justiça tem suporte em diploma normativo revestido de autoridade constitucional e que foi promulgado sem qualquer conotação de índole casuística, dotado de eficácia geral e qualificado, quanto aos seus destinatários, por critério de evidente indeterminação subjetiva, circunstâncias essas que descaracterizam a alegação de que o órgão em questão subsumir-se-ia à noção de tribunal “ad hoc”.
Na verdade, a instituição do E. Conselho Nacional de Justiça, veiculada em regra de índole constitucional(EC nº45/2004), ajusta-se, com absoluta precisão, à advertência de JOSÉ FREDERICO MARQUES (“O Processo Penal na Atualidade”, “in”“Processo Penal e Constituição Federal”, p. 19, item n. 7, 1993, Ed. Acadêmica/Apamagis, São Paulo), para quem “(…) autoridade competente só será aquela que a Constituição tiver previsto, explícita ou implicitamente, pois, se assim não fosse, a lei poderia burlar as garantias derivadas do princípio do Juiz independente e imparcial, criando outros órgãos para o processo e julgamento de determinadas infrações” (grifei).
Registre-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, quer por seu Plenário (HC 88.660/CE, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.), quer por suas Turmas (HC 91.253/MS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – HC 91.509/RN, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.), já proclamou que a criação, até mesmo, de órgãos judiciários investidos de competência para o processo e julgamento de determinados ilícitos penais, embora determinada porato posterior à prática do delito, não transgride o princípio do juiz natural, pelo fato de inexistir, com a adoção de tal providência “ex post facto”, qualquer regulação casuística ou estabelecida “ad personam”, a significar, portanto, que, mesmo tratando-se de processo de índole judicial (e de caráter penal), a ulterior instituição de órgão judiciário especializado “ratione materiae” não representa, só por si, ofensa ao postulado da naturalidade do juízo nem traduz a materialização de um tribunal de exceção.
Há a considerar, de outro lado, a alegação de que o E. Conselho Nacional de Justiça teria deixado de observar os requisitos essenciais, de índole constitucional, inerentes aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
O E. Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como qualquer outro órgão estatal, está inteiramente subordinado à autoridade da Constituição e das leis da República.
Isso significa, portanto, que o CNJ não pode, nos procedimentos administrativos perante ele instaurados, transgredir postulados básicos como a garantia do “due process of law”, que representa indisponível prerrogativa de índole constitucional assegurada à generalidade das pessoas.
Tenho para mim, na linha de decisões que proferi nesta Suprema Corte (RMS 28.517-AgR/DF, v.g.), que se impõe reconhecer, mesmo em sede de procedimento administrativo, que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece uma relação de polaridade conflitante entre o Estado, de um lado, e o indivíduo ou os agentes públicos, de outro.
Cumpre ter presente, bem por isso, que o Estado, por seus agentes ou órgãos (como o CNJ, p. ex.), não pode, em tema de restrição à esfera jurídica de qualquer pessoa, exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois – cabe enfatizar – o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público de que resultem consequências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais exige a fiel observância do princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LV), consoante adverte autorizado magistério doutrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1/68-69, 1990, Saraiva; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1/176 e 180, 1989, Saraiva; JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR, “O Direito à Defesa na Constituição de 1988”, p. 71/73, item n. 17, 1991, Renovar; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, “O Direito à Defesa na Constituição”, p. 47/49, 1994, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/268-269, 1989, Saraiva; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 401/402, 5ª ed., 1995, Atlas; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 290 e 293/294, 2ª ed., 1995, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 588, 17ª ed., 1992, Malheiros, v.g.).
A jurisprudência dos Tribunais, notadamente a do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida, ou não, de caráter punitivo (RDA 97/110 – RDA 114/142 – RDA 118/99 – RTJ 163/790, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF nº 253/2002 – RE 140.195/SC, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RE 191.480/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 199.800/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.):
“RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DO ‘DUE PROCESS OF LAW’.
– O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina.”
(RTJ 183/371-372, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
O exame da garantia constitucional do “due process of law” permite nela identificar, em seu conteúdo material, alguns elementos essenciais à sua própria configuração, entre os quais avultam, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa; (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis “ex post facto”; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto- -incriminação); e (k) direito à prova.
O contexto processual delineado nos autos – presentes tais considerações e tendo em vista, ainda, que se observaram todas as prerrogativas em que se desenvolve a garantia do devido processo – bem evidencia a regularidade jurídico-formal do procedimento disciplinar instaurado contra o ora impetrante, cabendo destacar, ante a sua inteira correção, o parecer do Ministério Público Federal, do qual destaco o seguinte fragmento (fls. 633/635):
“47. A alegada ofensa ao devido processo legal, interrogatório do PAD nº 2009.10.00.001922-5 realizado em 16 e 17-9-2009 sem a presença de advogado, foi superada. Em 7-5-2008 (DO de 16-5-2008), o Pleno do STF aprovou a Súmula Vinculante nº 5 (…).
48. Em relação às demais alegações do impetrante, adotam-se os fundamentos do parecer da Procuradoria-Geral da República no PAD nº 2009.10.00.001.922-5, do qual vale destacar:
(…) 20. Sustentou o Magistrado, preliminarmente, a nulidade do procedimento investigatório que serviu de base ao presente feito, diante da incompetência absoluta do Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso para investigar criminalmente magistrado que ocupa o cargo de desembargador; e da auditoria externa que subsidiou o referido procedimento, em virtude de ter sido realizada por empresa particular, sendo o laudo assinado por um único perito.
21. Não merece prosperar a preliminar arguida.
22. Verifica-se que investigação levada a efeito pelo Corregedor-Geral de Justiça ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, denominado Procedimento Investigatório Criminal nº 05/2007, tinha por objeto, inicialmente, a suposta apropriação de verbas públicas por servidores e juízes de 1º grau do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso, encontrando-se tal apuração dentro das atribuições inerentes ao seu cargo, consoante determina o art. 43, inciso LVII, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça daquela unidade da Federação.
23. No decorrer daquela investigação, surgiram novos fatos e indícios de envolvimento de Desembargadores nas irregularidades apontadas, o que motivou o encaminhamento das conclusões pelo Corregedor-Geral de Justiça ao Conselho Nacional de Justiça por meio do Ofício nº 205/2008/GAB/CGJ, de 11 de abril de 2008.
24. Nesse Conselho, o procedimento instaurado perante a Corregedoria de Justiça Estadual foi equiparado à sindicância que, na condição de mero instrumento preparatório, prescinde de formalidades ou de contraditório, que ficam postergados para o eventual processo censório, conforme decidido na Reclamação Disciplinar nº 2008.10.00.000795-4:
…………………………………………………………………………………
25. Ademais, eventuais irregularidades ocorridas na fase de sindicância não possuem o condão de macular o procedimento administrativo disciplinar instaurado posteriormente.” (grifei)
Vê-se, portanto, que a douta Procuradoria-Geral da República, ao opinar pela denegação do “writ”, claramente destacou, em seu fundamentado parecer, que o impetrante não sofreu qualquer indevida restrição em seu direito de defesa, que foi por ele exercido em plenitude.
