Medicina Legal

O organismo humano no auxílio à investigação criminal: unha em formato de “lua” e o envenenamento por arsênico

A Medicina Legal é uma especialidade da área médica, em que são utilizados os conhecimentos técnico-científicos para o esclarecimento de questões afetas à Justiça. É, portanto, uma interface entre a Medicina e o Direito. Desde a antiguidade, os pesquisadores observam as reações do corpo humano e buscam, através delas, compreender os fatos ocorridos.

O estudo desta disciplina nas Faculdades de Direito é muito antigo. A primeira proposta para a inclusão desta disciplina foi apresentada por Rui Barbosa, e logo foi aprovada pela Câmara dos Deputados. O estudo da medicina legal é muito importante, especialmente na análise dos crimes cometidos (em sua modalidade tentada ou consumada). Além dos conhecimentos teóricos e técnicos, é fundamental a observação dos sinais trazidos pela vítima. É necessário destacar que o conhecimento sobre medicina legal e medicina forense, via de regra, do operador do Direito não é tão aprofundado quanto o conhecimento dos profissionais da área da saúde. Por este motivo, é fundamental a atuação dos médicos e dos enfermeiros que seguem a áreas da medicina forense e da enfermagem forense, para a elucidação das circunstâncias bem como os métodos utilizados para o cometimento do crime. Em atendimentos emergenciais, o diagnóstico correto e as medicações adequadas são fundamentais para que a vítima seja salva.

Para o presente estudo, destacaremos um caso histórico de parricídio, com emprego de arsênico. Trata-se da história de Mary Blandy, nascida em Oxford, na Inglaterra, em 1718. O caso ganhou imenso destaque por ter sido cometido por uma mulher, mais precisamente pela filha da vítima. Mary Blandy desejava, desde criança, se casar quando crescesse. Seus pais tinham muitas posses, entretanto, o seu pai não queria destinar parte de sua fortuna para pagar o dote de sua filha. Desta forma, os pretendentes foram se afastando e o tempo foi passando.

Perto de completar trinta anos, Mary Blandy conhece um homem vinte anos mais velho e vê neste pretendente uma de suas últimas oportunidades de se casar. Seu pai, Francis Blandy, fica feliz com a aproximação deste pretendente, Willian Henry Crounsuot. A situação, entretanto, muda quando Francis Blandy descobre que Willian Henry já é casado e tem uma filha. Mary Blandy, então, muito provavelmente influenciada por Willian Henry (que estava muito interessado no dote que iria receber), começa a colocar arsênico nas bebidas e nos alimentos que preparava para o seu pai, intitulando o veneno como o “pó do amor”, para que seu pai mudasse de idéia e abençoasse o relacionamento do casal. Ao longo do processo de envenenamento com arsênico, seu pai vai adoecendo e, no dia em que passa muito mal, um médico é chamado às pressas. Pelas queixas do paciente, o médico começa a suspeitar do envenenamento com arsênico. O médico pede para falar com Mary Blandy, e ela nega esta possibilidade. Ainda assim, ela pede para que seu pai a abençoe. Ele a perdoa e logo falece. Mary Blandy foi enforcada em praça pública em 1752, pelo parricídio cometido (matar seu pai com o uso de veneno). Os exames médicos e as investigações policiais, à época, não contavam com tantos recursos. Entretanto, os sinais apresentados pela vítima, seu pai, demonstraram como uma das hipóteses o envenenamento. O arsênico causa diversas reações que podem ser confundidas com outras enfermidades (especialmente a cólera, que era muito comum à época), sendo as principais: violentas dores abdominais, diarréia, vomição, febre. O corpo humano, entretanto, apresenta a seguinte reação, indicadora do envenenamento por arsênico:

No arsenicismo, as unhas do paciente podem apresentar estrias transversais esbranquiçadas, sugerindo sofrimento da matriz da unha pela presença do arsênio (tais estrias podem ocorrer também na intoxicação por tálio e por mercúrio). Nesses casos, a exclusão de outros possíveis diagnósticos de neuropatias sensitivas, associadas ou não a hepatopatias, e/ou lesões de pele e sintomas gerais inespecíficos, pode levar à suspeita de envenenamento crônico por arsênio. A dosagem de arsênio no cabelo ou na unha, nesses casos, é de extremo auxílio no diagnóstico.” (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Envenenamento por metais. Toxicologia. Arsênico. Disponível em:  http://ltc.nutes.ufrj.br/toxicologia/mX.arse.htm. Acesso em 20 de março de 2015).

Muitos pesquisadores utilizam linguagem coloquial para mencionarem o formato de “lua” na unha. O arsênico continuou sendo utilizado por muitos anos para a prática de homicídios. Um dos grandes avanços na área das investigações foi justamente o teste de Marsh. Este teste recebe este nome em homenagem ao seu inventor, o químico inglês James Marsh.  O teste foi inventado em 1836. O procedimento consiste em inserir um pedaço de sangue da vítima ou de algum tecido usado por ela na data da suspeita do envenenamento em uma mistura química de zinco e ácido sulfúrico. Os materiais são aquecidos. Se houver veneno, certamente ele irá aparecer após a mistura e o aquecimento.

O emprego de veneno para a prática de homicídio é muito cruel e doloroso. O Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº. 2848, de 07 de dezembro de 1940), prevê como circunstância agravante da pena o uso de veneno para o cometimento de crime (CP, art. 61, caput e alínea d “São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum”).

Referências bibliográficas:

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COELHO, Bruna Fernandes. Histórico da Medicina Legal. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Jan/dez de 2010.p. 355-362. Disponível em:  http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67905/70513. Acesso em 20 de março de 2015.

LEONARDO, Antonio José. MARTINS, Décio Ruivo. FIOLHAIS, Carlos. Antônio da Costa Simões e a gênese da química forense em Portugal. Departamento de Física e Centro de Física Computacional Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Portugal. 2000. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/12322/1/A%20qu%C3%ADmica%20forense%20em%20Portugal.pdf. Acesso em 20 de março de 2015.

PRESTES JÚNIOR, Luiz Carlos Leal. O ensino da Medicina Legal na formação do profissional da carreira jurídica. Tese (Doutorado em Ciências Médicas). Faculdade de Ciências Médicas. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2012.

ROUGHEAD, William. Trial of  Mary Blandy. Kindle Edition, 2012.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Envenenamento por metais. Toxicologia. Arsênico. Disponível em:  http://ltc.nutes.ufrj.br/toxicologia/mX.arse.htm. Acesso em 20 de março de 2015.

Maria Fernanda Soares Macedo – Advogada. Mestra em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora Universitária. Professora Convidada dos Cursos de Pós Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e das Faculdades Metropolitanas Unidas. Professora orientadora de monografias dos cursos de Pós Graduação do Complexo Educacional Damásio de Jesus.

Como citar e referenciar este artigo:
MACEDO, Maria Fernanda Soares. O organismo humano no auxílio à investigação criminal: unha em formato de “lua” e o envenenamento por arsênico. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/medicina-legal/o-organismo-humano-no-auxilio-a-investigacao-criminal-unha-em-formato-de-lua-e-o-envenenamento-por-arsenico/ Acesso em: 21 nov. 2024
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