Brasília, 13 a 17 de dezembro de 2010 Nº 613
Data (páginas internas): 3 de fevereiro de 2011
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
Sumário
Plenário
Magistrados: férias vencidas e conversão em pecúnia – 1
Magistrados: férias vencidas e conversão em pecúnia – 2
Magistrados: férias vencidas e conversão em pecúnia – 3
Magistrados: férias vencidas e conversão em pecúnia – 4
Quebra de sigilo bancário pela Receita Federal – 1
Quebra de sigilo bancário pela Receita Federal – 2
Quebra de sigilo bancário pela Receita Federal – 3
Serventia extrajudicial e concurso público – 1
Serventia extrajudicial e concurso público – 2
ICMS: importação e EC 33/2001 – 5
ICMS: importação e EC 33/2001 – 6
Extradição e colidência de interesses da defesa – 1
Extradição e colidência de interesses da defesa – 2
ADI e usurpação de competência – 1
ADI e usurpação de competência – 2
Repercussão Geral
Imunidade tributária recíproca: sociedade de economia mista e serviços de saúde – 4
1ª Turma
Execução de pena e falta grave – 4
Tribunal do Júri e nulidades – 3
Interrogatório e entrevista reservada com defensor – 2
Estupro e atentado violento ao pudor: continuidade delitiva – 1
Estupro e atentado violento ao pudor: continuidade delitiva – 2
Extinção da punibilidade e certidão de óbito falsa – 3
2ª Turma
TCU: independência das esferas administrativa e penal
Direito ao silêncio e entrevista a jornal
Repercussão Geral
Transcrições
Promotor Natural – Opiniões Colidentes (HC 102147/GO)
Inovações Legislativas
Outras Informações
Plenário
Magistrados: férias vencidas e conversão em pecúnia – 1
O Plenário iniciou julgamento de mandado de segurança impetrado pela Associação Paulista de Magistrados – APAMAGIS contra ato do Conselho Nacional de Justiça – CNJ que determinara fosse suspensa a conversão em pecúnia de férias vencidas cumuladas dos magistrados estaduais por necessidade de serviço. O ato impugnado fora proferido em sede de pedido de providências originado de consulta formulada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT, com a finalidade de saber a viabilidade de continuar indenizando as férias vencidas dos juízes, tendo em conta a revogação da Resolução 25/2006/CNJ — que dispõe sobre a conversão em pecúnia de férias de magistrados não gozadas por necessidade de serviço — pela Resolução 27/2006/CNJ. A impetrante questiona entendimento segundo o qual a conversão de férias em pecúnia deveria ser reservada à situação excepcional única de impossibilidade absoluta de gozo do direito, assim caracterizada quando o magistrado deixar de pertencer aos quadros da magistratura em atividade. Alega a entidade de classe: a) negativa de arquivamento do processo, apesar da desistência do TJDFT; b) aplicação de efeitos amplos ao que decidido sem a participação dos demais interessados na discussão da matéria; c) impossibilidade de julgamento em virtude da ausência, na sessão, da relatora do processo; d) ofensa à coisa julgada, porquanto o tema já teria sido objeto de pronunciamentos anteriores no âmbito do Poder Judiciário; e) falta do quórum exigido para a atribuição de efeitos normativos à decisão do CNJ e f) transgressão a direito líquido e certo dos substituídos.
MS 28286/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 15.12.2010. (MS-28286)
Magistrados: férias vencidas e conversão em pecúnia – 2
Inicialmente, rejeitaram-se as preliminares suscitadas. Relativamente à primeira, aduziu-se que o CNJ indeferira o pedido de desistência da consulta formulado pela presidência do TJDFT, porquanto apresentado quando já iniciada a apreciação da consulta e porque não envolvido interesse pessoal do consulente, o qual personificaria o próprio tribunal. Quanto à falta de participação de interessados, registrou-se inexistir a glosa de uma situação concreta, sendo a questão analisada pelo CNJ — que poderia fazê-lo de ofício no campo do controle administrativo do Judiciário — sob o ângulo de princípios próprios à Administração Pública. Repeliu-se, de igual modo, a assertiva de impossibilidade de conclusão do feito sem a presença da relatora, uma vez que, durante o julgamento do processo, houvera a modificação na composição do CNJ, inclusive com a substituição do relator originário, que votara na matéria. No tocante ao argumento de que o CNJ se manifestara, não obstante a existência de pronunciamentos judiciais preclusos, reiterou-se que a atuação de tal órgão não ocorrera frente a um caso concreto, formalizado com balizas subjetivas. Ademais, salientou-se que o CNJ emitira orientação aos tribunais sem haver adentrado campo que porventura tivesse sido objeto de decisão judicial. Consignou-se, ainda, que essa causa de pedir referente à judicialização do tema — ventilada por um dos conselheiros — teria sido suplantada por aquele colegiado, ao julgar a matéria de fundo. Com relação à última preliminar, destacou-se que o CNJ, como todo e qualquer órgão administrativo, atuaria submetido ao princípio da legalidade e não possuiria poder normativo. Além disso, afirmou-se que a Constituição não trataria do quórum para a deliberação no que concerne ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário. Ressaltou-se, ainda, que, presentes 13 conselheiros e já computado o voto proferido pelo relator originário, houvera o consenso de 9 conselheiros, o que perfaria a maioria absoluta.
MS 28286/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 15.12.2010. (MS-28286)
Magistrados: férias vencidas e conversão em pecúnia – 3
No mérito, o Min. Marco Aurélio, relator, concedeu parcialmente o writ. Assegurou aos associados da impetrante: a) o gozo das férias, uma vez completado o período aquisitivo; ou b) na impossibilidade de se atender ao direito constitucional acima, por imperiosa necessidade do serviço certificada ante o requerimento do magistrado, a indenização simples de período de férias que ultrapasse os 60 dias, a ser satisfeita, mediante opção do interessado, conforme a disponibilidade orçamentária. Realçou a envergadura desse direito inerente à dignidade do homem, bem como o fato de não haver dúvidas de que as férias gerariam, de início, uma obrigação de fazer, com o objetivo de preservar a saúde do prestador dos serviços. Mencionou previsão contida na Lei de Organização da Magistratura Nacional relativamente a férias anuais de 60 dias para os juízes (LC 35/79, art. 66), sendo vedado o seu fracionamento em períodos inferiores a 30 dias. Salientou que referido dispositivo levaria em conta o célere ritmo dos trabalhos desenvolvidos, o dispêndio de energia física e mental e a necessidade de o juiz reciclar-se tanto no que respeita à vida social quanto à formação técnica e humanística. Frisou que as férias somente poderiam ser acumuladas por imperiosa necessidade do serviço e pelo máximo de 2 meses. Assinalou, ademais, haver nesse diploma legal preocupação com a continuidade dos serviços, sem, contudo, afastar-se a proibição de serem acumuladas férias acima de 2 períodos de 30 dias.
