Reexame de Sentença. Mandado de Segurança. IPMB. Integralidade das Pensões. Vantagens pessoais. Inconstitucionalidade da lei municipal. Redutores constitucionais. Autonomia municipal. Emenda Constitucional nº 20/98. Controle incidental de constitucionalidade.
Fernando Machado da Silva Lima*
EGRÉGIA XXXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA
PROCESSO : XXXXXXXXX
RECURSO: REEXAME DE SENTENÇA
SENTENCIANTE: JUÍZO DE DIREITO DA XXa VARA CÍVEL DA CAPITAL
SENTENCIADAS: XXXXXXXXX, XXXXXXXXXX e XXXXXX
SENTENCIADO: PRESIDENTE DO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO MUNICÍPIO DE BELÉM
RELATORA: EXMA. DESA. XXXXXXXXXXX
PROCURADORA DE JUSTIÇA: XXXXXXXXXXXXXX
Ilustre Desembargadora Relatora:
Trata o presente do Reexame da Sentença proferida pela Mma. Juíza Dra. XXXXXXXXXX, nos Autos do Mandado de Segurança impetrado pelas Sentenciadas acima referidas, contra ato do Ilmo. Sr. Presidente do Instituto de Previdência do Município de Belém- IPMB.
Em síntese, os autos informam que:
1. XXXXXXXX, XXXXXXXX e XXXXXXX impetraram Mandado de Segurança, com pedido de liminar (Exordial, às fls. 3 a 17). Disseram que são pensionistas do IPMB, respectivamente beneficiárias dos ex-segurados Dr. XXXXXXX, Sr. XXXXXXX e XXXXXXXXXXX. Disseram que estão recebendo valores inferiores aos proventos e vencimentos que seus falecidos cônjuges estariam recebendo se vivos fossem. Disseram que o IPMB desobedece as normas constitucionais referentes à isonomia entre pensões e proventos ou vencimentos, e à revisão de benefícios e vantagens, tudo de acordo com o art. 40, §§ 4o e 5o , da Constituição Federal, além do art. 20 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Citaram jurisprudência. Disseram que, além disso, nos últimos cinco anos, o Impetrado não repassou às pensionistas os aumentos concedidos aos servidores da atividade. Disseram que desde 01.04.89, vem sendo praticado contra as pensionistas o crime de apropriação indébita, porque apesar das contribuições serem descontadas mensalmente, diretamente em folha de pagamento, de todos os servidores públicos, a autarquia impetrada não paga as pensões devidas. Disseram que a Autarquia não pode descumprir os preceitos constitucionais, as decisões do Tribunal de Contas do Estado e as decisões judiciais já proferidas sobre a integralidade das pensões. Citaram jurisprudência a respeito, mostrando ainda que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que excluem-se as vantagens pessoais do limite de remuneração previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição Federal (ADIN 1.404, de 13.09.89). Pediram a concessão da liminar, para que o Impetrado seja compelido a pagar as pensões integrais, nos valores que estariam atualmente percebendo, se vivos fossem, os ex-segurados. Juntaram documentos (fls. 18 a 42).
2. O MM. Juiz XXXXXXXXXXX concedeu a liminar.
3. O Impetrado prestou as informações (fls. 48- 54). Repisou o argumento comum neste tipo de processo, de que a expressão “até o limite estabelecido em lei” autoriza a limitação do valor das pensões por lei municipal. Cita doutrina, a respeito do teto estabelecido em lei. Cita a Lei 7.502/90. Fala de autonomia municipal. Cita doutrina a respeito. Diz que os valores pagos estão corretos. Cita ainda os arts. 165, 166 e 195 da CF/88.
4. O Ilustre Representante do Parquet, Dr. XXXXXXXXXXXX, 2o Promotor de Justiça, opinou, às fls. 57- 61. Disse que realmente os municípios têm autonomia, mas não podem contrariar a Constituição Federal. Citou o § 5o do art. 40 da CF/88 e jurisprudência do STF a respeito de sua auto-aplicabilidade. Citou também jurisprudência a respeito da alegada falta de fonte de custeio, conforme o art. 195 § 5o da CF/88. Opinou pela concessão da Segurança, tomando como termo inicial do pagamento a data da impetração, conforme a Súmula 271 do STF.
5. A Mma. Juíza XXXXXXXXXXXXX decidiu, às fls. 69-75. Disse que a questão confronta o § 5o do art. 40 da CF e a Lei municipal 7.502/90. Citou jurisprudência. Disse que é pacífica a imediata aplicabilidade do § 5o do art. 40 da CF/88, e que a expressão “até o limite estabelecido em lei” se refere ao limite previsto no inciso XI do art. 37 da CF/88. Disse que a lei municipal não pode ter eficácia, porque contraria a Constituição. Concedeu o mandamus, para determinar que as pensões sejam pagas no valor de 100% dos vencimentos ou proventos dos ex-servidores, sem os redutores constitucionais, porque ferem direitos estampados no art. 5o da CF/88.
6. O IPMB não recorreu. Distribuído o processo, vieram os autos a esta Procuradoria, para exame e parecer.
É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:
A questão é antiga, e apesar do entendimento pacífico da jurisprudência, os órgãos previdenciários insistem em pagar valores inferiores, 70% de acordo com a lei estadual e 60% de acordo com a lei municipal.
Quando o IPMB alega a autonomia municipal, esquece, no entendimento desta Procuradoria, que a autonomia municipal, tanto quanto a estadual, por sua própria definição, é limitada pelo Estatuto da Federação, vale dizer, pela Constituição Federal. E se o intérprete máximo da Lei Fundamental, o Excelso Pretório, já firmou jurisprudência em sentido contrário, não pode o Município, alegando que tem competência para legislar sobre o assunto, descumprir a norma do art. 40, § 5o da Constituição Federal.
Diga-se, aliás, que o presente mandado foi ajuizado em 29.10.98, antes portanto da edição da Emenda Constitucional no. 20, e por essa razão, toda a doutrina e a jurisprudência apontadas se referem a essas normas. Mas a Emenda Constitucional no. 20, de 15.12.98, alterou o art. 40 da Constituição Federal, que passou a ter dezesseis parágrafos, deixando ainda mais evidente a garantia de isonomia estipendiária entre servidores, aposentados e pensionistas. Dispõe o § 7o do art. 40, de acordo com a Emenda Constitucional no. 20/98:
§7o- Lei disporá sobre a concessão do benefício da pensão por morte, que será igual ao valor dos proventos do servidor falecido (grifamos), ou ao valor dos proventos a que teria direito o servidor em atividade na data de seu falecimento, observado o disposto no § 3o.
O parágrafo 3o, por sua vez, garante a igualdade dos proventos da aposentadoria, verbis:
§3o – Os proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão calculados com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, corresponderão à totalidade da remuneração. (grifamos)
Em suma, quer em face do antigo § 5o do art. 40 da Lei Maior, quer de acordo com o seu novo § 7o, não resta dúvida de que a Lei Municipal que estabelece o valor máximo de 60% (SESSENTA POR CENTO) para incidir sobre uma base de cálculo relativa ao valor dos proventos do ex-segurado, conflita com a Lei Fundamental, o que garante a pensão integral inerente aos proventos do servidor inativo, de acordo com a espécie de aposentadoria. A lei referida no final do antigo § 5o do art. 40 referia-se ao teto salarial, que não pode ultrapassar o subsídio de um Ministro do STF, valendo a mesma premissa aos pensionistas, por força do antigo § 4º do mesmo artigo. Na redação atual, vigora a norma do § 8o do art. 40 da Constituição Federal, verbis:
§8o – Observado o disposto no art. 37, XI (grifamos), os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei.
Também não pode prosperar a argumentação constante das Informações da autoridade coatora, que pretende, sob as mesmas alegações, fazer com a que a legislação municipal se sobreponha à norma do § 5o do art. 40 da Constituição Federal, que determina que o benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei…
Ora, é evidente que essa lei, a que se refere a Constituição Federal, é uma lei (federal), editada nos termos do art. 37, XI, da Lei Fundamental, para fixar o limite máximo da remuneração dos servidores públicos.
Entender o contrário atentaria contra todos os princípios assentes da hermenêutica, e contra o bom senso, porque se a Constituição Federal garante que o benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, mas o Município pudesse livremente fixar essa proporcionalidade, em decorrência da expressão até o limite estabelecido em lei, nada restaria, a rigor, dessa garantia constitucional. Seria o mesmo que dizer que o pensionista tem o direito, mas que a União, os Estados e os Municípios não são obrigados a respeitá-lo.
Assim a lei, mencionada na parte final do salientado dispositivo constitucional, possui relação com o inciso XI do art. 37 da Lex Legum, que estabelece o teto salarial para os servidores públicos, incluindo os inativos, o que por corolário atinge os pensionistas (artigo 40, § 4º, da CF/88). Tal artigo foi modificado pela Emenda n. 19/98 (Reforma Administrativa), que unificou o teto, estabelecendo o limite máximo, correspondente ao subsídio de um Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, inúmeros Acórdãos, dos diversos níveis de jurisdição, dão posição favorável à integralidade da pensão, na mesma proporção dos proventos do servidor público inativo, verbi gratia:
EMENTA: Pensão. Valor correspondente à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido. Constituição Federal, artigo 40, § 5º. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Injunção 211-8, proclamou que o § 5º do art. 40 da Constituição Federal encerra um direito auto-aplicável, que independe de lei regulamentadora para ser viabilizado, seja por tratar-se de norma de eficácia, como entenderam alguns votos, seja em razão de a lei nele referida não poder ser outra senão aquela que fixa o limite de remuneração dos servidores em geral, na forma do art. 37, XI, da Carta, como entenderam outros. Recurso extraordinário não conhecido. (STF. RE 140863-4/AM. Rel. Min. Ilmar Galvão. 1ª Turma. Decisão: 08/02/94. DJ de 11/03/94, p. 4.113.)
EMENTA: Constitucional. Administrativo. Pensão. Totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido. I – A incidência do §5º do artigo 40 da Constituição Federal é imediata, e o art. 215 da Lei 8.112/90 esclareceu que o teto previsto na Constituição é o limite da remuneração dos Ministros de Estado. II – O disposto no art. 4º da Lei 3.378/58, que diz corresponder a pensão por morte a 50 % dos vencimentos do servidor falecido, não dispõe de eficácia, pois, uma vez promulgada a Carta Magna, não há mais que se falar na coexistência de qualquer norma legal que com ela conflite. III – Remessa necessária improvida, para manter a sentença. ( TRF – 2ª Região. REO 93.02.18402/RJ. Rel. Juiz Henry Barbosa. 1ª Turma. Decisão: 13/04/94, DJ 2 de 26/05/94, p. 25.662)
EMENTA: Previdência Social. Ipesp. Pensão. Beneficiário de servidor falecido. Valor integral dos proventos. Art. 40, § 5º, da Constituição da República. Admissibilidade. Recurso provido. Da conjugação do preceituado nos artigos §§ 4º e 5º do art. 40 da Constituição da República infere-se que a Lei Magna assegurou, ineludivelmente, paridade de vencimentos, proventos e pensões, de modo que todos se reajustam quando os vencimentos são reajustados. Se assim é, a pensão previdenciária não poderia ter expressão qualitativa e quantitativa diversa, porque todos caminham na mesma direção. Isto quer dizer que a Constituição da República assegurou a isonomia estipendiária entre servidores em atividade, servidores inativos e pensionistas de servidores falecidos ( TJSP. AC 180985-1/ São Paulo. Rel. Des. Renan Lotufo. 1ª Câmara Civil. Decisão: 02/03/93. JTJ/SP –LEX – 146, p. 141.)
Estão perfeitos, por todo o exposto, tanto o Parecer do Ilustrado Representante do Parquet, quanto a r. Sentença da Douta Magistrada a quo.
Trata-se, na hipótese, do controle incidental de constitucionalidade, que é difuso, exatamente porque compete a qualquer juiz ou tribunal, antes de aplicar uma lei ao caso concreto, examinar sua regularidade em face da Constituição. Verificada a existência de conflito entre a lei e a norma constitucional, caberá ao Magistrado, evidentemente, aplicar esta última. O juiz não revoga a lei. Quem a revoga, é o Senado Federal, após a definitiva declaração de inconstitucionalidade, pelo Excelso Pretório. Na hipótese vertente, a revogação da lei caberia à Câmara Municipal de Belém. Mas o juiz apenas deixa de aplicá-la ao caso concreto.
Ex positis, este Órgão Ministerial manifesta-se pela manutenção integral da bem elaborada sentença de primeiro grau, por seus próprios fundamentos.
É O PARECER.
Belém, março de 2.000
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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