Informativo STF
Brasília, 8 a 12 de novembro de
2010 – Nº 608.
Este
Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das
Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo
Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora
seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após
a sua publicação no Diário da Justiça.
SUMÁRIO
Plenário
Forças Armadas: limite de idade para concurso de ingresso e art. 142,
§ 3º, X, da CF – 4
Forças Armadas: limite de idade para concurso de ingresso e art. 142,
§ 3º, X, da CF – 5
Promoção de juiz federal
CNJ e ausência de intimação em procedimento de controle administrativo
Reclamação: inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 e
ofensa à Súmula Vinculante 10 – 2
Reclamação: inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 e
ofensa à Súmula Vinculante 10 – 3
Falsidade ideológica para fins eleitorais e prestação de contas – 1
Falsidade ideológica para fins eleitorais e prestação de contas – 2
Falsidade ideológica para fins eleitorais e prestação de contas – 3
Art. 290 do CPM e princípio da insignificância – 3
1ª Turma
Arrependimento posterior e requisitos
Tráfico de drogas e liberdade provisória
Tráfico de drogas: liberdade provisória e ausência de fundamentação
Art. 37, XI, da CF: Procuradores Autárquicos e Procuradores de Estado
– 5
Art. 37, XI, da CF: Procuradores Autárquicos e Procuradores de Estado
– 6
Transcrições
Reforma Agrária – Notificação Prévia – Inocorrência – Ofensa à
Garantia do Devido Processo Legal (MS 25793/DF)
Inovações Legislativas
PLENÁRIO
Forças Armadas: limite de idade para concurso de
ingresso e art. 142, § 3º, X, da CF – 4
O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a
constitucionalidade, ou não, do estabelecimento de limite de idade por edital
de concurso para ingresso nas Forças Armadas. Trata-se, na espécie, de recurso
interposto pela União contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
que entendera que, em relação ao ingresso na carreira militar, a Constituição Federal
exigiria que lei dispusesse a respeito do limite de idade (CF, art. 142, § 3º,
X), não se admitindo, portanto, que um ato administrativo estabelecesse a
restrição, sob pena de afronta ao princípio constitucional da ampla
acessibilidade aos cargos públicos — v. Informativo 580. Em voto-vista, o Min.
Ricardo Lewandowski, não obstante concordar com as premissas estabelecidas pela
Min. Cármen Lúcia, relatora, sobre a necessidade de lei formal para
regulamentar o ingresso nas Forças Armadas (postulado da reserva de lei), dela
divergiu quanto à solução a ser dada para o caso. Acompanhou, no ponto, a
proposta formulada pelo Min. Gilmar Mendes no sentido de prover o recurso e
reputar ainda constitucional, pelo lapso temporal de 1 ano, a norma do art. 10
da Lei 6.880/80 (“O ingresso nas Forças Armadas é facultado, mediante
incorporação, matrícula ou nomeação, a todos os brasileiros que preencham os
requisitos estabelecidos em lei e nos regulamentos da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica.”).
RE 600885/RS, rel. Min. Cármen Lúcia,
10.11.2010. (RE-600885)
Forças Armadas: limite de idade para concurso de
ingresso e art. 142, § 3º, X, da CF – 5
O Min. Gilmar Mendes, ao ressaltar a delicadeza do tema, aduziu sua repercussão
na organização das Forças Armadas, de modo que poderia afetar seu funcionamento
e sua funcionalidade. Ponderou que a norma adversada deveria ser considerada
recepcionada pela CF/88 e que caberia ao Supremo sinalizar o seu processo de
inconstitucionalização, para que seja adaptada, integrada, revista nos termos
preconizados no voto da relatora. Consignou que a situação em apreço
caracterizar-se-ia como hipótese de transição entre o modelo constitucional
antigo e o novo. Os Ministros Dias Toffoli e Celso de Mello também acolheram
esta proposição. Por outro lado, os Ministros Joaquim Barbosa, Ayres Britto e
Marco Aurélio seguiram a relatora e desproveram o recurso. Este último enfatizou
que a delegação prevista no aludido art. 10 do Estatuto dos Militares teria
sido derrogada automaticamente pelo que se contém no art. 25 do ADCT, o qual
estabeleceu prazo de 180 dias, a partir do advento da CF/88, para que ficassem
revogados todos os dispositivos legais que atribuíssem ou delegassem a órgão do
Poder Executivo competência assinalada pela Constituição. Rejeitava, contudo, a
modulação de efeitos suscitada pela relatora para que a decisão somente se
aplicasse aos concursos para ingresso nas Forças Armadas iniciados a partir
deste julgamento, assim como não assinava prazo para que o Congresso Nacional
legislasse. Após, verificado o empate, o julgamento foi suspenso.
RE 600885/RS, rel. Min. Cármen Lúcia,
10.11.2010. (RE-600885)
Promoção de juiz federal
A norma do art. 93, II, b, da CF não se aplica à promoção de juízes federais
por merecimento, em razão de estar submetida, ante o critério da especialidade,
apenas ao requisito do implemento de 5 anos de exercício, conforme disposto no
art. 107, II, da mesma Carta, incluído o tempo de exercício no cargo de juiz
federal substituto (“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo
Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os
seguintes princípios: … II – promoção de entrância para entrância,
alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:
… b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na
respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de
antigüidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar
vago … Art. 107. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo,
sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo
Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de
sessenta e cinco anos, sendo: … II – os demais, mediante promoção de juízes
federais com mais de cinco anos de exercício, por antigüidade e merecimento,
alternadamente.”). Ao reiterar essa orientação, o Plenário desproveu agravo
regimental interposto contra decisão monocrática do Min. Ayres Brito, que
negara seguimento a mandado de segurança, do qual relator, em que pleiteada a
exclusão de juízes federais que não se encontrassem na primeira quinta parte da
lista de antiguidade em determinado concurso de acesso ao TRF respectivo.
Enfatizou-se que a Justiça Federal estaria organizada sem entrâncias,
consideradas de um mesmo grau todas as seções judiciárias distribuídas pelas
unidades federadas, o que afastaria a incidência da regra geral do art. 93, II,
da CF, a qual pressupõe a distribuição na carreira por mais de uma entrância. Consignou-se,
também, que a promoção de juízes federais diferiria da dos juízes do trabalho,
dado que, para esta, não haveria menção de tempo mínimo específico, embora
ambas pertençam à Justiça da União. Vencido o Min. Marco Aurélio que provia o
regimental para que houvesse a seqüência do writ ao fundamento de que a questão
relativa à obrigatoriedade, ou não, de o promovido por merecimento figurar na
primeira quinta parte dos juízes mais antigos ainda não teria sido apreciada
pelo Supremo. Precedente citado: MS 21631/RJ (DJU de 4.8.2000).
MS 27164 AgR/DF, rel. Min. Ayres Britto, 10.11.2010. (MS-27164)
CNJ e ausência de intimação em procedimento de
controle administrativo
O Plenário concedeu mandado de segurança para anular acórdão do Conselho
Nacional de Justiça – CNJ, que considerara nulos todos os atos de nomeação de
servidores públicos concursados do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso
realizados após a expiração do prazo de validade da homologação dos resultados
dos respectivos concursos. Entendeu-se afrontados os princípios do
contraditório e da ampla defesa, haja vista que os impetrantes não teriam sido
chamados para apresentar resposta no curso do processo administrativo que
resultara em prejuízo à sua condição de servidores públicos. Destacou-se,
ademais, que o art. 98 do Regimento Interno do CNJ o obrigaria a dar ciência
aos eventuais interessados acerca da existência de procedimento pendente ou
suscetível de influir nas respectivas pretensões individuais. Determinou-se que
a autoridade coatora notifique os impetrantes sobre a existência de
procedimento de controle administrativo instaurado contra eles, garantindo-lhes
o direito de serem ouvidos, devendo ser mantidas as investiduras dos servidores
nos seus cargos, sem prejuízo do reexame dos fatos por aquele Conselho.
Precedente citado: MS 25962/DF (DJe de 20.3.2009).
MS 27154/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10.11.2010. (MS-27154)
Reclamação: inconstitucionalidade do art. 71, §
1º, da Lei 8.666/93 e ofensa à Súmula Vinculante 10 – 2
O Plenário retomou julgamento de dois agravos regimentais interpostos contra
decisões que negaram seguimento a reclamações, ajuizadas contra acórdãos do
Tribunal Superior do Trabalho – TST, nas quais se aponta ofensa à Súmula
Vinculante 10 [“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a
decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente
a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua
incidência, no todo ou em parte.”]. Sustenta-se que o Tribunal a quo, ao
invocar o Enunciado 331, IV, do TST, teria afastado a aplicação do art. 71, §
1º, da Lei 8.666/93, sem a devida pronúncia de inconstitucionalidade declarada
pelo voto da maioria absoluta dos membros da Corte [“TST Enunciado nº 331 …
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador,
implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas
obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das
autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de
economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem
também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).”]