MS 28286/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 15.12.2010. (MS-28286)
Magistrados: férias vencidas e conversão em pecúnia – 4
O relator, a partir de dados estatísticos levantados pelo CNJ, expôs que a situação do Judiciário paulista seria notoriamente deficitária, a conduzir a quadro revelador de imenso e desumano esforço, obrigatório, inafastável, de seus juízes. Ponderou que maior carga de trabalho da magistratura nacional recairia sobre os juízes paulistas e que, diante desse contexto, surgiria círculo vicioso no que existentes magistrados, com mais de 2 períodos de 30 dias acumulados, impossibilitados de tirar férias em face do interesse da Administração. Asseverou, dessa forma, ser necessária a compatibilização das seguintes premissas: a) o gozo das férias; b) a continuidade na prestação da jurisdição, retratada na relevância e urgência dos serviços; e c) a mitigação dos efeitos de indeferimento de pleitos sucessivos de magistrados, diante da imperiosa necessidade de serviço. Concluiu que a obrigação de fazer deveria transmudar-se em obrigação de dar, haja vista não ser possível entender-se que o magistrado poderia, a um só tempo, ficar sem o gozo das férias e acumular inúmeros períodos sem que compensação alguma ocorresse. Os Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski acompanharam o relator. Em divergência, o Min. Ayres Britto denegou a ordem. Levou em conta que o ato impugnado não teria sido propriamente uma decisão do CNJ, mas uma consulta — a qual possuiria caráter de orientação geral ou de diretriz — respondida em conformidade com orientação do STF, no sentido de que as férias não se destinariam à conversão em pecúnia e sim, ao seu gozo in natura. Após, pediu vista o Min. Gilmar Mendes.
MS 28286/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 15.12.2010. (MS 28286)
Quebra de sigilo bancário pela Receita Federal – 1
O Plenário, por maioria, proveu recurso extraordinário para afastar a possibilidade de a Receita Federal ter acesso direto a dados bancários da empresa recorrente. Na espécie, questionavam-se disposições legais que autorizariam a requisição e a utilização de informações bancárias pela referida entidade, diretamente às instituições financeiras, para instauração e instrução de processo administrativo fiscal (LC 105/2001, regulamentada pelo Decreto 3.724/2001). Inicialmente, salientou-se que a República Federativa do Brasil teria como fundamento a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e que a vida gregária pressuporia a segurança e a estabilidade, mas não a surpresa. Enfatizou-se, também, figurar no rol das garantias constitucionais a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5º, XII), bem como o acesso ao Poder Judiciário visando a afastar lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV). Aduziu-se, em seguida, que a regra seria assegurar a privacidade das correspondências, das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas, sendo possível a mitigação por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou de instrução processual penal. Observou-se que o motivo seria o de resguardar o cidadão de atos extravagantes que pudessem, de alguma forma, alcançá-lo na dignidade, de modo que o afastamento do sigilo apenas seria permitido mediante ato de órgão eqüidistante (Estado-juiz). Assinalou-se que idêntica premissa poderia ser assentada relativamente às comissões parlamentares de inquérito, consoante já afirmado pela jurisprudência do STF.
RE 389808/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 15.12.2010. (RE-389808)
Quebra de sigilo bancário pela Receita Federal – 2
Asseverou-se que, na situação em apreço, estariam envolvidas questões referentes: 1) à supremacia da Constituição, tendo em conta que ato normativo abstrato autônomo haveria de respeitar o que nela se contém; 2) ao primado do Judiciário, porquanto não se poderia transferir a sua atuação, reservada com exclusividade por cláusula constitucional, a outros órgãos, sejam da Administração federal, estadual ou municipal e 3) à prerrogativa de foro, haja vista que seu detentor somente poderia ter o sigilo afastado ante a atuação fundamentada do órgão judiciário competente. Destacou-se, ademais, que a decretação da quebra do sigilo bancário não poderia converter-se em instrumento de indiscriminada e ordinária devassa da vida financeira das pessoas em geral e que inexistiria embaraço resultante do controle judicial prévio de tais pedidos. Reputou-se, assim, que os dispositivos legais atinentes ao sigilo de dados bancários mereceriam sempre interpretação harmônica com a Constituição. O Min. Marco Aurélio, relator, conferiu à legislação de regência interpretação conforme à Constituição, tendo como conflitante com esta a que implique afastamento do sigilo bancário do cidadão, pessoa natural ou jurídica, sem ordem emanada do Judiciário.
RE 389808/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 15.12.2010. (RE-389808)
Quebra de sigilo bancário pela Receita Federal – 3
Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ayres Britto e Ellen Gracie que, ao reiterar os votos proferidos no julgamento da AC 33 MC/PR (v. Informativo 610), desproviam o recurso extraordinário. Consignavam que, no caso, não se trataria de quebra de sigilo ou da privacidade, mas sim de transferência de dados sigilosos de um órgão, que tem o dever de sigilo, para outro, o qual deverá manter essa mesma obrigação, sob pena de responsabilização na hipótese de eventual divulgação desses dados. Indagavam que, se a Receita Federal teria acesso à declaração do patrimônio total de bens dos contribuintes, conjunto maior, qual seria a razão de negá-lo quanto à atividade econômica, à movimentação bancária, que seria um conjunto menor. Concluíam, tendo em conta o que previsto no art. 145, § 1º, da CF (“Art. 145. … § 1º …, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”), que a lei que normatizara a aludida transferência respeitaria os direitos e garantias fundamentais.
RE 389808/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 15.12.2010. (RE-389808)
Serventia extrajudicial e concurso público – 1
Não há direito adquirido do substituto, que preencheu os requisitos do art. 208 da Constituição pretérita, à investidura na titularidade de cartório, quando a vaga tenha surgido após a promulgação da CF/88, a qual exige expressamente, no seu art. 236, § 3º, a realização de concurso público de provas e títulos para o ingresso na atividade notarial e de registro. Ao reafirmar essa orientação, o Plenário, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado contra acórdão proferido pelo CNJ que desconstituíra a efetivação do impetrante — investido sem concurso público — como titular de serventia extrajudicial. Alegava-se a ocorrência de decadência administrativa (Lei 9.784/97, art. 54), uma vez que tal provimento se dera em 11.1.94 e já transcorrido lapso temporal superior a 5 anos para a Administração Pública rever seus atos. Asseverou-se que, nos termos da atual Constituição, sempre se fizera necessária a submissão a concurso público para o devido provimento de serventias extrajudiciais eventualmente vagas ou para fins de remoção. Dessa forma, rejeitou-se a assertiva segundo a qual somente com a edição da Lei 8.935/94 teria se tornado auto-aplicável a norma prevista no art. 236, § 3º, da CF (“O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.”). Ressaltou-se que a jurisprudência do STF se consolidara, há muito, no sentido da indispensabilidade do certame nesses casos. Consignou-se, ademais, que a atual Carta inaugurou uma nova era, ao romper a tradição política feudal de atribuição de titulações de cartórios e ao estabelecer que os princípios republicanos da igualdade, da moralidade e da impessoalidade deveriam nortear a ascensão às funções públicas.
MS 28279/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 16.12.2010. (MS-28279)
Serventia extrajudicial e concurso público – 2
Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, Presidente, que, ao enfatizar o princípio da segurança jurídica, concediam a ordem. Entendiam que o CNJ, órgão administrativo, teria atuado depois de mais de 15 anos da efetividade do impetrante no cargo, sem observar o que previsto no art. 54 da Lei 9.784/99, que estabeleceria a intangibilidade, no âmbito administrativo, do ato praticado há mais de 5 anos. Salientavam, ainda, que a fluência de tão longo período de tempo terminaria por consolidar expectativa no espírito do cidadão (princípio da proteção de confiança). Precedentes citados: RE 191794/RS (DJU de 6.3.98); RE 302739 AgR/RS (DJU de 26.4.2002); RE 383408 AgR/MG (DJU de 19.12.2003); RE 413082 AgR/SP (DJU de 5.52006); RE 252313 AgR/SP (DJU de 2.6.2006); AI 654228 AgR/MG (DJe de 18.4.2008).
MS 28279/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 16.12.2010. (MS-28279)
ICMS: importação e EC 33/2001 – 5
O Plenário retomou julgamento de 2 recursos extraordinários em que se discute a constitucionalidade, ou não, da incidência do ICMS sobre operações de importação de bens realizadas, por pessoas jurídicas que não se dedicam habitualmente ao comércio, durante a vigência da EC 33/2001, a qual deu nova redação ao art. 155, § 2º, IX, a, da CF, que prevê a incidência do aludido tributo “sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço” — v. Informativos 436 e 569. Em voto-vista, o Min. Dias Toffoli negou provimento ao recurso interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul e proveu o do contribuinte. Concordou, de início, com o posicionamento do relator no tocante à constitucionalidade, em tese, da cobrança do ICMS na importação, por empresas prestadoras de serviços médicos, de aparelhos destinados a integrar seu ativo fixo relativamente a fatos geradores ocorridos depois da vigência da EC 33/2001. Destacou que a nova redação do preceito em comento fora concebida para alcançar situações como a dos autos, uma vez que a jurisprudência da Corte era pacífica no sentido da impossibilidade de tributação das importações de bens destinados ao consumo ou ativo de sociedades civis (Enunciado 660: “Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto.”). Aduziu que a mencionada norma alcançaria a pessoa natural ou física, bem como a sociedade ou associação civil de fins não econômicos, desde que realizassem o fato imponível, ou seja, a importação de bens do exterior, mesmo que tal negócio jurídico não se destinasse à atividade comercial ou industrial. Observou, ainda, que a materialidade do tributo deveria envolver operações de circulação de bens ou mercadorias, ou seja, a prática de um negócio jurídico que configurasse a transferência de domínio.
RE 439796/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 16.12.2010. (RE-439796)
RE 474.267/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 16.12.2010. (RE-474267)
ICMS: importação e EC 33/2001 – 6
Em seguida, divergiu do relator — que reputara a questão de índole infraconstitucional — no que concerne à alegada violação da reserva de lei de normas gerais em matéria tributária para dispor sobre a nova modalidade de tributação causada pela ausência ou insuficiência da legislação federal ou da legislação local para dar concreção à ampliada competência tributária. Asseverou que a própria Constituição faria menção à exigência de lei complementar para disciplinar a cobrança do referido tributo, a afastar a conclusão sobre a necessidade de se proceder à interpretação de normas infraconstitucionais. Assinalou que se deveria examinar se a LC 87/96 seria compatível com a ampliação da hipótese de incidência do ICMS na importação veiculada pela EC 33/2001 e se haveria legislação regional integradora apta a viabilizar a cobrança do imposto nas operações de importação de bens efetuadas por pessoas físicas ou jurídicas não comerciantes. Entendeu que, somente com o advento da LC 114/2002 — mais de 1 ano após a entrada em vigor da EC 33/2001 —, teriam sido definidos os aspectos da hipótese de incidência do ICMS, a recair também sobre os bens importados, seja qual for sua finalidade, reconhecendo, ainda, a qualidade de contribuinte a qualquer pessoa que importe bem, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial. Dessa forma, enfatizou que, entre a edição da EC 33/2001 e a LC 114/2002, o ICMS incidente sobre a importação permanecera sob a regência da redação primitiva da LC 87/96, a qual previa a incidência do imposto sobre a importação de mercadorias por contribuinte por intermédio de seus estabelecimentos comerciais. Registrou que, na espécie, as operações teriam sido efetuadas em data anterior à modificação da LC 87/96 pela LC 114/2002, o que tornariam insubsistentes as exações. Rejeitou, também, a possibilidade de utilização das normas estaduais anteriormente editadas sobre o tema, porquanto possuiriam como fundamento de validade a LC 87/96. Assim, considerou que o tributo fora lançado em desconformidade com os princípios aplicáveis à tributação vigente no país. Após, o relator indicou adiamento.
RE 439796/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 16.12.2010. (RE-439796)
RE 474.267/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 16.12.2010. (RE-474267)
Extradição e colidência de interesses da defesa – 1
Ante a concordância do extraditando e a proximidade do recesso judiciário, o Plenário determinou, independentemente da publicação do acórdão, o imediato cumprimento de decisão deferitória de pedido de extradição instrutória formulado pelo Governo dos Estados Unidos da América em desfavor de nacional colombiano. Na presente situação, o extraditando fora acusado pela suposta prática dos crimes de associação e conspiração para o tráfico internacional de entorpecente, de distribuição e importação de entorpecente e de conspiração para efetuar lavagem de recursos provenientes de narcotráfico. Considerou-se que o Estado requerente cumprira todas as formalidades previstas no tratado de extradição, notadamente o envio de documentos com informações relativas ao local, data, natureza e circunstâncias dos fatos reputados delituosos. Enfatizou-se inexistir indício que pudesse configurar a conotação política dos ilícitos. Asseverou-se, ainda, haver enquadramento dos tipos penais de associação e conspiração para o tráfico internacional de entorpecentes e de distribuição e importação de entorpecente em dispositivos constantes do tratado específico, o mesmo ocorrendo quanto à imputação de lavagem de recursos provenientes do narcotráfico. Consignou-se que este crime teria sido inserido automaticamente no referido tratado, uma vez que figuraria no rol dos delitos incluídos no texto da Convenção de Palermo, do qual ambos os países seriam signatários. Destacou-se, ademais, que os crimes que fundamentariam o pleito extradicional atenderiam ao requisito da dupla tipicidade — haja vista que equivaleriam, no Brasil, respectivamente aos tipos previstos nos artigos 35 e 33 da Lei 11.343/2006 e no art. 1º, I, da Lei 9.613/98 — e da dupla punibilidade — já que não teria ocorrido a prescrição segundo a legislação dos países envolvidos. Assinalou-se a necessidade de o Estado requerente observar o instituto da detração, bem como proceder à comutação da pena de prisão perpétua em privação de liberdade por até 30 anos, em caso de condenação do extraditando.
Ext 1214/Estados Unidos da América, rel. Min. Ellen Gracie, 17.12.2010. (Ext-1214)
Extradição e colidência de interesses da defesa – 2
De outro lado, por maioria, rejeitou-se questão de ordem suscitada pelo patrono do extraditando que requeria que a presente decisão não tivesse imediato cumprimento. Alegava o causídico que, do contrário, o exercício da ampla defesa estaria comprometido, uma vez que inviabilizaria eventual oposição de embargos de declaração. Aduziu-se que a posição do advogado seria contrária ao interesse do próprio extraditando, o qual manifestara o desejo de ser entregue, de pronto, ao país requerente. O Min. Ricardo Lewandowski acrescentou que a execução imediata da extradição não impediria o direito de a defesa ingressar com os aludidos embargos, porquanto veiculado da tribuna possível questionamento sobre ponto obscuro, omisso ou contraditório, sem pretensão de natureza infringente para desconstituir o acórdão. Vencidos, quanto à questão de ordem, os Ministros Marco Aurélio, Cármen Lúcia e Cezar Peluso, Presidente, que a acolhiam por entender que o extraditando estaria representado pelo seu defensor e que, a partir do momento em que este desiste do pedido formulado, pretendendo que se aguarde a interposição de recurso, a entrega não deveria ser imediata.
Ext 1214/Estados Unidos da América, rel. Min. Ellen Gracie, 17.12.2010. (Ext-1214)
ADI e usurpação de competência – 1
Por reputar caracterizada a usurpação da competência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I), o Plenário, em votação majoritária, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para declarar a inconstitucionalidade do art. 114 da Lei Complementar paulista 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público estadual). O dispositivo adversado determina que mais de um órgão do Ministério Público não oficiará simultaneamente no mesmo processo ou procedimento. De início, rejeitou-se, por maioria, a preliminar de perda parcial do objeto da ação em virtude da derrogação tácita do preceito originalmente contestado pelo citado art. 114. Na situação dos autos, o requerente impugnava os artigos 6º, I; 16; 17, parágrafo único, e 18, caput, da Lei Complementar 667/91, daquela mesma unidade federativa. Ocorre que, posteriormente, fora instituída a referida LC 734/93, a qual reproduzira, na literalidade, o conteúdo normativo deste último preceito, sem que houvesse interrupção de vigência. Entendeu-se que, embora o requerente não tivesse aditado a inicial da forma mais adequada, sua manifestação no sentido de que o art. 18 da LC 667/91 estaria em vigor por força do art. 114 da LC 734/93 poderia ser aceita como tal. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio que assentavam a prejudicialidade da ação.
ADI 932/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 17.12.2010. (ADI-932)
ADI e usurpação de competência – 2
No mérito, por maioria, asseverou-se que o tema concernente a eventuais incompatibilidades à atuação simultânea de um mesmo órgão do Ministério Público no feito envolveria matéria processual e não de organização local da instituição. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, Presidente, ao fundamento de que não se teria uma disciplina processual propriamente dita, mas norma que versaria sobre organização, competência daquele ente. Quanto aos demais dispositivos questionados, o Plenário rejeitou o pleito de inconstitucionalidade. No tocante ao art. 6º, I, da LC 667/91, aduziu-se ter ocorrido mera mudança de nomenclatura, ao ser alterada a denominação do cargo de “Promotor de Justiça Curador Judicial de Ausentes e Incapazes” para “Promotor de Justiça Cível”. No mesmo sentido concluiu-se em relação ao art. 16, pois apenas revogara atribuição indevidamente conferida ao parquet como a curadoria, no processo civil, de réu revel ou preso, função da Defensoria Pública. Por fim, relativamente ao art. 17 — que conferiu prazo de 30 dias, a contar da vigência da lei, para apresentação de proposta de distribuição dos serviços, facultada a preservação de funções exercidas antes desse diploma legal, sem prejuízo das novas atribuições cometidas —, considerou-se que a norma cuidaria da reorganização interna da carreira, sem mácula à Constituição.
ADI 932/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 17.12.2010. (ADI-932)
Repercussão geral
Imunidade tributária recíproca: sociedade de economia mista e serviços de saúde – 4
Em conclusão, o Plenário, por maioria, proveu recurso extraordinário para assentar a incidência da imunidade recíproca (CF, art. 150, VI, a) de impostos estaduais à sociedade de economia mista recorrente, a qual atua na área de prestação de serviços de saúde — v. Informativo 597. Inicialmente, ao salientar o que disposto no art. 197 da CF, consignou-se que o serviço público em questão estaria franqueado à iniciativa privada sob a forma de assistência à saúde, não constituindo atividade econômica. Portanto, a iniciativa privada seria convocada para subsidiar o Poder Público, para se emparceirar com ele, na prestação de serviço público que, ao mesmo tempo, seria direito fundamental e, pela ótica do art. 196 da CF, direito de todos e dever do Estado. Realçou-se a heterodoxia do caso, porquanto, desde a década de 70, o Estado, por desapropriação, seria detentor do controle dessa “empresa”, assenhoreando-se da atividade, prestando-a ininterruptamente, e controlando 99,99% das ações. Enfatizou-se que o hospital recorrente atenderia exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde – SUS e que suas receitas seriam provenientes de repasses públicos federais e municipais. Considerou-se, ademais, que o serviço de saúde por ele prestado teria caráter de serviço público, não configurando um negócio privado. Reiterou-se que a União teria expropriado praticamente a totalidade do capital social e, com isso, incorporado de fato o hospital ao seu patrimônio jurídico, conservando, por motivos desconhecidos, 0,01% do capital social em nome de conselheiros antigos. Dessa forma, teria mantido a aparência de uma sociedade anônima que se submeteria, de regra, ao regime jurídico de empresa privada. Afirmou-se que isso, entretanto, não seria suficiente, pois se trataria, na verdade, de uma entidade pública por ser pública praticamente a totalidade do capital social, pública sua finalidade e pública, no sentido de potencialidade de exercício de poder, a direção do hospital, haja vista que a União poderia decidir o que quisesse, porque 0,01% não significaria nada em termos de votação. Por fim, registrou-se que o pronunciamento da questão posta em sede de repercussão geral somente aproveitará hipóteses idênticas, em que o ente público seja controlador majoritário do capital da sociedade de economia mista e que a atividade desta corresponda à própria atuação do Estado na prestação de serviços à população. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, relator, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio que desproviam o recurso.
RE 580264/RS, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o acórdão Min. Ayres Britto, 16.12.2010. (RE-580264)
Primeira Turma
Execução de pena e falta grave – 4
Ante a perda superveniente de objeto, a 1ª Turma declarou prejudicado habeas corpus impetrado com o fim de anular decisão que determinara a regressão de regime prisional do paciente e a alteração da data-base para a concessão de benefícios executórios — v. Informativo 605. Alegava-se constrangimento ilegal por parte do STJ, que teria extrapolado pedido feito pelo Ministério Público, relativo apenas à regressão de regime, sem mencionar a alteração da data-base. Em razão de o paciente encontrar-se em liberdade condicional desde 9.11.2009, reputou-se inócuo qualquer debate a respeito de concessão de regime prisional mais brando ao condenado.
HC 96246/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 14.12.2010. (HC-96246)
Tribunal do Júri e nulidades – 3
A 1ª Turma, em conclusão de julgamento, indeferiu, por maioria, habeas corpus em que impugnadas duas supostas nulidades ocorridas em julgamento de Tribunal do Júri: a utilização de prova alegadamente nova e o eventual excesso de linguagem por parte do Juiz Presidente, ao apresentar relatório aos jurados no qual deferia a juntada de tal prova — v. Informativo 609. Reputou-se, inicialmente, não haver ilicitude na prova colhida a partir da fita cassete exibida no julgamento. Registrou-se que ela seria mero instrumento magnético de uma prova que já constaria dos autos, qual seja, o interrogatório. Aduziu-se, também, que o delegado utilizara esse dispositivo apenas para provar que o ato não teria sido realizado mediante tortura e que maior aprofundamento na questão implicaria reexame de fatos e provas, inadmissível na via eleita. Ressaltou-se, em relação a essa suposta nulidade, não haver sido demonstrado o prejuízo sofrido pelo paciente. Considerou-se, acerca do argüido vício de linguagem no relatório apresentado aos jurados, não haver parcialidade nas palavras proferidas pelo Juiz Presidente, que apenas teria fundamentado o deferimento da citada prova por reputá-la lídima, sem, entretanto, haver influenciado a íntima convicção dos jurados sobre o caso. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem.
HC 101806/MS, rel. Min. Dias Toffoli, 14.12.2010. (HC-101806)
Interrogatório e entrevista reservada com defensor – 2
Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que alegado constrangimento ilegal decorrente de ausência de citação do paciente e não concessão do direito de entrevista reservada com seu defensor — v. Informativo 580. Entendeu-se que a nulidade referente à ausência de citação seria relativa, visto que o paciente teria comparecido espontaneamente à audiência de interrogatório. Assim, aplicado o princípio da convalidação, a nulidade teria sido sanada. Em relação à não concessão do direito de entrevista reservada com seu defensor, reputou-se que o magistrado teria assegurado esse direito na audiência, muito embora a defesa não tivesse feito uso dele, razão pela qual não existiria nulidade. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Ayres Britto, que concediam a ordem.
