Reexame de Sentença. Mandado de Segurança. Integralidade de pensão. IPMB. Falta de fonte de custeio. Inconstitucionalidade da lei municipal.
Fernando Machado da Silva Lima*
EGRÉGIA XXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA
PROCESSO : XXXXXXX
RECURSO: REEXAME DE SENTENÇA
SENTENCIANTE: JUÍZO DE DIREITO DA XXa VARA CÍVEL DA CAPITAL
SENTENCIADA: XXXXXXXXXXX
SENTENCIADO: PRESIDENTE DO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO MUNICÍPIO DE BELÉM
RELATORA: EXMA. DESA. XXXXXXXXXXXX
PROCURADORA DE JUSTIÇA: XXXXXXXX
Ilustre Desembargadora Relatora:
Trata o presente do reexame necessário da Sentença proferida nos Autos do Mandado de Segurança impetrado por XXXXXXXXXX contra decisão da Ilma. Sra. Dra. Presidente do Instituto de Previdência do Município de Belém, que indeferiu pedido formulado pela Impetrante.
Em síntese, os autos informam que:
1. XXXXXXXXXXXXX impetrou (fls. 3 a 9) Mandado de Segurança, com expresso pedido de medida liminar, contra decisão da Ilma. Sra. Dra. Presidente do Instituto de Previdência do Município de Belém, alegando lesão a direito líquido e certo, pelo indeferimento de seu pedido datado de 20.02.98, e dizendo que os valores constantes dos contracheques de março, abril e maio não estão de acordo com o previsto na Constituição Federal, ressaltando, ainda, que no mês de maio, há um aumento de 10% referente ao reajuste concedido aos servidores públicos municipais.
2. Disse a Impetrante que com o falecimento de seu esposo, Sr. XXXXXXXXXX, passou a receber pensão correspondente a 60% do salário do de cujus, a contar de novembro de 1.997. Inconformada, ingressou com o já referido pedido de revisão, em 20.02.98, com fundamento no art. 40, § 5o da Constituição Federal, objetivando receber o aludido benefício em sua integralidade. Juntou documentos. Citou o art. 192 da Lei Orgânica do Município de Belém. Citou Hely Lopes Meireles e Celso Bandeira de Melo, para mostrar que tem direito a receber o correspondente à totalidade dos vencimentos do de cujus. Citou também jurisprudência unânime favorável do Excelso Pretório. Alega a existência do fumus boni juris e do periculum in mora, para embasar a concessão da liminar. Juntou documentos (fls. 12 a 20).
3. O MM. Juiz a quo, pela Decisão interlocutória de fls. 21-22, deferiu a medida liminar.
4. A autoridade coatora juntou Informações (fls. 27 a 32). Disse que não tem razão a Impetrante, porque os §§ 4o e 5o do art. 40 da Constituição Federal usam a expressão “na forma da lei”, deixando à legislação infra-constitucional, no caso a Lei municipal no. 7.502 (Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Belém), a possibilidade de delimitar os direitos da Impetrante. Citou ainda o art. 30 da Constituição Federal, a respeito da competência legiferante municipal. Citou ainda Hely Lopes Meireles. Examinou, a seguir, a Lei 7.502, e ressaltou que se o de cujus tivesse falecido em decorrência de acidente de trabalho, a pensão seria integral. Insistiu a respeito dos princípios da República Federativa. Alegou, ainda, que o orçamento do município ficaria comprometido, haja vista que a despesa com o pagamento da pensão integral à Impetrante não estava prevista.
5. Às fls. 35-37, cópia do pedido de revogação da Liminar.
6. Às fls. 38-39, Informação do MM. Juiz a quo.
7. O Douto representante do Ministério Público manifestou-se, às fls.40-46. Preliminarmente, mostrou que não ocorreu a alegada decadência. Citou jurisprudência para caracterizar a autoridade coatora. Disse que o cerne do debate está na compatibilidade entre a norma constitucional citada e a Lei Municipal que limita a pensão em 60%. Citou jurisprudência e mostrou que a lei a que se referem os §§ 4o e 5o do art. 40 da Constituição Federal é a prevista no art. 37, XI, da Constituição Federal. Citou ainda jurisprudência para derrubar a alegação da falta de fonte de custeio prevista no § 5o do art. 195 da Constituição Federal. Disse ainda que a condenação não pode ter efeito retroativo, citando a Súmula 271 do STF. Opinou pela concessão da Segurança, porque a legislação municipal invocada pela autoridade coatora não merece aplicação à espécie vertente.
8. O MM. Juiz decidiu, às fls. 53-61. Relatou o processo. Examinou os argumentos da autoridade coatora e a legislação municipal, especificamente o art. 183 § 1o da Lei 7.502/90, que remete ao Regulamento aprovado pelo Conselho Previdenciário do Município de Belém a fixação da proporcionalidade da pensão. Disse que a legislação municipal conflita com a Constituição Federal. Citou doutrina e jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará e do Colendo Supremo Tribunal Federal. Concedeu a Segurança, para o pagamento a partir da data da impetração da Inicial. Determinou a remessa dos Autos à Superior Instância, para o reexame necessário.
É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:
No Parecer, sem autenticação, do Assistente Jurídico do IPMB, de fls. 17 a 19, o Ilustre Jurista defende a tese de que o Município pode legislar sobre previdência social, limitando o valor da pensão, tendo em vista o princípio fundamental da República Federativa. Esqueceu, contudo, no entendimento desta Procuradoria, que a autonomia municipal, tanto quanto a estadual, por sua própria definição, é limitada pelo Estatuto da Federação, vale dizer, pela Constituição Federal. E se o intérprete máximo da Lei Fundamental, o Excelso Pretório, já firmou jurisprudência em sentido contrário, não pode o Município, alegando competência concorrente, descumprir a norma do art. 40, § 5o da Constituição Federal.
Também não pode prosperar a argumentação constante das Informações da autoridade coatora, que pretende, sob as mesmas alegações, fazer com a que a legislação municipal se sobreponha à norma do § 5o do art. 40 da Constituição Federal, que determina que o benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei…
Ora, é evidente que essa lei, a que se refere a Constituição Federal, é uma lei (federal), editada nos termos do art. 37, XI, da Lei Fundamental, para fixar o limite máximo da remuneração dos servidores públicos.
Entender o contrário atentaria contra todos os princípios assentes da hermenêutica, e contra o bom senso, porque se a Constituição Federal garante que o benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, mas o Município pudesse livremente fixar essa proporcionalidade, em decorrência da expressão até o limite estabelecido em lei, nada restaria, a rigor, dessa garantia constitucional. Seria o mesmo que dizer que o pensionista tem o direito, mas que a União, os Estados e os Municípios não são obrigados a respeitá-lo.
Assim a lei, mencionada na parte final do salientado dispositivo constitucional, possui relação com o inciso XI do art. 37 da Lex Legum, que estabelece o teto salarial para os servidores públicos, incluindo os inativos, o que por corolário atinge os pensionistas (artigo 40, § 4º, da CF/88). Tal artigo foi modificado pela Emenda n. 19/98 (Reforma Administrativa), que unificou o teto, estabelecendo o limite máximo, correspondente ao subsídio de um Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, inúmeros Acórdãos, dos diversos níveis de jurisdição, dão posição favorável à integralidade da pensão, na mesma proporção dos proventos do servidor público inativo, verbi gratia:
EMENTA: Pensão. Valor correspondente à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido. Constituição Federal, artigo 40, § 5º.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Injunção 211-8, proclamou que o § 5º do art. 40 da Constituição Federal encerra um direito auto-aplicável, que independe de lei regulamentadora para ser viabilizado, seja por tratar-se de norma de eficácia, como entenderam alguns votos, seja em razão de a lei nele referida não poder ser outra senão aquela que fixa o limite de remuneração dos servidores em geral, na forma do art. 37, XI, da Carta, como entenderam outros.
Recurso extraordinário não conhecido. (STF. RE 140863-4/AM. Rel. Min. Ilmar Galvão. 1ª Turma. Decisão: 08/02/94. DJ de 11/03/94, p. 4.113.)
EMENTA: Constitucional. Administrativo. Pensão. Totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido.
I – A incidência do §5º do artigo 40 da Constituição Federal é imediata, e o art. 215 da Lei 8.112/90 esclareceu que o teto previsto na Constituição é o limite da remuneração dos Ministros de Estado.
II – O disposto no art. 4º da Lei 3.378/58, que diz corresponder a pensão por morte a 50 % dos vencimentos do servidor falecido, não dispõe de eficácia, pois, uma vez promulgada a Carta Magna, não há mais que se falar na coexistência de qualquer norma legal que com ela conflite.
III – Remessa necessária improvida, para manter a sentença. ( TRF – 2ª Região. REO 93.02.18402/RJ. Rel. Juiz Henry Barbosa. 1ª Turma. Decisão: 13/04/94, DJ 2 de 26/05/94, p. 25.662)
EMENTA: Previdência Social. Ipesp. Pensão. Beneficiário de servidor falecido. Valor integral dos proventos. Art. 40, § 5º, da Constituição da República. Admissibilidade. Recurso provido.
Da conjugação do preceituado nos artigos §§ 4º e 5º do art. 40 da Constituição da República infere-se que a Lei Magna assegurou, ineludivelmente, paridade de vencimentos, proventos e pensões, de modo que todos se reajustam quando os vencimentos são reajustados.
Se assim é, a pensão previdenciária não poderia ter expressão qualitativa e quantitativa diversa, porque todos caminham na mesma direção. Isto quer dizer que a Constituição da República assegurou a isonomia estipendiária entre servidores em atividade, servidores inativos e pensionistas de servidores falecidos ( TJSP. AC 180985-1/ São Paulo. Rel. Des. Renan Lotufo. 1ª Câmara Civil. Decisão: 02/03/93. JTJ/SP –LEX – 146, p. 141.)
Estão perfeitos, por todo o exposto, tanto o Parecer do Ilustrado Representante do Parquet, quanto a r. Sentença do Douto Magistrado a quo.
Trata-se, na hipótese, do controle incidental de constitucionalidade, que é difuso, exatamente porque compete a qualquer juiz ou tribunal, antes de aplicar uma lei ao caso concreto, examinar sua regularidade em face da Constituição. Verificada a existência de conflito entre a lei e a norma constitucional, caberá ao Magistrado, evidentemente, aplicar esta última. O juiz não revoga a lei. Quem a revoga, é o Senado Federal, após a definitiva declaração de inconstitucionalidade, pelo Excelso Pretório. O juiz apenas deixa de aplicá-la ao caso concreto.
Ex positis, este Órgão Ministerial manifesta-se pela manutenção integral da bem elaborada sentença de primeiro grau, por seus próprios fundamentos.
É O PARECER.
Belém, dezembro de 1999
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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