— v. Informativos 563 e 585. A Min. Ellen Gracie, em voto-vista, abriu divergência,
deu provimento aos recursos e julgou procedentes as reclamações para determinar
o retorno dos autos ao TST, a fim de que proceda a novo julgamento, nos temos
do art. 97 da CF, manifestando-se, incidentalmente, quanto à eventual
inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93.
Rcl 7517 AgR/DF, rel. Min.
Ricardo Lewandowski, 11.11.2010. (Rcl-7517)
Rcl 8150 AgR/SP, rel. Min. Eros Grau, 11.11.2010.(Rcl-8150)
Reclamação: inconstitucionalidade do art. 71, §
1º, da Lei 8.666/93 e ofensa à Súmula Vinculante 10 – 3
Salientou não ter havido no julgamento do Incidente de Uniformização de
Jurisprudência que dera origem ao Enunciado 331, IV, do TST a declaração da
inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, mas apenas a
atribuição de certa interpretação ao citado dispositivo legal. Explicou que o
Plenário do TST, ao julgar um incidente de uniformização, visa dirimir uma
divergência jurisprudencial existente entre seus órgãos fracionários ou
consolidar o entendimento por eles adotado, e não declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público, finalidade esta de uma
argüição de inconstitucionalidade, conforme disposto nos artigos 244 a 249 do
Regimento Interno daquela Corte. Asseverou ser necessário, para que a cláusula
da reserva de plenário seja devidamente observada, a reunião dos membros do
tribunal com a finalidade específica de julgar a inconstitucionalidade de um
determinado ato normativo, decisão que, por sua gravidade, não poderia ocorrer
em um mero incidente de uniformização de jurisprudência. Ressaltou que, no
caso, nem mesmo ter-se-ia declarado incidentalmente a inconstitucionalidade do
art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93. Observou que as disposições constantes do art.
71, § 1º, da Lei 8.666/93 e do inciso IV do Verbete 331 do TST seriam
diametralmente opostas e que o TST aplicara sua interpretação consagrada neste
enunciado, o que esvaziara, desse modo, a força normativa daquele dispositivo
legal. Concluiu que o TST, ao entender que a decisão recorrida estaria em
consonância com a Súmula 331 do TST, negara implicitamente vigência ao art. 71,
§ 1º, da Lei 8.666/93, sem que seu Plenário houvesse declarado a sua
inconstitucionalidade. Após o voto do Min. Marco Aurélio, que acompanhava a
divergência, pediu vista dos autos o Min. Dias Toffoli.
Rcl 7517 AgR/DF, rel. Min.
Ricardo Lewandowski, 11.11.2010. (Rcl-7517)
Rcl 8150 AgR/SP, rel. Min. Eros Grau, 11.11.2010.(Rcl-8150)
Falsidade ideológica para fins eleitorais e
prestação de contas – 1
O Plenário, por maioria, recebeu denúncia oferecida contra Senador da
República, e outro, pela suposta prática do crime de falsidade ideológica para
fins eleitorais em concurso de pessoas (art. 350 do Código Eleitoral c/c o art.
29 do CP). Relata a peça acusatória que o parlamentar, então candidato a
Governador do Estado de Rondônia, e o segundo denunciado, responsável pela
administração financeira da campanha, teriam protocolado, em 24.11.98, no
Tribunal Regional Eleitoral, prestação de contas com dados inverídicos,
concernentes a doações feitas por certa empresa. Considerou-se a existência de
indícios suficientes da autoria e materialidade do delito. Asseverou-se que a
materialidade estaria suficientemente comprovada, na fase de cognição sumária,
pela demonstração de recursos arrecadados, em que constaria a doação da
referida empresa para a campanha do primeiro denunciado, pela comunicação,
feita pelo sócio-proprietário dessa empresa, ao TRE, no sentido de não ter
contribuído para a campanha eleitoral, e, ainda, pelas declarações de
informações econômico-fiscais da pessoa jurídica que atestariam que a empresa
não obtivera rendimentos, nem tivera movimentação financeira no período da
suposta doação. Além disso, ter-se-ia o depoimento do referido sócio da empresa,
que, ao ser inquirido, confirmara a autenticidade de sua assinatura na
fotocópia da correspondência que encaminhara ao TRE.
Inq 1990/RN, rel. Min. Cármen Lúcia,
11.11.2010. (Inq-1990)
Falsidade ideológica para fins eleitorais e
prestação de contas – 2
Quanto à autoria, afastou-se, de início, a alegação de atipicidade da conduta
por ausência de elemento normativo objetivo do tipo, uma vez que, “se o
documento que contém o falso ideológico depende ou está passível de verificação
por degraus superiores, delito não existe”. Aduziu-se estar presente a
potencialidade lesiva da conduta, haja vista a falta de condições materiais
tanto do Poder Judiciário quanto de qualquer outro órgão para procurar cada um
dos milhares de doadores de campanha para investigar se a doação realmente foi
feita. Enfatizou-se haver confiança nas declarações prestadas e que a
investigação só é realizada quando há suspeita de falsidade, como no caso.
Acrescentou-se tratar-se de crime formal que não exige, para sua consumação, a
efetiva ocorrência do dano. Não se acolheram, de igual modo, as assertivas de que
a denúncia deveria ser rejeitada por ausência do elemento subjetivo do tipo na
conduta, e de que os denunciados teriam agido de forma culposa, não havendo
essa previsão no tipo penal. Observou-se ser fato incontroverso que os
denunciados teriam assinado a demonstração de recursos arrecadados, o que
levaria à presunção de que tinham conhecimento e estavam de acordo com o que
haviam assinado. Fez-se referência ao que disposto nos artigos 20 e 21 da Lei
9.504/97 (“Art. 20. O candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por
intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua
campanha, usando recursos repassados pelo comitê, inclusive os relativos à cota
do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas ou
jurídicas, na forma estabelecida nesta Lei. Art. 21. O candidato é
solidariamente responsável com a pessoa indicada na forma do art. 20 desta Lei
pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha,
devendo ambos assinar a respectiva prestação de contas.”). Ressaltou-se caber à
defesa dos denunciados fazer a contraprova, no transcorrer da instrução
processual, de que eles não agiram com dolo, salientando vigorar, nesta fase, o
princípio do in dubio pro societate.
Inq 1990/RN, rel. Min. Cármen Lúcia,
11.11.2010. (Inq-1990)
Falsidade ideológica para fins eleitorais e
prestação de contas – 3
Repeliu-se, também, o argumento de que seria indispensável, para a configuração
do delito, que o agente realizasse a conduta típica para fins eleitorais, visto
que, de outra forma, não se teria a incidência do art. 350 do Código Eleitoral,
mas a do art. 299 do CP. Afirmou-se que os denunciados se defenderiam dos fatos
alegados na denúncia, e não da tipificação legal atribuída pelo Ministério
Público; que seria irrelevante, nesta fase, a classificação dada ao crime na
denúncia, e que os fatos atribuídos aos denunciados estariam em consonância com
os requisitos do art. 41 do CPP. Por fim, rechaçou-se a afirmação de que os
donos da empresa em questão não mereceriam credibilidade por serem fraudadores
do Fisco. Entendeu-se que tal argumento em nada alteraria a imputação feita
pelo órgão ministerial e que, se algum ilícito tributário fora praticado por
terceiros, isso deveria ser apurado pelas instâncias próprias. Vencidos os
Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes que, tendo em conta a pena máxima
abstratamente cominada ao delito ser de 3 anos, e por reputarem ser de natureza
privada a declaração firmada pelos denunciados perante o TRE (prestação de
contas), não recebiam a denúncia por considerarem extinta a punibilidade pela
prescrição da pretensão punitiva do Estado.
Inq 1990/RN, rel. Min. Cármen Lúcia,
11.11.2010. (Inq-1990)
Art. 290 do CPM e princípio da insignificância –
3
Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, indeferiu habeas corpus,
afetado ao Pleno pela 2ª Turma, impetrado contra acórdão do Superior Tribunal
Militar – STM em favor de militar condenado pelo crime de posse de substância
entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM, art. 290) — v.
Informativos 519 e 526. Entendeu-se que, diante dos valores e bens jurídicos
tutelados pelo aludido art. 290 do CPM, revelar-se-ia inadmissível a
consideração de alteração normativa pelo advento da Lei 11.343/2006.
Assentou-se que a prática da conduta prevista no referido dispositivo legal
ofenderia as instituições militares, a operacionalidade das Forças Armadas,
além de violar os princípios da hierarquia e da disciplina na própria
interpretação do tipo penal. Asseverou-se que a circunstância de a Lei
11.343/2006 ter atenuado o rigor na disciplina relacionada ao usuário de
substância entorpecente não repercutiria no âmbito de consideração do art. 290
do CPM, não havendo que se cogitar de violação ao princípio fundamental da
dignidade da pessoa humana. Salientou-se, ademais, que lei posterior apenas
revoga anterior quando expressamente o declare, seja com ela incompatível, ou
regule inteiramente a matéria por ela tratada. Concluiu-se não incidir qualquer
uma das hipóteses à situação em tela, já que o art. 290 do CPM seria norma
especial. Em seguida, reputou-se inaplicável, no âmbito do tipo previsto no
art. 290 do CPM o princípio da insignificância. No ponto, após discorrer que o
referido postulado tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente,
a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, concluiu-se que
o entorpecente no interior das organizações militares assumiria enorme
gravidade, em face do perigo que acarreta, uma vez que seria utilizado, no
serviço, armamento de alto poder ofensivo, o que afetaria, diretamente, a
operacionalidade da tropa e a segurança dos quartéis, independentemente da
quantidade da droga encontrada, e agrediria, dessa forma, os valores básicos
das instituições militares. O Min. Gilmar Mendes, tendo em conta o recente
posicionamento do Plenário acerca da matéria no julgamento do HC 103684/DF (j.
em 21.10.2010), acompanhou o colegiado, fazendo ressalva do seu entendimento
pessoal em sentido contrário. Vencido o Min. Eros Grau que concedia o writ.
HC 94685/CE, rel. Min. Ellen Gracie,
11.11.2010. (HC-94685)
PRIMEIRA TURMA
Arrependimento posterior e requisitos
A incidência do arrependimento posterior, contido no art. 16 do CP (“Nos crimes
cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída
a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do
agente, a pena será reduzida de um a dois terços”) prescinde da reparação total
do dano e o balizamento, quanto à diminuição da pena decorrente da aplicação do
instituto, está na extensão do ressarcimento, bem como na presteza com que ele
ocorre. Essa a conclusão prevalente da 1ª Turma que, diante do empate, deferiu habeas
corpus impetrado em favor do paciente — condenado pela prática dos crimes
capitulados nos artigos 6º e 16 da Lei 7.492/86 e no art. 168, § 1º, III, do CP
—, para que o juízo de 1º grau verifique se estão preenchidos os requisitos
necessários ao benefício e o aplique na proporção devida. A defesa sustentava a
incidência da referida causa de diminuição, pois teria ocorrido a reparação
parcial do dano e o disposto no art. 16 do CP não exigiria que ele fosse
reparado em sua integralidade. Aduziu-se que a lei estabeleceria apenas a data
limite do arrependimento — o recebimento da denúncia —, sem precisar o momento
em que deva ocorrer. Além disso, afirmou-se que a norma aludiria à reparação do
dano ou restituição da coisa, sem especificar sua extensão. Nesse aspecto, a
gradação da diminuição da pena decorreria justamente da extensão do
ressarcimento, combinada com o momento de sua ocorrência. Assim, se total e no
mesmo dia dos fatos, a redução deveria ser a máxima de dois terços. Os
Ministros Cármen Lúcia, relatora, e Dias Toffoli, indeferiam a ordem por
reputarem que a configuração do arrependimento posterior apenas se verificaria
com a reparação completa, total e integral do dano. Afirmavam, ademais, que o
parâmetro para a aplicabilidade dessa causa redutora de pena seria apenas o
momento em que o agente procedesse ao ressarcimento da vítima. Nesse sentido,
quanto mais próximo ao recebimento da peça acusatória fosse praticado o ato
voluntariamente, menor a redução da pena.
HC 98658/PR, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 9.11.2010. (HC-98658)
Tráfico de drogas e liberdade provisória
Ante a peculiaridade do caso, a 1ª Turma denegou habeas corpus, mas o concedeu,
de ofício, por votação majoritária, para que a paciente aguarde em liberdade o
trânsito em julgado da ação penal, se por outro motivo não estiver custodiada.
Na espécie, presa em flagrante, com outros réus, em 8.5.2007 — por suposto
crime de tráfico ilícito de entorpecentes em associação (Lei 11.343/2006,
artigos 33, caput, § 1º, I, e 35) —, permanecera enclausurada durante todo o
processo. O juízo de primeiro grau a condenara à pena de 15 anos e 2 meses de
reclusão, em regime inicialmente fechado, e a sanção pecuniária, mantendo a
custódia cautelar. A defesa interpusera, dentre outros recursos, apelação,
desprovida por maioria, e embargos infringentes. De início, salientou-se que o
tema acerca da vedação da liberdade provisória a preso em flagrante por tráfico
de entorpecentes aguarda o posicionamento do Plenário. Consignou-se, também,
que a matéria relativa ao excesso de prazo não fora submetida ao crivo do STJ,
o que impediria o seu conhecimento, sob pena de supressão de instância.
Considerou-se, entretanto, que a situação dos autos admitiria concessão da
ordem de ofício. No ponto, registrou-se, com base no andamento processual
constante do site do tribunal estadual, o transcurso de praticamente 1 ano
entre a sentença e o julgamento da apelação e, ainda, a distribuição dos
embargos de infringência, opostos em 20.1.2010, apenas em 8.11.2010. Reputou-se
patente o constrangimento ilegal, sobretudo por ser a paciente maior de 60 anos
e portadora de doença grave (câncer), tendo assegurado, por lei, prioridade na
tramitação em todas as instâncias. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski que, por
não entender configurado o excesso de prazo, apenas denegava o writ. Por fim,
negou-se a extensão da ordem aos demais co-réus. Enfatizou-se que somente a
paciente teria jus às benesses legais referidas, e que apenas ela obtivera um
voto favorável pela absolvição e opusera embargos infringentes. Ademais,
observou-se que os co-réus, em face da decisão unânime contra eles proferida,
interpuseram recursos especial e extraordinário, ambos em tramitação. Desse
modo, em relação a eles não haveria mais instância ordinária. Vencido, nesta
parte, o Min. Marco Aurélio que estendia a concessão do habeas aos co-réus.
HC 102015/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/acórdão Min. Dias Toffoli, 9.11.2010.
(HC-102015)
Tráfico de drogas: liberdade provisória e
ausência de fundamentação
A 1ª Turma concedeu habeas corpus a preso em flagrante por tráfico de
entorpecentes para que aguarde em liberdade o trânsito em julgado da ação
penal. Salientou-se que, não obstante a jurisprudência majoritária desta Corte
no sentido de não caber liberdade provisória em tal crime, o caso concreto
revelaria excepcionalidade a justificar a concessão. Explicou-se que o paciente
obtivera a liberdade provisória em liminar deferida no writ impetrado no tribunal
de justiça estadual. Consignou-se que, no julgamento de mérito daquele habeas
corpus, a decisão por meio da qual fora determinada sua prisão preventiva
ocorrera sem quaisquer dos fundamentos do art. 312 do CPP. Salientou-se, no
ponto, a orientação firmada pelo Supremo segundo a qual a execução provisória
da pena, ausente a justificativa da segregação cautelar, fere o princípio da
presunção de inocência. Ressaltou-se, também, que, durante o período em que
estivera solto, o paciente comparecera aos atos. Concluiu-se, dessa forma, que,
se ele estivera em liberdade durante certo tempo, poderia assim permanecer até
o trânsito em julgado.
HC 99717/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 9.11.2010. (HC-99717)
Art. 37, XI, da CF: procuradores autárquicos e procuradores de estado – 5
Em conclusão, a 1ª Turma, desproveu recurso extraordinário interposto contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que considerara ilegítima
a distinção preconizada pelo Decreto paulista 48.407/2004. Referida norma
estabelecera o teto dos vencimentos dos Procuradores Autárquicos com base no
subsídio mensal do Governador, enquanto que, para os Procuradores do Estado,
limitara os vencimentos a 90,25% dos subsídios mensais dos Ministros do Supremo
— v. Informativo 578. Reputou-se inexistirem motivos para, na aplicação do
subteto constitucional, proceder-se à aludida distinção. Salientou-se que a
questão se cingiria em saber se a referência ao termo “Procuradores” no art.