HC 96465/MG, rel. Min. Dias Toffoli, 14.12.2010. (HC-96465)
Estupro e atentado violento ao pudor: continuidade delitiva – 1
A 1ª Turma concedeu, de ofício, habeas corpus para incumbir ao juízo da execução a tarefa de enquadrar o caso ao cenário jurídico trazido pela Lei 12.015/2009, devendo, para tanto, proceder à nova dosimetria da pena fixada e afastar o concurso material entre os ilícitos contra a dignidade sexual, aplicando a regra da continuidade (CP, art. 71, parágrafo único: “Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código”). Na situação dos autos, pleiteava-se a exclusão da causa de aumento de pena prevista no art. 9º da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) a condenado pela prática dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor contra menores de 14 anos. A impetração argumentava que: a) a aplicação da referida causa especial de aumento com a presunção de violência decorrente da menoridade das vítimas, sem a ocorrência do resultado lesão corporal grave ou morte, implicaria bis in idem, porquanto a violência já teria incidido na espécie como elementar do crime; e b) o art. 9º daquela norma estaria implicitamente revogado após o advento da Lei 12.015/2009.
HC 103404/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 14.12.2010. (HC-103404)
Estupro e atentado violento ao pudor: continuidade delitiva – 2
Inicialmente, a Turma, por maioria, vencido o Min. Marco Aurélio, não conheceu do writ, ao fundamento de que a apreciação da matéria sob o enfoque da nova lei acarretaria indevida supressão de instância. Salientou-se, no entanto, a existência de precedentes desta Corte segundo os quais não configuraria bis in idem a aludida aplicação da causa especial de aumento de pena. Ademais, observaram-se recentes posicionamentos das Turmas no sentido de que, ante a nova redação do art. 213 do CP, teria desaparecido o óbice que impediria o reconhecimento da regra do crime continuado entre os antigos delitos de estupro e atentado violento ao pudor. Por fim, determinou-se que o juízo da execução enquadre a situação dos autos ao atual cenário jurídico, nos termos do Enunciado 611 da Súmula do STF (“Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”). Alguns precedentes citados: HC 102355/SP (DJe de 28.5.2010); HC 94636/SP (DJe de 24.9.2010).
HC 103404/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 14.12.2010. (HC-103404)
Extinção da punibilidade e certidão de óbito falsa – 3
A 1ª Turma, em conclusão de julgamento, indeferiu, por maioria, habeas corpus impetrado em favor de pronunciado, em sentença transitada em julgado, pela suposta prática de homicídio. A defesa sustentava que a desconstituição do despacho interlocutório que teria declarado extinta a punibilidade do paciente — pois baseado em certidão de óbito falsa — seria nula, uma vez que violado o princípio da coisa julgada. Ademais, alegava não haver indícios suficientes a apontar o acusado como autor do delito — v. Informativo 611. O Min. Dias Toffoli, relator, acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, manteve a posição externada por ocasião do pedido de adiamento do feito, no sentido de indeferir a ordem. Afirmou que o suposto óbito do paciente seria fato inexistente e que, portanto, não poderia existir no mundo jurídico. Por essa razão, reputou não haver óbice à desconstituição da coisa julgada. Em relação à suposta ausência de justa causa para a pronúncia do paciente, aduziu que a análise da tese implicaria revolvimento fático-probatório, inviável na sede eleita. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem.
HC 104998/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 14.12.2010. (HC-104998)
Segunda Turma
TCU: independência das esferas administrativa e penal
A 2ª Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteado o trancamento de inquérito policial instaurado para apurar suposta existência de desvios de verba pública na Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária – INFRAERO, e a prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, estelionato e peculato, bem como de crimes contra a ordem econômica (Lei 8.137/90, art. 4º), de improbidade administrativa e dos tipificados nos artigos 89, 90, 93 e 96 da Lei 8.666/93. Sustentava a impetração, com base em analogia com os crimes contra a ordem tributária, a necessidade de encerramento da via administrativa da constituição do débito tributário como condição de procedibilidade. Entendeu-se que não mereceria reparo a conclusão do STJ, segundo a qual o fato do Tribunal de Contas da União, eventualmente, aprovar as contas a ele submetidas, não obstaria, em princípio, a persecução penal promovida pelo Ministério Público. Explicitou-se que a jurisprudência do STF seria no sentido da independência entre as esferas de contas e a judicial penal, de sorte a ser desnecessário que o inquérito policial ou a denúncia aguardem a conclusão do processo de contas em qualquer das instâncias dos Tribunais de Contas.
HC 103725/DF, rel. Min. Ayres Britto, 14.12.2010. (HC-103725)
Direito ao silêncio e entrevista a jornal
A 2ª Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava a ilicitude da prova juntada aos autos consistente na não advertência ao acusado de seu direito de permanecer calado. No caso, o paciente concedera entrevista a jornal, na qual narrara o modus operandi de 2 homicídios a ele imputados. Reputou-se que a Constituição teria conferido dignidade constitucional ao direito ao silêncio, dispondo expressamente que o preso deve ser informado pela autoridade policial ou judicial da faculdade de manter-se calado. Consignou-se que o dever de advertir os presos e os acusados em geral de seu direito de permanecerem calados consubstanciar-se-ia em uma garantia processual penal que teria como destinatário precípuo o Poder Público. Concluiu-se, entretanto, não haver qualquer nulidade na juntada da prova, entrevista concedida espontaneamente a veículo de imprensa.
HC 99558/ES, rel. Min. Gilmar Mendes, 14.12.10. (HC-99558)
Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 15.12.2010 16 e 17.12.2010 230
1ª Turma 14.12.2010 — 22
2ª Turma 14.12.2010 — 178
R e p e r c u s s ã o G e r a l
DJe de 13 a 17 de dezembro de 2010
REPERCUSSÃO GERAL POR QO EM RE N. 580.871-SP
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Questão de ordem. 2. É devida a devolução aos pensionistas e inativos de contribuição previdenciária indevidamente recolhida no período entre a EC 20/98 e a EC 41/03, sob pena de enriquecimento ilícito do ente estatal. Precedentes. 3. Jurisprudência pacificada na Corte. Repercussão Geral. Aplicabilidade. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso, autorizar a devolução aos tribunais de origem dos recursos extraordinários e agravos de instrumento que versem sobre o mesmo tema, autorizando as instâncias de origem a adotar procedimentos do art. 543-B, § 3º, do Código de Processo Civil.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 545.796 (ELETRÔNICO)-RJ
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Recurso extraordinário. Tributário. Correção Monetária. Demonstrações financeiras. Balanço patrimonial. Pessoas jurídicas. Compensação. Diferimento no tempo. Lei 8.200/91. Repercussão geral reconhecida.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 599.362-RJ
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: TRIBUTÁRIO – PIS – COOPERATIVA DE TRABALHO – MP Nº. 2.158-35/2001 LEIS Nº. 9.715/1998 E 9.718/1998 – INCIDÊNCIA SOBRE OS ATOS COOPERATIVOS – REPERCUSSÃO GERAL – EXISTÊNCIA.
