Agravo De Instrumento. Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica, com pedido de restituição e abstenção de ato. Ilegitimidade ad causam. Prescrição qüinqüenal. Elementos necessários para a antecipação da tutela.
Fernando Machado da Silva Lima*
EGRÉGIA XXXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA
PROCESSO : XXXXXXXXX
RECURSO: AGRAVO DE INSTRUMENTO
AGRAVANTE: CELPA – CENTRAIS ELÉTRICAS DO PARÁ S/A
AGRAVADO: XXXXXXXXXX S/A
RELATORA: EXMA. DESA. XXXXXXXXX
PROCURADORA DE JUSTIÇA: XXXXXXXX
Ilustre Desembargadora Relatora:
Trata o presente do Agravo de Instrumento interposto por Centrais Elétricas do Pará – CELPA, contra a decisão da MMa. Juíza de Direito da XXXª Vara da Comarca da Capital, que deferiu o pedido de antecipação de tutela formulado pela XXXXXXXX S/A, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica, com pedido de restituição e abstenção de ato, tendo esta o fito de excluir das contas vincendas o acréscimo de 32%, instituído pelas Portarias nº 38, 45 e 153/86 do Departamento de Águas e Energia Elétrica, considerado pela Agravada incompatível com o disposto nos Decretos-Leis nºs 2283 e 2284/86 (determinou o congelamento dos preços), bem como a restituição das diferenças pretéritas pagas.
Em síntese, os autos informam que:
1 – A Agravante inicialmente sustenta a ilegitimidade ad causam do polo passivo da demanda, haja vista que o acréscimo de 32% foi instituído por Portaria do DNAEE, órgão vinculado ao Ministério das Minas e Energia, sendo que a ora Agravante apenas cumpriu tais determinações, por isso não poderia ser demandada. Argumenta ainda sobre a aplicabilidade da prescrição qüinqüenal do artigo 118 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Quanto à questão de mérito, argumenta que não existe incompatibilidade entre as Portarias nºs 38, 45 e 153/86 e os Decretos-Leis nº 2283 e 2284, não violando destarte a política de congelamento de preços, aplicada no ano de 1986. Alega então a inexistência dos pressupostos necessários para que se possa conceder a antecipação da tutela, principalmente no que se refere ao periculum in mora, face à demora da Agravada em ajuizar a presente ação (12 anos). Sustenta outrossim que a questão é bastante complexa, o que prejudica a concessão da aludida medida liminar, em decorrência do perigo da irreversibilidade do provimento antecipado. Pede que o presente recurso seja conhecido nos seus efeitos devolutivo e suspensivo. Cita a doutrina e a Jurisprudência. Junta Documentos.
2 – Ás fls. 147, o ilustre Desembargador Relator, Dr. XXXXXXXXX indeferiu o pedido de efeito suspensivo, por não vislumbrar de imediato os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora.
3 – Às Contra-Razões, argumenta a Agravada que a prescrição para restituição de indébito tarifário ocorre em vinte anos, e não em cinco, conforme entendimento jurisprudencial. Fala outrossim que não procede a preliminar de ilegitimidade passiva, em razão da situação da Agravante que, além de aplicar os aumentos instituídos pelas salientadas Portarias, é a beneficiária direta dos mesmos. Sustenta que o aumento de 32% na tarifa de energia é ilegal frente ao disposto nos Decretos-Leis nºs 2.283 e 2.284/86, que instituíram o congelamento de preços dos bens e serviços, inclusive os públicos. Argumenta que estão presentes os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora a seu favor, pois o lapso de tempo decorrido entre a edição das portarias e a propositura da ação, não serve de requisito para caracterizar a ausência do perigo que pode gerar a demora do desfecho do litígio em tela, face aos danos que está sofrendo, em razão do sacrifício que está sendo imposto ao seu capital de giro. Cita Jurisprudência.
É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:
Primeiramente, a tese da prescrição qüinqüenal suscitada pela Agravante não pode prosperar, pois, o único prazo prescricional que o Código do Consumidor estabelece em benefício do fornecedor é o do artigo 27, que assim reza: Prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Percebe-se, então, que o disposto no preceito normativo citado, não possui qualquer ligação com a questão em litígio.
Assim, não merece respaldo o curioso entendimento da Agravante, no sentido de que é de cinco anos o prazo prescricional para a ação ordinária inserida nos autos principais, em razão do artigo 43 do CDC estabelecer prazo qüinqüenal para a manutenção de informações negativas sobre consumidores inadimplentes, devendo, destarte, segundo o Agravante, ser aplicadas por analogia as disposições do artigo 178, § 10, incisos III e IV do Código Civil, que estabelecem prazo prescricional de cinco anos para a ação de cobrança de juros, ou de quaisquer outras prestações acessórias pagáveis anualmente, ou em períodos mais curtos, e para a ação de cobrança de aluguéis de prédio rústico e urbano. A Agravante pretende demonstrar uma igualdade jurídica entre fornecedor e consumidor que não existe, pois o CDC foi todo constituído sob o princípio da hipossuficiência deste último, ou seja, considerando que o consumidor é a parte economicamente mais fraca (vulnerável) da relação de consumo. Trata, então, de forma desigual os desiguais, assim como faz a legislação trabalhista.
O Procurador da República João Batista Almeida, no seu livro A Proteção Jurídica do Consumidor (Saraiva, 1993), explica que a vulnerabilidade do consumidor é a espinha dorsal da proteção do consumidor, sobre que se assenta toda a linha filosófica do movimento. Segundo o Bacharel, é induvidoso que o consumidor é a parte mais fraca das relações de consumo, apresentando então sinais de fragilidade e impotência diante do poder econômico, existindo um reconhecimento universal (através da ONU) no que tange a essa vulnerabilidade. Sendo assim, conforme entendimento jurisprudencial, deve ser aplicada à lide em tela, a prescrição genérica do art. 177 do CC, que estabelece o prazo de vinte anos para as ações pessoais.
Não pode prosperar outrossim a preliminar de ilegitimidade ad causam passiva, levantada pela Agravante, tendo em vista que a mesma é titular de um dos interesses materiais em conflito, qual seja, o de realizar cobrança das tarifas de energia com o acréscimo de 32% estabelecido pelas portarias do DNAEE. Está, destarte, a Agravante situada em um dos pólos da relação jurídico material de consumo, na condição de fornecedora. Para encerrar esse ponto do litígio, transcrevemos o ensinamento do eminente professor José Frederico Marques:
Só os titulares dos interesses em conflito têm direito à prestação jurisdicional e ficam obrigados a subordinar-se, in casu, ao poder ou imperium estatal. Legitimidade ad causam significa existência de pretensão subjetivamente razoável.
A legitimação ativa para agir está ligada àquele que invoca a tutela jurisdicional; a legitimação passiva, àquele em face do qual a pretensão levada a juízo deverá produzir seus efeitos, se acolhida. (José Frederico Marques – Manual de Direito Processual Civil, V. I) ( o grifo é nosso)
Adentrando na questão de mérito, no âmbito deste Agravo, observamos a falta de pelo menos um dos elementos particulares necessários para a antecipação da tutela, seja o periculum in mora, previsto no artigo 273, I, seja o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu, inserido no inciso II do mesmo dispositivo legal, todos do CPC. Sobre o assunto, fala o professor Ernane Fidélis dos Santos:
As condições de natureza particular, isto é, as que devem ser próprias a cada caso específico, são o periculum in mora, isto é, quando a demora da decisão definitiva possa causar dano irreparável ou de difícil reparação à parte (art. 273, I), ou quando ficar evidenciado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (art. 273, II).
O perigo da demora é também condição de concessão de medida cautelar, mas nem por isso se inclui a antecipação no rol das medidas cautelares. A circunstância deverá revelar-se não como elemento da tutela pretendida, mas estritamente relacionada com ela, de forma tal que o retardamento poderá causar o dano ou prejuízo da difícil reparação.
O prejuízo, referido na lei, não se confunde com o incômodo e a inconveniência decorrentes da marcha normal do processo, mas de situação anômala, particularíssima, relacionada com a parte especificadamente. A lei, por exemplo, confere a funcionário público certo benefício pecuniário, mas o Estado lho está negando. Acertados os fatos por meio de prova inequívoca, o juiz se convence, de antemão, da verossimilhança do pedido, mas nem por isso poderá conceder a antecipação. O funcionário, todavia, traz aos autos elementos que comprovam a necessidade do recebimento do benefício, para fazer face a despesas extraordinárias, provocadas, digamos, por doença em família. A antecipação passa, então, a ser justificada.
Sem necessidade de ocorrer o periculum in mora, a antecipação pode ser concedida, se ficar evidenciado o abuso de defesa do réu, ou intuito protelatório, o que é indicado em cada caso particular, podendo-se apenas afirmar que sempre haverá abuso de defesa quando o réu argüir defesa contra a evidência dos fatos e de sua conclusão, ou requerer provas ou diligências, reveladas como absurdas pelas circunstâncias do processo.(Ernane Fidélis dos Santos – Manual de Direito Processual Civil)
Dessa forma, para a antecipação da tutela, o magistrado não pode se satisfazer apenas com a presença do fumus boni juris, ou seja, prova suficiente para a verossimilhança da alegação, entendido como o não suficiente para a declaração da existência ou da inexistência do direito, como ocorre no processo cautelar. Deve, outrossim, verificar a presença de mais dois elementos, absolutamente independentes, ou seja, basta a presença de um deles para justificar a antecipação. Esses dois elementos vem previstos nos incisos do art. 273, são eles: a) haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; b) fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
É necessária ainda, no caso de pedido fundado no pressuposto de dano irreparável ou de difícil reparação, em razão da demora da marcha processual, que é o evidenciado neste Agravo, a existência de prova inequívoca para que o juiz se convença da verossimilhança desta alegação, conforme nos ensina o professor Luiz Orione Neto, no seu livro Liminares no Processo Civil e Legislação Processual Civil em Vigor:
É curial – pois isso decorre da exegese do caput do art. 273, CPC – que a lei condiciona a tutela antecipatória fundada em periculum in mora à existência de prova inequívoca suficiente para que o juiz se convença da verossimilhança da alegação (Luiz Orione Neto – Liminares no Processo Civil e Legislação Processual Civil em Vigor)
A jurisprudência se posiciona da mesma forma:
A antecipação da tutela de mérito, caracterizada pela urgência (CPC, art. 273, I), conquanto possível em ação de qualquer natureza, só pode ser deferida à vista de prova inequívoca do provável direito do autor e dos riscos de dano irreparável ou de difícil reparação, evidenciado diante da situação fática submetida a exame do juiz (MSI 2.037 – Câmaras Cíveis Reunidas do TJMT – rel. Des. Orlando de Almeida Perri, DJMT n. 5.244, de 22.08.97, p.2)
Percebe-se, destarte, analisando os autos deste Recurso, que o Agravado, em nenhum momento, demonstrou a existência do pressuposto periculum in mora e, muito menos, se fosse o caso, do abuso do direito de defesa ou do intuito protelatório do réu, necessário para que o magistrado conceda a antecipação da tutela. Muito pelo contrário, pois as evidências manifestadas nos autos, demonstram uma presunção em desfavor do Agravado, a de que inexiste o receio de dano irreparável ou de difícil reparação, em decorrência da demora, já que, o tempo decorrido entre o fato jurídico e o ajuizamento da ação, 12 anos, afasta a presença de tal perigo.
Por todo o exposto, esta Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento do Agravo e pelo seu provimento, para que seja reformada a respeitável decisão hostilizada.
É o parecer.
Belém, março de 2.000
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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