37, XI, da CF, na redação dada pela EC 41/2003, alcançaria, ou não, os
Procuradores Autárquicos. Registrou-se, no ponto, que a citada emenda
constitucional, ao modificar o inciso XI do art. 37 da CF, fixara um teto
absoluto, equivalente ao subsídio dos Ministros do STF, além de estabelecer
outros parâmetros para os Estados, Distrito Federal e Municípios. Ressaltou-se,
ainda, que tal dispositivo somente excepcionara os membros do Ministério
Público, os Procuradores e Defensores Públicos do subteto correspondente ao
subsídio do Governador depois da promulgação da EC 41/2003. Assinalou-se que, a
partir da EC 47/2005, que alterara o § 12 do art. 37 da CF, facultara-se aos
Estados e ao Distrito Federal, mediante emenda às respectivas Constituições ou
à Lei Orgânica, fixar um subteto remuneratório único para todos os servidores,
excetuados os parlamentares, o qual também deverá corresponder a 90,25% do
subsídio mensal dos Ministros do Supremo.
RE 558258/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 9.11.2010. (RE-558258)
Art. 37, XI, da CF: procuradores autárquicos e procuradores de estado – 6
Aduziu-se que a Constituição, ao utilizar o termo “Procuradores”, o fez de
forma genérica, sem distinguir entre os membros das diversas carreiras da
Advocacia Pública. Nesse diapasão, entendeu-se ser desarrazoada uma interpretação
que, desconsiderando o texto constitucional, excluísse da categoria
“Procuradores” os defensores das autarquias. Acrescentou-se que a
jurisprudência do STF seria firme no sentido de que somente por meio de lei
formal seria possível a estipulação de teto remuneratório. Em síntese,
considerou-se não ser possível a fixação de teto por decreto. Ademais,
reconheceu-se que o subsídio do Governador não serviria como parâmetro para
fixação do teto de vencimentos dos Procuradores Autárquicos, pois esses também
se submeteriam ao teto previsto no art. 37, XI, da CF, o qual tem como base o
subsídio dos Ministros do STF. Por derradeiro, não se conheceu do recurso
quanto aos artigos 131 e 132 da CF, uma vez que o recorrente não demonstrara de
que forma a decisão recorrida teria contrariado os aludidos dispositivos
constitucionais, incidindo, nesse aspecto, o Enunciado da Súmula 284 do STF (“É
inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua
fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.”).
RE 558258/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 9.11.2010. (RE-558258)
Sessões |
Ordinárias |
Extraordinárias |
Julgamentos |
Pleno |
10.11.2010 |
11.11.2010 |
12 |
1ª Turma |
9.11.2010 |
— |
300 |
2ª Turma |
— |
— |
— |
TRANSCRIÇÕES
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão
mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de
decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse
da comunidade jurídica.
Reforma Agrária – Notificação Prévia – Inocorrência – Ofensa à Garantia do
Devido Processo Legal (Transcrições)
MS 25793/DF*
RELATOR: Min. Celso de Mello
EMENTA: IMÓVEL RURAL. REFORMA AGRÁRIA. DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO POR INTERESSE
SOCIAL. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. INOCORRÊNCIA. COMUNICAÇÃO RECEBIDA POR PESSOA
ESTRANHA À EMPRESA PROPRIETÁRIA DE PRÉDIO RÚSTICO. COMPROVAÇÃO, PELA
IMPETRANTE, DE QUE AQUELE QUE RECEBEU A NOTIFICAÇÃO NÃO DISPUNHA DE PODERES
PARA REPRESENTÁ-LA. DESRESPEITO À GARANTIA CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS OF
LAW”. TRANSGRESSÃO AO DIREITO DE DEFESA E AO POSTULADO DO CONTRADITÓRIO. O
SIGNIFICADO DA VISTORIA PRÉVIA. REFORMA AGRÁRIA E ABUSO DE PODER.
INADMISSIBILIDADE. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: VETORES QUE PERMITEM
RECONHECER O SEU ADIMPLEMENTO PELO “DOMINUS”. A SUBMISSÃO DO PODER PÚBLICO À
“RULE OF LAW”. OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO DA EMPRESA IMPETRANTE.
PRECEDENTES. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.
DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança impetrado com a finalidade de
invalidar declaração expropriatória – Decreto de 05 de outubro de 2005 (fls. 26)
–, fundada em razões de interesse social, para fins de reforma agrária,
referente ao imóvel rural denominado **, situado no Município de Sorriso,
Estado de Mato Grosso.
A parte ora impetrante apóia sua pretensão na alegada “afronta ao disposto no §
2º do art. 2º da Lei n.º 8.629/93, já que não atendido o requisito da
notificação/comunicação prévia à proprietária do imóvel vistoriado” (fls. 12).
Ao examinar o pedido de medida liminar formulado na presente sede processual, o
eminente Ministro Presidente desta Suprema Corte deferiu o pleito cautelar,
“(…) por ausência da prévia notificação quanto à realização da vistoria”
(fls. 350).
Após a manifestação da autoridade impetrada, a douta Procuradoria Geral da
República opinou pela concessão do mandado de segurança (fls. 392/394), em
pronunciamento que possui a seguinte ementa (fls. 392):
“Mandado de segurança. Desapropriação para reforma agrária. Notificação prévia
aos trabalhos que se promoveu em desatenção ao art. 2º, § 2º, da Lei 8.629/93.
Comunicação recebida por pessoa estranha aos quadros societários ou ao pessoal
da impetrante. Demonstração objetiva de que o destinatário não ostentava
poderes de representação da proprietária. Vilipêndio ao seu direito de defesa e
ao princípio do contraditório.
Parecer pela concessão da ordem.” (grifei)
Sendo esse o contexto, passo a examinar a presente controvérsia mandamental,
registrando, no entanto, em caráter preliminar, as observações que se seguem.
O Supremo Tribunal Federal, mediante edição da Emenda Regimental nº 28, de 18
de fevereiro de 2009, delegou expressa competência ao Relator da causa, para,
em sede de julgamento monocrático, denegar ou conceder a ordem de mandado de
segurança, desde que a matéria versada no “writ” em questão constitua “objeto
de jurisprudência consolidada do Tribunal” (RISTF, art. 205, “caput”, na
redação dada pela ER nº 28/2009).
Ao assim proceder, fazendo-o mediante interna delegação de atribuições
jurisdicionais, esta Suprema Corte, atenta às exigências de celeridade e de
racionalização do processo decisório, limitou-se a reafirmar princípio
consagrado em nosso ordenamento positivo (RISTF, art. 21, § 1º; Lei nº
8.038/90, art. 38; CPC, art. 544, § 4º) que autoriza o Relator da causa a
decidir, monocraticamente, o litígio, sempre que este referir-se a tema já
definido em “jurisprudência dominante” no Supremo Tribunal Federal.
Nem se alegue que essa orientação implicaria transgressão ao princípio da
colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a
possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos
colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem
reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO –
AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
A legitimidade jurídica desse
entendimento – que vem sendo observado na prática processual desta Suprema
Corte (MS 27.649/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO – MS 27.962/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) – decorre da
circunstância de o Relator da causa, no desempenho de seus poderes processuais,
dispor de plena competência para exercer, monocraticamente, o controle das
ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal,
justificando-se, em conseqüência, os atos decisórios que, nessa condição, venha
a praticar (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175 – RTJ 173/948), valendo
assinalar, quanto ao aspecto ora ressaltado, que o Plenário deste Tribunal, em
recentíssima decisão (25/03/2010), reafirmou a possibilidade processual do
julgamento monocrático do próprio mérito da ação de mandado de segurança, desde
que observados os requisitos estabelecidos no art. 205 do RISTF, na redação
dada pela Emenda Regimental nº 28/2009:
“AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO PROCURADOR-GERAL DA
REPÚBLICA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO FORMULADO POR PROCURADOR-REGIONAL DA
REPÚBLICA PARA PARTICIPAR EM CONCURSO DE REMOÇÃO PARA O PREENCHIMENTO DE VAGA
DESTINADA A PROCURADOR DA REPÚBLICA. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ E
CERTEZA NO DIREITO PLEITEADO. SEGURANÇA DENEGADA. JULGAMENTO MONOCRÁTICO.
POSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
…………………………………………………
III – Nos termos do art. 205 do Regimento Interno do STF, pode o Relator julgar
monocraticamente pedido que veicule pretensão incompatível com a jurisprudência
consolidada desta Corte ou seja manifestamente inadmissível.
IV – Agravo regimental improvido.”
(MS
27.236-AgR/DF, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Pleno – grifei)
Tendo em vista essa delegação regimental de competência ao Relator da causa,
impõe-se reconhecer que a controvérsia jurídica ora em exame ajusta-se à
jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise, o
que possibilita seja proferida decisão monocrática sobre o litígio em questão.
Passo, pois, ao exame da controvérsia mandamental instaurada na presente causa.
A parte ora impetrante, para justificar a presente ação mandamental, apóia-se,
em síntese, nos seguintes fundamentos (fls. 02/12):
“5. Sabe-se que na conformidade do que dispõe o § 2º, do artigo 2º da lei nº
8.629/93, há necessidade de que o proprietário rural seja previamente
comunicado para a realização da vistoria pela autoridade administrativa (…):
……………………………………………….
8. Reveste-se – a notificação prévia – portanto, em requisito intransponível
para a validade da vistoria e dos atos subseqüentes, eis que assegura ao
proprietário o direito de saber com a antecedência necessária o dia, a hora e o
local em que serão realizadas as diligências, assim permitindo a sua mais ampla
defesa.
9. O descumprimento da regra legal em comento, como no caso ocorreu,
caracteriza evidente ilegalidade, atacável via mandado de segurança.
10. De fato, a aqui Impetrante, legítima proprietária do imóvel descrito no
item 4, retro, não foi previamente notificada da vistoria levada a efeito pelo
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, com o que restaram
violados os incs. LIV e LV, do art. 5º, da CF.
……………………………………………….
13. Realmente, o que aconteceu é que um cidadão, de nome **, deu uma
‘autorização’ ao Incra para que efetivasse a indigitada vistoria, sem que
tivesse qualquer legitimação à prática desse especialíssimo ato. Não exibiu,
como não poderia mesmo exibir, qualquer autorização da proprietária – aqui
Impetrante – conforme estampa o documento de fls. 03, do já indicado Processo
Administrativo INCRA/SR-13/nº 54240.001203/2004-51 (doc. 5).
14. Isto, todavia, não o impediu de, além de autorizar a malfadada vistoria,
oferecê-lo à venda – acredite-se – em julho de 2004, ‘ao Governo Federal, para
fins de reforma agrária’, conforme se lê naquelas mesmas folhas 03.
15. Ocorre, porém, que dito cidadão, além de não ser proprietário do imóvel,
também, não é preposto, nem representante da proprietária. Incrível, porém
absolutamente verdadeiro.
16. Causa espécie, por outro lado, a falta de diligência do INCRA no sentido de
acautelar-se em relação à autorização para consecução dessa infeliz vistoria,
deixando de tomar providência básica, elementar e primária, qual a de exigir a
prova da propriedade do imóvel.
18. Para que se possa entender o porquê da ocorrência de uma situação tal que
beira o surrealismo, para não dizer tipificadora de grotesca conduta criminosa,
mister se faz retroceder a seus antecedentes.
19. A empresa ** e outras prometeram vender ao citado ** 277.279 ações
ordinárias nominativas da aqui Impetrante, ** (doc. 6).
20. Em razão da inadimplência do promissário-comprador (**), as empresas
promitentes-vendedoras ajuizaram, em 18/3/1996, ação ordinária, objetivando
fosse declarada a rescisão do contrato de promessa de compra e venda das ações.
Isto, na 22ª Vara Cível, da Comarca da Capital, do Estado do Rio de Janeiro
(proc. nº 96.001.031049-1). Dito feito foi sentenciado, tendo sido declarada,
na forma do dispositivo abaixo transcrito, a rescisão daquele contrato (doc.
7):
‘Face ao exposto, julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido para declarar rescindido o
contrato de promessa de compra e venda de ações celebrado pelas partes,
perdendo o réu em favor da autoras as importâncias pagas como parte do preço.
Condeno o réu, ainda, nas custas processuais e honorários advocatícios, os
quais arbitro em 10% sobre o valor da condenação.
P.R.I.
Rio de Janeiro, 14 de abril de 1999.
MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO
JUÍZA DE DIREITO.’ (…)
…………………………………………….
22. A impetrante chegou ao extremo de publicar no jornal de maior circulação no
Estado de Mato Grosso, Edital de Protesto Judicial para ciência de terceiros da
revogação da procuração, porque ** dela se utilizara para lesar incautos.”
(grifei)
A autoridade ora apontada como coatora, ao prestar as informações que lhe foram
solicitadas, sustentou a plena legitimidade jurídica do decreto ora impugnado,
aduzindo, em síntese, as seguintes razões (fls. 362/390):
“2. No caso, a impetrante afirma – e é o único fundamento – que não foi
intimada/notificada pelo INCRA para a vistoria que redundou na proposta e
decreto de desapropriação, uma vez que teria sido outra pessoa, estranha à
empresa, que assim fizera.
3. Ora, ainda que tal fosse mesmo verdadeiro, é essencial que existisse prova
cabal da desvinculação de ** e a impetrante. No entanto, como bem demonstrado,
tanto não há nenhuma evidência de que o imóvel seja produtivo e cumprisse sua
função social, quanto – tendo havido ações judiciais entre a impetrante e o
terceiro retro nominado por disputas possessória e reivindicatória – não há
certeza de que este ao tempo da vistoria não dispusesse de poderes de representação,
já que – é a impetrante dizendo – ** (coincidentemente dirigida por ** que
também é diretor presidente da impetrante), prometeu à venda, de modo
irrevogável e irretratável em 04.02.1994 a ** (doc. 6), 277.279 ações
ordinárias nominativas da impetrante (avença depois rescindida em 14.04.1999
por sentença), concedendo-lhe procurações para representação da empresa
inclusive junto a repartições federais, e que esse ‘terceiro’ teria
secretamente alienado parte da ** (matrículas 28, 29, 30 RI/Sorriso-MT), havendo,
como se vê do ‘Protesto’ e juntado o registro de algumas vendas, diferentes
ações entre ambos e outras ainda entre terceiros e ambos.
4. Ora, desse emaranhado de relações controversas não resulta evidente que o
Sr. ** não dispusesse de tais poderes em 24.07.2004 (notificação
INCRA/SR-13/G/nº 998/2004, quando se noticiou a vistoria 3 dias após (do imóvel
de 8.293 ha medidos, e não 12.265, ha com 5448 ha plantados de soja).
5. Nesses termos, embora verdadeiro que, ao menos parcialmente no remanescente,
o imóvel todo (composto, aliás, de três glebas originadas de Títulos do Estado
do Mato Grosso, de 8415HA – Natividade, 7658 ha – São Miguel, e 8647 ha – São
Sebastião, de 08.03.1966) pertença à impetrante, não há certeza de que ‘não’
tenha havido acerto formal ou informal decorrente das negociações entre os
interessados impetrante e terceiro e admissão por aquela da administração por
este do imóvel, hipótese que, no caso, justificaria a legitimação do último
para receber a notificação.
6. Ante o exposto, sem prova de que o imóvel é produtivo e sem demonstração
clara de que o Sr. ** não estava legitimado para representar a impetrante, a
impetração não pode ser acolhida.” (grifei)
Entendo que as razões expostas na inicial desta impetração, especialmente as relativas
à falta de notificação prévia da parte impetrante e à conseqüente realização de
vistoria sem que a empresa proprietária do imóvel dela tivesse conhecimento,
conferem relevo jurídico (e integral procedência) à tese sustentada pela autora
do presente “writ”.
É que, como se sabe, o processo de reforma agrária, em nosso país, não pode ser
conduzido de maneira arbitrária, nem de modo ofensivo aos postulados
constitucionais e legais que protegem e garantem o direito de propriedade.
Não custa enfatizar que o procedimento expropriatório assenta-se em duas fases
principais e sucessivas, em que se inserem, a par da finalidade intrínseca a
cada uma delas, meios de consecução adequados ao alcance de todas as exigências
ali consubstanciadas, sejam as de ordem constitucional ou as de caráter
meramente legal.
Inicia-se, a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária,
pela verificação preliminar – exercida, administrativamente, por meio dos
órgãos competentes do Poder Executivo – das características da propriedade que
se pretende apta a sofrer a desapropriação-sanção.
Isso significa, portanto, que esse procedimento administrativo visa a aferir,
objetivamente, o grau de atendimento, por determinada propriedade rural, dos
requisitos necessários à sua identificação como imóvel em harmonia com a função
social que lhe é inerente.
Vê-se, desse modo, que a ação administrativa concernente à propriedade rural,
instrumentalizada, em sua fase introdutória, mediante vistoria prévia,
constitui procedimento inafastável, eis que tem por finalidade aferir tanto o
grau de aproveitamento da terra quanto o nível de eficiência em sua exploração,
a partir de índices e parâmetros que foram estabelecidos em legislação
infraconstitucional.
Constata-se, pois, que a vistoria prévia, enquanto procedimento preparatório,
tem por escopo viabilizar o levantamento de dados que deverão informar o Poder
Público quanto ao atendimento dos requisitos necessários à aferição, seja da
produtividade da propriedade rural, seja da realização, por ela, da função
social que lhe é inerente.
A necessidade dessa aferição traduz procedimento de caráter meramente técnico,
que objetiva exteriorizar, a partir da descrição fática das condições
econômicas, ambientais e das relações de trabalho desenvolvidas no imóvel
rural, um quadro autorizador de sua qualificação como propriedade produtiva ou,
ao contrário, tornar incontestável a certeza de sua improdutividade,
abrindo-se-lhe, então, de modo inteiramente legítimo, a via constitucional da
desapropriação, para fins de reforma agrária.
Uma vez constatado que a propriedade vistoriada não atende a função social, o
ordenamento positivo autoriza a edição de decreto expropriatório. É certo,
desse modo, que a declaração expropriatória representa o momento culminante de
um procedimento administrativo que se desenvolve mediante fases autônomas
destinadas a aferir a ocorrência de requisitos técnicos essenciais à
legitimação desse verdadeiro ato de intervenção do Poder Público na esfera
dominial privada.
Não constitui demasia insistir na asserção de que a vistoria tem por finalidade
específica viabilizar o levantamento técnico de dados e informações sobre o
imóvel rural, permitindo à União Federal – que atua por intermédio do INCRA –
constatar se a propriedade realiza, ou não, a função social que lhe é inerente.
O ordenamento positivo determina que essa vistoria seja precedida de
comunicação regular ao proprietário, em face da possibilidade de o imóvel rural
que lhe pertence – quando este não estiver cumprindo a sua função social – vir
a constituir objeto de declaração expropriatória, para fins de reforma agrária.
A exigência dessa vistoria administrativa é ditada pela necessidade de
garantir, ao proprietário, a observância da cláusula constitucional do devido
processo legal, sob pena de configuração de vício radical, apto a projetar-se
sobre todas as fases subseqüentes do procedimento de expropriação,
contaminando-as, por efeito de repercussão causal, em ordem a gerar, por
ausência de base jurídica idônea, a própria invalidação do decreto presidencial
consubstanciador da declaração expropriatória.
Cabe ter presente, neste ponto, decisão plenária do Supremo Tribunal Federal,
proferida no julgamento do MS 22.164/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, ocasião em
que esta Suprema Corte – ao apreciar a questão da reforma agrária sob a égide
da garantia constitucional do devido processo legal – assim se pronunciou:
“REFORMA AGRÁRIA E DEVIDO PROCESSO LEGAL.
– O postulado constitucional do ‘due process of law’, em sua destinação
jurídica, também está vocacionado à proteção da propriedade. Ninguém será
privado de seus bens sem o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). A União
Federal – mesmo tratando-se de execução e implementação do programa de reforma
agrária – não está dispensada da obrigação de respeitar, no desempenho de sua
atividade de expropriação, por interesse social, os princípios constitucionais
que, em tema de propriedade, protegem as pessoas contra a eventual expansão
arbitrária do poder estatal. A cláusula de garantia dominial que emerge do
sistema consagrado pela Constituição da República tem por objetivo impedir o
injusto sacrifício do direito de propriedade.”
Cumpre rememorar, por oportuno, neste ponto, o que disse, a tal respeito, no
julgamento do MS 24.547/DF, a eminente Relatora da causa, Ministra ELLEN
GRACIE, quando pôs em destaque o significado real da notificação prévia:
“(…) a notificação, que inaugura o devido processo legal, tem por objetivo
dar ao proprietário a oportunidade de acompanhar os trabalhos de levantamento
de dados, fazendo-se assessorar por técnicos de sua confiança, para apresentar
documentos, demonstrar a existência de criações e culturas e fornecer os
esclarecimentos necessários à caracterização da propriedade como produtiva e,
portanto, isenta da desapropriação-sanção.” (grifei)
Também o eminente Ministro CARLOS VELLOSO, ao pronunciar-se em voto-vista
proferido no MS 22.319/SP, definiu, com extrema propriedade, os fins a que se
destina a vistoria administrativa promovida pelo INCRA:
“A prévia notificação aludida no citado § 2º do art. 2º, da Lei 8.629, de 1993,
tem por finalidade a instauração da vistoria que dirá se a propriedade cumpre
sua função social. Em despacho que proferi no MS 21.820-SP, sustentei que o
devido processo legal da vistoria, que tem por finalidade verificar se a
propriedade rural cumpre, ou não, sua função social, está na Lei 8.629, de
25.02.93, art. 2º, § 2º. O critério determinador dessa função social
inscreve-se no art. 9º da citada lei. Estabelece o § 2º do art. 2º que os
proprietários do imóvel rural são notificados da vistoria. Essa notificação
desencadeia a possibilidade de o proprietário exercitar o direito de defesa. O
proprietário poderia indicar, então, o seu assistente técnico – é claro que
isto seria possível, caso contrário o acompanhamento da vistoria seria
praticamente inócuo – que acompanhará a vistoria. Poderá o proprietário,
ademais, requerer o que entender útil à defesa. O órgão incumbido da realização
da vistoria apreciará os requerimentos, deferindo-os, ou não, sujeita a decisão
ao controle judicial.” (grifei)
Vê-se, desse modo, considerada a correta perspectiva sob a qual os eminentes
Ministros ELLEN GRACIE e CARLOS VELLOSO situam a questão da vistoria, que a
possibilidade do exercício ulterior do direito de defesa, mediante impugnação
aos fundamentos em que se apóia o laudo agronômico, ainda que viável em momento
diverso daquele em que se realizou o levantamento técnico, não torna
dispensável a efetivação – sempre necessária – da notificação prévia, pois, com
tal comunicação, ensejar-se-á ao proprietário o direito de acompanhar a
vistoria, de ministrar subsídios ao INCRA e de propor, no próprio local de
efetivação desse mesmo ato, a adoção de medidas que visem a esclarecer ou a
desfazer dúvidas.
Na realidade, a possibilidade de acompanhamento da vistoria compõe, em sua
dimensão global, o próprio núcleo em que se funda o direito de defesa, que não
se resume, portanto, à mera possibilidade de impugnação ulterior de peças ou de
laudos periciais.
Cumpre destacar, bem por isso, que, em tema de desapropriação (mesmo
tratando-se de desapropriação-sanção), impõe-se, ao Poder Público, o dever de
sempre observar, de modo estrito, as formas constitucionais, que, nesse
contexto, atuam como exigências inafastáveis, fundadas na garantia de
conservação do direito de propriedade.
É certo que o direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto. A
cláusula de sua proteção, embora inscrita na Carta Política, não lhe confere,
ante a supremacia do interesse público, intangibilidade plena. Mas impõe, ao
Estado, para que possa afetá-lo de modo tão radical, o dever de respeitar os
limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição. Tais
restrições ao poder expropriatório do Estado objetivam, em última análise,
dispensar tutela jurídica efetiva às pessoas que titularizam o direito de
propriedade.
Não se questiona a necessidade da execução, no País, de um programa de reforma
agrária. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento
racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos
naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem,
inegavelmente, elementos de realização da função social da propriedade. A
desapropriação, nesse contexto – enquanto sanção constitucional imponível ao
descumprimento da função social da propriedade (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de
Direito Constitucional Positivo”, p. 272, 10ª ed., 1995, Malheiros) – reflete
importante instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos
pelo Estado na ordem econômica e social.
Sabemos que a função social da propriedade, quando descumprida, legitima a
intervenção estatal na esfera das relações dominiais privadas.
O princípio da função social da propriedade, de índole essencialmente
constitucional, configura, sob tal perspectiva, inegável questão de fundo, apta
a subordinar, notadamente em tema de expropriação estatal, a elaboração e a
execução de quaisquer programas de reforma agrária.
A crescente intensificação do processo de modernização do Direito, no que
concerne à propriedade da terra, acentua o dever jurídico, que incumbe ao
proprietário, de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir
nas disposições restritivas, que, editadas pelo Estado, sancionam os senhores
de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos.
Advirta-se, portanto, que a propriedade da terra estará assegurada, na medida
em que desempenhe, em plenitude, a função social que lhe é inerente.
Isso significa que a realização desse encargo constitucional, que incide sobre
o imóvel rural, só se considerará atendida, quando o titular do direito de
propriedade cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra
labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar
a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais
que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e
aqueles que cultivam a propriedade (Estatuto da Terra, artigo 2º, § 1º).
Nada justifica, porém, o emprego ilegítimo do instrumento expropriatório,
quando utilizado, pelo poder estatal, com evidente transgressão dos princípios
e das normas que regem e disciplinam as relações entre as pessoas e o Estado.
Não se deve perder de perspectiva, por mais relevantes que sejam os fundamentos
da ação expropriatória do Estado, que este não pode desrespeitar a cláusula do
“due process of law” que condiciona qualquer atividade do Estado tendente a
afetar a propriedade privada.
Desse modo, não se pode ignorar que a Constituição da República, após estender,
ao proprietário, a garantia de sua proteção (art. 5º, XXII), proclama, em
cláusula explícita, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens, sem
o devido processo legal” (art. 5º, LIV).
Daí a advertência do magistério doutrinário no sentido de que a destituição
dominial de qualquer bem não prescinde – enquanto medida de extrema gravidade
que é – da necessidade de observância, pelo Poder Público, das garantias
inerentes ao “due process of law” (CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à
Constituição do Brasil”, vol. 2/263-264, 1989, Saraiva).
Não custa enfatizar, por isso mesmo, que a União Federal – mesmo tratando-se da
execução e implementação do programa de reforma agrária – não está dispensada
da indeclinável obrigação de respeitar, no desempenho de sua atividade de
expropriação, por interesse social, os postulados constitucionais, que, em tema
de propriedade, protegem as pessoas e os indivíduos contra a eventual expansão
arbitrária do poder.
Essa asserção – ao menos enquanto subsistir o sistema consagrado em nosso texto
constitucional – impõe que se repudie qualquer medida que importe em virtual
negação ou em injusto sacrifício do direito de propriedade.
Veja-se, pois, que o respeito à lei e à ordem jurídica representa condição
indispensável e necessária ao exercício da liberdade e à prática responsável da
cidadania.
Nada pode justificar o desrespeito à autoridade das leis e à supremacia da
Constituição da República.
O respeito ao ordenamento jurídico e a submissão de todos à idéia e à
autoridade da lei (“rule of law”) traduzem comportamentos que prestam
reverência ao princípio da legalidade, cuja primazia representa verdadeira
pedra angular no processo de construção e de consolidação do Estado Democrático
de Direito.
O dever de fidelidade à lei, no contexto de uma sociedade fundada em bases
democráticas, atua como importante elemento de preservação da ordem jurídica e
constitui pressuposto essencial à prática legítima das liberdades públicas.
Daí porque tenho por suficientes (e procedentes), para a concessão da presente
ordem de mandado de segurança, as razões
concernentes à falta de notificação prévia dos representantes legais da empresa
proprietária do imóvel e a conseqüente realização da vistoria sem o
conhecimento desses mesmos representantes da impetrante/proprietária.
É que os representantes legais da impetrante não foram, em momento algum,
notificados, qualquer que fosse o meio de comunicação, para os atos de
vistoria a que se refere o art. 2º, § 2º da Lei nº 8.629/93.
Cumpre ter presente, no caso ora em exame, como ressaltado na decisão que
concedeu a medida liminar (fls. 350), que, “no laudo agronômico de vistoria
efetivado pelo INCRA, consta como representante do imóvel o Sr. **”, mas que
“referido nome não consta na cadeia dominial (fls. 28, 32, 38/45) nem na Ata de
Reunião do Conselho de Administração da empresa ** (fls. 17/22)”.
Esse aspecto que venho de referir – ausência de prévia notificação pessoal ao
real proprietário do imóvel rural em questão (ou a seus legítimos
representantes) – basta, por si só, para inviabilizar, formalmente, o decreto
presidencial impugnado na presente ação de mandado de segurança, eis que a
União Federal, agindo por intermédio do INCRA, desrespeitou, frontalmente, a
norma legal que impõe, ao Poder Público, na fase administrativa do procedimento
de expropriação, o dever de promover a prévia notificação do proprietário do
imóvel rural (Lei nº 8.629/93, art. 2º, § 2º).
Com efeito, a notificação a que se refere o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93,
para que se repute válida e possa legitimar eventual declaração expropriatória,
para fins de reforma agrária, há de ser efetivada na pessoa daquele que se
qualifica como proprietário do imóvel rural que foi indicado como objeto de
análise e vistoria prévias.
A imprescindibilidade dessa prévia e regular notificação resulta das graves
conseqüências que podem derivar do levantamento de dados e informações
pertinentes ao imóvel rural, eis que a finalidade da vistoria a que se refere o
art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93 prende-se à constatação técnica do
atendimento, ou não, pelo prédio rústico, da função social que lhe é inerente.
O descumprimento dessa formalidade essencial, ditada pela necessidade de
garantir, ao proprietário, a observância da cláusula constitucional do devido
processo legal, importa, ao contrário do que sustentado pela autoridade
apontada como coatora, em vício radical que configura defeito insuperável, apto
a projetar-se, por efeito de repercussão causal, como precedentemente salientado
nesta decisão, sobre todas as fases subseqüentes do procedimento de
expropriação, gerando, em conseqüência, por ausência de base jurídica idônea, a
própria invalidação do decreto presidencial consubstanciador da declaração
expropriatória.
Foi por essa razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o MS
23.562/TO, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, declarou, “incidenter tantum”, a
inconstitucionalidade da alteração introduzida no § 2º do art. 2º da Lei nº
8.629/93, pela MP nº 1.577/97, para proclamar que “A vistoria preparatória de
expropriação para fins de reforma agrária não dispensa a notificação prévia dos
proprietários, que tem por fim assegurar-lhes o acompanhamento dos
procedimentos preliminares de apuração de dados e informações relativas ao
imóvel. A falta desta notificação prévia ofende, ao mesmo tempo, os postulados
constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (CF,
artigo 5º, LIV e LV)…” (RTJ 176/255).
Daí a relevância inquestionável da notificação pessoal e prévia do
proprietário, que deve ser validamente promovida pelo INCRA, para efeito de
realização da vistoria a que se refere o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93, a
fim de que se legitime, em última análise, a própria declaração expropriatória
consubstanciada no decreto presidencial, consoante tem advertido, em sucessivos
pronunciamentos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 169/507,
Rel. Min.
NELSON JOBIM – RTJ 175/555, Rel. Min.
MOREIRA ALVES – RTJ 176/255, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – MS 23.012/PR, Rel.
Min. ILMAR GALVÃO – MS 23.855/MS, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.):
“NOTIFICAÇÃO PRÉVIA E PESSOAL DA VISTORIA.
– A notificação a que se refere o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93, para
que se repute válida e possa conseqüentemente legitimar eventual declaração
expropriatória para fins de reforma agrária, há de ser efetivada em momento
anterior ao da realização da vistoria.
Essa notificação prévia somente considerar-se-á regular, quando comprovadamente
realizada na pessoa do proprietário do imóvel rural, ou quando efetivada
mediante carta com aviso de recepção firmado por seu destinatário ou por aquele
que disponha de poderes para receber a comunicação postal em nome do
proprietário rural, ou, ainda, quando procedida na pessoa de representante legal
ou de procurador regularmente constituído pelo ‘dominus’.
– O descumprimento dessa formalidade essencial, ditada pela necessidade de
garantir ao proprietário a observância da cláusula constitucional do devido
processo legal, importa em vício radical que configura defeito insuperável,
apto a projetar-se sobre todas as fases subseqüentes do procedimento de
expropriação, contaminando-as, por efeito de repercussão causal, de maneira
irremissível, gerando, em conseqüência, por ausência de base jurídica idônea, a
própria invalidação do decreto presidencial consubstanciador de declaração
expropriatória.”
(RTJ 164/158-160, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
“MANDADO DE SEGURANÇA. REFORMA AGRÁRIA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. LEI Nº 8.629/93,
ART. 2º, PARÁGRAFO 2º. REALIZAÇÃO DE VISTORIA EM DATAS DIVERSAS DAS FIXADAS NAS
NOTIFICAÇÕES ENCAMINHADAS AO PROPRIETÁRIO. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL
ADMINISTRATIVO. NULIDADE DO PROCEDIMENTO QUE CONTAMINA O DECRETO PRESIDENCIAL.
……………………………………………….
4. A jurisprudência do Tribunal considera indispensável que a notificação
prevista no parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei nº 8.629/93 seja feita com
antecedência, de modo a permitir a efetiva participação do proprietário, ou de
preposto por ele designado, nos trabalhos de levantamento de dados que tem por
objetivo a determinação da produtividade do imóvel. A notificação que inaugura
o devido processo legal tem por objetivo dar ao proprietário a oportunidade
real de acompanhar os trabalhos de levantamento de dados, fazendo-se assessorar
por técnicos de sua confiança, para apresentar documentos, demonstrar a
existência de criações e culturas e fornecer os esclarecimentos necessários à
eventual caracterização da propriedade como produtiva e, portanto, isenta da
desapropriação-sanção. Precedentes.
……………………………………………….
7. Mandado de Segurança deferido.”
(MS
24.547/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei)
“DESAPROPRIAÇÃO. Interesse social. Reforma Agrária. Imóvel rural. Levantamento
de dados e informações. Vistoria. Prévia comunicação escrita ao proprietário,
preposto ou representante. Elemento essencial do devido processo da lei (‘due
process of law’). Inobservância. Proprietários cientificados apenas no dia de
início dos trabalhos da vistoria. Comunicação anterior recebida por terceiro.
Nulidade do decreto reconhecida. Ofensa a direito líquido e certo. Segurança
concedida. Aplicação do art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93, cc. art. 5º, LIV, da
CF.Precedentes. É nulo o decreto expropriatório de imóvel rural para fim de
reforma agrária, quando o proprietário não tenha sido notificado antes do
início dos trabalhos de vistoria, senão no dia em que esses tiveram início, ou
quando a notificação, posto que prévia, não lhe haja sido entregue pessoalmente,
nem a preposto ou representante seu.”
(MS
23.856/MS, Rel. Min. CEZAR PELUSO – grifei)
“MANDADO DE SEGURANÇA – REFORMA AGRÁRIA – DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO (CF, ART. 184,
‘CAPUT’) – MÉDIA PROPRIEDADE RURAL (CF, ART. 185, I) – ÁREA QUE RESULTOU DE DOAÇÃO
CELEBRADA EM MOMENTO QUE PRECEDEU TANTO A EDIÇÃO DA MP 1.577/97 (REEDITADA,
PELA ÚLTIMA VEZ, COMO MP 2.183-56/2001) COMO A PUBLICAÇÃO DO ATO PRESIDENCIAL
QUESTIONADO – INEXPROPRIABILIDADE DO IMÓVEL RURAL EM QUESTÃO – FALTA DE
NOTIFICAÇÃO PESSOAL E PRÉVIA DO PROPRIETÁRIO RURAL QUANTO À REALIZAÇÃO DA
VISTORIA (LEI Nº 8.629/93, ART. 2º, § 2º) – OFENSA AO POSTULADO DO DUE PROCESS
OF LAW (CF, ART. 5º, LIV) – NULIDADE RADICAL DA DECLARAÇÃO EXPROPRIATÓRIA –
MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.
……………………………………………..
A NOTIFICAÇÃO PRÉVIA DO PROPRIETÁRIO RURAL, EM TEMA DE REFORMA AGRÁRIA, TRADUZ
EXIGÊNCIA IMPOSTA PELA CLÁUSULA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
– A vistoria administrativa do imóvel rural, na fase preliminar do procedimento
expropriatório instaurado para fins de reforma agrária, deve ser precedida de
notificação pessoal, dirigida ao proprietário rural, sob pena de desrespeito à
cláusula constitucional do ‘due process of law’, cuja inobservância afeta a
própria declaração expropriatória, invalidando-a desde o momento em que
formalmente veiculada em decreto presidencial. Precedentes.”
(MS 23.006/PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Irretocável, sob tal aspecto, o parecer da douta Procuradoria Geral da
República, que, ao reconhecer a efetiva ausência, no caso, da notificação
prévia ao representante legal da parte ora impetrante, para efeito de vistoria
do imóvel rural de que é proprietária, assim se manifestou (fls. 393/394):
“7. A documentação juntada aos autos evidencia que o Sr. ** não ostentava, ao
tempo da notificação, qualquer espécie de relação jurídica regular com a
impetrante, menos ainda exercia posse justa sobre as terras em foco.
8. Demonstrado, com propriedade, que o referido sujeito firmou contrato de
promessa de compra e venda com uma série de empresas, pelo qual se comprometia
a adquirir lote de ações ordinárias da impetrante. A avença, firmada em 1994,
foi logo descumprida, o que o sujeitou ao ajuizamento de ação ordinária com
pedido de rescisão contratual. Sobreveio sentença em abril de 1999, com todo o
relato das circunstâncias do negócio jurídico referido. O Sr. ** foi destituído
das prerrogativas que o contrato lhe garantia.
9. Em 18 de agosto de 1997 a empresa impetrante fez publicar em veículo
jornalístico impresso – Diário de Cuiabá – anúncio de que o contrato firmado
havia sido rescindido, revogados quaisquer poderes outorgados pela sociedade em
instrumento de mandato ao Sr. ** – fls. 163, item 27.
10. O curso normal foi a retomada da **. Ajuizou-se então a competente ação
reivindicatória, ladeada de ação cautelar. Sentença de mérito foi recebida em
secretaria no dia 1º de julho de 2004, tornando-se, em tese, pública – fls.
195. O registro da decisão havia sido feito já em 30 de junho de 2004. A retoma
do imóvel se consolidara, situação que tinha sido previamente estabelecida ao
se deferir medida cautelar – fls. 199.
11. A impetrante, nesses moldes, demonstra que o Sr. ** não poderia ostentar a
condição de representante da sociedade. Os laços que os ligavam de há muito se
tinham desfeito. A sua cientificação, por edital veiculado em jornal local, de
que não mais ostentava poderes de mandato é argumento que reforça essa idéia.
12. Esses eventos, ressalvado o julgamento de procedência da ação
reivindicatória, são significativamente anteriores à data da notificação de
final de julho de 2004. A fictícia representação da proprietária pelo Sr. **
deu-se com evidente abuso de confiança. Sua atuação perante a autarquia federal
era ilegítima, como demonstra o quadro documental anexado aos autos.
13. A argumentação que sugere lesão ao art. 2º, § 2º, da Lei 8.629/93 parece
ter substância, portanto. A efetiva proprietária das terras não foi
regularmente notificada da realização dos trabalhos técnicos, restando impedida
de deduzir mínima defesa perante o procedimento administrativo. Quem tomou a
frente dos trabalhos, ao contrário, foi pessoa em litígio com a impetrante,
como se fosse proprietário das terras, quando, de outro lado, o Poder
Judiciário poucos dias antes havia decretado a natureza injusta da posse que
exercia, demitindo-o dela. Esclarecimentos e ponderações pertinentes aos
estudos técnicos podem ter sido deixados de lado pela pessoa que acompanhou os
trabalhos, em detrimento dos resultados do estudo e, em última análise, com prejuízo
da ora impetrante.
14. Como visto, a procedimento administrativo fora promovido fora dos
parâmetros legais (art. 2º, § 2º, da Lei 8.629/93). Há, portanto,
ilegalidade a ser colmatada.
Ante o exposto, o Ministério Público Federal propõe a concessão da ordem.”
(grifei)
Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer da douta
Procuradoria Geral da República (fls. 392/394), defiro este mandado de
segurança, para invalidar o decreto de 05/10/2005 editado pelo Senhor
Presidente da República (DOU de 06 de outubro de 2005), que declarou de
interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural “**”, situado no
Município de Sorriso, Estado de Mato Grosso (Processo INCRA/SR – 13/nº
54240.001203/2004-51, fls. 26).
Comunique-se.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 05 de novembro de 2010.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJe de 11.11.2010
** nomes suprimidos pelo Informativo
INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
8 a 12 de novembro de 2010
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Organização Judiciária – Competência – Secretaria Judiciária
Resolução nº 443, de 28.10.2010 – Delega competência à Secretária Judiciária do
Supremo Tribunal Federal. Publicada no DJe/STF, n. 213, p. 1, em 8.11.2010.
Petição – Habeas Corpus – Central do Cidadão e Atendimento
Resolução nº 444, de 28.10.2010 – Institui e altera procedimentos para prática
de atos processuais no âmbito da Secretaria do Tribunal. Publicada no DJe/STF,
n. 213, p. 1, em 8.11.2010.
Prazo Processual – Feriado
Portaria nº 352, de 8.11.2010 – Comunica que não haverá expediente na
Secretaria do Tribunal no dia 15 de novembro de 2010 (segunda-feira), em
virtude do disposto no artigo 1º da Lei nº 10.607, de 19 de dezembro de 2002.
Publicada no DJe/STF, n. 216, p. 156, em 11.11.2010.
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