A controvérsia atinente à possibilidade da incidência da contribuição para o PIS sobre os atos cooperativos, tendo em vista o disposto na Medida Provisória nº 2.158-33, originariamente editada sob o nº 1.858-6, e nas Leis nºs 9.715 e 9.718, ambas de 1998, ultrapassa os interesses subjetivos das partes. Repercussão geral reconhecida.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 607.520-MG
RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS EM FAVOR DE ADVOGADO DATIVO NOMEADO EM AÇÕES PROCESSADAS NA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 607.642-RJ
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: TRIBUTÁRIO – PIS – EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS – MP 66/2002, CONVERTIDA NA LEI Nº. 10.637/2002 – MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA – NÃO CUMULATIVIDADE – APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS – REPERCUSSÃO GERAL – EXISTÊNCIA.
A controvérsia atinente a constitucionalidade da Medida Provisória nº 66/02, convertida na Lei nº 10.637/02, a qual inaugurou a sistemática da não cumulatividade da contribuição para o PIS, incidente sobre o faturamento das pessoas jurídicas prestadoras de serviços, com a consequente majoração da alíquota da referida contribuição associada à possibilidade de aproveitamento de créditos compensáveis para a apuração do valor efetivamente devido, ultrapassa os limites subjetivos da causa. Repercussão geral reconhecida.
Decisões Publicadas: 5
Transcrições
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do Informativo STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Promotor Natural – Opiniões Colidentes (Transcrições)
HC 102147/GO*
RELATOR: Min. Celso de Mello
EMENTA: PROMOTOR NATURAL. POSTULADO QUE SE REVELA IMANENTE AO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO. A DUPLA VOCAÇÃO DESSE PRINCÍPIO: ASSEGURAR, AO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, O EXERCÍCIO PLENO E INDEPENDENTE DE SEU OFÍCIO E PROTEGER O RÉU CONTRA O ACUSADOR DE EXCEÇÃO (RTJ 150/123-124). OCORRÊNCIA DE OPINIÕES COLIDENTES MANIFESTADAS, EM MOMENTOS SUCESSIVOS, POR PROCURADORES DE JUSTIÇA OFICIANTES NO MESMO PROCEDIMENTO RECURSAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DESSA DIVERGÊNCIA OPINATIVA. PRONUNCIAMENTOS QUE SE LEGITIMAM EM FACE DA AUTONOMIA INTELECTUAL QUE QUALIFICA A ATUAÇÃO DO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SITUAÇÃO QUE NÃO TRADUZ OFENSA AO POSTULADO DO PROMOTOR NATURAL. SIGNIFICADO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA UNIDADE E DA INDIVISIBILIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. “HABEAS CORPUS” PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, INDEFERIDO.
DECISÃO: Registro, preliminarmente, por necessário, que o Supremo Tribunal Federal, mediante edição da Emenda Regimental nº 30, de 29 de maio de 2009, delegou expressa competência ao Relator da causa, para, em sede de julgamento monocrático, denegar ou conceder a ordem de “habeas corpus”, “ainda que de ofício”, desde que a matéria versada no “writ” em questão constitua “objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal” (RISTF, art. 192, “caput”, na redação dada pela ER nº 30/2009).
Ao assim proceder, fazendo-o mediante interna delegação de atribuições jurisdicionais, esta Suprema Corte, atenta às exigências de celeridade e de racionalização do processo decisório, limitou-se a reafirmar princípio consagrado em nosso ordenamento positivo (RISTF, art. 21, § 1º; Lei nº 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557) que autoriza o Relator da causa a decidir, monocraticamente, o litígio, sempre que este referir-se a tema já definido em “jurisprudência dominante” no Supremo Tribunal Federal.
Nem se alegue que essa orientação implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
A legitimidade jurídica dessa orientação decorre da circunstância de o Relator da causa, no desempenho de seus poderes processuais, dispor de plena competência para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, justificando-se, em conseqüência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175 – RTJ 173/948), valendo assinalar, quanto ao aspecto ora ressaltado, que o Plenário deste Tribunal, ao apreciar questão de ordem, em recente decisão (HC 96.821/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 14/04/2010), reafirmou a possibilidade processual do julgamento monocrático do próprio mérito da ação de “habeas corpus”, desde que observados os requisitos estabelecidos no art. 192 do RISTF, na redação dada pela Emenda Regimental nº 30/2009.
Tendo em vista essa delegação regimental de competência ao Relator da causa, impõe-se reconhecer que a controvérsia ora em exame ajusta-se à jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise, o que possibilita seja proferida decisão monocrática sobre o litígio em questão.
Passo, desse modo, a examinar a pretensão ora deduzida na presente sede processual.
Trata-se de “habeas corpus” impetrado contra decisão emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de outra ação de “habeas corpus” (HC 97.217/GO), denegou a ordem, em julgamento consubstanciado em acórdão assim ementado (Apenso 2, fls. 431):
“‘HABEAS CORPUS’. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRECLUSÃO. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA E ATIPICIDADE DA CONDUTA. REVOLVIMENTO DA MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INADMISSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. INEXISTÊNCIA.
1. Após a superveniência de sentença de pronúncia, confirmada em sede de recurso em sentido estrito, resta preclusa a alegação de inépcia da denúncia, sobretudo quando fundada na validade do conjunto probatório contido nos autos.
2. Impossível trancar a ação penal, reconhecendo a ausência de elemento material indiciário, apto a justificar a pretensão punitiva estatal, após a condenação do acusado pelo Tribunal do Júri, soberano em suas decisões, mantida em sede de apelação.
3. A pretendida reversão do julgado, com a verificação da pretensa inocência do réu ou atipicidade de sua conduta, é questão insuscetível de análise na presente via, porquanto, como é sabido e consabido, não se presta o ‘habeas corpus’ para revolvimento de matéria fático-probatória.
4. Não há cerceamento de defesa na apresentação de memoriais pelo Procurador de Justiça na sessão de julgamento, ainda que discordante de parecer constante nos autos, em face do exercício pleno e independente das atribuições do Ministério Público e por não estar o órgão julgador vinculado à manifestação ministerial mesmo na condição de ‘custus legis’.
5. A violação ao princípio do promotor natural somente ocorre quando há lesão ao exercício pleno e independente das atribuições do representante ministerial, o que, de fato, não aconteceu na hipótese.
6. Precedentes dos Tribunais Superiores.
7. Ordem parcialmente conhecida e denegada.”
(HC 97.217/GO, Rel. Min. LAURITA VAZ – grifei)
A presente impetração apóia-se nos seguintes fundamentos: (a) “excesso de eloqüência acusatória” (fls. 04) na decisão de pronúncia; (b) defesa técnica deficiente; (c) ausência de “fundamentos fáticos para se submeter o acusado a julgamento pelo Júri Popular” (fls. 04) e (d) “Afronta ao Princípio do Promotor Natural” (fls. 04).
O Ministério Público Federal, em pronunciamento da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. EDSON OLIVEIRA DE ALMEIDA, opinou pelo conhecimento parcial do “habeas corpus” e, nessa parte, por sua denegação (fls. 66/69).
Sendo esse o contexto, cabe analisar, preliminarmente, a cognoscibilidade desta impetração no ponto em que, nela, são postulados a declaração de nulidade da decisão de pronúncia, por suposta eloqüência acusatória, e o reconhecimento de alegada configuração de deficiência na defesa técnica do paciente.
Impende acentuar, desde logo, que o exame dessas específicas questões não se revela possível, considerado o estrito âmbito temático delineado no acórdão em referência, emanado do Tribunal apontado como coator, eis que não cabe, a esta Suprema Corte – em face de sua própria jurisprudência (RTJ 136/230 – RTJ 141/570 – RTJ 148/732 – RTJ 164/213) –, apreciar fundamentos diversos daqueles que deram suporte à decisão denegatória de “habeas corpus” impugnada perante o Supremo Tribunal Federal.
