Brasília, 20 a 24 de setembro de 2010 Nº 601
Data (páginas internas): 29 de setembro de 2010
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
Sumário
Plenário
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 1
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 2
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 3
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 4
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 5
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 6
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 7
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 8
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 9
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 10
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 11
1ª Turma
Liberdade Provisória e Tráfico de Drogas
HC: Uso de Algemas e Demora no Julgamento
Agravo Regimental e Capacidade Postulatória
Reincidência e Meio de Prova
2ª Turma
Impedimento de Magistrado: Atuação em Feito Criminal e Sentença em Ação Civil Pública – 3
Configuração da Interestadualidade de Tráfico de Drogas
Porte Ilegal de Arma de Fogo e Ausência de Munição
Princípio da Consunção: Crime contra a Ordem Tributária e Falsidade Ideológica – 1
Princípio da Consunção: Crime contra a Ordem Tributária e Falsidade Ideológica – 2
Responsabilidade Civil do Poder Público e Omissão – 1
Responsabilidade Civil do Poder Público e Omissão – 2
Responsabilidade Civil do Poder Público e Omissão – 3
Repercussão Geral
Clipping do DJ
Transcrições
Legitimidade do Ministério Público: Ação Civil Pública e Anulação de TARE (RE 576155/DF)
Inovações Legislativas
Plenário
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 1
O Tribunal iniciou julgamento de recursos extraordinários em que questionado o indeferimento do registro de candidatura do primeiro recorrente ao cargo político de Governador do Distrito Federal. Trata-se de recursos interpostos, com base no art. 102, III, a, da CF, contra acórdão do Tribunal Superior Eleitoral – TSE que, ao enfatizar a aplicabilidade imediata das alterações introduzidas pela LC 135/2010, concluíra pela inelegibilidade do candidato a cargo de Governador. O acórdão impugnado assentara a inelegibilidade do candidato para as eleições que se realizassem durante o período remanescente do mandato para o qual ele fora eleito e para os 8 anos subseqüentes ao término da legislatura, nos termos da alínea k do inciso I do art. 1º da LC 64/90, acrescentado pela aludida LC 135/2010 [“Art. 1º São inelegíveis: I – para qualquer cargo: … k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura.”]. Considerara o fato de o candidato ter renunciado o mandato de Senador da República, em 2007, após o oferecimento de representação capaz de autorizar a abertura de processo por falta de decoro parlamentar. Sustenta-se, em caráter incidental, a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal. Além disso, alegam-se, em síntese: a) ofensa ao princípio da anterioridade da lei eleitoral (CF, art. 16); b) transgressão aos princípios da irretroatividade da lei e do ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI); c) desrespeito ao princípio da presunção de não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII); d) abuso do poder de legislar e e) falta de proporcionalidade e razoabilidade do preceito.
RE 630147/DF, rel. Min. Ayres Britto, 22 e 23.9.2010. (RE-630147)
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 2
Preliminarmente, reconheceu-se a repercussão geral dos recursos, haja vista se cuidar de questão relevante nos aspectos político, jurídico e social. De outro lado, rejeitou-se, por maioria, questão de ordem suscitada pelo Min. Cezar Peluso, Presidente, no sentido da inconstitucionalidade formal da LC 135/2010. A referida prejudicial fora formulada tendo em conta a suposta afronta ao postulado da bicameralidade (CF, art. 65, parágrafo único), porquanto o Senado Federal emendara o projeto de lei complementar, enviado pela Câmara dos Deputados, para alterar tempos verbais de alíneas do inciso I do art. 1º da LC 64/90 sem que, contudo, tal emenda tivesse retornado à Casa iniciadora. O Min. Cezar Peluso aduziu que o acatamento da questão de ordem excluiria a apreciação das inconstitucionalidades materiais argüidas. Primeiramente, entendeu-se incabível o exame, de ofício, da inconstitucionalidade formal. Asseverou-se que se estaria em sede de recurso extraordinário, em que a causa de pedir não seria aberta. Ademais, ressaltou-se que a matéria não fora prequestionada e que somente em hipóteses pontuais a Corte superara essa orientação, quando verificada a possível quebra do princípio da isonomia ou violação à segurança jurídica com reflexos na força normativa da Constituição. Mencionou-se, também, que a admissão da análise da inconstitucionalidade formal da lei como um todo, inclusive quanto a dispositivos não impugnados, implicaria ampliação da causa de pedir e do pedido, sem provocação das partes. Registrou-se, ainda, que seria preciso conceder-se à parte contrária a possibilidade de apresentar contra-razões à argüição de inconstitucionalidade, bem como de o Ministério Público se manifestar.
RE 630147/DF, rel. Min. Ayres Britto, 22 e 23.9.2010. (RE-630147)
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 3
Quanto a essas preliminares, os Ministros Dias Toffoli, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, com apoio em precedentes do STF, reputaram cabível o julgamento, em recurso extraordinário (CF, art. 102, III, a), sobre a constitucionalidade de lei, não obstante por fundamento diverso do acolhido pelo acórdão recorrido e não invocado pelas partes. Consignaram que o Supremo, guardião maior da Constituição, não poderia ficar manietado, visto que seria um contra-senso admitir que qualquer juiz ou tribunal pudesse se manifestar de ofício quanto ao conflito de norma legal com a Constituição, ao passo que o STF, ultrapassada a barreira do conhecimento do recurso extraordinário e na apreciação da causa, não o pudesse. Ponderaram que a Corte poderia apreciar a inconstitucionalidade de lei tendo a integralidade da Constituição como parâmetro. Além disso, assinalaram que o recurso extraordinário caminharia para um modelo de objetivação. O Min. Celso de Mello, embora reconhecesse, em tese, a possibilidade de se efetuar a resolução incidental de questão prejudicial de constitucionalidade, entendeu que, na espécie, não deveria admiti-la, porque os sujeitos da relação processual, inclusive o Procurador-Geral da República, não teriam se pronunciado a respeito.
RE 630147/DF, rel. Min. Ayres Britto, 22 e 23.9.2010. (RE-630147)
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 4
Em seguida, os Ministros Ayres Britto, relator, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie enfatizaram que, se superada a prejudicial, a LC 135/2010 não padeceria do vício de inconstitucionalidade formal. Registraram que as mudanças ocorreram — segundo afirmado pela Presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal — para uniformizar os tempos verbais, em obediência ao que determinado pelo art. 11, I, d, da LC 95/98, a qual dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da CF. Assim, explicitaram que as emendas não teriam trazido modificações materiais no conteúdo original da redação. Acrescentaram que a alínea adversada na situação dos autos não sofrera qualquer alteração. Vencidos os Ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio que assentavam a inconstitucionalidade formal da norma por transgressão ao devido processo legislativo, dado que as alterações promovidas não teriam sido meramente redacionais.
RE 630147/DF, rel. Min. Ayres Britto, 22 e 23.9.2010. (RE-630147)
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 5
No mérito, o Min. Ayres Britto desproveu os recursos extraordinários, no que foi acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie. Inicialmente, salientou que apenas a declaração incidental de inconstitucionalidade da alínea k do inciso I do art. 1º da LC 64/90, introduzida pela LC 135/2010, referir-se-ia à causa de pedir dos recursos extraordinários sob exame. E o pedido consistiria no deferimento do registro da candidatura do primeiro recorrente ao cargo de Governador do Distrito Federal. Desse modo, destacou que, atento aos limites materiais do recurso, as demais hipóteses de inelegibilidade veiculadas pela versão atualizada da LC 64/90 não seriam analisadas. Em passo seguinte, afirmou que alínea impugnada faria parte de um conjunto de regras explicitamente comprometidas com a concretização do comando constitucional previsto no § 9º do art. 14 da CF (“Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”). Enfatizou que a LC 64/90, de par com o art. 1º da LC 135/2010, objetivara atender à referida convocação constitucional, a dispor sobre o instituto da inelegibilidade enquanto mecanismo de proteção.
RE 630147/DF, rel. Min. Ayres Britto, 22 e 23.9.2010. (RE-630147)
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 6
Nesse sentido, reputou que a LC 135/2010, por sua nova alínea, poderia considerar, como causa de inelegibilidade para os fins que erigira, a renúncia, a qual teria como único propósito impedir a abertura de processo político-administrativo por falta de decoro parlamentar. Observou que a alínea questionada poderia produzir imediatamente os efeitos a que se preordenara, de forma a alcançar fatos e condutas anteriores à data de sua publicação, uma vez que a própria Constituição, ao mencionar a inelegibilidade num contexto de proteção da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato popular, determinara que a lei considerasse a vida pregressa do candidato. Esclareceu, no ponto, que a Constituição objetivara resgatar o significado original do termo “candidato”, que adviria de cândido, puro, limpo no sentido ético. Daí a necessidade da criação de institutos como o da inelegibilidade, os quais tornariam os políticos dignos da política ou que salvariam a política dos políticos avessos aos princípios da moralidade e da probidade administrativa, e da não incidência do abuso do poder político ou econômico. Por conseguinte, realçou que valores como o da probidade administrativa e o da moralidade para o exercício do mandato — concretizados por norma de expressa requisição constitucional — não comportariam procrastinação ou “quarentena”.
RE 630147/DF, rel. Min. Ayres Britto, 22 e 23.9.2010. (RE-630147)
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 7
O relator registrou, ainda, que a LC 135/2010 decorrera de iniciativa popular e com a marca registrada da “urgência urgentíssima” de sua aplicabilidade. Consignou que ela fora publicada em data anterior a das convenções partidárias deste ano, a ensejar a preservação do art. 16 da CF, pois os partidos políticos e seus filiados teriam tido tempo suficiente para deliberar, em igualdade de condições, relativamente à escolha dos candidatos. Aduziu que a razão de ser do art. 16 da CF consistiria em evitar casuísmos em data próxima à da eleição e que a referida alínea k, em particular, e a LC 135/2010, como um todo, não introduziram surpresa, sequer oportunística, arbitrária ou maliciosa na competição eleitoral de 2010. Reiterou a inexistência de ofensa ao aludido preceito constitucional, quer em razão de a alínea k ser norma de direito material, quer por não possuir aptidão para alterar o processo eleitoral. Afastou a assertiva de afronta ao ato jurídico perfeito ao fundamento de que a renúncia ao mandato de Senador da República não teria por efeito imunizar o renunciante contra a incidência de causas de inelegibilidade, haja vista a inexistência de direito adquirido a regime jurídico (de inelegibilidades). Realçou, ainda, que a renúncia do primeiro recorrente fora protocolada anteriormente à instauração de processo administrativo, a impedir qualquer juízo de valor pelo Senado Federal.
RE 630147/DF, rel. Min. Ayres Britto, 22 e 23.9.2010. (RE-630147)
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 8
Ao ressaltar que a renúncia não constituiria pena, mencionou que não haveria efeitos futuros supostamente violados pela LC 135/2010 e que, para fins de inelegibilidade, a licitude, ou não, do ato ou situação jurídica seria irrelevante, de modo que a renúncia lícita do primeiro recorrente não impediria a sua previsão como causa de inelegibilidade. No tocante ao princípio constitucional da presunção de inocência, asseverou que essa regra geral conviveria com normas específicas, como a do § 9º do art. 14 da CF. Concluiu, destarte, que para a perda ou suspensão de direito político seria preciso o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, sendo este, entretanto, desnecessário para a configuração de inelegibilidade. Por fim, registrou que o legislador estaria submetido ao exame de seus atos sobre os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade — devido processo legal substantivo — e que a alínea k não ofenderia esses critérios.
RE 630147/DF, rel. Min. Ayres Britto, 22 e 23.9.2010. (RE-630147)
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 9
Em divergência, o Min. Dias Toffoli proveu os recursos, exclusivamente no que se refere à afronta ao art. 16 da CF. De início, assinalou que embaraços ao direito à elegibilidade deveriam ser compreendidos sob perspectiva histórica, especialmente quando razões de natureza moral poderiam ser invocadas para fins de exclusão política de segmentos incômodos ao regime. Em seguida, afirmou que o princípio da anterioridade das leis eleitorais não distinguiria as espécies de leis nem o conteúdo dos seus dispositivos, sendo, pois, genérico, direto e explícito. Asseverou que a jurisprudência da Corte inclui o art. 16 da CF no rol de garantias individuais da segurança jurídica e do devido processo legal, e que tal postulado seria dirigido ao cidadão-eleitor. Consignou, ademais, que o dispositivo constitucional visaria evitar a quebra da previsibilidade das condições subjetivo-políticas dos candidatos e que, relativamente ao desrespeito aos limites temporais desse preceito, o que importaria seria a quebra da anterioridade e não o período no ano em que ela ocorrera, dado que a diferença estaria apenas no grau de intensidade do prejuízo.
RE 630147/DF, rel. Min. Ayres Britto, 22 e 23.9.2010. (RE-630147)
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 10
Mencionou que a anualidade eleitoral também teria por fundamento a igualdade e defesa das minorias, cuja participação no processo político não deveria ficar submetida ao alvedrio das forças majoritárias. Tendo tudo isso em conta, entendeu que não se poderia distinguir o conteúdo da norma eleitoral selecionadora de novas hipóteses de inelegibilidade, porquanto seria ele alcançável pelo art. 16 da CF por afetar, alterar, interferir, modificar e perturbar o processo eleitoral em curso. Assinalou que a alínea k restringira o universo de cidadãos aptos a participar do pleito de 2010. Indagou, então, quais seriam as conseqüências práticas dessa inovação legislativa se, ao inverso, ela ampliasse o elenco de concorrentes, por meio da subtração de hipóteses de inelegibilidade, com eficácia para as eleições atuais. Concluiu que, em nome de princípios moralizantes, os quais limitam a participação de indivíduos no processo eleitoral, não se poderia ignorar, por outro lado, o postulado, abstrato e impessoal, veiculado no art. 16 da CF, que protege a própria democracia contra o casuísmo, a surpresa, a imprevisibilidade e a transgressão da simetria constitucional dos candidatos a cargos eletivos. Assim, reputou que, se admitida a eficácia imediata da LC 135/2010, no que concerne exclusivamente à situação dos autos, abrir-se-iam as portas para mudanças outras, de efeitos imprevisíveis e resultados desastrosos para o concerto político nacional. Registrou, por derradeiro, que cumpriria reconhecer a aplicação do art. 16 da CF ao plano de eficácia da LC 135/2010.
RE 630147/DF, rel. Min. Ayres Britto, 22 e 23.9.2010. (RE-630147)
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia – 11
Os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso seguiram a divergência, mas proveram os recursos extraordinários em maior extensão por também considerarem que a situação advinda com a renúncia do primeiro recorrente ao cargo de parlamentar — devidamente constituída segundo a legislação da época — não poderia ser alcançada pela LC 135/2010. Em seguida, ante o empate na votação, deliberou-se sobre a solução a ser dada para a proclamação do resultado do julgamento. Afastou-se proposta segundo a qual se deveria aguardar a indicação de novo Ministro para compor a Corte, bem como a de se convocar Ministro do STJ. Citaram-se, também, dispositivos do Regimento Interno do Supremo, o art. 97 da CF e a Súmula Vinculante 10. Tendo em conta não se ter chegado, no caso, a um consenso quanto ao dispositivo que se aplicaria em face da vacância, o julgamento foi suspenso [RISTF: “Art. 13. São atribuições do Presidente: … IX – proferir voto de qualidade nas decisões do Plenário, para as quais o Regimento Interno não preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de Ministro em virtude de: a) impedimento ou suspeição; b) vaga ou licença médica superior a 30 (trinta) dias, quando seja urgente a matéria e não se possa convocar o Ministro licenciado. … Art. 146. Havendo, por ausência ou falta de um Ministro, nos termos do art. 13, IX, empate na votação de matéria cuja solução dependa de maioria absoluta, considerar-se-á julgada a questão proclamando-se a solução contrária à pretendida ou à proposta. Parágrafo único. No julgamento de ‘habeas corpus’ e de recursos de ‘habeas corpus’ proclamar-se-á, na hipótese de empate, a decisão mais favorável ao paciente. … Art. 173. Efetuado o julgamento, com o quorum do art. 143, parágrafo único, proclamar-se-á a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou do ato impugnados, se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis Ministros. Parágrafo único. Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de inconstitucionalidade, estando licenciados ou ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se o comparecimento dos Ministros ausentes, até que se atinja o quorum.”].
RE 630147/DF, rel. Min. Ayres Britto, 22 e 23.9.2010. (RE-630147)
Primeira Turma
Liberdade Provisória e Tráfico de Drogas
A Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteada a liberdade provisória de preso em flagrante pela suposta prática do crime de tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33). A defesa sustentava a inconstitucionalidade do art. 44 da mesma lei, que veda a concessão desse benefício. Inicialmente, por maioria, rejeitou-se questão preliminar, suscitada pelo Min. Marco Aurélio, vencido, no sentido de afetar o caso ao Plenário ou aguardar que tal órgão decida sobre a argüição de inconstitucionalidade do art. 44 em processo que já se encontra a ele submetido, pois não caberia à Turma deliberar a respeito. Afirmou-se que, se a Corte vier a reputar inconstitucional o referido dispositivo, tanto não haverá óbice a uma nova impetração quanto o próprio juízo processante poderá agir de ofício e conceder a liberdade ao paciente. No mérito, invocaram-se precedentes das Turmas segundo os quais tal vedação seria legítima e considerou-se hígida a constrição cautelar imposta, uma vez que presentes os requisitos da prisão preventiva.
HC 104616/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21.9.2010. (HC-104616)
HC: Uso de Algemas e Demora no Julgamento
A Turma não conheceu de habeas corpus em que o paciente, em sessão de julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, permanecera algemado e fora condenado pela prática dos crimes de homicídio consumado e tentado. Alegava-se que o uso das algemas o teria exposto a situação vexatória e, portanto, acarretaria a nulidade do julgamento. Salientou-se que a questão não teria sido suscitada no STJ, razão pela qual analisá-la nesse momento implicaria supressão de instância. Entretanto, concedeu-se a ordem de ofício para determinar que o pedido de medida liminar impetrado perante o STJ seja apreciado, uma vez que o writ fora lá apresentado em 6.11.2009, o que configuraria demora excessiva na prestação jurisdicional. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem em maior extensão, por entender que, no caso, o emprego das algemas não se justificaria, pois baseado tão-somente no fato de o réu ostentar maus antecedentes, motivo pelo qual teria sido presumida a sua periculosidade. Ademais, aduzia que o uso de tal equipamento poderia ter induzido os jurados à presunção de culpa do acusado.
HC 103175/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 21.9.2010. (HC-103175)
Agravo Regimental e Capacidade Postulatória
A Turma iniciou julgamento de agravo regimental em habeas corpus, interposto em causa própria pelo paciente, contra decisão proferida pela Min. Cármen Lúcia que, com base no Enunciado 691 da Súmula do STF, negara seguimento ao writ do qual relatora. Inicialmente, a relatora consignou que o agravo estaria prejudicado, pois o STJ teria proferido decisão de mérito no habeas corpus lá impetrado, cujo indeferimento de medida liminar seria o objeto do presente writ. Entretanto, não conheceu do recurso em razão de o paciente não possuir capacidade postulatória. Ressaltou que, na decisão impugnada nestes autos, notificara o paciente de seu direito de constituir defensor público, caso não pudesse pagar por um advogado, bem como a Defensoria Pública para que tomasse as providências que entendesse cabíveis. Após, pediu vista o Min. Dias Toffoli.
HC 102836 AgR/PE, rel. Min. Cármen Lúcia, 21.9.2010. (HC-102836)
Reincidência e Meio de Prova
A legislação pátria não exige documento específico para que seja comprovada a reincidência do agente. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado cuja pena-base fora exacerbada pelo reconhecimento da reincidência, a qual demonstrada em folha de antecedentes expedida pelo Departamento da Polícia Federal. A defesa sustentava que a certidão cartorária judicial seria o documento hábil para comprovar esse fato. Aduziu-se que o sistema legal estabeleceria apenas o momento em que a reincidência poderia ser verificada (CP, art. 63). Enfatizou-se que, no caso, a folha de antecedentes, expedida por órgão policial, seria idônea a demonstrá-la, por conter todas as informações necessárias para isso, além de ser um documento público com presunção iuris tantum de veracidade. Ressaltou-se que o intervalo de tempo compreendido entre o trânsito em julgado da condenação anterior e a nova sentença condenatória seria inferior a cinco anos e que, portanto, o paciente seria tecnicamente reincidente.
HC 103969/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21.9.2010. (HC-103969)
Segunda Turma
Impedimento de Magistrado: Atuação em Feito Criminal e Sentença em Ação Civil Pública – 3
Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que se discutia se estaria comprometida, ou não, a imparcialidade de juiz de vara única que condenara o paciente em ação civil pública e, depois, recebera denúncia em ação penal pelos mesmos fatos — v. Informativo 585. Reputou-se não se tratar de causa de impedimento a circunstância de o magistrado com jurisdição ampla julgar, sucessivamente, feito criminal e de natureza cível decorrentes dos mesmos fatos. Consignou-se que o Supremo, ao assentar a impossibilidade de se estender, pela via de interpretação, o rol do art. 252 do CPP, teria concluído não ser permitido ao Judiciário legislar para incluir causa não prevista pelo legislador. No ponto, realçou-se que essa inclusão ocorreria por analogia pura e simples ou por denominada interpretação extensiva, que nada mais seria do que adicionar, a partir de um referencial legal, um item não previsto pelo legislador em um rol taxativo. Entendeu-se que o caso de varas únicas — em que o magistrado exerce simultaneamente jurisdição cível e penal — não estaria abrangido pela intenção da norma que fixara como critério de impedimento o exercício de função em outra instância. Ressaltou-se que a mencionada norma impediria a mitigação do duplo grau de jurisdição em virtude da participação em ambos os julgamentos de magistrado que já possuísse convicção formada sobre os fatos e suas repercussões criminais. Assim, não visaria atingir o tratamento de um só fato em suas diversas conotações e conseqüências pelo mesmo juiz. Afirmou-se, ademais, que as pequenas comarcas do Brasil possuiriam apenas uma vara e um magistrado. Portanto, posicionar-se no sentido de que o mesmo acontecimento com repercussões administrativas, cíveis ou penais deveria ser julgado por juízes diferentes, exigiria a presença de, no mínimo, dois magistrados em cada localidade do país. Consignou-se, ademais, que o juiz poderia decidir que, comprovado o fato, dele fossem obtidos apenas efeitos cíveis, e não criminais. Asseverou-se inexistir comprometimento do julgador com as conseqüências dos atos por ele reconhecidos em julgamento anterior, na mesma instância, porém em outra esfera. Por derradeiro, não se vislumbrou possibilidade de interpretação extensiva do art. 252, III, do CPP sem criação judicial de nova causa de impedimento. Vencido o Min. Eros Grau, relator, que, por conferir interpretação extensiva ao referido preceito, deferia o writ para anular a ação penal, desde o recebimento da denúncia, e determinava a remessa dos autos ao substituto legal do juiz. Alguns precedentes citados: HC 92893/ES (DJe de 12.12.2008), HC 98901/PI (DJe de 4.6.2010).
HC 97544/SP, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/acórdão Min. Gilmar Mendes, 21.9.2010. (HC-97544)
Configuração da Interestadualidade de Tráfico de Drogas
Por reputar devidamente aplicada a causa de aumento de pena prevista no art. 40, V, da Lei 11.343/2006 (“Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: … V – caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal”), a Turma indeferiu habeas corpus em que se afirmava a necessidade de efetiva transposição de fronteira estadual para a caracterização da interestadualidade. Na espécie, o paciente fora preso em flagrante em ônibus que fazia o trajeto de Campo Grande/MS a Cuiabá/MT, trazendo consigo substância entorpecente, e confessara, na fase inquisitorial e em juízo, a intenção de transportar a droga para cidade situada no Estado de Mato Grosso. Asseverou-se que, sob o aspecto da política penal adotada, a inovação disposta no mencionado inciso visaria coibir a expansão do tráfico de entorpecentes entre as unidades da Federação. Entendeu-se que a configuração da interestadualidade do tráfico de entorpecentes prescindiria da efetiva transposição das fronteiras do Estado, e que bastariam, para tanto, elementos que sinalizassem a destinação da droga para além dos limites estaduais.
HC 99452/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, 21.9.2010. (HC-99452)
Porte Ilegal de Arma de Fogo e Ausência de Munição
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que denunciado pela suposta prática do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido pleiteia o trancamento de ação penal. O Min. Joaquim Barbosa, relator, conheceu parcialmente do writ e, na parte conhecida, denegou a ordem. Ressaltou que ainda não fora pacificada pela Corte a questão relativa à tipicidade do porte ilegal de arma de fogo sem munição. Sem comprometer-se com a tese, entendeu que deveria prevalecer, especialmente após a entrada em vigor da Lei 10.826/2003, corrente segundo a qual a hipótese seria de crime de perigo abstrato, para cuja caracterização não importaria o resultado concreto da ação. Aduziu que a referida lei, além de tipificar o simples porte de munição, não exigiria para a caracterização do crime sob análise que a arma estivesse municiada, de acordo com que se extrairia da redação do art. 14 daquele diploma legal. Avaliou, ainda, que o trancamento de ação penal seria medida reservada a hipóteses excepcionais, como a manifesta atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção da punibilidade do paciente ou a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas, o que não se daria na espécie. Para evitar supressão de instância, não conheceu da alegação, não apreciada pelo STJ nem pelo tribunal estadual, de que o paciente fora autorizado, por presidente da Corte estadual, a portar arma, a qual só não estaria registrada em seu nome porque, à época dos fatos, ainda vigoraria o prazo legal para o devido registro. Não obstante, explicitou que esse prazo, espécie de vacatio legis indireta, teria sido destinado aos proprietários e possuidores de arma de fogo (Lei 10.826/2003, art. 12), e não àqueles acusados de porte ilegal (art. 14). Após, pediu vista dos autos o Min. Celso de Mello.
HC 96759/CE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 21.9.2010. (HC-96759)
Princípio da Consunção: Crime contra a Ordem Tributária e Falsidade Ideológica – 1
Ao aplicar a Súmula Vinculante 24 (“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”), a Turma deferiu habeas corpus para determinar, por ausência de tipicidade penal, a extinção do procedimento investigatório instaurado para apurar suposta prática de crimes de falsidade ideológica e contra a ordem tributária. Na espécie, o paciente, domiciliado no Estado de São Paulo, teria obtido o licenciamento de seu veículo no Estado do Paraná de modo supostamente fraudulento — indicação de endereço falso —, com o fim de pagar menos tributo, haja vista que a alíquota do IPVA seria menor. Inicialmente, salientou-se que o STJ reconhecera o prejuízo do habeas lá impetrado, em face da concessão, nestes autos, de provimento cautelar. Em seguida, observou-se que a operação desencadeada pelas autoridades estaduais paulistas motivara a suscitação de diversos conflitos de competência entre órgãos judiciários dos Estados-membros referidos, tendo o STJ declarado competente o Poder Judiciário paulista. Aquela Corte reconhecera configurada, em contexto idêntico ao dos autos do writ em exame, a ocorrência de delito contra a ordem tributária (Lei 8.137/90), em virtude da supressão ou redução de tributo, afastada a caracterização do crime de falsidade ideológica (CP, art. 299). Reputou-se claro que o delito alegadamente praticado seria aquele definido no art. 1º da Lei 8.137/90, tendo em conta que o crimen falsi teria constituído meio para o cometimento do delito-fim, resolvendo-se o conflito aparente de normas pela aplicação do postulado da consunção, de tal modo que a vinculação entre a falsidade ideológica e a sonegação fiscal permitiria reconhecer, em referido contexto, a preponderância do delito contra a ordem tributária.
HC 101900/SP, rel. Min. Celso de Mello, 21.9.2010. (HC-101900)
Princípio da Consunção: Crime contra a Ordem Tributária e Falsidade Ideológica – 2
Ademais, determinou-se que, o reconhecimento da configuração do crime contra a ordem tributária, afastada a caracterização do delito de falsidade ideológica, tornaria pertinente a invocação, na espécie, da Súmula Vinculante 24. Destacou-se que, enquanto não encerrada, na instância fiscal, o respectivo procedimento administrativo, não se mostraria possível a instauração da persecução penal nos delitos contra a ordem tributária, tais como tipificados no art. 1º da Lei 8.137/90. Esclareceu-se ser juridicamente inviável a instauração de persecução penal, mesmo na fase investigatória, enquanto não se concluir, perante órgão competente da administração tributária, o procedimento fiscal tendente a constituir, de modo definitivo, o crédito tributário. Asseverou-se, por fim, que se estaria diante de comportamento desvestido de tipicidade penal, a evidenciar, portanto, a impossibilidade jurídica de se adotar, validamente, contra o suposto devedor, qualquer ato de persecução penal, seja na fase pré-processual (inquérito policial), seja na fase processual (“persecutio criminis in judicio”), pois comportamentos atípicos não justificariam a utilização pelo Estado de medidas de repressão criminal.
HC 101900/SP, rel. Min. Celso de Mello, 21.9.2010. (HC-101900)
Responsabilidade Civil do Poder Público e Omissão – 1
A Turma iniciou julgamento de agravo regimental interposto pelo Município de São Paulo contra decisão que o condenara a indenizar os ora agravados pelos danos ocasionados em virtude de explosão (em junho de 1985) de estabelecimento destinado ao comércio de fogos de artifício. O Min. Joaquim Barbosa, relator, deu provimento parcial ao agravo apenas para promover os ajustes referentes ao direito de regresso contra o proprietário do comércio e estabelecer termos iniciais dos juros de mora e correção monetária. Preliminarmente, assentou a ausência de violação ao art. 557, § 1º-A, do CPC, porque, apesar de o relator ter citado apenas 2 acórdãos referentes à questão da responsabilidade civil do Estado, a decisão agravada encontraria respaldo em farta jurisprudência do Supremo. Salientou que tal decisão estaria legitimada pela possibilidade de recurso ao Colegiado. Esclareceu, ainda, que o recurso extraordinário (CF, art. 102, III, c) atenderia aos pressupostos de admissibilidade: tempestividade; preparo e prequestionamento. Aduziu, na espécie, que o Enunciado 279 da Súmula do STF não impediria o cabimento do extraordinário, uma vez que as premissas fáticas em que se apoiara teriam sido todas explicitamente mencionadas pelo acórdão adversado. Acrescentou que precedentes reconheceriam a admissibilidade de recurso extraordinário quanto à responsabilidade por omissão do Poder Público, desde que mantido o quadro fático fixado no acórdão recorrido. Em seguida, assentou a omissão grave do Município, o qual teria sido informado da instalação do comércio em zona residencial pelo próprio proprietário do estabelecimento, que inclusive recolhera a taxa para a obtenção do alvará. Reputou despropositado o argumento da agravante de que os precedentes relatados não se aplicariam por terem sido proferidos à luz do art. 37, § 6º, da CF/88 (“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”), que possuiria sentido diverso do art. 107 da CF/67, após a EC 1/69. No ponto, informou que esta Corte já reconhecera não haver diferença substancial na interpretação desses dois dispositivos, que reiterariam princípio antigo.
RE 136861 AgR/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 21.9.2010. (RE-136861)
Responsabilidade Civil do Poder Público e Omissão – 2
Entendeu que a decisão em debate não destoaria da orientação de que a responsabilidade do Estado por ato omissivo deveria ser considerada subjetiva, a depender da existência de dolo ou culpa. Analisou que a culpa referida, conforme pacificado pela jurisprudência do Supremo, seria aquela atribuível à Administração como um todo, de forma genérica. Assim, seria uma culpa “anônima”, que não exigiria a individualização da conduta. Realçou que a omissão imputada à municipalidade configuraria falha grave da Administração. Frisou que: 1) o julgamento monocrático não representaria adoção da teoria do risco integral; 2) a importância da culpa de terceiro para a configuração do dano fora discutida e 3) a conclusão de que a excludente não se configurara, na espécie, não bastaria para reconhecer que a decisão adotara a teoria do risco integral. Expôs que fora juntada aos autos cópia de legislação municipal que disciplinaria a localização de lojas de fogos de artifício naquele Município e que dela constaria a não concessão de licença de funcionamento para esse tipo de comércio em zona residencial. Observou que este fundamento da decisão não fora impugnado pelo agravante, razão pela qual sua validade permaneceria íntegra. Lembrou que se reportara ao que previsto no art. 30, VIII, da CF/88 (“Art. 30. Compete aos Municípios: … VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”) apenas para evidenciar que a competência do Município para dispor sobre os assuntos de interesse local — atribuição que lhe seria reconhecida desde a CF/1891 (art. 68) — teria sido explicitada, quanto ao uso do solo, na Constituição em vigor. Afirmou que a atribuição de licenciar o exercício comercial daquela atividade estaria incluída na competência municipal em período anterior à aprovação do texto atual. Destacou a existência de legislação municipal sobre o assunto e, na situação dos autos, o fato de ter havido o recolhimento de taxa pelo proprietário do estabelecimento em que se dera a explosão. Asseverou que a afirmação de que a culpa de terceiro, feita sem atenção no caso concreto, seria excludente da responsabilidade civil do Estado, em regra, revelar-se-ia falsa. Avaliou que o ato de terceiro, em circunstâncias especiais, equiparar-se-ia ao caso fortuito, absolutamente imprevisível e inevitável. Dessa forma, para que ele configurasse, de fato, uma excludente de responsabilidade civil do Estado, deveriam estar presentes condições especiais que permitiriam alcançar alto grau de imprevisibilidade, tornando impossível esperar que o dano pudesse ser impedido pelo funcionamento regular da Administração. Após estabelecer a analogia entre o ato de terceiro imprevisível e inevitável e o caso fortuito, aplicou à hipótese em julgamento os acórdãos em que esta Corte, ao apreciar alegação de caso fortuito, concluíra pela sua não configuração, diante de indícios de que se tratava de eventos previsíveis e evitáveis.
RE 136861 AgR/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 21.9.2010. (RE-136861)
Responsabilidade Civil do Poder Público e Omissão – 3
O relator considerou que o funcionamento regular da máquina administrativa da municipalidade teria sido suficiente para evitar o evento danoso. Mencionou que a análise prévia e superficial do requerimento já permitiria ver que o endereço informado não comportaria, por se tratar de área residencial, o estabelecimento de comércio de fogos de artifício. Ressaltou que o Município fornecera à sociedade a falsa impressão de segurança e que a contribuição dele para o evento danoso parecera determinante. No tocante aos pedidos subsidiários, restabeleceu a sentença no que se refere ao direito de regresso — julgado prejudicado pelo tribunal de justiça local — em relação ao litisdenunciado, proprietário do comércio. Resolveu não acolher o requerimento de denunciação à lide à União, tendo em conta que a questão, devidamente abordada na origem, estaria preclusa. Observou que a menção, na decisão agravada, à eventual competência de outros entes federativos para disciplinarem aspectos relativos ao comércio de fogos de artifício, serviria para evidenciar que a ação fora proposta com fundamento em um deles, licenciamento de estabelecimento de comércio, que, conforme destacado, caberia justamente ao Município. Relatou que a sentença adotara como termo inicial, dos juros de mora, a citação, e, como critério, quanto à correção monetária, ora o desembolso (funeral, honorários), ora o laudo pericial (danos a bens imóveis e móveis). Por fim, propôs aplicar os critérios estabelecidos na sentença com uma ressalva concernente às verbas a serem fixadas por arbitramento. Em atenção ao Verbete 362 da Súmula do STJ, deveria a correção monetária incidir a partir dele. O Min. Celso de Mello acompanhou o relator. Aludiu que a responsabilidade civil objetiva, mesmo na hipótese de omissão do Poder Público, configurar-se-ia, inclusive, para efeito de incidência do art. 37, § 6º, da CF. Corroborou que a responsabilidade civil do Poder Público mostrar-se-ia compatível com hipótese de comportamento negativo deste, especialmente em situação como a presente, em que os pressupostos fáticos se achariam soberanamente reconhecidos pelo acórdão e pela sentença proferidos nos autos. Reafirmou o comportamento falho da Administração municipal no controle e fiscalização de uma atividade claramente de risco, que gerara de maneira trágica os eventos mencionados. Esclareceu haver um indissociável liame, um claro vínculo de causalidade material, com o próprio comportamento da Administração Pública. Após, pediu vista dos autos o Min. Gilmar Mendes.
RE 136861 AgR/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 21.9.2010. (RE-136861)
Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 22.9.2010 23.9.2010 1
1ª Turma 21.9.2010 — 30
2ª Turma 21.9.2010 — 291
R e p e r c u s s ã o G e r a l
DJE de 24 de setembro de 2010
REPERCUSSÃO GERAL EM AI N. 751.521-SP
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Direito do consumidor. Contratos bancários. Planos Econômicos. Correção monetária. Cadernetas de poupança. Índice de atualização. Direito adquirido. Expurgos inflacionários. Plano Collor I. Valores bloqueados. Repercussão Geral Reconhecida.
Decisões Publicadas: 1
C l i p p i n g d o DJ
24 de setembro de 2010
ADI N. 3.106-MG
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 79 e 85 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64, DE 25 DE MARÇO DE 2002, DO ESTADO DE MINAS GERAIS. IMPUGNAÇÃO DA REDAÇÃO ORIGINAL E DA REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI COMPLEMENTAR N. 70, DE 30 DE JULHO DE 2003, AOS PRECEITOS. IPSEMG. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS E APOSENTADORIA ASSEGURADOS A SERVIDORES NÃO-TITULARES DE CARGO EFETIVO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO § 13 DO ARTIGO 40 E NO § 1º DO ARTIGO 149 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Artigo 85, caput, da LC n. 64 estabelece que “o IPSEMG prestará assistência médica, hospitalar e odontológica, bem como social, farmacêutica e complementar aos segurados referidos no art. 3º e aos servidores não titulares de cargo efetivo definidos no art. 79, extensiva a seus dependentes”. A Constituição de 1988 — art. 149, § 1º — define que “os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefícios destes, de sistemas de previdência e assistência social”. O preceito viola o texto da Constituição de 1988 ao instituir contribuição compulsória. Apenas os servidores públicos titulares de cargos efetivos podem estar compulsoriamente filiados aos regimes próprios de previdência. Inconstitucionalidade da expressão “definidos no art. 79” contida no artigo 85, caput, da LC 64/02. 2. Os Estados-membros não podem contemplar de modo obrigatório em relação aos seus servidores, sob pena de mácula à Constituição do Brasil, como benefícios, serviços de assistência médica, hospitalar, odontológica, social, e farmacêutica. O benefício será custeado mediante o pagamento de contribuição facultativa aos que se dispuserem a dele fruir. 3. O artigo 85 da lei impugnada institui modalidade complementar do sistema único de saúde — “plano de saúde complementar”. Contribuição voluntária. Inconstitucionalidade do vocábulo “compulsoriamente” contido no § 4º e no § 5º do artigo 85 da LC 64/02, referente à contribuição para o custeio da assistência médica, hospitalar, odontológica e farmacêutica. 4. Reconhecida a perda de objeto superveniente em relação ao artigo 79 da LC 64/02, na redação conferida LC 70/03, ambas do Estado de Minas Gerais. A Lei Complementar 100, de 5 de novembro de 2007, do Estado de Minas Gerais — “Art. 14. Fica revogado o art. 79 da Lei Complementar nº 64, de 2002”. 5. Pedido julgado parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade: [i] da expressão “definidos no art. 79” — artigo 85, caput, da LC 64/02 [tanto na redação original quanto na redação conferida pela LC 70/03], ambas do Estado de Minas Gerais. [ii] do vocábulo “compulsoriamente” — §§ 4º e 5º do artigo 85 [tanto na redação original quanto na redação conferida pela LC 70/03], ambas do Estado de Minas Gerais.
* noticiado no Informativo 582
REFERENDO EM MED.CAUT. EM ADI N. 4.102-RJ
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: REFERENDO DE MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VINCULAÇÃO DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS A DETERMINADOS SETORES DA POLÍTICA EDUCACIONAL. CAUTELAR REFERENDADA PARA SUSPENDER A VIGÊNCIA DO § 1º DO ART. 309, DO CAPUT E § 5º DO ART. 314 E DA EXPRESSÃO “E GARANTIRÁ UM PERCENTUAL MÍNIMO DE 10% (DEZ POR CENTO) PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL”, CONTIDA NA PARTE FINAL DO § 2º DO ART. 314, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que são inconstitucionais as normas que estabelecem vinculação de parcelas das receitas tributárias a órgãos, fundos ou despesas, seja porque desrespeitam a vedação contida no art. 167, inc. IV, da Constituição da República, seja porque restringem a competência constitucional do Poder Executivo para a elaboração das propostas de leis orçamentárias. Precedentes. 2. As restrições impostas ao exercício das competências constitucionais conferidas ao Poder Executivo, entre elas a fixação de políticas públicas, importam em contrariedade ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes. 3. A via original do agravo regimental interposto por fax pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro não foi recebida no Supremo Tribunal Federal, conforme determinam a Lei n. 9.800/1999 e a Resolução n. 179/1999. Agravo regimental não conhecido. 4. Medida cautelar referendada para suspender a vigência do § 1º do art. 309, do caput e § 5º do art. 314 e da expressão “e garantirá um percentual mínimo de 10% (dez por cento) para a educação especial”, contida na parte final do § 2º do art. 314, todos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
* noticiado no Informativo 588
RE N.566.259-RS
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 149, § 2º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXTENSÃO DA IMUNIDADE À CPMF INCIDENTE SOBRE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS RELATIVAS A RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO ESTRITA DA NORMA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. I – O art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal é claro ao limitar a imunidade apenas às contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico incidentes sobre as receitas decorrentes de exportação. II – Em se tratando de imunidade tributária a interpretação há de ser restritiva, atentando sempre para o escopo pretendido pelo legislador. III – A CPMF não foi contemplada pela referida imunidade, porquanto a sua hipótese de incidência – movimentações financeiras – não se confunde com as receitas. IV – Recurso extraordinário desprovido.
*noticiado no Informativo 595
RE N.626.706-SP
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Tributário. Imposto Sobre Serviços (ISS). Não incidência sobre locação de bens móveis. Filmes cinematográficos, videoteipes, cartuchos para video games e assemelhados. Súmula Vinculante n. 31. Art. 156, inciso III, da Constituição Federal.
* noticiado no Informativo 599
HC N. 96.356-RS
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
INQUÉRITO – ELEMENTOS – CONDENAÇÃO. Surge insubsistente pronunciamento condenatório baseado, unicamente, em elementos coligidos na fase de inquérito.
* noticiado no Informativo 597
Acórdãos Publicados: 346
Transcrições
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do Informativo STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Legitimidade do Ministério Público: Ação Civil Pública e Anulação de TARE (Transcrições)
(v. Informativo 595)
RE 576155/DF*
RELATOR: Min. Ricardo Lewandowski
RELATÓRIO:Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pela Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça local, que recebeu a seguinte ementa:
“TRIBUTÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERMO DE ACORDO DE REGIME ESPECIAL. TARE. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINITÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Reconhece-se a ilegitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública em matéria tributária, ante a vedação expressa do artigo 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. (fls. 478/479, Relator Desembargador Natanael Caetano, julgado em 2/5/2007, DJ de 31/5/2007)” (grifos nossos).
Na origem, o Ministério Público ajuizou ação civil pública contra ** e o Distrito Federal com o objetivo de: (i) anular Termo de Acordo de Regime Especial – TARE, firmado entre ambos, nos termos da Lei Distrital 1.254/96, alterada pela Lei Distrital 2.381/99, que estabeleceu o regime especial de apuração do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS devido pela empresa ou, alternativamente, anular apenas a primeira cláusula do referido ajuste; e (ii) obter a condenação desta ao pagamento do imposto não recolhido, acrescido de juros e correção monetária, desde a citação.
Na inicial, o Parquet alegou, em resumo, que o DF, invadindo matéria reservada à lei complementar federal, editou o Decreto Distrital 20.322/99, à guisa de regulamentar a citada Lei Distrital 2.381/99, autorizando o comércio atacadista ou distribuidor a abater, indevidamente, o montante do imposto cobrado nas operações anteriores, na forma de alíquotas variáveis.
Acrescentou, ainda, que a Secretaria de Fazenda do Distrito Federal, deixando de observar os parâmetros estabelecidos no próprio Decreto, editou a Portaria 292/99, que estabeleceu percentuais de crédito fixos para os produtos que enumera, tanto para as saídas internas quanto para as interestaduais, diminuindo, assim, o valor que deveria ser recolhido a título de ICMS.
Disse, mais, que, ao cabo de doze meses de vigência do acordo, o Subsecretário da Receita do DF descumpriu o disposto no art. 36, § 1º, da Lei Complementar Federal 87/96 e nos arts. 37 e 38 da Lei Distrital 1.254/96, porque não teria procedido à apuração do imposto devido, com base na escrituração regular do contribuinte, apurando eventuais diferenças positivas ou negativas, para o efeito de pagamento ou compensação.
Assinala, por fim, o MP/DF, que o TARE sob exame “causou prejuízo mensal ao Distrito Federal, em termos percentuais que variam entre 2,5% (dois e meio por cento) a 4% (quatro por cento), nas saídas interestaduais e de 1% (um por cento) a 4,5% (quatro e meio por cento), nas saídas internas, do ICMS devido”.
O magistrado de primeiro grau declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da Lei Distrital 2.381/1999, julgando procedente a ação civil pública, ao argumento de que o diploma normativo em questão afronta o pacto federativo.
Inconformados, os subscritores do TARE interpuseram recursos de apelação. Em preliminar, alegaram a ilegitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública em matéria tributária, bem como a inadequação daquele instrumento processual para solucionar a questão, além da necessidade de suspender-se o processo até julgamento final da ADI 2.440/SP, sob minha relatoria, a qual – esclareço, desde logo – julguei prejudicada pela perda superveniente de objeto, com fundamento no art. 21, IX, RISTF (DJ de 27/3/2008).
No mérito, sustentaram a inocorrência de lesão ao patrimônio público, negando, ainda, que a empresa, ora recorrida, tenha obtido qualquer benefício fiscal, em razão da celebração do acordo entre ela e o Distrito Federal.
O TJ/DF acolheu a preliminar de ilegitimidade ad causam do Ministério Público sob o fundamento de que a ação civil pública versa sobre matéria tributária. Dessa decisão, foram opostos embargos de declaração, os quais se viram rejeitados.
Irresignado, o Parquet interpôs o presente recurso extraordinário. Inicialmente, assenta a existência de repercussão geral do tema, visto tratar-se de discussão sobre a legitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública em defesa da ordem tributária, do patrimônio público e dos interesses e direitos difusos da coletividade do Distrito Federal. No mérito, assevera, em suma, que o aresto recorrido afrontou os arts. 5º, XXXV, 102, III, a, b e c, e 129, III e IX, da Constituição Federal.
Apresentadas as contra-razões (fls. 526-571 e 572-585), o recurso extraordinário foi admitido (fls. 621-625). Em 14/3/2008, manifestei-me pela existência da repercussão geral, que foi reconhecida por esta Suprema Corte, no dia 3/4/2008, por maioria de votos, em acórdão assim ementado:
LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NULIDADE DE ACORDO PARA PAGAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO. DETRIMENTO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E DA ORDEM TRIBUTÁRIA. REPERCUSSÃO GERAL.
Em petição recebida como questão de ordem, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios requereu o sobrestamento de todos os processos relativos aos TAREs, até o deslinde da matéria constitucional pelo STF, em face de seu caráter prejudicial, in verbis:
“atento a que são mais de 700 feitos, quase todos já deduzidos ou que serão contestados mediante semelhantes recursos extraordinários, requer o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios que V. Exa. determine ao Superior Tribunal de Justiça e ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, expressamente, conforme o disposto no citado art. 328 do RISTF, o sobrestamento, em todos os graus, inclusive em sede especial, das causas relativas ao TARE, até o deslinde da matéria pelo plenário do Supremo Tribunal Federal”.
A questão de ordem foi resolvida pelo Plenário desta Corte no sentido do sobrestamento requerido pelo Parquet, em acórdão que recebeu a seguinte ementa:
“QUESTÃO DE ORDEM. PREJUDICIALIDADE CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. TERMO DE ACORDO DE REGIME ESPECIAL – TARE. LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. AFRONTA AO ART. 129, III, DA CF. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PREJUDICIALIDADE CONSTITUCIONAL VERIFICADA.
I – A prejudicial suscitada consubstancia-se em uma prioridade lógica necessária para a solução de casos que versam sobre a mesma questão, preenchendo todos os requisitos que determinam a prejudicialidade constitucional.
III – Precedentes.
IV – Questão resolvida, com determinação de sobrestamento das causas relativas ao Termo de Acordo de Regime Especial que estiverem em curso no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios até o deslinde da matéria por este Plenário”.
Deixei de ouvir o Ministério Público Federal, uma vez que, em inúmeros outros casos que versavam sobre a mesma questão, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela legitimidade do Parquet para propor ação civil pública contra os TAREs, firmados entre o DF e empresas privadas, tendo em vista a defesa do patrimônio público. Menciono, dentre outros seguintes processos: RE 559.637/DF, de minha relatoria, AC 1.984/DF, Rel. Min. Carlos Britto, RE 563.837/DF, Rel. Min. Eros Grau, RE 553.272/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, RE 563.582/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes e o RE 572.797/DF, Rel. Min. Menezes Direito.
É o relatório.
VOTO: Como visto, o presente RE diz respeito à legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Especial – TARE firmado entre o Distrito Federal e empresa privada, no caso, fornecedora de equipamentos educacionais.
O tema foi objeto de controle de legalidade pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 845.034/DF, Rel. Min. José Delgado. Entendeu aquela Corte, por maioria de votos, que o TARE versa sobre matéria tributária individualizável, o que afastaria a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública com o escopo de anular o benefício fiscal em tela, nos termos do parágrafo único do artigo 1º da Lei 7.347/1985, abaixo transcrito:
“Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados” (incluído pela Medida Provisória 2.180-35/2001 – grifos nossos).
Com a devida vênia, entendo, no entanto, que tal conclusão não pode prosperar, sobretudo quando confrontada com o texto constitucional. Com efeito, observo que a ação civil pública ajuizada contra o TARE em questão não se cinge à proteção de interesse individual, mas abarca interesses metaindividuais, visto que tal acordo, ao beneficiar uma empresa privada assegurando-lhe o regime especial de apuração do ICMS, pode, em tese, mostrar-se lesivo o patrimônio público, o que, por si só, legítima a atuação do Parquet.
Tratando do tema, leciona Barbosa Moreira, que os interesses metaindividuais são “interesses essencialmente coletivos”, pois
“o interesse em jogo, comum a uma pluralidade indeterminada (e praticamente indeterminável) de pessoas, não comporta decomposição num feixe de interesses individuais que se justapusessem como entidades singulares, embora análogas. Há, por assim dizer, uma comunhão indivisível de que participam todos os possíveis interessados, sem que se possa discernir, sequer idealmente, onde acaba a ‘quota’ de um e onde começa a de outro. Por isso mesmo, instaura-se entre os destinos dos interessados tão firme união, que a satisfação de um só implica de modo necessários a satisfação de todos; e, reciprocamente, a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade”.
De fato, a Constituição Federal estabeleceu, no art. 129, III, que o Ministério Público tem, dentre outras, a função institucional de “promover o inquérito e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
E a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a legitimidade do MP para ajuizar ações civis públicas em defesa de interesses metaindividuais, a exemplo das decisões abaixo:
“MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. LEGITIMIDADE PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS. MENSALIDADES ESCOLARES. ADEQUAÇÃO ÀS NORMAS DE REAJUSTE FIXADAS PELO CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. ART. 129, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária do dia 26 de fevereiro de 1997, no julgamento do RE 163.231-3, de que foi Relator o eminente Ministro Maurício Corrêa, concluiu pela legitimidade ativa do Ministério Público para promover ação civil pública com vistas à defesa dos interesses coletivos. Recurso extraordinário conhecido e provido” (RE 190.976/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão – grifos nossos).
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO. 1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). 3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. 5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. 5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação” (RE 163.231/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa).
Esta Corte também tem confirmado, sistematicamente, a competência do Parquet para defender o erário, em juízo. Entre os muitos julgados nessa direção, destaco o AI 497.618-ED/SP e o AI-AgR 491.081/SP, ambos relatados pelo Min. Carlos Velloso, e os REs 267.023/MA e 248.202/MG, os dois de relatoria do Min. Moreira Alves, cuja ementa transcrevo abaixo:
“Recurso Extraordinário – O Plenário desta Corte, no RE 208.790, em hipótese análoga à presente, entendeu que é o Ministério Público legitimado para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público – Desse entendimento divergiu o acórdão recorrido. Recurso Extraordinário conhecido e provido”.
Também a doutrina consagrou a legitimidade do Ministério Público agir em defesa patrimônio público. Nessa linha, Teori Albino Zavascki afirma que
“Menção especial é de ser feita à tutela do patrimônio público e social, que, segundo o art. 129, III, da Constituição, compõe, juntamente com o meio ambiente e ‘outros interesses difusos e coletivos’, o objeto da ação civil pública a que se legitima o Ministério Público. É certo que a lesão àqueles bens (patrimônio público e social) constitui lesão a interesse de toda a sociedade, sendo apropriada, por isso mesmo, a qualificação de interesse transindividual que lhe foi atribuída (…).
Não pode ser aceita (…) a posição que vai ao extremo de negar, taxativamente, a legitimação do Ministério Público na defesa do patrimônio público, ou de limitá-la às hipóteses de tutela de interesses difusos e coletivos. Tal limitação importaria fazer tabula rasa da norma constitucional do art. 129, III, que prevê expressamente tal legitimação, tanto em defesa dos direitos difusos e coletivos, quanto do patrimônio público e social, considerados, um em relação ao outro, categorias jurídicas distintas e autônomas”.
No caso sob exame, o Parquet do Distrito Federal não objetiva, primacialmente, obter a declaração de inconstitucionalidade de legislação local, nem a sua incompatibilidade com a lei complementar federal, buscando, em essência, o reconhecimento da nulidade do acordo firmado entre a Administração Pública e determinado contribuinte, que teria causado prejuízo ao erário, em face de recolhimento de ICMS a menor.
Como assinalado no relatório, o Ministério Público veiculou que a Secretaria de Fazenda do Distrito Federal, deixando de observar os parâmetros estabelecidos no próprio Decreto regulamentar, editou a Portaria 292/99, que estabeleceu percentuais de crédito fixos para os produtos que enumera, tanto para as saídas internas quanto para as interestaduais, diminuindo, assim, o valor que deveria ser recolhido a título de ICMS.
Sustentou, ainda, que, ao cabo de doze meses de vigência do acordo, o Subsecretário da Receita do DF descumpriu o disposto no art. 36, § 1º, da Lei Complementar Federal 87/96 e nos arts. 37 e 38 da Lei Distrital 1.254/96, porque não teria procedido à apuração do imposto devido, com base na escrituração regular do contribuinte, apurando eventuais diferenças positivas ou negativas, para o efeito de pagamento ou compensação.
Em razão disso, o MP/DF conclui que o TARE sob exame “causou prejuízo mensal ao Distrito Federal, em termos percentuais que variam entre 2,5% (dois e meio por cento) a 4% (quatro por cento), nas saídas interestaduais e de 1% (um por cento) a 4,5% (quatro e meio por cento), nas saídas internas, do ICMS devido”.
Não vejo, assim, concessa venia, como aplicar-se à espécie o parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/1985, que veda a propositura de ações civis públicas, pelo MP, para veicular pretensões relativas a matéria tributária individualizáveis. Isso porque a ação civil pública não foi ajuizada para proteger direito de determinado contribuinte, mas para defender o interesse mais amplo de todos os cidadãos do Distrito Federal, no que respeita à integridade do erário e à higidez do processo de arrecadação tributária, que apresenta, a meu ver, natureza manifestamente metaindividual.
De fato, ao veicular, em juízo, a ilegalidade do acordo que concede regime tributário especial à determinada empresa, bem como a omissão do Subsecretário da Receita do DF no concernente à apuração do imposto devido, a partir do exame da escrituração do contribuinte beneficiado, o MP agiu, segundo entendo, em defesa do patrimônio público, na forma preconizada pelo art. 129, III, da Constituição Federal.
Nas palavras oportunas de Hugo Nigro Mazzili, colacionadas em parecer da PGR, veiculado no RE 559.637-1/DF,
“não é absurdo algum que o Ministério Público defenda o patrimônio Público” e “ao fazê-lo não agirá em nada contra sua natureza institucional, e seria de todo ilógico que a Constituição e as leis legitimassem um único cidadão para defender o patrimônio de todos, mas negassem essa possibilidade ao Ministério Público, encarregado que é de defender toda a coletividade. Por isso é que, hoje, não teria mais sentido admitir que a única hipótese em que o Ministério Público pudesse defender o patrimônio público seria apenas em caso de o cidadão desistir da ação popular, como ocorria antes da Constituição de 1988″.
E acrescenta:
“o papel do Ministério Público é compatível com a defesa do erário, sim, mas por meio de legitimação extraordinária (daquele que, em nome próprio, defende direito alheio, não da legitimação ordinária (daquele que, em nome próprio, defende direito próprio).”
Por essas razões, dou provimento ao presente recurso extraordinário para anular o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que deverá analisar a questão de fundo veiculada na ação civil pública conforme entenda apropriado.
É como voto.
* acórdão pendente de publicação
** nome suprimido pelo Informativo
Inovações Legislativas
20 a 24 de setembro de 2010
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) – Prazo Processual – Feriado
Portaria nº 308/STF de 17 de setembro de 2010 – Comunica que não haverá expediente na Secretaria do Tribunal no dia 12 de outubro de 2010 (terça-feira). Os prazos que porventura devam iniciar-se ou completar-se nesse dia ficam automaticamente prorrogados paro o dia 13 subsequente (quarta-feira). Publicada no DJe/STF, n. 177, p. 124, em 22.9.2010.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) – Emenda Regimental – Presidente – Atribuição – Relator – Despacho – Execução – Recurso Extraordinário
Emenda Regimental nº 41 de 16 de setembro de 2010 – Altera dispositivos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Publicada no DJe/STF, n. 177, p. 1, em 22.9.2010.
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD