Agravo. Prefeitura de Belém. Ação Declaratória de Inexistência de Débito. IPTU e Taxas. Alíquota progressiva. Antecipação da tutela contra a Fazenda Pública. Preliminar de ilegitimidade ativa.
Fernando Machado da Silva Lima*
EGRÉGIA XXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA
PROCESSO : N° XXXXXXX
AGRAVO DE INSTRUMENTO
AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE BELÉM
AGRAVADO : XXXXXXX
RELATORA : EXMA. DESAXXXXXXXXXX
PROCURADORA DE JUSTIÇA : XXXXXXXXXX
Ilustre Desembargadora Relatora :
Trata o presente do Recurso de Agravo de Instrumento com pedido de liminar para a cassação da tutela antecipada, interposto pelo Município de Belém, objetivando modificar in totum a decisão interlocutória proferida pelo MM. Juiz de Direito da XXª Vara Cível da Comarca da Capital, nos Autos da Ação Ordinária Declaratória de Inexistência de Débito cumulada com pedido de tutela antecipada em que são Autores XXXXXXXXX e outros.
Em síntese, os Autos informam que :
1. XXXXXXXXXXXX e outros ingressaram em juízo com diversas ações ordinárias declaratórias de inexistência de débito, cumuladas com pedido de tutela antecipada, contra o Município de Belém, pertinentes ao lançamento e à cobrança de impostos e taxas sobre lotes urbanos de que são possuidores, na área do Condomínio XXXXXXXXXX.
2. Os Autores alegaram, nas exordiais, a ilegalidade e a inconstitucionalidade do lançamento e da cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, incidente sobre os lotes urbanos de que são possuidores, localizados no Condomínio XXXXXXXXXXX, incluindo as taxas de iluminação, urbanização e limpeza pública. Disseram que o valor venal dos imóveis foi aumentado a partir do ano de 1.991, por Decreto Municipal e que o IPTU está sendo exigido através de alíquotas progressivas, que variam de acordo com o valor venal dos imóveis. Requereram fosse autorizado, em caráter cautelar, o depósito da quantia de R$ 98,29 por lote do Condomínio. Requereram também revisão judicial com perícia técnica, referente a todos os exercícios não prescritos e ao atual (de 98). Requereram, ainda, a antecipação da tutela jurisdicional pedida.
3. Em 21.12.98, o MM. Juiz de Direito titular da XXª Vara Cível desta Comarca, tendo em vista a evidente conexão dos diversos processos, autorizou sua juntada. (despacho de fls 113, no 1º volume)
4. Constam destes Autos, anexadas pelos Agravados , as primeiras folhas das iniciais de XXXXX e outros, às fls. 237-238 do 2º volume destes Autos; de XXXXXXX e outros, às fls. 239-240; de XXXXXXXXX e outros, às fls. 241-242; de XXXXXXXX e outros, às fls. 243-244; de XXXXXXX e outros, às fls. 245-246; de XXXXXXXXX e outros, às fls. 247; de XXXXXXX e outros, às 248-249, de XXXXXXX e outros, às fls. 250-251; de XXXXXXX e outros, às fls. 252-254; de XXXXXXXX e outros, às fls. 255-257.
5. A Construtora XXXXXXX requereu, em 27.01.99 (fls. 258-261, no 2º volume) sua admissão no processo na qualidade de litisconsorte, no polo ativo da relação processual. Sua petição inicial está anexada às fls. 262-302 , no 2º volume.
6. A exordial de XXXXXXXX e outros está anexada às fls. 303-341, no 2º volume. Juntou também docs. às fls. 342-343 (notícia da imprensa), às fls. 344-359 (MS preventivo de Brasilton Belém Hotéis e Turismo), e às fls. 360-367 (Diário Oficial do Município).
7. Decisão Interlocutória do MM. Juiz de Direito, que concedeu provisóriamente a antecipação da tutela, com fulcro no art. 273, inciso I, do CPC, encontra-se às fls. 114-117, no 1º volume. O Ilustrado Julgador considerou presentes os pressupostos exigidos pelo art. 273 do CPC, para a concessão da tutela antecipada. Afirmou que já existe farta jurisprudência contra a cobrança do IPTU progressivo, entendendo ainda possível a antecipação da tutela mesmo contra a Fazenda Pública, desde que haja jurisprudência pacífica sobre a relação jurídica em debate. Considerou ainda a existência do periculum in mora, com o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, decorrente da taxação dos imóveis dos autores mediante alíquotas progressivas, com elevadíssimas majorações, desrespeitando os índices de correção, bem como os preceitos constitucionais e as torrenciais decisões dos tribunais, inclusive do Excelso Pretório, que somente permitem a alteração da base de cálculo com fundamento na lei.
8. O Município foi citado em 09.04.99. (doc. de fls. 121, idem)
9. Às fls. 122-165, no 1º volume, encontra-se listagem da dívida ativa da Secretaria de Finanças da Prefeitura, juntada pelo Agravante, bem como às fls. 166-184, cópias de doutrina e jurisprudência.
10. A Prefeitura Municipal de Belém interpôs Agravo de Instrumento (fls. 2 a 33), visando a total modificação da referida Decisão Interlocutória prolatada nos Autos da Ação Ordinária a quo, alegando que a mesma foi concedida sem qualquer fundamento legal, podendo provocar sérios danos à ordem pública municipal. Preliminarmente, com fundamento nos arts. 3º e 267 do Código de Processo Civil, alegou a ilegitimidade dos agravados, que
ingressaram em juízo alegando serem proprietários dos imóveis que geraram o tributo, porém alguns dos agravados em nenhum momento comprovaram as referidas propriedades, pois no Cadastro Imobiliário deste Município figuram como legítimos proprietários pessoas distintas das que ora pleiteiam o referido “ direito” …
Com essa preliminar de ilegitimidade ativa, requereu que a mesma fosse provida na forma requerida, conforme o art. 301, VIII e X, do CPC, extinguindo o processo sob o arrimo dos arts. 267, VI e 295, II e III, do mesmo diploma legal. Alegou, a seguir, o não cabimento da concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, notadamente quando, como na hipótese vertente, pretendem os agravados abster-se do recolhimento de tributo, e sem que seja facultada ao agravante a manifestação prévia. Citou a Prefeitura, ainda, a Lei no. 8.437/92, cujo art. 1º veda a concessão de provimento liminar contra o poder público, nas ações de natureza cautelar ou mandamental, e cujo art. 2º deixa evidente, segundo ela, a prerrogativa do poder público quanto à oitiva prévia. Afirmou mais que, correspondendo a tutela a uma sentença prévia, sem seu reexame obrigatório ela será passível de nulidade absoluta, por força do disposto no art. 475 do CPC. Citou jurisprudência no sentido da impossibilidade jurídica da concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Procurou também demonstrar que a não cassação da tutela poderia acarretar graves lesões à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. O Agravante denunciou, depois, a elaboração de uma Circular no Condomínio XXXXXX e a indústria das tutelas antecipadas, que poderia, segundo ele, levar ao periculum in mora inverso, com todos os contribuintes obtendo a concessão dessa liminar judicial. Alegou que, de acordo com a consulta de débito anexa, os Agravados nunca recolheram, de forma regular, durante os últimos cinco anos , o tributo municipal, e que se os Autores obtiverem sentença favorável, ao final da Ação Ordinária, não terão qualquer prejuízo, por ser possível a compensação tributária e que, por essa razão, inexiste o receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Acusou também os Agravados de serem litigantes de má-fé. A seguir, a Prefeitura defendeu a tese da constitucionalidade da legislação municipal, citando os arts. 145 § 1º, 156 § 1º, e 182 § 4º, inciso II, da Constituição Federal, para discutir o tema da progressividade fiscal e extrafiscal. A respeito, citou também trabalho doutrinário, anexado aos Autos, de Diva Narcisa Cordeiro. Defendeu, ainda, a cobrança da taxa de iluminação pública, citando a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional e abordando os requisitos da divisibilidade e da especificidade. Citou jurisprudência e doutrina. Defendeu também a legalidade da cobrança da Taxa de Urbanização. Juntou jurisprudência. Defendeu a legalidade da Taxa de Limpeza Pública. Citou jurisprudência e doutrina. Requereu, finalmente, fosse conhecido e julgado procedente o Agravo, para que fosse concedida a Cassação da Tutela Antecipada. Juntou documentos (fls. 34 a 112 e 122 a 184)
12. Na Resposta ao Agravo (fls.188-236, no 2º volume), XXXXXXXXX e outros alegaram, inicialmente, descaber o exame da matéria de ilegitimidade de parte. Citaram jurisprudência. Os Agravados examinaram, apenas ad argumentandum, a seguir, as listagens dos contribuintes, defendendo sua legitimidade ativa. Defenderam, a seguir, o cabimento da concessão da tutela antecipada, porque a medida não tem caráter satisfativo, e porque impede que o Município negue o Alvará para construção a quem não pagar o tributo ilegal, ou exercite procedimentos de cobrança, inscrição na dívida ativa e outros. Defenderam, a seguir, a ocorrência dos requisitos do art. 273 do CPC. Citaram doutrina pertinente à não obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição, alegada pelo Agravante (art. 475 do CPC). A seguir, os Agravados examinaram o tema do cabimento da antecipação de tutela contra a Fazenda Pública. Citaram Doutrina e legislação, para provar que, em nosso ordenamento jurídico, normas impeditivas de liminares têm sido editadas de forma casuística, o que fere o princípio do judiciarismo (Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXV). A respeito da Circular, os Agravados alegaram que o fisco municipal é que usou de má-fé, omitindo um dos trechos dessa Circular, para tentar sugestionar o Julgador. Repisaram o tema do aumento do IPTU por decreto, intocado pelo Agravante. A respeito da antecipação da tutela, mostraram que a Jurisprudência citada pelo Agravante não se pode comparar com a citada pelos Autores nas iniciais. Quanto à progressividade, citaram doutrina e a seguir abordaram o tema da ilegalidade da majoração do tributo por decreto. Citaram Constituição, Código Tributário Nacional e decisão do Egrégio TJE em MS para mostrar a ilegalidade do aumento do valor venal do imóvel da forma como foi feito pela Prefeitura. Examinaram a seguir o cabimento das taxas, citando Constituição, Doutrina e Jurisprudência. Reiteraram o cabimento da antecipação de tutela, tendo em vista a esperada demora da decisão final, o impedimento das construções nos terrenos do condomínio e a sugestão da Prefeitura, do solve et repete. Pediram assim a manutenção da decisão agravada. Juntaram documentos (fls. 237-261)
É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:
1. Dispõe a Constituição Federal, no inciso XXXV do artigo 5º (o Catálogo dos Direitos e Garantias), que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito ou ameaça de lesão a esse direito. Assim, o jurisdicionado que tenha legítimo interesse jurídico a proteger deverá poder contar com a atividade jurisdicional do Estado, que lhe prestará tutela, formulando juízo sobre a existência dos direitos reclamados (colocando-os na Balança) e, mais do que isso, impondo (pelo uso da espada da Justiça) as medidas necessárias à manutenção ou à reparação dos direitos assim reconhecidos. Conseqüentemente, o princípio constitucional básico do direito à tutela jurisdicional assegura também ao jurisdicionado, que provocou o Judiciário pela propositura da ação, o direito a uma sentença potencialmente eficaz, capaz de evitar dano irreparável a direito relevante.
2. Evidentemente, descabe na instância recursal do Agravo o exame definitivo, pelo julgamento do mérito, das alegações das partes, para a concessão dessa tutela jurisdicional. O de que se trata, na apreciação do presente Agravo, é apenas do exame pertinente à existência ou não do direito à antecipação (provisória) da tutela jurisdicional, nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil, com a redação que lhe foi dada pela Lei no. 8.952, de 13.12.94. Trata-se somente da verificação da existência de prova inequívoca, capaz de convencer o Julgador da verossimilhança das alegações da parte beneficiada com essa medida liminar, cumulada, na hipótese sob exame, com a alegada ocorrência, ainda, do periculum in mora, o que tornaria indispensável a antecipação da tutela, tendo em vista o suso referido direito do jurisdicionado à sentença potencialmente eficaz. Em outras palavras, a essa Egrégia Corte incumbe verificar a ocorrência daquilo que a Doutrina denomina antecipação assecuratória, com a concessão provisória da tutela pretendida pelo Autor, como meio de evitar que, no curso do processo, ocorra o perecimento ou a danificação do direito a ser tutelado pela sentença de mérito.
3. Essa a razão pela qual esta Procuradoria entende descabido o exame, por essa Egrégia Corte, da preliminar de ilegitimidade ativa dos Autores, levantada pelo Município (fls. 6 e seguintes), porque como bem afirma o Ilustre Patrono dos Agravados (fls. 188),
esse tipo de preliminar, se e quando acolhida, impõe a extinção do feito, sem julgamento do mérito, o que evidentemente não pode ser feito em sede recursal de Agravo, pena de supressão da Instância de Piso.
4. Caberá apenas examinar, nesta oportunidade, o cabimento da decisão interlocutória concessiva da tutela provisória, em face dos elementos constantes dos Autos e das normas disciplinadoras citadas, exatamente porque a concessão ou a manutenção dessa tutela devem ser sempre vinculadas aos pressupostos legais, devendo o Juiz ou Tribunal deferi-las, se preenchidos esses pressupostos, ou negá-las, se ausentes.
5. Importa verificar, portanto, a existência nos Autos de prova inequívoca, capaz de convencer o Julgador da verossimilhança da alegação, conforme a disposição do caput do art. 273 do CPC, já citado (fumus boni juris), assim como perquirir também sobre se existe o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, na hipótese do inciso I do mesmo artigo (periculum in mora). Preenchidos esses requisitos, o Julgador não apenas poderá, no impreciso enunciado do caput desse artigo, como deverá decidir pela antecipação da tutela, exatamente porque se o não fizer, estará desvirtuando a atividade jurisdicional, faltando ao seu compromisso básico, de tutelar o direito, pela efetividade da jurisdição, para que a futura sentença de mérito não se revele inútil. Deverá, portanto, decidir pela antecipação em caráter provisório, como forma de preservar a possibilidade da concessão definitiva, se for o caso.
6. Examinaremos a seguir o primeiro requisito, do fumus boni juris:
6.1. Conforme demonstram as iniciais e afirmou também o Ilustrado Julgador de Primeira Instância,
é fora de dúvida que a Prefeitura Municipal de Belém taxou os imóveis dos Autores, (ora Agravados), mediante alíquotas progressivas, cujos valores sofreram elevadíssimas majorações, desrespeitando os índices de correção, violando preceitos constitucionais que apenas permitem a alteração da base de cálculo com fundamento na lei, conforme as torrenciais decisões dos tribunais, inclusive do Excelso Pretório.
6.2. Essa certeza foi ainda reforçada pelo que consta da Resposta dos Agravados, de fls. 187-236, pela copiosa transcrição da Doutrina e da Jurisprudência, bem como pela sua argumentação, que entendemos refutou integralmente as alegações do Agravante.
6.3. Esta Procuradoria entende não haver dúvida de que não tem razão a Prefeitura, quando alega descaber a concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública e sem que seja a esta facultada a manifestação prévia. Essas alegações foram igualmente objeto de lapidar refutação por parte dos Agravados.
6.4. Também descabe inteiramente a denúncia pertinente à indústria das tutelas antecipadas, pelo absurdo e pelo desrespeito da afirmativa de que todos os contribuintes de Belém poderiam obter a concessão dessa liminar judicial. (periculum in mora inverso, no dizer da Prefeitura)
7. Finalmente, teria ficado provada a existência de um fundado receio de que a não antecipação da tutela poderia causar dano irreparável ou de difícil reparação ?
7.1. Realmente, não parece ter qualquer razão a Prefeitura quando afirma que inexiste o perigo do dano irreparável ou de difícil reparação, porque, conforme alega, se os Autores obtiverem sentença favorável, ao final da Ação Ordinária, não terão qualquer prejuízo, por ser possível a compensação tributária. Não parece possível, na realidade, exigir que alguém pague espontaneamente o indébito, para depois repeti-lo judicialmente. Ou que, se não pagar, sofra as conseqüências impostas pelo Agravante ou aquelas decorrentes, mesmo, do abalo resultante de ser judicialmente acionado em executivo fiscal, para pagar tributo que sabe indevido, porque criado ou majorado ao arrepio da Lei Magna.
7.2. Também a negativa da concessão do Alvará para a construção das casas, nos lotes do Condomínio em questão, para aqueles que não pagassem o tributo nos valores indevidamente majorados pela Prefeitura exigiria, evidentemente, a antecipação da tutela.
Por todo o exposto, convencida de que foram integralmente preenchidos os requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil, pertinentes à inequívoca prova do direito a ser protegido, bem como ao fundado receio da ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, justificando assim a concessão da tutela antecipada, esta Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento do Agravo e pelo seu improvimento, para que seja mantido in totum o respeitável despacho hostilizado, por seus próprios fundamentos.
É o parecer.
Belém, setembro de 1999
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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