Isso significa, portanto, que se impõe o não conhecimento deste “writ” constitucional, na parte em que o pedido se apóia em fundamentos não apreciados na decisão ora impugnada.
É que, se assim não fosse, registrar-se-ia indevida supressão de instância, consoante tem advertido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 182/243-244, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – HC 73.390/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC 81.115/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – HC 81.406/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):
“IMPETRAÇÃO DE ‘HABEAS CORPUS’ COM APOIO EM FUNDAMENTO NÃO EXAMINADO PELO TRIBUNAL APONTADO COMO COATOR: HIPÓTESE DE INCOGNOSCIBILIDADE DO ‘WRIT’ CONSTITUCIONAL.
– Revela-se insuscetível de conhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, o remédio constitucional do ‘habeas corpus’, quando impetrado com suporte em fundamento que não foi apreciado pelo Tribunal apontado como coator.
Se se revelasse lícito ao impetrante agir ‘per saltum’, registrar-se-ia indevida supressão de instância, com evidente subversão de princípios básicos de ordem processual. Precedentes.”
(HC 83.842/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
“‘Habeas corpus’.
2. Alegações de inépcia da denúncia, nulidade da sentença e excesso de prazo na instrução não decididos pelo Tribunal Estadual de Justiça e pelo Superior Tribunal de Justiça.
3. Não conhecimento do ‘writ’, sob pena de supressão de instância.”
(HC 82.897/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)
“‘HABEAS CORPUS’. PENAL. PROCESSO PENAL. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DO ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. MATÉRIA NÃO SUBMETIDA ÀS INSTÂNCIAS INFERIORES. DUPLA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE ADMITIR-SE O ‘WRIT’ CONSTITUCIONAL COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE NULIDADE FLAGRANTE. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA.
I – A questão discutida nos autos não foi apreciada nas instâncias inferiores. Assim, seu conhecimento em sede originária pelo Supremo Tribunal Federal implicaria em dupla supressão de instância. Precedentes.
II – Inexistindo nulidade ou ilegalidade flagrante a ser sanada, não se pode admitir o ‘habeas corpus’ como sucedâneo de revisão criminal.
……………………………………………….
IV – ‘Habeas Corpus’ não conhecido.”
(HC 97.930/PB, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – grifei)
Por isso mesmo, e considerando que esses específicos fundamentos não constituíram objeto de expressa análise por parte do E. Superior Tribunal de Justiça, resta inviabilizado, quanto a tais aspectos, o conhecimento da presente impetração.
Entendo que também se revela insuscetível de conhecimento o pedido no que concerne à alegação de ausência de provas necessárias à pronúncia do paciente.
É que o exame de tal postulação impõe a análise de matéria fático-probatória, inadmissível na via sumaríssima do “habeas corpus”.
Com efeito, a ação de “habeas corpus” constitui remédio processual que não admite dilação probatória, nem permite o exame aprofundado de matéria fática, nem comporta a análise valorativa de elementos de prova produzidos no curso do processo penal de conhecimento (RTJ 110/555 – RTJ 129/1199 – RTJ 136/1221 – RTJ 163/650-651 – RTJ 165/877-878 – RTJ 186/237, v.g.):
“A ação de ‘habeas corpus’ constitui remédio processual inadequado, quando ajuizada com objetivo (a) de promover a análise da prova penal, (b) de efetuar o reexame do conjunto probatório regularmente produzido, (c) de provocar a reapreciação da matéria de fato e (d) de proceder à revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento. Precedentes.”
(RTJ 195/486, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Na realidade, mostra-se inadmissível, em sede de “habeas corpus”, a revisão, por esta Suprema Corte, da prova penal produzida ao longo do processo de conhecimento, tanto quanto se revela inviável a análise crítica dos dados informativos subjacentes à decisão de pronúncia.
Não custa insistir, no ponto, que o caráter sumaríssimo da via jurídico-processual do “habeas corpus” não permite que se proceda, no âmbito estreito do “writ” constitucional, a qualquer indagação de ordem probatória. Postulações que objetivem ingressar na análise, discussão e valoração da prova, como sucede na espécie, somente serão admissíveis se formuladas na via recursal ordinária – que possui espectro mais amplo (RTJ 109/540) – ou, ainda, excepcionalmente, quando deduzidas na esfera revisional (RTJ 142/570). Jamais, porém, como se pretende no caso, no âmbito estreito da ação penal de “habeas corpus”.
A inadequação do remédio constitucional do “habeas corpus”, para o efeito ora postulado pela parte impetrante, tem sido reconhecida por esta Suprema Corte:
“O ‘habeas corpus’, ante a natureza sumária que lhe tipifica a forma processual, não constitui meio jurídico adequado à revisão dos elementos de fato que dão suporte aos julgados condenatórios e nem se qualifica como instrumento destinado a reparar erros judiciários. Esta última finalidade tem, na ação de revisão criminal – de espectro mais amplo, na medida em que admite e comporta dilação probatória – a sede processual juridicamente apropriada.
A ação de ‘habeas corpus’, dentro desse contexto normativo, não é e nem deve constituir sucedâneo do pedido de revisão criminal.”
(RTJ 151/554, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Sustenta-se, na presente impetração, que teria ocorrido, na espécie, violação ao postulado do Promotor Natural.
Tal alegação apóia-se no fato de o representante do Ministério Público que oficiou na sessão de julgamento do recurso em sentido estrito deduzido pelo ora paciente haver se pronunciado contrariamente à pretensão recursal do réu, além de haver distribuído memoriais pleiteando o improvimento desse mesmo recurso, em comportamento processual que contrariou anterior manifestação, favorável ao acusado em referência, emanada de outro membro do “Parquet”.
O E. Superior Tribunal de Justiça, ao rejeitar essa alegação, assinalou a ausência de qualquer transgressão ao princípio do Promotor Natural, fazendo-o nos seguintes termos (Apenso 02, fls. 428/429):
“De outro lado, sustenta o Impetrante violação ao princípio do promotor natural e cerceamento de Defesa no julgamento do recurso em sentido estrito, porque o parecer do Ministério Público foi favorável ao Paciente, contudo, na sessão de julgamento do recurso, outro membro do ‘Parquet’ apresentou memoriais e sugeriu seu desprovimento.
Não merece ser acolhida a argüição de nulidade do processo consubstanciada na alegação de ofensa ao princípio do promotor natural.
Tal princípio, evidenciado na garantia constitucional acerca da isenção na escolha dos representantes ministeriais para aturarem na persecução penal, almeja assegurar o exercício pleno e independente das atribuições do Ministério Público, repelindo do nosso ordenamento jurídico a figura do acusador de exceção, escolhido arbitrariamente pelo Procurador Geral.
Não há, no caso, qualquer irregularidade no fato de ter sido o parecer de um Procurador de Justiça no sentido da impronúncia do réu, e de outro Procurador, que atuou na sessão de julgamento do recurso em sentido estrito pela Primeira Câmara do Tribunal goiano, ter se manifestado pela confirmação da sentença de pronúncia.
A violação ao princípio do promotor natural somente ocorre quando há lesão ao exercício pleno e independente das atribuições do representante ministerial, o que, de fato, não aconteceu na hipótese.
……………………………………………….
No tocante ao cerceamento de defesa, frise-se que a simples apresentação de memoriais, com o intuito de enriquecer o debate ou esclarecer situações que se acredita sensibilizar os Desembargadores, é mera praxe que não é sequer prevista no Código de Processo Penal (…).” (grifei)
Tenho por incensurável essa decisão, pois também não vislumbro desrespeitado, no caso, esse princípio institucional que rege a atuação do Ministério Público.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 67.759/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, reconheceu a existência do princípio do Promotor Natural em nosso ordenamento constitucional, em decisão que, proferida pelo Plenário desta Corte, está assim ementada:
“O postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados estabelecidos em lei.
A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas cláusulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o poder do Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade institucional, não deve exercer a Chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável. (…).”
A consagração constitucional do princípio do Promotor Natural significou o banimento de “manipulações casuísticas ou designações seletivas efetuadas pela Chefia da Instituição” (HC 71.429/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO), em ordem a fazer suprimir, de vez, a figura esdrúxula do “acusador de exceção” (HC 67.759/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
O legislador constituinte, ao proceder ao fortalecimento institucional do Ministério Público, buscou alcançar duplo objetivo: (a) instituir, em favor de qualquer pessoa, a garantia de não sofrer arbitrária persecução penal instaurada por membro do Ministério Público designado “ad hoc” e (b) tornar mais intensas as prerrogativas de independência funcional e de inamovibilidade dos integrantes do “Parquet”.
A garantia da independência funcional, viabilizada, dentre outras, pela prerrogativa da inamovibilidade, reveste-se de caráter tutelar. É de ordem institucional (CF, art. 127, § 1º) e, nesse plano, acentua a posição autônoma do Ministério Público em face dos Poderes da República, com os quais não mantém vínculo qualquer de subordinação hierárquico-administrativa.
Daí a precisa observação, quanto a tal aspecto, de JOSÉ FREDERICO MARQUES (“A Reforma do Poder Judiciário”, vol. I/175, 1979, Saraiva):
“O Ministério Público é funcionalmente independente, porquanto, apesar de órgão da administração pública, não é ele instrumento à mercê do governo e do Poder Executivo. (…). Independente é, também, o Ministério Público, da magistratura judiciária, que, sobre ele, nenhum poder disciplinar exerce. Entre o juiz e o promotor de justiça, existem relações de ordem processual tão-somente. Não cabe ao magistrado judicial dar ordens ao Ministério Público, no plano disciplinar e da jurisdição censória (…).” (grifei)
A existência, em um mesmo processo, de opiniões ou pronunciamentos eventualmente conflitantes emanados de membros do Ministério Público que hajam oficiado, na causa, em momentos sucessivos, não traduz, só por si, ofensa ao postulado do Promotor Natural, pois a possibilidade desse dissídio opinativo há de ser analisada e compreendida em face dos princípios, igualmente constitucionais (CF, art. 127, § 1º), da unidade e da indivisibilidade do Ministério Público.
Oportuna, a esse respeito, a lição de EMERSON GARCIA (“Ministério Público: Essência e limites da Independência Funcional”, “in” Ministério Público: Reflexões sobre Princípios e Funções Institucionais, p. 79/82, item n. 4, 2010, Atlas):
“Como desdobramento da garantia da independência funcional, não há qualquer óbice a que determinado agente assuma posicionamento contrário àquele adotado pelo seu antecessor na mesma relação processual.
……………………………………………….
(…) Por não ser possível à lei ordinária mitigar um princípio constitucional, o interesse processual do Ministério Público não se projetará em uma linha de indissolúvel uniformidade, podendo sofrer variações em conformidade com o entendimento jurídico dos agentes oficiantes. As concepções subjetivas dos agentes devem ser preteridas pela objetividade dos fatos, ainda que sua percepção possa sofrer variações no decorrer da relação processual.
O Ministério Público está vinculado aos fatos e à busca de uma decisão justa, não à peremptória opinião pessoal de determinado agente. (…).” (grifei)
De outro lado, não basta a mera alegação de designação “ad hoc” do membro do “Parquet”, como deduzida na presente impetração.
Impõe-se, a quem sustente ofensa ao postulado do Promotor Natural, que demonstre a concreta ocorrência de “manipulações casuísticas ou designações seletivas efetuadas pela Chefia da Instituição”, tal como esta Corte já teve o ensejo de proclamar (HC 71.429/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
No caso, não obstante tal alegação (fls. 47/48), deixou-se de proceder à efetiva demonstração de que teria ocorrido casuísmo na designação do Procurador de Justiça que interveio na sessão de julgamento do recurso em sentido estrito interposto pelo ora paciente.
Vale ter presente, quanto à alegação de ofensa ao postulado do Promotor Natural, a correta observação do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. EDSON OLIVEIRA DE ALMEIDA (fls. 68/69):
“Nem há falar em violação ao princípio do promotor natural que, além de descabida, só foi suscitada intempestivamente depois de improvida a apelação. O recurso em sentido estrito foi distribuído a um Procurador de Justiça, que emitiu parecer pela impronúncia. Na sessão de julgamento, no Tribunal de Justiça, esteve presente outro Procurador de Justiça, que se manifestou no sentido do improvimento do recurso e confirmação da sentença de pronúncia. A atuação dos dois procuradores foi legítima, pois aquele que esteve presente no julgamento do recurso em sentido estrito não estava vinculado à opinião escrita do primeiro, não servindo a divergência entre eles de fundamento para a pretendida nulidade do julgamento colegiado.” (grifei)
Em suma: o que se mostra relevante acentuar, analisada a questão sob a perspectiva do postulado em causa, é que o princípio do Promotor Natural impede que o membro do Ministério Público venha a ser arbitrariamente afastado do desempenho de suas atribuições nos procedimentos em que ordinariamente oficie (ou em que deva oficiar), exceto por relevante motivo de interesse público, por impedimento ou suspeição ou, ainda, por razões decorrentes de férias ou de licença.
O fato é que, tal como precedentemente assinalado, inexistiu, na espécie, transgressão ao postulado do Promotor Natural, pois não se registrou qualquer situação que pudesse configurar inobservância dessa garantia imanente em nosso ordenamento constitucional.
Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria Geral da República, conheço, parcialmente, da presente impetração e, nessa parte, indefiro o pedido de “habeas corpus”.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 16 de dezembro de 2010.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
* decisão pendente de publicação
Inovações Legislativas
7 a 17 de dezembro de 2010
RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE) – Agravo de Instrumento (AI) – Matéria Penal – Matéria Processual Penal
Resolução nº 451, de 3.12.2010 – Dispõe sobre aplicação da Lei nº 12.322/2010 para os recursos extraordinários e agravos sobre matéria penal e processual penal. Publicada no DJe/STF, n. 238, Ed. Extra, p. 2, em 7.12.2010.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (ARE) – Classe Processual – Inclusão
Resolução nº 450, de 3.12.2010 – Institui nova classe processual, denominada Recurso Extraordinário com Agravo. Publicada no DJe/STF, n. 238, Ed. Extra, p. 2, em 7.12.2010.
Lei nº 12.347, de 10.12.2010
Revoga o art. 508 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943. Publicada no DOU de 13.12.2010.
Outras Informações
20 de dezembro de 2010 a 31 de janeiro de 2011
Lei nº 12.376, de 30.12. 2010.
Altera a ementa do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942. Publicada no DOU de 31.12.2010.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Esta Lei altera a ementa do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, ampliando o seu campo de aplicação.
Art. 2o A ementa do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.”
Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 30 de dezembro de 2010; 189o da Independência e 122o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto
FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS) – Alteração
Decreto nº 7.428, de 14/1/2011 – Dá nova redação ao art. 4º do Decreto nº 113, de 22 de junho de 2004, que regulamenta o art. 20, inciso XVI, da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, que dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS. Publicado no DOU, Seção 1, p. 1, em 17.1.2011.
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD