O presente estudo de caso busca apresentar brevemente um panorama sobre a importância da garantia do contraditório e da ampla defesa do acusado na esfera penal. Para tanto, serão apresentados os representativos caso de condenação de Jean Calas e dos irmãos Naves.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 prevê, em seu art. 5º, LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Este princípio, em harmonia com o princípio da anterioridade e o princípio da legalidade, garante a segurança jurídica aos acusados em âmbito penal. Mesmo com a garantia de defesa, equívocos podem ocorrer. Os danos decorrentes dos erros judiciários trazem consequências seriíssimas para as pessoas.
É necessário esclarecer que o processo penal deve respeitar os parâmetros constitucionais e internacionais, para garantir a dignidade dos cidadãos, tanto na fase de investigação e acusação quanto na execução da pena.
O Direito Penal também busca garantir a segurança jurídica, especialmente com os princípios da legalidade e da anterioridade.
Desta forma, previamente as pessoas sabem quais condutas são penalmente permitidas e proibidas. Entretanto, o sistema judiciário, inclusive na esfera penal não é imune a falhas e é possível a apresentação de recursos (matéria relacionada com o Código de Processo Penal). Sobre o erro judiciário, serão apresentados dois casos polêmicos, o primeiro, internacional e o segundo, nacional: Jean Calas e irmãos Naves:
– Caso Jean Calas:
Jean Calas era um comerciante na cidade francesa de Tolosa. Ele era protestante, e seu filho, Marco Antônio, havia se convertido ao catolicismo, o que gerou graves conflitos familiares.
Quando Marco Antônio foi encontrado morto, enforcado, em sua casa, em 13 de outubro de 1761, as suspeitas imediatamente recaíram sobre seu pai. A principal tese era a seguinte: o pai o havia assassinado por não se conformar com a nova religião seguida pelo filho.
A família de Marco Antônio alegava desesperadamente que ele se havia suicidado, mas esta tese foi sumariamente rejeitada. Jean Calas foi sentenciado, condenado a morte e executado. A viúva do condenado, inconformada, trouxe este assunto para François Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire.
Voltaire, filósofo francês e iluminista, escreveu e publicou, em 1763, o Tratado sobre a Tolerância. Trata-se de obra fundamental para a compreensão sobre o Iluminismo e o respeito às escolhas e à dignidade humana.
Depois da execução de Jean Calas, que havia lutado muito para provar a sua inocência, o processo foi reaberto em Paris e a família de Jean Calas, que tinha sido banida, foi reabilitada e readmitida para o convívio em sociedade.
– Caso dos irmãos Naves:
No Brasil, o famoso e conhecido caso dos irmãos Naves também aborda a situação do erro judiciário. Dois irmãos foram presos e barbaramente torturados até confessar sua suposta culpa em um crime que não cometeram. Esse caso é conhecido como um dos maiores erros judiciais da história do Brasil e, devido à sua repercussão, o fato foi utilizado como enredo para o filme O Caso dos Irmãos Naves, de Luís Sérgio Person (sinopse do filme: “A reconstituição de um caso real, ocorrido no Estado Novo em 1937, na cidade de Araguari (MG). Tudo começa quando um homem foge, levando o dinheiro de uma safra de arroz. Os irmãos Joaquim (Raul Cortez) e Sebastião Naves (Juca de Oliveira), sócios do fugitivo, denunciam o caso à polícia. De acusadores eles passam a réus, por obra e graça do tenente de polícia (Anselmo Duarte) que dirige a investigação. Presos e torturados, os Naves são obrigados a confessarem o crime que não cometeram.” Disponível em: www.cineplayers.com/filme/o-caso-dos-irmaos-naves/5854?. Acesso em 01 de abril de 2014).
No ordenamento jurídico brasileiro, tem relação com este tema a revisão criminal (prevista nos arts. 621 e seguintes, CPP), que prevê indenização em caso de erro judicial, senão vejamos:
Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Art. 622. A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após.
Parágrafo único. Não será admissível a reiteração do pedido, salvo se fundado em novas provas.
Art. 630. O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.
§ 1º Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.
§ 2º A indenização não será devida:
a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder;
b) se a acusação houver sido meramente privada.
Bibliografia:
O Caso dos Irmãos Naves. Luís Sérgio Person. Disponível em: www.cineplayers.com/filme/o-caso-dos-irmaos-naves/5854?. Acesso em 01 de abril de 2014
VOLTAIRE, M.A.. Tratado sobre a tolerância. São Paulo: Martins Fontes, 2001
Maria Fernanda Soares Macedo – Advogada. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora Universitária. Professora Convidada dos Cursos de Pós Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e das Faculdades Metropolitanas Unidas. Professora orientadora de monografias dos cursos de Pós Graduação do Complexo Educacional Damásio de Jesus. Professora de Direito em cursos de ensino à distância.