Com efeito, o E. Conselho Nacional de Justiça, ao editar a Portaria nº 002/2009, veiculadora de imputação disciplinar contra o ora impetrante, delineou de forma precisa os limites de referida acusação, sumariando-lhe, de modo claro e objetivo, os fatos e ilícitos disciplinares que ao autor do presente “writ” mandamental foram atribuídos.
O impetrante foi, oportunamente, intimado em caráter pessoal para apresentar defesa escrita no prazo regulamentar, sendo-lhe facultada vista do processo.
Assegurou-se ao ora impetrante o direito à autodefesa e à defesa técnica (esta efetivamente exercida por Advogado constituído), sendo certo, ainda, que se lhe ensejou a possibilidade de acompanhar todos os atos e termos do processo disciplinar, quer arrolando e reinquirindo testemunhas, quer requerendo diligências de caráter instrutório, quer tendo acesso e vista referentemente aos autos, sem quaisquer obstáculos ou restrições.
É por tal motivo que entendo não assistir razão ao impetrante quando este alega nulidade absoluta do procedimento disciplinar em questão, com a consequente invalidade da punição a ele aplicada, apoiando-se, quanto a tal pretensão, no fato de o interrogatório promovido pelo E. Conselho Nacional de Justiça haver sido realizado sem a presença do Advogado que esse mesmo impetrante constituíra.
É que o exame dos autos, tal como enfatizado pelo Ministério Público em seu douto parecer, revela que, não obstante assegurado ao impetrante, pelo eminente Conselheiro Relator, o direito de fazer-se acompanhar por Advogado ao longo de todo o itinerário procedimental, ainda assim o próprio impetrante veio a optar, expressamente, por dispensar a presença de seu defensor técnico no curso da audiência em que se efetivou o seu interrogatório e o dos demais investigados.
Impõe-se registrar, por oportuno, que o Plenário desta Suprema Corte, ao apreciar o RE 434.059/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES, reconheceu que a ausência de Advogado constituído ou de defensor dativo, por si só, não importa em nulidade do procedimento administrativo disciplinar, cabendo destacar, por expressiva desse entendimento, a ementa de referido julgamento:
“Recurso extraordinário. 2. Processo Administrativo Disciplinar. 3. Cerceamento de defesa. Princípios do contraditório e da ampla defesa. Ausência de defesa técnica por advogado. 4. A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição. 5. Recursos extraordinários conhecidos e providos.” (grifei)
Em consequência de mencionado precedente, o Pleno deste Tribunal editou a Súmula Vinculante nº 5, que possui o seguinte conteúdo:
“A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.” (grifei)
Torna-se importante reafirmar, no entanto, que não ocorreu, na espécie, falta de defesa técnica, eis que o magistrado impetrante tinha Advogado por ele constituído, mas cuja presença no ato de interrogatório – insista-se – veio a ser por ele próprio dispensada, como anteriormente anotado.
Cabe ter presente, de outro lado, no que se refere à alegação de que a defesa do impetrante teria sido prejudicada “em razão da limitação do número de testemunhas”, que tal afirmação não se acha devidamente demonstrada, mediante prova literal pré-constituída, imprescindível à comprovação – que se impõe efetivada “ex ante” – da liquidez dos fatos subjacentes ao direito subjetivo neles apoiado.
Não se desconhece que a jurisprudência dos Tribunais (HC 26.834/CE, Rel. Min. PAULO MEDINA, v.g.), notadamente a do Supremo Tribunal Federal (MS 26.961-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), tem reconhecido, naanálise dessa específica questão suscitada nestes autos, que o número máximo de testemunhas a que se refere o art. 401 do CPP (a que correspondia o art. 398, hoje derrogado)– também aplicável à instrução probatória no âmbito de processos disciplinares instaurados pelo E. Conselho Nacional de Justiça (Resolução CNJ nº 135/2011, art. 18, § 3º) – há de ser aferido em face de cada fatoimputado ao acusado (HC 72.580/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – RHC 65.673/SC, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, v.g.).
Esse entendimento jurisprudencial reflete-se, de igual modo, no magistério doutrinário (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 317, 21ª ed., 2004, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 1.057, 11ª ed., 2007, Atlas; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de Processo Penal Comentado”, p. 669, 6ª ed., 2007, RT; MARCELLUS POLASTRI LIMA, “Manual de Processo Penal”, p. 241, 2007, Lumen Juris; EDILSON MOUGENOT BONFIM, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 592, 2007, Saraiva, v.g.), valendo referir, no ponto, ante a sua inquestionável pertinência, a lição de HERÁCLITO ANTÔNIO MOSSIN (“Comentários ao Código de Processo Penal”, p. 766, Manole):
“(…) o melhor entendimento exegético é no sentido de que o número de testemunhas refere-se a cada fato ou imputação mencionada na peça postulatória pública ou privada, dando oportunidade para que sejam mais bem demonstradas as questões fáticas e, com isso, possibilitando a produção de melhor e mais amplo material de conhecimento para que o magistrado forme sua persuasão racional e para que as partes exibam, de forma mais completa, sua prova oral.” (grifei)
Tenho para mim, tal como assinalei em anterior decisão proferida nesta Suprema Corte (MS 26.961-MC/DF), que essa orientação – tanto doutrinária quanto jurisprudencial – é a que mais se ajusta aos propósitos visados pelo legislador constituinte, quando determina, em respeito à exigência do contraditório e da amplitude de defesa, a observância, pelo Poder Público, da garantia indisponível do “due process of law”, mesmo se se tratar de processo de índole administrativa.
Ocorre, no entanto, como anteriormente enfatizado, que o ora impetrante não instruiu o presente “writ” constitucional com o correspondente rol de testemunhas por ele alegadamente apresentado no âmbito do processo administrativo disciplinar em questão, tampouco produziu cópia da decisão do Conselheiro Relator que impôs limitação ao número de testemunhas a serem indicadas pela Defesa (“DESP174” e “DESP222”), sendo certo, ainda, que o autor deste “writ” sequer indicou, em sua petição inicial, quais teriam sido as testemunhas arroladas pela Defesa ou os fatos em relação aos quais se lhe negou o pretendido direito à prova testemunhal, o que inviabiliza, no ponto, por iliquidez, a análise em torno do alegado cerceamento ao direito de defesa.
Como se sabe, a ação de mandado de segurança faz instaurar processo de caráter eminentemente documental, a significar que a pretensão jurídica deduzida pela parte impetrante há de ser demonstrada mediante produção de provas documentais pré-constituídas aptas a evidenciar a alegada ofensa a direito líquido e certo supostamente titularizado pelo autor do “writ” mandamental (MS 24.272/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – MS 25.446/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES – MS 26.284/DF, Rel. Min. MENEZES DIREITO – MS 26.603/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 28.932/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MS 31.681/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, v.g.):
“MANDADO DE SEGURANÇA – PETIÇÃO INICIAL DESACOMPANHADA DOS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS À COMPROVAÇÃO LIMINAR DOS FATOS ALEGADOS – INDISPENSABILIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – CONCEITO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – FATOS INCONTROVERSOS E INCONTESTÁVEIS – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
– Refoge aos estreitos limites da ação mandamental o exame de fatos despojados da necessária liquidez, não se revelando possível a instauração, no âmbito do processo de mandado de segurança, de fase incidental de dilação probatória. Precedentes.
– A noção de direito líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídico-processual, ao conceito de situação decorrente de fato incontestável e inequívoco, suscetível de imediata demonstração mediante prova literal pré-constituída. Precedentes.”
(MS 23.190-AgR/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pleno)
Isso significa que a natureza eminentemente documental do processo de mandado de segurança torna incontornável a exigência de que a parte impetrante produza, “ex ante”, elementos de informação que efetivamente comprovem a situação de fato invocada na impetração mandamental, em contexto impregnado da necessária liquidez, pois, ausente o elemento de certeza, a alegação do autor do “writ” constitucional não terá relevo processual algum.
Impunha-se, pois, à parte ora impetrante cumprir a obrigação processual de produzir, desde logo, com a inicial, os documentos essenciais ao exame da postulação veiculada nesta causa mandamental.
Ainda que assim não fosse, a análise destes autos não evidencia, no processo em questão, a ocorrência de qualquer prejuízo para o impetrante, eis que o eminente Conselheiro Relator realizou a oitiva de vinte e duas (22) testemunhas arroladas, procedeu ao interrogatório dos magistrados requeridos e à tomada de depoimentos que foram prestados por alguns dos juízes na condição de informantes, e determinou, ainda, a inquirição do Senhor Jayme Campos, então Senador da República, na qualidade de testemunha referida, assegurando-se, desse modo, ao impetrante o exercício pleno do direito à prova.
Impõe-se ter presente, por necessário, que a disciplina normativa das nulidades no sistema jurídico brasileiro rege-se pelo princípio “pas de nullité sans grief”. Esse postulado básico tem por finalidade rejeitar o excesso de formalismo, desde que a eventual preterição de determinada providência legal não tenha causado prejuízo para qualquer das partes.
Cumpre enfatizar, no ponto, que o Supremo Tribunal Federal tem exigido a comprovação de efetivo prejuízo àparte, sempre que ela objetivar a declaração, mesmo em sede processual penal,de nulidade de um determinado ato processual (AI 802.459-AgR-segundo/PI, Rel. Min. LUIZ FUX – ARE 816.021-AgR/RN, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MS 24.911/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – MS 25.886/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 31.199/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):
“1. Este Tribunal, em várias oportunidades, firmou o entendimento de que, não havendo prejuízo para qualquer das partes, nenhum ato processual será declarado nulo, conforme o brocardo ‘pas de nullité sans grief’. No caso dos autos, não houve tal comprovação. Não há que falar, portanto, em cerceamento de defesa. Precedentes.
…………………………………………………………………………………………
4. Agravo regimental improvido.”
(AI 764.402-AgR/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei)
Sustenta-se, ainda, na presente impetração, que a punição disciplinar infligida ao impetrante ter-se-ia apoiado, essencialmente, nos elementos de prova coligidos no âmbito da Inspeção nº 200910000008693, realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça, em cujo âmbito não se observou, segundo se alega, a garantia do contraditório e da ampla defesa.
Não questiono a afirmação de que as sanções disciplinares fundadas unicamente em prova produzida na fase pré-processual da sindicância não podem subsistir contra o administrado, sob pena de gravíssima afronta à cláusula constitucional que confere ao acusado o direito ao contraditório e à plenitude de defesa.
É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, apreciando tal questão no plano da persecução penal, repudia a possibilidade de o Poder Judiciário fundamentar sentenças penais condenatórias em provas produzidas tão somente no contexto de investigações policiais ou de inquéritos parlamentares promovidos por Comissões Parlamentares de Inquérito, sem que tais elementos probatórios venham a ser renovados, em juízo, sob a égide da garantia constitucional do contraditório:
“A unilateralidade das investigações desenvolvidas pela Polícia Judiciária na fase preliminar da persecução penal (‘informatio delicti’) e o caráter inquisitivo que assinala a atuação da autoridade policial não autorizam, sob pena de grave ofensa às garantias constitucionais do contraditório e da plenitude de defesa, a formulação de decisão condenatória cujo único suporte seja a prova, não reproduzida em juízo, consubstanciada nas peças do inquérito.”
(RTJ 143/306-307, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Essa diretriz jurisprudencial – segundo a qual “É nula a decisão proferida em processo que correu em branco, sem que nenhuma prova fosse produzida em juízo” (RT 520/484 – grifei) – encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Tratado de Direito Processual Penal”, vol. I/104 e 194, 1980, Saraiva; FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO, “Processo Penal – O Direito de Defesa”, p. 56, item n. 14, 1986, Forense, v.g.).
Se é certo, de um lado, que punições disciplinares não podem apoiar-se, unicamente, em elementos produzidos, de modo unilateral, no curso de sindicâncias, o que é vedado pela garantia constitucional do contraditório, não é menos exato, de outro, como ocorre no âmbito dos processos de natureza penal, que “Os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório em juízo” (RE 425.734-AgR/MG, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei).
Desse modo, o reconhecimento de eficácia e de valor probantes aos elementos informativos obtidos em inspeção realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça não implica transgressão à garantia constitucional do contraditório, pois sempre será lícito e possível ao acusado, no âmbito do processo administrativo disciplinar, contestar e criticar todas as provas produzidas de modo inquisitivo na fase pré-processual, bem assim a elas opor-se, podendo, inclusive, requerer outras, em ordem a infirmar, até mesmo, as conclusões produzidas na fase extrajudicial.
Registra-se, em tal situação, hipótese de contraditório diferido, que representa, por parte do Estado, efetiva observância da cláusula constitucional que garante, no contexto dos procedimentos administrativo- -disciplinares, a prerrogativa do “due process of law”.
Precisa, no ponto, a lição de EUGÊNIO PACELLI e de DOUGLAS FISCHER (“Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência”, p. 305, item n. 155.3, 4ª ed., 2012, Atlas):
“(…) em tais situações, o contraditório é ‘diferido’, ou seja, é adiado – da fase de investigação para a fase de instrução –, permitindo-se que a defesa levante objeções técnicas, do ponto de vista jurídico ou tecnológico, àquele material realizado sem o controle judicial (…).” (grifei)
É que a inspeção, enquanto mera atividade de natureza instrutória, não veicula qualquer sanção de índole disciplinar, pois constitui simples peça informativa destinada a subsidiar, com elementos idôneos, eventual ação disciplinar a ser promovida por órgão administrativo competente (MS 21.635/PE, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – MS 22.122/PA, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 24.803/DF, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, v.g.):
“Mandado de Segurança. 2. Pretendida anulação de ato de demissão com retorno ao cargo antes ocupado. Alegada violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 3. A pena de demissão não resultou da sindicância, mas, sim, de posterior processo administrativo disciplinar, no qual foi assegurado o exercício de ampla defesa. 4. Hipótese em que a sindicância é mero procedimento preparatório do processo administrativo disciplinar. 5. Mandado de Segurança indeferido.”
(MS 23.410/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES, Pleno – grifei)
Vê-se, portanto, que, em situações como a de que ora se cuida, a sindicância, assim também a inspeção, por constituir procedimento de caráter unilateral e inquisitivo, em cujo âmbito não se impõe a observância do postulado do contraditório, precisamente em virtude da natureza preparatória de que se reveste esse meio de apuração, representa instrumento de facultativa utilização pelo Estado, que sempre poderá, uma vez presentes elementos informativos idôneos, fazer instaurar, desde logo, o pertinente processo administrativo-disciplinar, hipótese em que deverá respeitar, aí sim, sem qualquer restrição, sob pena de nulidade, a garantia constitucional do direito de defesa (RTJ 153/831, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – MS 21.721/RJ, Rel. Min. MOREIRA ALVES – MS 21.726/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):
“DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. SINDICÂNCIA. PROCEDIMENTO QUE ANTECEDE A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESCINDIBILIDADE DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. PRECEDENTES. APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE 5.
1. O Supremo Tribunal Federal já assentou ser dispensada a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa no decorrer da sindicância, procedimento que antecede a instauração do processo administrativo disciplinar. Precedentes.
2. ‘A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição’ (Súmula Vinculante 5).
3. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.”
(RE 715.790-AgR/DF, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – grifei)
Revela-se incensurável, por identidade de razões, a decisão emanada do E. Conselho Nacional de Justiça que determinou o aproveitamentodoselementos documentais produzidos pelo Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso no âmbito do Procedimento Investigatório Criminal nº 05/2007, com a consequente incorporação de referidas peças aos autos do procedimento administrativo disciplinar ora questionado (PAD nº 200910000019225).
Nem se alegue, quanto a esse ponto, que a instauração do Procedimento Investigatório Criminal nº 05/2007 perante a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso, sem prévia autorização do órgão especial do E. Tribunal de Justiça local, teria transgredido a regra inscrita no parágrafo único do art. 33 da LOMAN.
É que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 94.278/SP, Rel. Min. MENEZES DIREITO, interpretando o alcance de referido dispositivo legal, reconheceu não ser necessária prévia deliberação da Turma ou do Órgão competente do Tribunal de Justiça para autorizar a instauração de inquérito judicial (ou administrativo) contra membro do Poder Judiciário, cabendo, na verdade, ao órgão referido no art. 33, parágrafo único, da LOMAN, tão somente, o recebimento ou arejeição da peça acusatória eventualmente oferecida.
Cumpre destacar, por oportuno, ante a inquestionável procedência de suas observações, a seguinte passagem do voto que o eminente Ministro MENEZES DIREITO proferiu por ocasião de mencionado julgamento plenário:
“Cabe à Corte Especial receber ou rejeitar a denúncia, conforme o caso, sendo desnecessária a sua autorização para a instauração de inquérito judicial. Entendo que não se pode dar ao art. 33, parágrafo único, da LOMAN esse alcance. Ao contrário, o que ali se contém é a indicação de que, havendo indício da prática de crime por parte de Magistrado, desloca-se a competência ao Tribunal competente para julgar a causa a fim de que prossiga a investigação. É, portanto, regra de competência. No Tribunal, o inquérito é distribuído ao Relator, a quem cabe determinar as diligências próprias para a realização das investigações, podendo chegar até ao arquivamento. No dispositivo não existe conteúdo normativo impondo seja submetida ao órgão colegiado desde logo a autorização para que siga o inquérito. A investigação prosseguirá no Tribunal competente sob a direção do Relator ao qual for distribuído o inquérito, cabendo-lhe, portanto, dirigir o inquérito.” (grifei)
Vê-se de referido precedente que a situação exposta pelo ora impetrante não se ajusta à hipótese prevista no preceito legal mencionado, pois o mero aproveitamento das peças informativas produzidas no âmbito da Corregedoria-Geral de Justiça estadual, com a sua incorporação aos autos do PADnº 200910000019225, de que resultou a deliberação do E. Conselho Nacional de Justiça ora impugnada nesta sede processual, destinou-se não a propiciar o recebimento de qualquer peça acusatória para efeito da persecução criminal, mas, unicamente, a compor o acervo informativo necessário ao esclarecimento dos fatos, para fins de caráter estritamente administrativo-disciplinar.
Tenho para mim, presentes as razões que venho de expor, que o ato punitivo aplicado ao ora impetrante, como anteriormente enfatizado nesta decisão, emanou de autoridade competente, que o praticou de modo regular, em face de elementos probatórios juridicamente idôneos produzidos noprocedimento disciplinar instaurado perante o E. CNJ e cujos dados de informação evidenciaram a realidade do ilícito comportamento funcional do autor do “writ”, de todo incompatível com a dignidade do seu cargo e a seriedade e correção das atividades funcionais a ele inerentes.
Forçoso concluir-se, pois, que os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa foram plenamente observados ao longo do procedimento administrativo-disciplinar regularmente instaurado perante o E. Conselho Nacional de Justiça contra o ora impetrante.
De outro lado, no que concerne à suposta transgressão ao postulado da motivação dos atos decisórios (CF, art. 93, IX), observo que as razões em que se apoia o ato apontado como coator mostram-se compatíveis com referido princípio constitucional, especialmente se se considerar que a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 170/627-628, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) orienta-se no sentido de que “O que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fundamentada. Não que a fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissas, corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão, está satisfeita a exigência constitucional” (RTJ 150/269, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).
Vale ter presente, a respeito do sentido que esta Corte tem dado à norma inscrita no inciso IX do art. 93 da Constituição, que os precedentes deste Tribunal desautorizam a abordagem hermenêutica feita pela parte impetrante, como se dessume de diversos julgados (AI 529.105-AgR/CE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – AI 637.301-AgR/GO, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – AI 731.527-AgR/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES – AI 838.209-AgR/MA, Rel. Min. GILMAR MENDES – AI 840.788-AgR/SC, Rel. Min. LUIZ FUX – AI 842.316-AgR/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX – RE 327.143-AgR/PE, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.), notadamente daquele proferido no exame do AI 791.292-QO-RG/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, em cujo âmbito reconheceu-se, a propósito da cláusula constitucional mencionada, a existência de repercussão geral, em decisão que restou consubstanciada em acórdão assim ementado:
“(…) 3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral.”
(AI 791.292-QO-RG/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)
Demais disso, é de observar-se que, no caso presente, a parte impetrante sustenta que a deliberação emanada do E. Conselho Nacional de Justiça mostra-se inválida em face da insuficiência de sua motivação, porque apoiada em afirmações que não encontram correspondência em suporte probatório que possa legitimá-las.
Essa linha de questionamento, que se fundamenta em alegações cuja constatação depende do exame de matéria fático-probatória, encontra obstáculo, como se sabe, na própria natureza do processo mandamental, que, por ostentar perfil eminentemente documental, não permite nem admite qualquer dilação probatória cuja instauração incidental mostre-se eventualmente necessária para demonstrar a realidade dos fatos subjacentes às objeções invocadas.
No caso ora em exame, impôs-se ao impetrante, em regular processo administrativo-disciplinar, a sanção de aposentadoria compulsória, qualificada pela nota “a bem do serviço público”, porque comprovado o seu envolvimento na prática de grave transgressão legal, consistente no “desvio de numerário do Poder Judiciário para entidade privada”, o que levou o E. Conselho Nacional de Justiça a entender configurada a ocorrência de comportamento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das funções de magistrado.
Com efeito, o E. Conselho Nacional de Justiça, ao justificar a imposição da sanção disciplinar ora questionada, apoiou-se, para tanto, em elementos de prova que evidenciam a ocorrência do denominado “’esquema’ de socorro à Loja Maçônica (…) com verbas do Tribunal de Justiça de Mato Grosso”, os quais se revelam aptos a comprovar, ainda, a atuação efetiva e determinante do magistrado ora impetrante na consecução dos atos ilícitos a ele imputados, assim infringindo o regime jurídico que disciplina a atuação dos membros do Poder Judiciário.
Impende referir, bem por isso, o seguinte fragmento constante do voto do Conselheiro Relator, o eminente Ministro IVES GANDRA, que, acolhido pelo E. Conselho Nacional de Justiça, fundamentou a decisão plenária proferida pelo órgão constitucional ora apontado como coator (fls. 121/126):
“a) Recebimento de Verbas de Atrasados em caráter privilegiado
Conforme já registrado no item III.B do presente voto, com base na tabela de pagamento de atrasados durante a gestão presidencial do Des. José Ferreira Leite (cfr. DOC128, pgs. 42-52), foi o Requerido o melhor aquinhoado com atrasados, recebendo o astronômico valor de R$ 1.276.013,24 (hum milhão, duzentos e setenta e seis mil e treze reais e vinte e quatro centavos), que supera superlativamente o recebido pela massa de magistrados que, em tese, teria direito a receber atrasados.
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Nesse sentido, o caráter privilegiado do recebimento de atrasados salta aos olhos pela simples visualização do quadro geral de pagamento de atrasados durante a Gestão do Requerido, mormente tendo em vista o reconhecimento de que esse pagamento era feito em caráter discricionário pela Presidência do TJ-MT, com base na necessidade apresentada pelo magistrado pleiteante, de recebimento de atrasados.
Assim, quanto a essa imputação, procede o libelo da Portaria 2/09 do CNJ.
b) Correção Monetária de Verbas Atrasadas calculada pelo Índice mais elevado e sobre períodos prescritos
Conforme registrado no Relatório de Inspeção do Controle Interno do CNJ (DOC299), o Processo ‘Diversos nº 5’, de 21/01/2005, teve como requerente o magistrado José Ferreira Leite, à época Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, e trata do requerimento de correção monetária sobre os valores pagos em atraso pelo TJ-MT, cujo pagamento deu-se pelo valor histórico, sem a devida atualização.
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Constatou-se que, no Processo ‘Diversos nº 5/2005’, do TJ-MT, foi adotado como parâmetro de cálculo o IGPM (Índice Geral de Preços do Mercado). O referido índice é divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, registra a inflação de preços desde matérias-primas agrícolas e industriais até bens e serviços finais e é utilizado, via de regra, em contratos de aluguéis e para reajustes de tarifas públicas.
Em seu depoimento, o atual Coordenador da Coordenadoria de Magistrados, servidor Maurício Sogno Pereira, referiu que o Tribunal tinha por tradição adotar o índice com maior percentual auferido no mês para a atualização monetária de passivos dos magistrados, não havendo índice padronizado (vídeo de 28/10/09, disponível nos autos). A conduta, nitidamente, privilegia a recomposição salarial dos magistrados em desfavor da Administração Pública.
Ademais, considerando especificamente que o Processo ‘Diversos nº 5/2005’ foi autuado em 21/1/2005, encontrava-se prescrita a atualização monetária de verbas anteriores ao mês janeiro de 2000. Entretanto, constata-se que foi incluído, no processo em comento, o pagamento de correção monetária sobre verbas já prescritas (…).
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Portanto, também em relação a esse fato, mostra-se procedente a imputação feita na Portaria.
c) Autorização de pagamento de atrasados com mudança de rubrica, para mascarar o pagamento
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Segundo o juiz Marcelo, o Tribunal vinha pagando verbas de caráter indenizatório com incidência de imposto de renda, especificamente ‘Auxílio Moradia’ e ‘Auxílio Transporte’. Após estudo da matéria, fixou-se o entendimento de que a tributação era indevida e a Presidência determinou que fossem devolvidos aos magistrados os valores de imposto de renda descontados indevidamente, por meio de compensação durante o ano de 2003.
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Ora, não é crível que os valores fossem os mesmos: anuênios e devolução de IR sobre auxílio-alimentação e auxílio-transporte.
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Ora, o Requerido, como ordenador de despesas do Tribunal, assinando as ordens de pagamento com tamanhas irregularidades, reconhecidas por seu juiz auxiliar, das quais foi um dos beneficiários, torna-se responsável pelas irregularidades contábeis.
d) Montagem de ‘esquema’ para socorro à Loja Maçônica ‘Grande Oriente do Estado de Mato Grosso’ com verbas do Tribunal de Justiça de Mato Grosso
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No caso dos autos, foi destacado pelos Requeridos que pertencem à Maçonaria, que a relação do ‘Grande Oriente do Estado de Mato Grosso’ com a ‘SICOOB PANTANAL – Cooperativa de Crédito Rural de Responsabilidade Ltda.’ teve por escopo facilitar o crédito aos agricultores da Região, sendo que, o ‘golpe’ dado pelos dirigentes da Cooperativa, desfalcando-a de mais de um milhão de reais, fez com que os irmãos de maçonaria se unissem para cobrir o rombo, em benefício dos agricultores lesados.
Ora, o que se discute no presente Processo Administrativo Disciplinar não é a finalidade beneficente da Maçonaria ou da Cooperativa com ela conveniada, mas a conduta de determinados magistrados, quanto aos métodos usados para resolver o problema da Loja Maçônica conveniada e da Cooperativa desfalcada.
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‘In casu’, conforme já referido no item III-B deste voto, há prova suficiente nos autos apontando para a montagem de ‘esquema’ de socorro à Loja Maçônica, servindo-se da existência de ‘atrasados’ a serem pagos a magistrados, direcionando-se os pagamentos, de forma discricionária e privilegiada, para aqueles que pertenciam à Maçonaria ou fossem simpatizantes e que estivessem dispostos a emprestar parte substancial dos pagamentos à referida Loja Maçônica.
O ‘esquema’ montado pela Presidência do TJ, com a colaboração de seus Juízes Auxiliares, ficou patente, quer pelas quantias exorbitantes de atrasados recebidas, em caráter claramente privilegiado, pelos integrantes da Direção do Tribunal, quer pela forma como arrecadados os fundos de socorro à Loja Maçônica.
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Nesse sentido, verifica-se que o Requerido, Presidente tanto do Tribunal quanto da Loja Maçônica durante o período de 2003/2005, serviu-se da condição de Presidente e ordenador de despesas do TJ-MT para resolver problema pessoal e da instituição privada que presidia, determinando e recebendo pagamentos, em caráter privilegiado, de verbas de atrasados, o que atenta gritantemente contra a dignidade e decoro no exercício da magistratura, por se tratar da coisa pública como se privada fosse.
Nesse sentido, também por essa imputação merece ser julgado PROCEDENTE o presente processo administrativo disciplinar, para determinar a aplicação, ao Desembargador José Ferreira Leite, da pena de aposentadoria a bem do serviço público, proporcional ao tempo de serviço, nos termos do art. 56, II, da LOMAN.” (grifei)
Cabe assinalar, no ponto, o teor da douta manifestação produzida nestes autos pelo Ministério Público Federal, que, ao pronunciar-se contrariamente às alegações deduzidas pelo impetrante, reportou-se à manifestação que a Procuradoria-Geral da República ofereceu nos autos da Representação nº 2009.10.00.001.922-5, da qual extraio, por sua inteira pertinência, o seguinte fragmento (fls. 636/642):
“30. Consoante se denota nas provas colhidas durante a instrução, os pagamentos de créditos suplementares pelo Tribunal Estadual não apresentavam qualquer critério objetivo, sendo autorizados pelo Desembargador JOSÉ FERREIRA LEITE de forma aleatória a partir de uma triagem realizada pelo Juiz Auxiliar da Presidência MARCELO SOUZA DE BARROS, como confirma o Requerido (JOSÉ FERREIRA LEITE) em suas declarações (…):
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31. Não há controvérsia, portanto, acerca da efetiva ingerência do Requerido sobre os beneficiários dos créditos pagos pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, cabendo a ele decidir a quem, quando e quanto seria pago.
32. Entretanto, o Defendente não logrou êxito em comprovar o alegado critério de ‘necessidade do magistrado’ para a escolha dos pagamentos a serem realizados, haja vista as Juízas GRACIEMA RIBEIRO DE CARAVELLAS e JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE, que efetuaram empréstimos dos valores recebidos ao GRANDE ORIENTE DO ESTADO DE MATO GROSSO, declararem que receberam os referidos pagamentos sem a demonstração de quaisquer dificuldades financeiras e até mesmo sem a formulação de requerimento (…):
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33. Reforça a ausência de isonomia e impessoalidade do ordenador de despesas o fato de que ‘também mandou pagar mais para os magistrados que o auxiliaram na administração’.
34. Há sérias dúvidas acerca da legalidade dos pagamentos recebidos pelo Requerido, haja vista a existência de verbas pagas com exclusividade a ele e ao Juiz MARCELO SOUZA DE BARROS, por várias vezes no mês de abril de 2004, de acordo com o relatório produzido por esse Conselho durante a inspeção realizada no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (…):
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35. Quanto aos pagamentos privilegiados àqueles que se dispuseram a contribuir para o socorro da instituição de crédito, as auditorias realizadas concluíram pela existência de verbas liberadas sem base legal e apenas a alguns magistrados, sobretudo àqueles que exerciam, à época dos fatos, cargos administrativos naquela Corte Estadual.
36. O farto conjunto probatório arrecadado nos autos demonstra que o pagamento de algumas verbas a determinados magistrados, orquestrado pelo Desembargador Presidente JOSÉ FERREIRA LEITE, teve como objetivo o desvio dos recursos públicos para a entidade maçônica em que este ocupava o cargo máximo de Grão-Mestre.
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45. Conforme se observa nos documentos digitalizados nos arquivos 022_DOC22.pdf e 023_DOC23.pdf, JOSÉ TADEU CURY, MARCELO SOUZA DE BARROS, MARCOS AURÉLIO DOS REIS FERREIRA, MARIANO ALONSO RIBEIRO TRAVASSOS e JOSÉ FERREIRA LEITE requereram, na mesma data – 20/01/2005 – e por meio de formulário idêntico, a correção monetária de valores recebidos em atraso.
46. Em 1º de fevereiro daquele ano, todos os requerimentos foram deferidos, sendo que as decisões referentes a JOSÉ FERREIRA LEITE e MARCOS AURÉLIO DOS REIS FERREIRA, seu filho, foram firmadas por JOSÉ TADEU CURY no exercício do cargo de Vice-Presidente da Corte Estadual, enquanto que o primeiro, na condição de Presidente do Tribunal Estadual, acatou o restante dos pleitos.
47. Dessa forma, em apenas 12 (doze) dias foi requerida, calculada, deferida e paga a rubrica referente à correção monetária de parte do grupo comprometido com a obtenção de recursos para o GRANDE ORIENTE DO ESTADO DE MATO GROSSO, acrescido do Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, cuja participação foi necessária diante da impossibilidade do Desembargador JOSÉ FERREIRA LEITE deferir seu próprio requerimento e o de seu filho.
48. Vale destacar que nenhum outro magistrado recebeu essa verba específica e sequer soube da possibilidade de requerê-la, cabendo o benefício apenas aos integrantes da alta administração do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (Presidente, Vice-Presidente, Corregedor-Geral de Justiça e Auxiliar da Presidência) e ao filho do Desembargador Presidente, como amplamente comprovado pela análise técnica realizada no procedimento de auditoria externa realizado pela empresa VELLOSO & BERTOLINI CONTABILIDADE, AUDITORIA E CONSULTORIA LTDA..
49. Ainda que se alegue a legitimidade de algumas das verbas mencionadas ou dos índices aplicados, em virtude de advirem da interpretação de leis e de atos normativos internos pelo próprio Tribunal de Justiça Estadual, não há dificuldade em perceber a arbitrariedade dos pagamentos autorizados pelo Requerido no biênio 2003/2005, o que se distancia dos deveres impostos pelo ordenamento jurídico vigente ao Magistrado/Administrador.
50. Vale destacar que por vezes, no presente feito, o ato analisado mostra-se formalmente legítimo. Porém, seu exame dentro do contexto fático-probatório revela outra realidade.
51. É o caso da Certidão nº 133/2009/Cmg, expedida pelo Coordenador de Magistrados MAURÍCIO SOGNO PEREIRA, que atesta a inexistência de determinação formal da Administração do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso no biênio 2003/2005 para a devolução de Imposto de Renda Pessoa Física retido na fonte a qualquer magistrado, e as anotações manuscritas da servidora CÁSSIA CRISTINA PEREIRA DE SENNA, então coordenadora do Departamento de Magistrados, relacionadas à devolução do imposto referente aos meses de agosto/200l a novembro/2002, incluindo o que foi descontado do décimo terceiro salário deste último ano.
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53. Assim, os elementos trazidos aos autos comprovam a autorização de despesas não previstas em lei e a realização de pagamentos de maneira não equânime entre os magistrados com o objetivo de prestar auxílio à entidade particular em que o Desembargador Presidente ocupava o cargo máximo.” (grifei)
O teor da decisão emanada do E. Conselho Nacional de Justiça, tal como enfatizado pelo Ministério Público Federal, bem evidencia, a partir dos próprios elementos probatórios em que essa mesma deliberação apoiou-se, que restou plenamente caracterizada, no caso em exame, a prática, pelo magistrado impetrante, de comportamento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções, situação apta a justificar a imposição da sanção disciplinar ora impugnada nesta sede mandamental.
Cumpre assinalar, por oportuno e necessário – tendo em vista, sobretudo, as alegações da parte impetrante quanto à desvalia jurídica do ato ora impugnado, cujos fundamentos, consoante por ela sustentado, não refletiriam a realidade dos elementos de informação produzidos perante o E. CNJ, em contexto que desautorizaria a punição infligida ao magistrado em referência –, que o processo mandamental não se revela meio juridicamente adequado à reapreciação de matéria de fato nem constitui instrumento idôneo à reavaliação dos elementos probatórios que, ponderados pela autoridade competente, substanciam o juízo censório proferido, na espécie, pelo órgão apontado como coator.
Essa advertência justifica-se ante a afirmação feita pela parte impetrante de que a punição ora questionada resultou de um conjunto probatório frágil e inconsistente, quando não insuficiente ou, até mesmo, inexistente, o que – segundo alega – impediria a formulação, pelo E. CNJ, do juízo de culpabilidade que pronunciou contra o autor do presente “writ” mandamental.
Essa discussão em torno da alegada insuficiência do conjunto probatório não se revela possível na via sumaríssima do mandado de segurança.
Não constitui demasia reiterar que refoge aos estreitos limites da ação mandamental o exame de fatos despojados da necessária liquidez, pois o “iter” procedimental do mandado de segurança não comporta a possibilidade de instauração incidental de um momento de dilação probatória (ALFREDO BUZAID, “Do Mandado de Segurança”, vol. I/208, item n. 127, 1989, Saraiva).
A via jurisdicional do mandado de segurança – que necessariamente pressupõe suporte fático inquestionável, sempre apoiado em prova pré-constituída – não autoriza, por isso mesmo, consideradas as afirmações da parte impetrante, a perquirição do conteúdo alegadamente injusto da decisão veiculadora da sanção disciplinar em causa nem permite a indagação em torno da insuficiência dos elementos de convicção subjacentes à decisão punitiva emanada do E. CNJ.
A jurisprudência dos Tribunais – e a desta Suprema Corte, inclusive – tem insistentemente advertido que “O mandado de segurança não é meio idôneo para o exame de questões cujos fatos não sejam certos” (RTJ 142/782, Rel. Min. MOREIRA ALVES), eis que a noção de direito líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito de situação que deriva de fato certo, vale dizer, de fato passível de comprovação documental imediata e inequívoca (RTJ 124/948 – RT 676/187 – MS 20.882/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 22.155/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 23.289/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 28.943-AgR/DF, Rel. Min. LUIZ FUX – MS 30.523-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 32.244/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, v.g.).
No caso, o órgão apontado como coator decidiu com base em fatos e provas cuja realidade material o impetrante sustenta não haver sido comprovada. A pretendida desconstituição da punição disciplinar, com suporte em seu conteúdo alegadamente injusto e com fundamento na declaração de ausência de base empírica apta a respaldar o ato punitivo, implicaria, caso viesse a ser acolhida, inadmissível análise do conjunto probatório, situação de todo inviável em sede mandamental.
O que se me afigura fundamental na análise do “thema decidendum” é a circunstância – plenamente demonstrada – de que o ato punitivo contra o qual se insurge a parte impetrante resultou de regular procedimento administrativo-disciplinar em que foram integralmente observadas, pelo E. CNJ, as normas que lhe regem a atividade censória, inexistindo, por isso mesmo, qualquer situação configuradora de ofensa ao direito subjetivo invocado por referida parte impetrante.
A parte impetrante sustenta, ainda, que a expressão “a bem do serviço público”, utilizada pelo E. Conselho Nacional de Justiça para identificar a pena de aposentadoria compulsória aplicada ao ora impetrante, não se acharia cominada em texto legal, o que implicaria transgressão, por parte da Pública Administração, ao princípio da reserva constitucional de lei formal em tema de punições disciplinares.
Não se desconhece que o rol inscrito no art. 42 da LOMAN reveste-se de taxatividade, encerrando, por isso mesmo, precisamente por tratar-se de sanções disciplinares, verdadeiro “numerus clausus”, a significar, desse modo, que não se legitima a imposição, pelos órgãos do Estado, de qualquer outro ato punitivo que não se ache expressamente relacionado na norma legal em questão.
Com efeito, a disciplina referente às infrações e sanções administrativas acha-se submetida ao postulado da reserva de lei (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 870, item n. 9, 30ª ed., 2012, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 206, item n. 4.5, 39ª ed., 2012, Malheiros; MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS, “Lei nº 8.112/90 – Interpretada e Comentada”, p. 798, item n. 1, 6ª ed., 2012, Impetus, v.g.), cabendo assinalar, tal como enfatizado por MARÇAL JUSTEN FILHO (“Curso de Direito Administrativo”, p. 609/610, item n. 9.13.3, 9ª ed., 2013, RT), que o regramento normativo concernente ao poder punitivo da Administração Pública confere legitimação jurídica ao ato sancionatório, de um lado, e assegura certeza e previsibilidade quanto à atuação repressiva do Estado, de outro.
É certo, ainda, que o regime jurídico-disciplinar dos membros do Poder Judiciário contempla uma única modalidade de aposentadoria de caráter punitivo aplicável aos magistrados, denominada “aposentadoria compulsória com vencimentos (“rectius”: proventos) proporcionais ao tempo de serviço” (LOMAN, art. 42, V).
Ocorre, no entanto, que a expressão “a bem do serviço público”, utilizada pelo E. Conselho Nacional de Justiça para identificar a sanção administrativa aplicada ao ora impetrante, encontra suporte legitimador naprópria Constituição da República, que, ao disciplinar o exercício do poder censório dos Tribunais em geral e do E. Conselho Nacional de Justiça, instituiu a figura da aposentadoria (punitiva) de magistrado “por interesse público” (CF, art. 93, VIII).
Vê-se, desse modo, que o ato sancionatório ora questionado, além de não encerrar qualquer efeito punitivo adicional estranho ao estatuto jurídico da magistratura, reflete, na verdade, o próprio sentido da cláusula constitucional inscrita no art. 93, inciso VIII, da Carta Política, a significar, portanto, que a deliberação do E. CNJ, nesse específico ponto, não se reveste de qualquer vício de ilegitimidade jurídica.
Cabe acentuar, finalmente, que a alegação da parte impetrante no sentido de que a decisão administrativa em causa, ao aplicar a sanção disciplinar ora questionada, não teria observado os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, não se mostra processualmente viável, eis que a penalidade imposta ao magistrado está em consonância com a natureza grave da falta cometida e em plena harmonia com a disposição legal que rege a matéria em referência (LOMAN, art. 56, II).
Com efeito, a sanção disciplinar ora questionada tem por suporte legitimador uma condenação plenamente motivada, na qual foram destacados, pelo E. Conselho Nacional de Justiça, os diversos elementos que, revestidos de existência concreta, justificaram a imposição da medida sancionatória de aposentadoria compulsória, por interesse público (CF, art. 93, VIII).
Devo salientar, no ponto, que a postulação deduzida nesta sede processual – que objetiva o afastamento da sanção disciplinar imposta ao impetrante – não se revela passível de apreciação na via sumaríssima do mandado de segurança, em cujo estreito âmbito não se reexaminam, uma vez observados os demais critérios fixados pela lei, os elementos de convicção que levaram o E. CNJ, na espécie destes autos, a definir a pena que aplicou ao magistrado em referência, eis que – tal como vem decidindo esta Suprema Corte – a análise da proporcionalidade e da razoabilidade da sanção disciplinar imposta, por envolver o reexame dos elementos informativos e probatórios subjacentes à medida punitiva em questão, traduz matéria pré-excluída do âmbito do processo mandamental (MS 33.081/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RMS 24.901/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO – RMS 31.044-AgR/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – RMS 33.911/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):
“Agravo regimental em mandado de segurança. Ato do Conselho Nacional de Justiça. (…) 5. Dosagem e proporcionalidade da sanção aplicada. Necessidade de reexame de fatos e provas do processo de revisão disciplinar. Impossibilidade em sede de mandado de segurança. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.”
(MS 32.581-AgR/DF, Rel. Min. EDSON FACHIN – grifei)
“AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. (…).
…………………………………………………………………………………………
4. No tocante à proporcionalidade da sanção em relação às condutas investigadas, a análise da matéria envolveria rediscussão de fatos e provas produzidas no âmbito do processo administrativo disciplinar, o que não se compatibiliza com a via do mandado de segurança.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.”
(MS 32.806-AgR/DF, Rel. Min. LUIZ FUX – grifei)
“(…) PROPORCIONALIDADE NA APLICAÇÃO DA PENA DE DEMISSÃO. INEXISTÊNCIA DE DIVERGÊNCIA QUANTO ÀS CONDUTAS PRATICADAS. ANÁLISE DO CONTEXTO FÁTICO INVIÁVEL EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA IMPROVIDO.
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II – A reprimenda imposta aos recorrentes mostrou-se plenamente adequada aos atos ilícitos praticados, para os quais a lei comina a pena de demissão. Conclusão diversa em relação à proporcionalidade na dosimetria da pena demandaria a reapreciação de aspectos fáticos, o que não se admite na via estreita do mandado de segurança, haja vista tratar-se de ação que demanda prova pré-constituída.”
(RMS 31.494/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – grifei)
“1) RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS. (…) 5) OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE SÃO IMPASSÍVEIS DE INVOCAÇÃO PARA BANALIZAR A SUBSTITUIÇÃO DE PENA DISCIPLINAR PREVISTA LEGALMENTE NA NORMA DE REGÊNCIA DOS SERVIDORES POR OUTRA MENOS GRAVE. 6) RECURSOS ORDINÁRIOS DESPROVIDOS, FICANDO MANTIDA A DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA E RESSALVADA A VIA ORDINÁRIA (ART. 19 DA LEI Nº 12.016).”
(RMS 30.455/DF, Rel. Min. LUIZ FUX – grifei)
“Agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança. Servidor público. Processo administrativo disciplinar. Sanção disciplinar. (…). Agravo regimental não provido.
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3. A Comissão processante aplicou penalidade com base na análise das provas integrantes do feito administrativo, cuja reavaliação, inclusive quanto à razoabilidade na dosimetria da pena, implicaria procedimento incomportável na via estreita do ‘writ’.”
(RMS 33.301-AgR/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – grifei)
Sendo assim, em face das razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, denego o presente mandado de segurança, ressalvando, no entanto, o acesso da parte impetrante às vias ordinárias.
Comunique-se, transmitindo-se cópia da presente decisão à Excelentíssima Senhora Presidente do Conselho Nacional de Justiça e à eminente Senhora Advogada-Geral da União.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 04 de outubro de 2016.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJe em 6.10.2016
Inovações Legislativas
3 a 7 de outubro de 2016
Lei nº 13.342, de 3.10.2016 – Altera a Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, para dispor sobre a formação profissional e sobre benefícios trabalhistas e previdenciários dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, e a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, para dispor sobre a prioridade de atendimento desses agentes no Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 191, p. 1, em 4.10.2016.
Lei nº 13.343, de 5.10.2016 – Abre crédito extraordinário, em favor de Transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, no valor de R$ 2.900.000.000,00, para o fim que especifica. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 193, p. 1, em 6.10.2016.
Outras Informações
3 a 7 de outubro de 2016
Decreto nº 8.869, de 5.10.2016 – Institui o Programa Criança Feliz. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 193, p. 2, em 6.10.2016.
Decreto nº 8.870, de 5.10.2016 – Dispõe sobre a aplicação de procedimentos simplificados nas operações de exportação realizadas por microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 193, p. 2, em 6.10.2016.
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD