Edição nº 5 – Ano I
DA OBRIGAÇÃO EM GERAL
A obrigação é um vínculo jurídico por intermédio do qual o credor pode exigir uma prestação do devedor; recaindo, sobre esse último, a pena de invasão no patrimônio, no caso de não cumprimento.
No dizer de Silvio Rodrigues: “É o vínculo de direito por meio do qual alguém (sujeito passivo) se propõe a dar, fazer ou não fazer qualquer coisa (objeto da obrigação), em favor de outrem (sujeito ativo)” (p. 4, 2002).
Trazida do direito romano, onde as Institutas de Justiniano apregoavam: “tratar-se de um vínculo de direito que compele alguém (devedor) a fornecer uma prestação, segundo o direito do país”. Note-se que, no texto justinianeu, alude-se que, no contexto “obrigação”, é importante realçar a importância social e não apenas a relação individual.
DOS SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS
1. O VÍNCULO JURÍDICO é assim chamado porque, sendo disciplinado pela lei, acompanha sanção.
Cumpre explanar, nesse primeiro momento, a crítica desencadeada. Vejamos. Se na obrigação “há um vínculo jurídico”, há, por decorrência, a prisão do devedor mediante a imposição da prestação, ou seja, o devedor torna-se um prisioneiro. Todavia, com a ideia de defesa do mais fraco, analisar-se-á motivos de desequilíbrio, que podem impedir a prestação do serviço, “não sendo simples a simples prisão de alguém por uma relação obrigacional”. Busca-se o maior equilíbrio entre as partes, a fim de que se cumpra a prestação dignamente e mantenha o contrato, visto que há essa necessidade de segurança jurídica.
Pois bem. A lei abre a porta dos pretórios ao credor, para que este, por meio da execução patrimonial do inadimplente, obtenha a satisfação do seu crédito. Se espontaneamente se recusa, o devedor, a colaborar, vê o credor recorrer ao Poder Judiciário, que ordenará a penhora de seus bens para, com o produto por eles alcançado em praça, satisfazer o seu crédito.
Em linhas gerais, há dois elementos caracterizadores do vínculo jurídico: a dívida e a responsabilidade. Dívida é um pressuposto de que o devedor, espontaneamente, irá cumprir o seu dever; responsabilidade, por outro lado, é uma prerrogativa que goza o credor, de executar o patrimônio do devedor, ocorrendo inadimplência. Da maneira que o devedor se obriga, seu patrimônio responde (ALFREDO BUZAID, p. 26, “Do concurso contra credores no processo de execução”, 1952).
2. AS PARTES NA RELAÇÃO OBRIGACIONAL
Sempre há no direito obrigacional alguém capaz de exigir determinado comportamento de outrem; v.g., colocar o nome do devedor no Serasa, reparar veículo danificado culposamente (imprudência, imperícia e negligência). Melhor dizendo: em toda relação obrigacional existe duas partes, determinadas ou determináveis: um sujeito ativo e um sujeito passivo.
Note-se que na espécie surge a limitação da liberdade do devedor, que deve dar, fazer ou não fazer alguma coisa. Mas tal limitação ou adveio de sua vontade, ou de seu comportamento equivocado (ato ilícito que exigem reparação), ou derivou de imposição legal. Em qualquer das três hipóteses, mostra-se ele vinculado; na ocorrência de inadimplemento, pode o credor recorrer à justiça para dirimir o conflito e receber a prestação devida.
A solução oferecida pela lei, nos primeiros tempos do direito romano, era mais severa que a atual. O credor não pago de seu crédito fazia recair a execução na própria pessoa do devedor, podendo reduzi-lo à escravidão, ou até mesmo a matá-lo (ALFREDO BUZAID, op. cit.). Tal regime perdurou até o período pré-clássico, posteriormente pondo como objeto de execução os bens do devedor. Essa é a solução ainda vigente.
3. PRESTAÇÃO
Antigamente, pessoa que assinasse sem ler, sem tomar ciência, não redimira-se de cumprir: cumpria a prestação, pois se se obrigou, há que se cumprir o acordo.
Diversamente disso, contemporaneamente o direito não conta com essa estática obrigacional, visto que há circunstâncias que alteram o contrato, alterando, por conseguinte, o equilíbrio entre as partes. Em assonância ao texto justinianeu, já aludido, há que se levar em conta não o cunho econômico da avença, da obrigação, mas sim o aspecto social que assume.
Esse poder de exigir algo do outro não advém da propriedade (“só porque é dono”), mas porque há uma relação obrigacional.
Há quem fale que “só existe obrigação quando houver expressão patrimonial”; não há que se olvidar, porém, que numa ação na qual o filho exige o dever de afeto do pai não há o suposto semblante patrimonial (econômico); logo: existem obrigações não-patrimoniais.
Há uma corrente unitária, que explana que prestação (dever de dar, fazer ou não fazer) só existe pois há responsabilidade (sanção prevista), pois não há cumprimento obrigacional somente pela dívida. A teoria dualista, por outro lado, supõe tal prerrogativa (de existir o cumprimento voluntário), logo, prestação é uma coisa que não decorre porque há sanção prevista, mas decorre da vontade única duma pessoa (que assumiu ou contraiu a dívida) que pode cumpri-la voluntariamente.
DOS DIREITOS REAIS E DOS DIREITOS PESSOAIS.
Diz-se real o direito que recai diretamente sobre a coisa; pessoal, o que depende de uma prestação do devedor. Pois bem, o direito pessoal é, portanto, o objeto da obrigação. O direito obrigacional atinge os bens (a coisa), mas dá-se, num primeiro momento, entre dois sujeitos. O direito real, diversamente disso, é o que afeta a coisa direta e imediatamente.
O direito das obrigações cuida dos direitos pessoais, isto é, do vínculo ligando um sujeito ativo (credor) a um sujeito passivo (devedor), por força do qual o primeiro pode exigir do segundo o fornecimento de uma prestação consistente em dar, fazer ou não fazer alguma coisa.
DA FONTE DAS OBRIGAÇÕES (ORIGEM DAS OBRIGAÇÕES)
De remota origem, tem considerável relevância e constitui objeto de insuperável controvérsia.
Em suma. No direito romano encontram-se textos de Gaio, constantes de suas Institutas, onde se reconhecem, num primeiro momento, duas fontes: o delito (ato ilícito) e o contrato. Posteriormente, recorre a uma expressão genérica, ex variis causarum figuris, capa de abranger todas as possíveis causas de obrigações; disso decorre, portanto, três fontes: o contrato, o delito e qualquer outra cousa. Também houve textos justinianeus que apregoaram estas fontes: o contrato, o delito, o quase-contrato e o quase-delito. Resumidamente, contrato seria qualquer avença entre as partes, capaz de gerar um liame entre elas (no mútuo, que há a promessa de devolução; na compra e venda, que há a promessa de dação); o delito nada mais é que uma obrigação gerada de um dano causado intencionalmente (roubo, furto, injúria); a figura do quase-contrato surge dos atos humanos que “quase podem se considerar contratos” (a gestão de negócios, onde uma pessoa deliberadamente trata de matérias do interesse de outra, ou seja, se alguém morre no exterior, o companheiro de viagem manda os documentos para família e tem direito de ingressar com o pedido dos dispêndios cartorários, postais etc., ainda que não haja o contrato solene); o quase-delito, por fim, afigura a ideia de culpa (no delito há o dolo), aqui, o prejuízo causado à vítima decorreu de imprudência, imperícia ou negligência (acontece com aquela pessoa que, descuidadamente, deixa cair de sua casa, na rua, algum objeto que fere outrem ou o bem alheio).
Pothier adiciona outra fonte àquelas constantes nos manuais de Justiniano, i.e., a lei. O nosso Código Civil contempla declaradamente três fontes: o contrato, a declaração unilateral da vontade e o ato ilícito. Porém, há que se pensar na lei sempre como fonte das obrigações, ora é mediata, ora é imediata. Disso decorre a seguinte classificação, obrigações que: a) têm por fonte imediata a vontade humana; b) têm por fonte imediata o ato ilícito; c) têm por fonte direta a lei.
a) Obrigações que têm por fonte direta a vontade humana. Há, nesse pregão, uma divisão, qual seja: as que provêm do contrato (conjunção de vontades) e as que decorrem da manifestação unilateral de vontade (título ao portador ou promessa de recompensa); b) as fontes derivadas dos atos ilícitos são as que se constituem mediante uma ação ou omissão, culposa ou dolosa do agente; promanam diretamente dum ato humano, infringente de um dever legal ou social; c) finalmente, as que decorrem diretamente da lei; como a obrigação de prestar alimentos (os parentes devem uns aos outros alimentos) ou o mister de reparar prejuízo causado, teoria do risco (danos causados por aeronaves à pessoa em terra); também aos cônjuges cumpre manter a família.
Em todos os casos analisados, entretanto, a lei é a fonte remota da obrigação, pois ela é que impõe ao devedor o mister de fornecer sua prestação e comina sanção para o caso de inadimplemento.
DAS OBRIGAÇÕES DE DAR
A obrigação de dar consiste na entrega de alguma coisa, i.e., a tradição de alguma coisa pelo devedor ao credor. Desdobra-se em dar coisa certa ou incerta, também em obrigação de dar propriamente dita e obrigação de restituir. A relevância dessa última distinção advém da circunstância de que na obrigação de restituir o credor é dono da coisa e, por outro lado, na obrigação dar isso não acontece, pois o credor ainda não á o dono legítimo. Impõe-se ao legislador diferentes soluções, no que cerne ao problema dos riscos incidentes sobre a coisa, numa e na outra hipótese.
Pois bem. A obrigação de dar coisa certa compromete entregar ou restituir ao credor um objeto perfeitamente determinado. Há que se peculiarizar a coisa em apreço, individualizá-la; como, por exemplo, um cavalo de corridas, uma peça de mobiliário, uma joia.
A obrigação de dar coisa incerta, por outro lado, tem por objeto a entrega de coisa não considerada em sua individualidade; a coisa será mencionada pela referência a esse gênero e à quantidade. Em vez considerar a coisa em si, ela é considerada genericamente. Assim, por exemplo, a obrigação do comerciante que vendeu duzentas sacas de açúcar de determinada marca. A mercadoria é encarada em seu gênero: açúcar de dada marca. Mostra-se livre dessa obrigação após entregue a quantidade certa e a qualidade avençada.
De certo modo óbvio, o preceito dizia que, para o credor exonerar-se da obrigação, devia entregar o objeto ajustado. A liberação mediante dação de coisa diversa da aventada, ainda que mais valiosa, depende de novo acordo entre as partes, pois demanda o consentimento do credor (arts. 313 e 863).
Naturalmente que a obrigação de dar coisa certa abrange-lhe os acessórios, posto não mencionados, salvo se o contrário resultar do título, ou das circunstâncias do caso (art. 233).
Quando o dar coisa certa abranger a transferência do bem, o título de dono dá-se só mediante a entrega da coisa fisicamente considerada, ou seja, perante a tradição, visto que o sistema brasileiro assumiu que “é a tradição e não o contrato o elemento que transfere o domínio; segundo o art. 1.267, “a propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição”. Assim, entre nós, o contrato de compra e venda não torna o adquirente dono da coisa comprada, mas apenas titular da prerrogativa de reclamar sua entrega. Segundo o art. 237, 1ª parte, “Até a tradição pertence ao devedor (quem entrega) a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço”; e completa: “se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação”. Assim, até o momento da entrega da coisa, o proprietário é o devedor (que dará a coisa), respondendo pela perda ou deterioração da coisa. O credor adquire o título de proprietário mediante a entrega (tradição). O credor escolhe se, mediante eventual incidente (deterioração do bem, p.ex.), ficará com a coisa, reajustando o preço (art. 235). Assim, se o proprietário não agiu com culpa, perde somente o valor do bem, senão, responderá pelo equivalente e mais eventuais perdas e danos (art. 234).
Por fim. Convém distinguir que, enquanto para a transferência dos bens móveis basta a tradição, na transferência de bens imóveis a lei exige a formalidade do registro do translativo no Registro de Imóveis (art. 1.245): tradição solene.
Se na restituição de coisa certa há deterioração ou perda da coisa, responsabilizar-se-á pela perda o verdadeiro proprietário, conforme o art. 238; se, por exemplo, empresta-se o carro e esse, por evento fortuito, é deteriorado/roubado, responde o proprietário, ou seja, quem emprestou-o. Exime-se, conforme a legislação, o indivíduo que encontra-se na posse, salvo se agiu com culpa ou dolo; nesse caso, ele se enquadrará no art. 239, respondendo, além do valor da coisa, por mais perdas e danos. Logo, se o carro foi perdido por culpa (deixar, por desídia, parado com os vidros abertos), restitui-se o credor (dono), com perdas e danos, inclusive.
DOS ACESSÓRIOS DA COISA
Ressaltando que o domínio só se transfere com a tradição, antes dessa a coisa pertence ao devedor. Todos os melhoramentos e acrescidos, como acessórios que são, seguem-lhe o destino, incorporando ao patrimônio do titular, visto que esses bens supõem a existência do bem principal; “eles grudam” na coisa principal (aderem de forma indissolúvel). São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro (carteiras da faculdade); por essas razões, resulta que, segundo o art. 237, o titular da propriedade (devedor) pode exigir o aumento do preço. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias. Se voluptuárias, de mero deleite ou recreio, não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável (p.ex.: jardim paisagístico). São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem (v.g.: edícula, cobertura de garagem; ofendículas); quem faz a benfeitoria útil, tem o direito ao jus retentionis (direito de retenção) ou de ser indenizado. Por último, são necessárias, as benfeitorias que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore. São obrigatoriamente indenizáveis (e.g.: conserto de um vazamento).
No que tange as obrigações, se o bem não tem determinados acessórios no momento da avença e posteriormente, quando dar-se-á a tradição, os tem, fica a critério do adquirente (credor) a decisão de aceitar ou não, i.e., tem ele o poder de resolver o contrato ou pagar o acréscimo das benfeitorias (exemplo da vaca que, após vendida, fica grávida: tem o devedor o direito de requerer o pagamento pelos bezerros).
Tal preceito abrange quaisquer acessórios e, por conseguinte, os frutos. No rastro do legislador de 1916, o nosso art. 241 apregoa que, enquanto os frutos percebidos pertencem ao devedor, os pendentes competem ao credor.
Se o acessório está vinculado à coisa principal, a Lei estipula que será obrigado a repassar; e.g., quando se vende uma escola, há que se entregá-la com as cadeiras.
Vejamos mais algumas peculiaridades que o artigo 242 nos remete.
DO MELHORAMENTO ACRESCIDO À COISA PRINCIPAL
Reza o artigo 242 que se para aumento, ou melhoramento, o devedor empregou trabalho ou dispêndio o caso regular-se-á pelos artigos atinentes às benfeitorias, quais sejam: 1.219 a 1.221, vejamos:
O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, poderá ele, assim, exercer o direito de retenção pelo valor dessas benfeitorias; se, todavia as benfeitorias sejam voluptuárias, se não lhe forem pagas, tem a prerrogativa de levantá-las (levá-las consigo), quando o puder sem detrimento da coisa.
Quanto ao possuidor de má-fé, serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.
Segundo o art. 1.221, “As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem”. Assim, se ele acresce benfeitorias que, antes da devolução, se perecem, não terá o direito de exigir ressarcimento.
DESTINO DA OBRGAÇÃO SE HAVIDA A DETERIORAÇÃO OU PERECIMENTO DA COISA
Grosso modo, podemos realçar o destino da obrigação, em face do perecimento ou deterioração da coisa:
Perecendo (se perder) a coisa, por culpa do devedor, responderá ele pelo respectivo valor e mais perdas e danos; art. 234, 2ª parte;
Deteriorando-se (estrago) a coisa, por culpa do devedor, poderá o credor (que a receberia) ou resolver o contrato, exigindo perdas e danos, ou aceitá-lo da forma que se encontra, reclamando a composição do prejuízo.
Perecendo a coisa sem culpa do devedor, a obrigação se desfaz, quer seja de dar, quer seja de restituir (art. 234, 1ª parte).
Deteriorando-se a coisa sem culpa do devedor, mister distinguir: 1. se a obrigação era dar, pode o credor considerar resolvida a obrigação; ou pode aceitar a coisa, abatido no preço o valor do estrago (caso em que a relação jurídica se altera, para ser substituída por outra, independentemente do consentimento da parte interessada – vale dizer: do devedor); art. 235; 2. se a obrigação era de restituir e a coisa se deteriorou sem culpa do devedor, a obrigação se altera, pois o credor só pode reclamar a coisa deteriorada, no estado em que se encontre; art. 238.
DAS ATRIBUIÇÕES DOS RISCOS NA OBRIGAÇÃO DE DAR FRUSTRADA
Esse é, quiçá, o tema mais importante tratado no presente capítulo; pois determina quem, o devedor ou credor, deve sofrer o prejuízo ocorrido antes da tradição.
Afasta-se desde logo a hipótese de culpa do devedor; ocorrida, uma vez, essa, o sujeita à responsabilidade pelas perdas e danos ocasionados.
DA OBRIGAÇÃO DE DAR; PERDA DA COISA OBJETO DA PRESTAÇÃO
A coisa se perdeu sem culpa do devedor, antes da tradição. Dado animal vendido, antes da entre, foi baleado e morto por desconhecido. A obrigação se desfaz. O vendedor devolve ao comprador o preço e sofre, por conseguinte, o prejuízo decorrente do perecimento da coisa.
DA OBRIGAÇÃO DE DAR; DETERIORAÇÃO DA COISA OBJETO DA PRESTAÇÃO
Aqui, a coisa se deteriorou antes da tradição. Automóvel vendido é envolvido num acidente ou apresenta defeitos no mecanismo; por conseguinte, apresenta avarias. A lei abre ao adquirente (credor) uma alternativa: defere-lhe o direito de resolver o negócio ou aceitar a coisa, abatido ao preço o valor que perdeu (CC, art. 235). Portanto, também nesta segunda hipótese, como ocorreu na primeira, quem sofre o prejuízo é o credor.
DA OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR; PERDA DA COISA OBJETO DA PRESTAÇÃO
O depositário que recebeu o objeto para guardar deve devolvê-lo, ao lhe ser demandada a coisa, pelo depositante. Se essa coisa perece antes da devolução, sem culpa do devedor (depositário), o art. 238 do CC determina que sofrerá o credor a perda, e a obrigação resolverá. O credor é o depositante, ou seja, o dono da coisa. Logo, ainda, quem sofre o prejuízo é o dono.
DA OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR; DETERIORAÇÃO DA COISA OBJETO DA PRESTAÇÃO
Um exemplo ilustrará a hipótese. Num contrato de empréstimo de coisa infungível, o comodatário deve devolver ao comodante, ao fim do prazo, o objeto emprestado. Ora, o art. 240, 1ª parte ordena ao credor receber a coisa, sem direito à indenização, no estado em que se encontra. Assim, sofre ele o prejuízo pela deterioração. O credor é o dono da coisa, ou seja, no exemplo figurado, o comodante. Também neste caso a lei verifica que o dono da coisa é quem sofre o prejuízo.
Em remate. Sempre o credor (dono da coisa), nas obrigações de dar coisa certa, tendo como pano de fundo a tradição, é quem sofre os prejuízos pela perda ou deterioração da coisa.
NOÇÕES SOBRE AS OBRIGAÇÕES DE DAR COISA CERTA
O ordenamento jurídico, dentro do possível, deve atuar no sentido de que as obrigações sejam cumpridas na forma como foram convencionadas, só permitindo a solução mediante indenização em última análise. Dessarte, impõe-se a execução específica, proporcionando ao credor exatamente aquilo que foi avençado.
Quando alguém compra determinada coisa, almeja obter a entrega do objeto e não o seu valor, acrescido da indenização pelos prejuízos oriundos do inadimplemento do devedor.
Visto que nem sempre isso é possível, pois podem surgir embaraços de ordem legal ou de fato. Esse, quando o procedimento do devedor torna impossível a execução específica – deixar perecer o animal a ser entregue –; o primeiro, quando a lei veda a execução.
Não há falar-se no impedimento da cobrança por falta da tradição (isto é, não sendo ainda proprietário, não tem o comprador legitimação para reivindicar). Em verdade, não se trata aqui da ação real, baseada no domínio, mas da ação pessoal, reclamando o cumprimento preciso de uma obrigação.
Quando a entrega consistir em dar coisa impossível, por veto de lei ou impossibilidade, não há recurso, senão o sucedâneo das perdas e danos. Por outro lado, quando o devedor apenas recalcitra em não entregar a coisa certa, deve a vontade da Justiça se sobrepor à sua e forçar-se a execução direta.
Pois bem. Na obrigação de dar coisa certa, compete ao credor, sempre que possível, obter o próprio objeto da prestação, só se reservando às perdas e danos quando a ação direta for impossível ou envolver sério constrangimento físico à pessoa do devedor.
Aliás, o art. 621 e s. do CPC (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973) soa categórico ao dar o instrumento da imissão na posse ao credor de bem imóvel e da busca e apreensão, se a coisa certa a ser entregue for móvel.
NOÇÕES SOBRE AS OBRIGAÇÕES DE DAR COISA INCERTA
Consiste na obrigação cujo objeto, se bem que indeterminado, é determinável, pois é referido pelo gênero a que pertence e pela quantidade que é devida. Seria inconcebível uma prestação indeterminável, visto que o devedor não poderia cumpri-la. Logo, o art. 243 sana qualquer indagação: “A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade”.
Enquanto a obrigação é dar coisa incerta, não se pode cogitar dos riscos derivados de seu perecimento ou deterioração. Com efeito, o gênero, em regra, não perece (art. 246). A solução esboçada se estriba no fato de que, em tese, poderá obter alhures as mercadorias, a fim de proceder à entrega a que se comprometeu.
A exceção a essa regra existe: se toda a espécie em questão desaparece: e.g., carro que para de fabricar, animal que entra em extinção; também consiste em exceção à regra quando a obrigação de dar coisa incerta se restringe a determinado universo de bens e, por um act of God, desaparecem: v.g., as máquinas situadas num barracão que, por acaso, incendiou-se.
Impõe-se que, em um momento, de individualizem as coisas que serão entregues pelo devedor ao credor, pois, como já aludido, a obrigação de dar coisa certa é fugaz e transitória.
Isso desemboca em dois problemas:
A QUEM COMPETE A ESCOLHA
Incumbe às partes estipular a quem compete a escolha. Se não o fizerem, a 1ª parte do art. 244 determina pertencer ao devedor.
QUAL É A MANEIRA DE SE PROCEDER À SELEÇÃO
Pois bem. A 2ª parte do mesmo artigo, não obstante, limita a liberdade da escolha, dizendo que ao proceder à escolha não poderá o devedor da a coisa pior, nem será obrigado a prestar a pior. Pretendeu, decerto, o legislador que o devedor escolhesse pela média, fugindo tanto de dar o pior quanto de prestar o melhor; ao admitir a coisa incerta, admitem também um bem mediano, com características intermediárias.
Tal solução só vige quando silente o contrato. Isso porque, se as partes decidiram ilidir a incidência de lei supletiva (lei supletiva: admite alteração pelas partes; lei de ordem pública: não admite a alteração pela simples avença entre as partes), para alterar a competência de escolha, essa atitude adveio para favorecer o credor, permitindo que receba o que de melhor encontrar, pois, se outro fosse o desejo, não utilizariam tal cláusula.
Assim, o momento de concentração do contrato é o momento que se cientifica a outra parte; isto é, altera-se a coisa incerta para coisa certa (art. 245).
DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER OU NÃO FAZER
As obrigações de dar ou de não fazer consiste num ato humano realizado, donde decorre uma vantagem para o credor. Podem elas constar de um trabalho físico ou intelectual, como também de um ato jurídico. Assim, assume a obrigação de fazer o empreiteiro que ajusta a construção; ou o escritor que promete a um jornal uma série de artigos; ou a pessoa que propõe-se, num contrato preliminar, a outorgar um contrato definitivo.
Se distinguem das obrigações de dar, visto que nessa há prestação de coisa, nas obrigações de fazer encontra-se uma prestação de fato. Por vezes se entrelaçam e, entre várias teorias, há a lúcida de Washington de Barros Monteiro, no seu curso de Direito Civil, p. 99, segundo a qual:
“O substractum da diferenciação está em verificar se o dar ou o entregar é ou não consequência do fazer. Assim, se o devedor tem de dar ou de entregar alguma coisa, não tendo, porém, de fazê-la, previamente, a obrigação é de dar; todavia, se, primeiramente, ter ele de confeccionar a coisa, para depois entregá-la, se tem ele de realizar algum ato, do qual será mero corolário o de dar, tecnicamente a obrigação é de fazer”. Consequência disso resulta que, quando a obrigação é de dar e fazer, trata-se obrigatoriamente como obrigação de fazer.
Assim, há que se ir mais longe que isso e afirmar que a obrigação de fazer consiste no mister imposto ao devedor de manter dado comportamento, atitude humana ativa; por outro lado, ao menos em tese, pode esse comportamento constar de uma abstenção, daí transformando-se num comportamento passivo, isto é, obrigação de não fazer.
DAS ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO
A doutrina lançou mão da noção de fungibilidade (também exposta sob outro prisma no art. 85 do Código Civil) para distinguir duas espécies diferentes de obrigações de fazer: aquelas em que a pessoa do devedor constitui preocupação essencial do credor – infungíveis, ou insubstituíveis –, e as em que isso não ocorre – fungíveis.
Nas primeiras, i.e., nas obrigações infungíveis, o negócio se estabelece intuitu personae, pois a prestação avençada só terá validade de fato se prestada por aquele devedor, cujas qualidades pessoais são queridas pelo credor. Assim, se alguém contrata com pintor célebre a confecção de um retrato, supõe-se que o faz em vista das qualidades do artista, de modo que a lei só considera adimplido o ajuste se a prestação for cumprida por aquele devedor.
Por vezes o intuitu personae não se funda em qualidades pessoais, mas em condições particulares. Quem anui em contrato de locação, se o fiador – alguém que abona, responsabilizando-se pelo cumprimento da obrigação do abonado – do locatário for determinado capitalista de honradez e reputação, não é obrigado a aceitar substituto.
Quanto às obrigações fungíveis, pode-se dizer que são aquelas em que a pessoa do devedor não figura com relevância. Ao dono do automóvel que encomendou sua limpeza é, de certo modo, indiferente que o veículo seja lavado por um ou outro oficial. De sorte que o devedor se desincumbe da obrigação ou realizando o a tarefa prometida ou mandando que outrem a faça em seu lugar.
Em tese, para que se considere infungível a obrigação de fazer, requer-se menção expressa. Todavia, mesmo em caso onde não haja convenção expressa, poder-se-á reconhecer a infungibilidade da prestação, em virtude das circunstâncias que rodearam o negócio, se, v.g., a intenção das partes é gritante ao considerar no contrato as condições peculiaridades de determinada pessoa.
DAS CONSEQUÊNCIAS DO DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER
Distingui, de início, o caso da prestação tornar-se impossível e, depois, o de a obrigação ser descumprida pelo devedor.
Pois bem. Quanto ao primeiro caso, da impossibilidade, ocorre quando a prestação se torna irrealizável. Se inocente o devedor, a obrigação se resolve; se culpado, deve compor o prejuízo. Com efeito, tidas no art. 248 do Código em apreço.
A primeira hipótese se dá quando o fato que tornou impossível a prestação é alheio a um comportamento censurável do devedor (ou seja, que o impedirá de realizá-lo dado ato necessário para o cumprimento da obrigação). Nesse sentido, temos o exemplo do artista que adoece às vésperas do evento.
Nessa hipótese o negócio se desfaz e as partes são reconduzidas ao estado em que se encontravam antes da avença. Logo, devolve, o artista, as cifras porventura já embolsadas.
A segunda hipótese da impossibilidade dá-se quando essa (impossibilidade) decorre de culpa do devedor, ele é o causador do impedimento. No mesmo caso, do artista, se ele, no dia de sua apresentação, se mantém no estrangeiro.
O legislador considera também a hipótese do inadimplemento voluntário da obrigação, que se não tornou impossível. Mas o devedor, que poderia cumpri-lo, apenas não o faz por não lhe convir.
Nessa hipótese o legislador distingue as obrigações infungíveis das fungíveis, ou seja, as que dependem unicamente do devedor e as que podem ser indiferentemente realizadas pelo devedor ou por outrem.
Quando infungível, não pode o credor, em regra, obter sua execução direta, visto que isso envolveria odioso agravo à liberdade individual. Por conseguinte, em assonâncias às Constituições modernas, o remédio que remanesce ao credor é obter a reparação do prejuízo experimentado, mediante sucedâneo das perdas e danos (art. 247).
Quando fungível e o devedor for moroso ou inadimplente, abre a lei ao credor uma alternativa. Faculta-lhe o pedido de perdas e danos; por outro lado, confere-lhe também a possibilidade de mandar executar o fato por terceiro, à custa do faltoso (art. 249). Assim, grosso modo, compete ao contratante ou resolver o contrato, pleiteando indenização; ou obter a execução do empreendimento por terceiro, para tanto, cumpre-lhe recorrer à via judicial, para que fique comprovada a recusa do devedor e se alcance aprovação da substituição pretendida.
DA EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER
No Código de Processo Civil de 1939 encontrava-se a ação cominatória, deferida ao credor para compelir o devedor a cumprir a obrigação, sob pena de pagar multa, desde a petição inicial cominada pelo juiz. Indubitável é que o juiz, ao ordenar o mandado inicial em que cominava multa, tinha apenas conhecimento sumário do processo e nem sequer havia ouvido a outra parte. Todavia, o feito tomava o rito ordinário, e, nos casos de justificação do devedor, dava remédio à multa cominada ab ovo.
Como a jurisprudência se distanciava desse procedimento, preferindo ater-se à sistemática do Código Civil, em que o inadimplemento se resolvia, em regra, no pagamento das perdas e danos.
Nos arts. 632 e s. do Código de Processo Civil atual, a lei abre ao credor uma alternativa. Confere-lhe a prerrogativa de requerer, nos mesmos autos, que seja o devedor condenado a reparar as perdas e danos, hipótese em que a obrigação converte-se em indenização, transformando a obrigação de fazer em obrigação pecuniária de dar; ou então pode requerer que a obrigação de fazer, inadimplida, seja executada à custa do devedor (art. 633). Escolhendo essa última maneira, os arts. 634 e seguintes disciplinam o procedimento judicial indispensável.
DA EXECUÇÃO DIRETA DE PRESTAR DECLARAÇÃO DE VONTADE
Fora revogado todo esse teor, que vinha exposto nos arts. 639 a 641 do CPC (revogados pela Lei n. 11.232 de 22-12-2005).
DAS OBRIGAÇÕES DE NÃO FAZER
Aqui, o devedor assume um compromisso de abster-se de um fato que poderia praticar, não fosse o vínculo que o prende. Se a obrigação de fazer é positiva, essa é, por óbvio, negativa. Assim, ata-se a tal espécie a pessoa que promete não vender uma casa a não ser ao credor, ou o industrial que promete vender toda sua produção a um determinado consumidor.
Hipótese igualmente comum é a do comerciante que, alienando seu comércio, compromete-se a não abrir outro congênere na mesma rua ou quadra. Inspira-se, então, essa obrigação, num interesse do credor, a quem assusta a ocorrência do fato avençado. Estipula o contrato, portanto, a obrigação negativa do devedor.
A obrigação de não fazer será lícita sempre que não envolva a liberdade individual; disso decorre que decerto para alguns casos a lei não dá guarida, como avenças de não casar, não trabalhar etc.
DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES DE NÃO FAZER
Ocorre com a pratica do ato que o devedor prometeu abster-se.
Os mesmos princípios que informam as obrigações de fazer aplicam-se às de não fazer.
Há que se distinguir se derivou ou não de culpa do devedor, vejamos.
Se a abstenção prometida se tornou impossível sem culpa do devedor, a obrigação se extingue (art. 250). Tomemos o exemplo do devedor que, em função de lei municipal, vê-se obrigado a construir muro onde havia prometido, ao credor, não fazê-lo.
Se, todavia, há culpa no comportamento do devedor, que por negligência ou interesse preferiu desprezá-la, dois remédios assistem ao credor: no art. 251, exigir que o desfaça, sob pena de o desfazer à sua custa (às expensas do devedor), ressarcindo o culpado as perdas e danos. O juiz poderá deferir o pedido do credor, no sentido de realizá-la por conta própria, que será, ademais, indenizado por perdas e danos pela conduta culposa. No parágrafo único, porém, confere autotutela ao credor, que poderá abrir mão da concessão judiciária, se a urgência mostrar-se necessária para evitar perda ou deterioração do bem. O segundo remédio decorre da regra contida no art. 389 do CC, que defere ao prejudicado direito de perdas e danos. Por vezes não há como desfazer os efeitos funestos do ato praticado. Caso que exemplifica é a publicação de notícia que prejudicaria a venda de determinado produto. Mostra-se impossível desfazer o efeito lesivo. Assim, só remanesce ao credo a possibilidade de obter perdas e danos.
Em derradeiro, parece, portanto, que deve o juiz hesitar em aplicar a regra geral, quando colidente com o maior interesse social. Um exemplo exagerado marcará a hipótese: imagine-se que o infrator que prometeu não construir em seu lote, aí tenha erguido um prédio de vários andares. Seria antissocial demoli-lo, só para atender ao deleite do vizinho credor que teria sua visão embaraçada. Deve o juiz, a meu ver, nesses casos, aplicar a segunda solução aqui mencionada.
DAS OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS
A obrigação é alternativa quando, embora múltiplo seu objeto, o devedor se exonera satisfazendo uma das prestações. São bens específicos para se escolher um, podendo variar entre dar coisa certa e fazer. Todavia, como são duas ou mais prestações e só uma delas deve ser cumprida, momento chega em que se impõe selecionar o objeto ou serviço a ser prestado. Esse elemento escolha aproxima a obrigação alternativa da obrigação de dar coisa incerta. Mas diferenças são nítidas.
A primeira é que, na primeira circunscreve um universo de coisas determinadas, a segunda, porém, se refere a todo um gênero.
Daí decorre importante corolário. O perecimento de um dos objetos in obligatione, na obrigação alternativa, faz com que a prestação se concentre no remanescente, transformando a obrigação complexa (de múltiplos objetos) em obrigação simples. Ademais, se todos os objetos perecerem, a obrigação se extingue. Contudo, se a obrigação for de dar coisa incerta, não há falar-se em extinção da obrigação, visto que o devedor poderá buscar alhures o objeto da obrigação para oferecer ao credor; o gênero, em tese, não perece.
Mostra-se vantajosa para ambas as partes, tanto devedor como credor, vejamos: para o devedor é vantajosa pois lhe permite selecionar, dentre os vários objetos em apreço, o que for menos oneroso à época do cumprimento, escolhe qual a obrigação é menos pesada, qual demandará menor sacrifício. Mostra-se vantajosa ao credor, porém, pois melhor assegurará o adimplemento do contrato; o perecimento de uma das coisa não extingue o liame (como na obrigação simples, que tem só um objeto).
Dois pontos mostram-se de maior relevo: a escolha, quem pode escolher, e o que acontece mediante o perecimento do objeto da obrigação.
DIREITO DE ESCOLHA; TITULARIDADE E DECADÊNCIA.
O legislador confere às partes liberdade para estipular a quem cabe o direito de escolha. Apenas em caso de silêncio do contrato supre-lhes a omissão, entendendo competir ao devedor. É a regra do artigo 252. Trata-se de preceito com caráter supletivo, nada impedindo, porém, a estipulação em contrário, ao credor ou a terceiros.
O § 1º do art. 252 proíbe a mistura de alternativas. Melhormente falando, quando a escolha é deferida ao devedor, não pode este forçar o credor a receber parte em uma parte em outra prestação, pois ele não é obrigado a receber por partes aquilo que ajustou receber por inteiro.
O preceito não se aplica se a obrigação for de prestações periódicas, pois, nessa hipótese, o direito à opção é conferido para ser exercido em cada período (CC, art. 252, § 2º). Há que se interpretar este parágrafo com o caput, ou seja, conferindo a capacidade de escolha, em cada período, ao devedor, se não fora estipulado o contrário na avença.
Quanto aos demais parágrafos deste artigo, o 3º estipular que, havendo pluralidade de optantes, a escolha deve ser unânime, senão será deferia ao juiz; no § 4º, fixa que, se firmada a obrigação deferindo escolha a terceiro e este não a faz, o juiz a fará.
Há duas outras possibilidades que o direito de escolha, por força de lei (extracontratualmente) muda de mãos: 1. se ao devedor cabe a opção e este não solve a obrigação, deixado de oferecer qualquer das obrigações, o credor, por sentença judicial, poderá intimar o devedor para que, em dez dias, cumpra uma das obrigações; se o executado naquele prazo deixar de oferecer uma das prestações, devolver-se-á ao exequente (o credor) o direito de escolha (CPC, art. 571); 2. se o direito de escolha foi conferido ao credor e este não o exerceu, o devedor o citará para tal fim, sob cominação de perder sua prerrogativa e ser depositada a coisa que o credor escolher (CC, art. 342).
DA IMPOSSIBILIDADE OU INEXEQUIBILIDADE DE UMA DAS PRESTAÇÕES
Se a escolha competir ao devedor, o problema de seu comportamento, culposo ou inocente, não se propõe, e a obrigação se concentra na prestação remanescente; isto é o que dispõe o art. 253. Ora, se competia ao devedor, é indiferente tratar-se da culpa, visto que ele escolheria uma ou outra; ele somente não poderá furtar-se a esse dever alegando a perda de alternativa.
Se, entretanto, a escolha competir ao credor e uma das prestações se tornar impossível por culpa do devedor, mudam-se os termos do problema. Ora, o credor poderia, e tinha a prerrogativa, de mostrar interesse somente pela prestação perdida. A lei, atendendo a tal possibilidade, confere ao credor, vítima da negligência do devedor, a prerrogativa ou de exigir a prestação subsistente ou o valor da outra, acrescida das perdas e danos (art. 255, 1ª parte).
Cumpre ressaltar importante questão, em que o credor fica com os bens para, ao término do prazo estipulado, devolver um. Assim, aplicasse a regra anteriormente vista, qual seja, ele devolve o bem que lhe aprouver; i.e., se, sem culpa, um dos bens que encontrava-se sob sua posse, se danificou, tem ele a prerrogativa de manter-se com o bem não danificado. Dessa forma, o devedor experimenta o prejuízo.
DA IMPOSSIBILIDADE DE TODAS AS PRESTAÇÕES
Ainda aqui convém distinguir a existência de culpa ou não do devedor, tendo em vista, por outro lado, a circunstância de a escolha caber ou não ao devedor ou ao credor.
Se todas as prestações tornarem-se impossíveis, sem culpa do devedor, aplica-se a regra geral: a obrigação se extingue, pura e simplesmente; é o que apregoa o artigo 256.
Se, cabendo-lhe a escolha, não puder o devedor, por sua culpa, cumprir nenhuma, ficará obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou, acrescido das perdas e danos (CC, art. 254).
Essa derradeira regra é absolutamente lógica, porque o perecimento antecipado de uma fez com que a obrigação se concentrasse na outra, passando a constituir o objeto único da obrigação, então simples. Ora, como visto, agora com prestação única, impossibilitada por culpa do devedor, responde à regra do artigo 389.
Finalmente, a terceira hipótese de impossibilidade. Se as prestações se impossibilitaram, por culpa do devedor, cabendo a escolha ao credor, pode este último reclamar o valor de qualquer delas, adicionado de perdas e danos.
Como vimos, o credor tinha legítima expectativa de eleger qualquer delas; o mínimo que se lhe pode deferir é o direito de pleito o valor de qualquer delas, mais indenização pelo prejuízo experimentado; é o que revela o artigo 255, 2ª parte.
DA DIFERENÇA ENTRE OBRIGAÇÕES FACULTATIVAS E OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS
Nas alternativas, há obrigações independentes, escolhendo-se uma, torna-se obrigação de dar coisa certa. Por outro lado, nas obrigações facultativas há uma alternativa de substituição; exemplificando: o credor que encomenda uma mesa, fixando um rol de materiais para o fazimento dela (mogno, maçaranduba etc.), estipula obrigação facultativa, que não é passível de escolha, pois não é obrigação independente, é indiferente ao cumprimento da obrigação; nesta última, o devedor se exonera com a entrega da mesa.
QUANTO AO OBJETO DA PRESTAÇÃO
Em derradeiro. Se umas das prestações guardar objeto ilícito, contrariando o disposto no art. 104, a jurisprudência afasta essa alternativa, concentrando a prestação na que for lícita. Vale dizer, há o princípio que, por segurança jurídica, é melhor manterem-se firmes os negócios jurídicos. Assim, se dado ajuste fora celebrado mediante uma alternativa que, em tese, pelo mesmo valor, levaria um objeto melhor sem NF ou outro menos melhor com NF, a doutrina concentrará a obrigação neste último.
DAS OBRIGAÇÕES DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS
Agora, estudaremos aquelas obrigações cujo sujeito passivo ou sujeito ativo, ou ambos, são múltiplos.
Cumpre indagar se ele divide, ou não, em partes. Seguindo a esteira do princípio concusu partes fiunt, ordinariamente se estabelece a divisão em tantas obrigações independentes quantas forem as partes.
Com efeito, se vários os credores, cada qual tem direito a receber uma parte da prestação; se vários são os devedores, cada um tem o dever de pagar uma fração, correspondente ao débito. Ou seja, prossegue-se a concurso segmentando o montante da prestação; regra exposta no artigo 257 do CC.
Essa regra sofre exceção em duas hipóteses: no caso de indivisibilidade e no de solidariedade. Nesses casos, o credor pode exigir, de cada qual dos devedores, o pagamento integral; nada obstante não deverem o todo, eles são obrigados a prestar a integralidade da prestação. Da mesma forma, sendo vários os credores de um devedor, este pode pagar integralmente a prestação, assim procedendo libera-se da dívida.
No caso da indivisibilidade a prestação é exigida por inteiro, em virtude da natureza do objeto. No caso da solidariedade, a exigibilidade da prestação integral advém da lei ou da vontade das partes, que assim avençaram.
O caso da indivisibilidade da prestação só se propõe mediante a pluralidade de uma das partes, ou de ambas. Mister acentuar esse aspecto, porque não há que falar-se nesse característico em obrigação simples.
A obrigação é indivisível quando indivisível for o seu objeto. Assim, é tendo em vista o objeto da prestação que se classificam em divisíveis ou indivisíveis. Pode-se chamar de indivisível a obrigação quando o fracionamento do objeto devido não só altera sua substância, como também representa sensível diminuição de seu valor. O diamante, embora partível sem alteração de sua substância, talvez não conserve, nos fragmentos resultantes, valor proporcional ao todo. A indivisibilidade decorre da natureza do objeto, excepcionalmente decorre da lei ou das vontades.
Decorre da lei quando esta assim o determina. É o caso do art. 28 da Lei das Sociedades Anônimas, n. 6404.
Decorre da vontade das partes quando estas convencionam. Aqui encontra-se expediente que lança mão o credor para aumentar suas garantias, visto que, assim procedendo, poderá cobrar a totalidade de cada um dos codevedores, ilidindo a concursu partes fiunt.
TANTO AS OBRIGAÇÕES DE FAZER, COMO AS DE DAR, PODEM SER INDIVISÍVEIS
Quanto às obrigações de dar, se termos como exemplo a compra de uma pintura, firmada com dois negociantes, não satisfaz o credor o recebimento apenas da quota-parte (parte ideal) de apenas um deles.
Quanto às obrigações de fazer, a resposta também é afirmativa porque, se termos como exemplo a obrigação de projetar um aparelho, vemos que não é divisível, pois não cumpre a execução de meia tarefa.
Não há como fracionar, por regra lógica, a obrigação de não fazer; ora, não se pode cumpri-la ou descumpri-la por parte.
EFEITOS DA INDIVISIBILIDADE
Na hipótese de serem vários os devedores, cada um será obrigado pela dívida toda (art. 259); a ele, portanto, cumpre oferece-la por inteiro, pois, mediante a natureza do objeto, mostra-se incapaz de ser prestado por partes.
Cumpre ressaltar duas circunstâncias relevantes: cada um dos devedores só deve parte da dívida; todavia, em virtude do objeto, pode ser compelido a fazer por inteiro. Ora, a prova da primeira encontra-se no parágrafo único do art. 259 que dispõe ao devedor que a pagou a prerrogativa de sub-rogar-se no direito do credor. Alei, além de deferir o direito de cobrança, o mune com as garantias que o credor original tinha. É compelido a prestá-la inteiramente porque o artigo 263 fixa, somente em virtude do objeto, a prestação será indivisível, caso contrário, não há, visto que, se resolvida em perdas e danos, adquire o caráter de divisível, pois a reparação pecuniária é sempre suscetível de divisão.
Se a culpa adveio de todos os devedores, ainda que sejam responsáveis por frações distintas do bem, haverá igualdade entre eles no que se refere ao pagamento da indenização. Se, por outro lado, um só tenha culpa pelo dano causado, responderá sozinho pelas perdas e danos, exonerando-se os demais apenas no tocante às perdas e danos, não à quitação de suas cotas.
Na hipótese de pluralidade de credores, cada um deles pode exigir a dívida por inteiro, porém, ao devedor, cumpre observar duas ressalvas: ele só se desobrigará se: pagar a todos conjuntamente; ou a um, dando este caução de ratificação dos outros.
A todos os credores conjuntamente porque, se pagasse a um só, o outros cocredores poderiam ficar privados da garantia representada pelo devedor solvável. Figure-se que pagasse a dívida a credor insolvente, que furtasse de prestar contas aos cocredores.
A um, dando caução de ratificação dos outro. Desse modo, garante-se o direito dos demais credores, que encontram na caução uma maneira de satisfazer a sua parte do crédito.
Tais regras vêm expostas no artigo 261.
A derradeira consequência figurada pela lei, em caso de pluralidade de credores, é a da remissão, transação, novação e compensação; tratemos de uma apenas, pois os efeitos são idênticos. Se são vários os credores e um deles perdoa a dívida, experimenta o devedor o lucro. Ora, se houve liberalidade para o devedor, este tornou-se devedor de menos que originalmente devia. Portanto, os outros deverão exigir o adimplemento descontada a quota do credor remitente, caso contrário, haveria empobrecimento sem causa do devedor e enriquecimento injustificado dos demais credores.
DAS OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS
Por regra, são indivisíveis. Há a existência de vários em um lado que, para a outra parte, é visto como um. Assim, a solidariedade constitui exceção à regra do art. 257, concursu partes fiunt, porque, através dela, em vez de se dividir em tantos quantos forem os sujeitos, continua enfeixada num todo, podendo, cada um dos vários credores exigir, do devedor comum, a totalidade da prestação; ou devendo cada um dos vários devedores pagar ao credor comum a dívida integral. Tal conceito vêm, de resto, formulado pelo próprio legislador, no art. 264.
Na hipótese de vários credores, denomina-se solidariedade ativa; na segunda hipótese fixada pelo artigo, de vários devedores, há a solidariedade passiva, mais frequente e proveitosa hoje em dia. Aquela ocorre quando, havendo vários credores, cada um tem o direito de exigir do devedor a prestação por inteiro (art. 267), caso contrário a obrigação do devedor se dividiria em tantas obrigações autônomas quantos fossem os credores. A solidariedade passiva destaca-se porque o credor tem direito de exigir, de um só, a totalidade ou parcialidade da dívida em comum.
Por conseguinte, a solidariedade altera a feição das obrigações com pluralidade de sujeitos, ativos e passivos, pois promove a reunião, em uma só, de relações jurídicas autônomas.
CONSEQUÊNCIA DA SOLIDARIEDADE
Inocorrendo solidariedade ativa, a insolvência do devedor após ter pago parcialmente um dos credores (parcialmente porque, não sendo solidária, não há que se falar em pagamento integral da dívida) deve ser suportada pelos demais credores; caminho diametralmente oposto do caso em que há solidariedade, onde o pagamento parcial feito a um dos credores, pelo insolvente, deve ser rateado por todos os sujeitos ativos.
Se o devedor não solidário torna-se insolvente, perde o credor, visto não poder reclamar esta parte (do insolvente) aos demais. Se, por outro lado, há solidariedade passiva, é irrelevante a insolvência de qualquer deles, se outro se mantiver solvente.
Revela-se aqui a vantagem da obrigação solidária passiva, pois representa arma eficiente para garantir o interesse do credor; com efeito, visto que, em vez de acionar cada qual, decerto seleciona o melhor, para lhe endereçar o seu pedido.
Por fim. Conforme o art. 266, embora solidária, a obrigação pode ser pura e simples para alguns (não-solidária) e sujeita a termo ou condição para outros. O que se admite nesse dispositivo é que haja distinção de tratamento aos credores ou devedores solidários. Peculiaridades relacionadas a cada um podem autorizar a essa distinção de tratamento, sem que as razões determinantes da solidariedade sejam abaladas; grosso modo, mesmo havendo vários credores ou vários devedores, amarrados neste liame solidário, a situação individual de cada um pode ser diversa da tida com os outros.
DISTINÇÃO CRUCIAL ENTRE OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA E INDIVISÍVEL
Em tese, a indivisibilidade decorre da natureza do objeto, insuscetível de ser repartido sem perdas de valor ou sacrifício de sua substância, enquanto a solidariedade decorre da vontade das partes ou da lei.
A comprovante desta afirmativa se encontra no confronto entres as regras concernindo à conversão de ambas em perdas e danos; ora, nas prestações indivisíveis, onde os devedores são condenados em perdas e danos, ela perde esse caráter, passando a seguir o princípio do artigo 257, de maneira que a obrigação torna-se divisível e segmenta-se entre as partes (art. 263).
Diferente é a conclusão da obrigação solidária. Nesta, se a possibilidade da prestação a converte em perdas e danos, a solidariedade persiste; a solidariedade fora convenção, da lei ou das partes, e não da natureza do objeto.
Em remate. Enquanto a indivisibilidade decorre de um elemento natural, a solidariedade se representa de um artifício a que recorrem as partes ou o legislador, para alcançar o efeito do liame jurídico.
FONTES DA SOLIDARIEDADE
De acordo com a sistemática do direito brasileiro, a solidariedade não se presume, decorre da lei ou da vontade das partes (art. 265).
O problema teórico, que no caso brasileiro seguiu a orientação tradicional (diversamente do Código alemão e também do Código italiano), propõe o seguinte termo: sendo múltiplos os devedores, ou os credores, deve-se entender que a obrigação se divide em tantas outras obrigações autônomas quantas quantos sejam eles, se o objeto for divisível (a outra exceção); orientação encontrada em Pothier, em que o legislador francês se foi inspirar.
Solidariedade representa exceção ao princípio geral, só a se admite se expressamente manifestada pelas partes, ou determinada pela lei.
Quando a solidariedade for convencional, deve-se revelar de maneira a que não remanesça qualquer dúvida.
Há uma pluralidade de teorias que tratam da solidariedade derivada da vontade do legislador. Em qualquer caso, a solidariedade tem por escopo principal, quando assim é florescida, aumentar as garantias do credor, assegurando, dentro do possível, o resgate do débito. É possível que nalguns casos a lei, impondo solidariedade, interprete a vontade silente das partes (art. 585, que determina a solidariedade entre os comodatários para com o comodante); que noutros resulte punição para o autor ou cúmplice de ato ilícito (art. 942, parágrafo único, que considera solidários os autores e cúmplices de ato ilícito); a meu ver, o alvo do legislador é, precipuamente, reforçar as possibilidades de solução da obrigação.
DA SOLIDARIEDADE ATIVA
Aqui, o devedor se libera da dívida efetuando o pagamento a qualquer dos credores; qualquer deles pode quitá-la; diversamente da obrigação indivisível, onde o pagamento dá-se mediante caução dos demais credores, nesta a quitação dá-se sem essa exigência.
Tal instituto, por sua manifesta inconveniência para o credor, é extremamente raro na vida fática; “pode considerá-lo como um instituto extinto” (Doutrina e prática das obrigações, MENDONÇA, v.I). Ora, se o accipiens, antes de prestar contas, torna-se insolvente, o prejuízo experimentado pelos demais cocredores é inexorável, pois carecem de ação contra o devedor original. Posto isso, não merece ela uma atenção maior.
Talvez se possa entender como solidariedade ativa a das contas conjuntas, em estabelecimentos bancários. Depositam importância movimentada por ambos os titulares ou por qualquer deles. O pagamento a um ou a outro é válido e extingue a dívida, emergindo, desse modo, a figura em análise; art. 269.
Convém insistir que cada um só é titular de parte da dívida e, por conseguinte, se a recebe por inteiro, deve oferecer aos demais cocredores.
Se falecer um dos credores solidários, cada um de seus herdeiros recebe apenas uma fração do direito creditório, de sorte que não lhes cabe exigir e receber a totalidade da prestação. Não se transmite a relação com os demais credores, visto que o desaparecimento da personalidade extingue a solidariedade; essa, não perdurando mais, cai um característico do instituto junto com ela, qual seja, o princípio da fidúcia que permeia a obrigação deste tipo (art. 270).
Assim como o que recebe a dívida inteira, guarda obrigação com os demais credores o que a perdoa. Nesse caso, o devedor se exime do pagamento; porém, aos outros credores, cabe a prerrogativa de cobrá-lo, em assonância ao artigo 272. Se o credor que não tem patrimônio suficiente, à época em que tiver remitido a dívida, o faz, enquadra-se no artigo 158, que fixa a fraude contra credores. Ora, dispôs de bens que, indiretamente, não eram seus; ademais, não havia como responder por seu ato, logo, não há validade neste último. Cabe ação pauliana, a fim de anular tais atos.
Em derradeiros, temos o ponto alto da solidariedade ativa, os arts. 273 e 274.
A exceção consiste numa defesa que tem a parte demandada (no caso, o devedor), capaz de suspender ou anular o mérito (o pedido, no caso, a cobrança), mas que só diz respeito a um dos credores (art. 273). À guisa de exemplo, se a dívida está prescrita para um dos credores, mas outro moveu ação de cobrança contra o devedor, não pode esse último opor essa exceção, visto que, no julgamento, somente será descontada a cota-parte prescrita, mas o restante, ainda legítimo, será demandado. Também a dívida contraída através de coação de um dos credores, não será alegada contra os demais, se estes últimos agiram com boa fé, ignorando a coação. O que lhe cabe (ao devedor), é o art. 154, que trata da coação exercida por terceiro; com essa prerrogativa, pode acionar o credor que utilizou-se da coação, para pagar a totalidade da dívida.
Quanto à regra do artigo 274, dispõe o seguinte: “o julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais;”, vale dizer, a ação que um dos credores solidários moveu frustrou-se não atinge a cota-parte dos demais; todavia, se o julgamento revela-se favorável, aproveitará a todos, o que constitui exceção à regra, vez que a regra é “a decisão não vai além das partes”; logo, ele estendeu a decisão, estendeu a coisa julgada. In fine, o artigo 274 expõe que se o credor ganhou ação com base em exceção pessoal – e.g., ganhou ação porque o credor solidário é incapaz e, em virtude disso, não corre prazo prescricional (art. 198, II) -, não se estende aos demais cocredores; a prescrição dos demais será deduzida do montante da sentença.
DA SOLIDARIEDADE PASSIVA
Com ela, como já aludido, o credor pode escolher qualquer um dos devedores para cobrar-se. Como pode decidir cobrar parte de um (pagamento parcial), continuando credor do restante, que remanescem ligados pela solidariedade (art. 275).
O Parágrafo único fixa que a solidariedade perdura. Vale dizer, se o credor aciona um devedor, não renunciou o restante; assim, se obteve setenta por cento do valor, pode acionar os demais, a fim de obter os restante.
Vale lembrar que a obrigação solidária reúne, numa só, tantas obrigações autônomas quantos forem os devedores; em virtude disso, é evidente que um destes não pode agravar a posição dos demais, pois é incapaz de incidir sobre a obrigação de outrem, que é autônoma, embora sujeita à solidariedade. A regra encontra-se no artigo 278 do Código Civil; assim, se após estabelecimento da relação jurídica um deles estipular cláusula aumentando taxa de juros ou abreviando termo de vencimento, os outros não ficam vinculados a tal ajuste.
Essa problemática de autonomia talvez seja melhor compreendido com a explicação de Ruggiero e Maroi, que separa os lados internos e externos da obrigação, vejamo-la. Se encararmo-la do lado de fora, externo, o conjunto de devedores se apresenta como um só. Todavia, encarado o problema sob seu ângulo interno, encontram-se vários devedores cujas relações são relevantes; uns responsáveis para com os outros; conforme a exposição, “as obrigações são individuais e autônomas, mas se encontram enfeixadas numa relação unitária”.
Nessa ideia de autonomia que se justifica a regra do artigo 281 do CC, que veda, ao devedor demandado, a possibilidade de opor exceções pessoais dos outros, embora podendo opor as próprias (compensação – cancelamento de débitos recíprocos) e as comuns a todos (falsidade do título, de pendência de condição etc.).
A exceção é um meio de defesa de que lança mão o réu para ilidir ou suspender os efeitos da ação. Ora, a circunstância de na solidariedade se encontrarem várias obrigações autônomas faz com que a ação do credor, cobrando de um dos devedores, só possa ser sustada por exceção comum a todos, ou pessoal do excipiente.
DA EXECUÇÃO DA OBRIGAÇÃO POR UM DOS DEVEDORES SOLIDÁRIOS
Embora só deva parte da prestação, o devedor, como vimos, pode ser compelido a prestá-la por inteiro. Por sorte, para recompor tal desequilíbrio, a lei confere ao devedor que pagou o direito de exigir de cada coobrigado a sua quota. É possível que, após ser paga a dívida de todos por um dos devedores, não possa este receber de cada um a quota correspondente, em virtude de um deles ter caído em insolvência. A fim de que não fique desembolsado de seu quinhão e da quota do insolvente, o art. 283 vem estabelecer que “(…) tem o direito de exigir de cada um dos codevedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente (…)”. Sujeita todos ao rateio da cota do insolvente, embora não a devam. Ademais, o art. 284 invoca também os já exonerados de solidariedade pelo credor.
Pode ocorrer que, a despeito da solidariedade, seja apenas um o interessado na dívida, é o que trouxe o legislador, no art. 285, como se dá na fiança anexa a uma locação, em que o fiador assume o encargo principal do pagador; o inquilino e o fiador são solidários pelo pagamento dos aluguéis, mas é evidente que a dívida só interessa ao inquilino. Ora, se por força da solidariedade o fiador, mediante inadimplência do inquilino, paga os aluguéis, a lei o defere o direito de reclamar o reembolso de toda prestação paga.
Um derradeiro problema. Quando há execução parcial da obrigação solidária por um dos devedores (art. 277). Isso ocorre quando o credor só exige ou só recebe do escolhido uma parte da prestação; a solidariedade persiste vinculando os demais coobrigados. O crédito, obviamente, ficou reduzido, podendo o credor cobrar de qualquer um dos devedores restantes o saldo remanescente. A relação jurídica interna, entre os vários devedores, mudou, porquanto um deles se liberou da dívida pessoal e só continua responsável pela quota-parte do eventual insolvente.
RENÚNCIA À SOLIDARIEDADE
O credor que apenas renuncia à solidariedade continua credor, ainda que despido das prerrogativas já referidas. Se a renúncia for total, volta a militar a regra concusu partes fiunt. Se a renúncia for parcial, por haver exonerado apenas algum dos devedores, a relação jurídica biparte. Primeira, constituída pelo exonerado, transforma-se em obrigação simples; na segunda, prendendo os demais devedores, persiste a solidariedade. O montante inicial abrangido pela obrigação se reduz, obviamente, para demandar os demais devedores, deve abater no débito a importância daquele que foi exonerado; é o que apregoa o art. 282.
DO INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
Pode o credor que sem êxito exigiu de um devedor o pagamento voltar-se contra outro para cobrá-la integralmente, e assim por diante. Tal preceito é defendido pelo parágrafo único do art. 275.
Entretanto, é possível que a prestação se impossibilite; apresentam-se duas hipóteses: 1. a impossibilidade derivar de força maior; 2. resultar de culpa de um dos obrigados.
No primeiro caso, a obrigação se extingue, ficando liberados os devedores. Na segunda hipótese, o credor tem o direito de receber o valor da prestação, acrescido de perdas e danos. O valor dela é por todos devido, continuando o credor com a prerrogativa de exigir de qualquer um deles a totalidade do valor da prestação. Mas as perdas e danos o são por culpa de apenas um; ora, se um devedor não pode agravar a situação do outro (art. 278), decerto que a lei isso previu, não o permitindo fazê-lo por meio de ato ilícito; da mesma sorte, ele, e só ele, é quem deve compor o prejuízo resultante, nesse sentido o art. 279 do Código Civil.
Ao lado do inadimplemento absoluto, mister se faz encarar a possibilidade de simples mora; essa se caracteriza quando o devedor não efetua o pagamento no lugar, tempo e forma convencionados. O legislador, aqui, adotou solução diversa do artigo anterior, talvez pensando nos interesses tutelados dos credor; ora, segundo o art. 280, embora defira o direito de pleiteá-la do culpado, sujeita todos os devedores ao pagamento dos juros.
EFEITOS DA MORTE DO DEVEDOR SOLIDÁRIO
Todos os herdeiros, englobadamente, sucedem o de cujus na mesma posição que este ocupava, de sorte que, reunidos todos os herdeiros, são considerados um só devedor, podendo o credor deles cobrar a totalidade da dívida, como um devedor solidário; o mesmo ocorre na ideia de espólio. Mas cada herdeiro é devedor de uma fração, de maneira que, separadamente, só é obrigado a uma quota-parte do débito, correspondente à sua participação na herança. É a regra do artigo 276 do Código Civil.
DA TRASMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES
Aqui, a obrigação “já está viva”, vinda de um contrato, de um ato ilícito, enfim, veremos a maneira de transmiti-la de uma das partes para um terceiro, “troca subjetiva da obrigação”.
DA CESSÃO DE CRÉDITO
É o negócio pelo qual o credor transfere a terceiro a sua posição na relação obrigacional. É a troca de um credor para outro.
Quanto ao artigo 286, afirma a possibilidade de cessão do crédito, é a regra. Depara-se com problema quando a não se pode transferir o crédito. Portando, transfere, se a isso não se opuser a natureza da obrigação (pensão alimentícia – se, porém, quiser vender os alimentos já devidos, pode, pois já sobreviveu sem), a lei (créditos já penhorados), ou a convenção com o devedor (crédito inalienável).
Se está expresso no contrato a inalienabilidade do crédito, ninguém poderá alegar desconhecimento; se, todavia, num documento se tem a confissão de dívida e noutro tem-se a proibição de sua transferência subjetiva (a cessão do crédito), cai a prerrogativa, podendo alegar ignorância à proibição.
A principal razão pela qual o devedor pode invocar a ineficácia da transmissão apoia-se no fato de que ele deve saber a quem deve. Assim, o artigo 290 fixa que tem validade a cessão que fira notificada ao devedor. Do momento em que foi notificado em diante, não há escusa, não há como alegar ignorância à cessão. A saber, pode a cessão ser notificada por via judicial, como também particular, ou também revestir a modalidade de notificação presumida, que assim se considera a que resulta de qualquer escrito público ou particular, no qual o devedor manifesta a sua ciência.
O artigo 294 estabelece que o devedor, ao receber a notificação, deverá notificar o novo credor (cessionário) de todas as exceções que possui contra o antigo credor (o cedente). Poderá o devedor opor contra o cessionário todas as formas de defesa de que dispunha contra o cedente. O cedido poderá invocar pagamento, defeitos do negócio jurídico, compensação, prescrição, incapacidade etc.; se não alegá-las à época da notificação, não poderá apresentá-las mais tarde.
Cumpre destacar, porém, que a cessão de crédito se afasta do endosso; este consiste na transferência da propriedade dum título nominativo, sendo assim, ele vale por si só, não cabendo essa regra do artigo 294.
O artigo 287 fixa que a cessão do crédito transfere o crédito e todos os seus acessórios. P.ex., se houver garantia real, acompanha. Assim, fianças, hipotecas irão permanecer; se há juros ou cláusula de multa etc., acompanha-no.
A cessão pode ser feita verbalmente. Porém, há uma ressalva no artigo 288, segundo o qual ela não terá eficácia contra terceiros se não a fizerem por instrumento público ou revesti-la com outras solenidades; não vale contra o cedido, inclusive. Se o cedido paga ao cedente de transmissão verbal, paga certo. Caberá, assim, ao cessionário a cobrança do crédito pago ao cedente (ressaltando-se, porém, que se tiver valor de até 10 salários mínimos, pode-se provar por testemunhas).
Em remate. É válido o ato de cessão verbal. Sendo, porém, ineficaz contra terceiros.
Se o bem for imóvel, há que haver na escritura pública as garantias que lhe são anexas; visto que a escritura pública é essencial à validade dos negócios que constituam, transfiram, modifiquem ou renunciem os direitos reais sobre imóveis.
O artigo 291 afirma que será cessionário o que receber o documento original que representa a dívida, ou seja, o devedor deve pagar a quem se apresentar como portador do instrumento de notificação juntamente ao título do crédito (então cedido). Assim, afirmamos que nos casos em que há escritura pública, esse artigo não vale, visto que a escritura pública que representa a dívida não circula (não sai do cartório).
O artigo 292 é bem claro ao afirmar que o cedido deve pagar, se foi notificado mais de uma vez, ao cessionário que lhe apresentar o título da obrigação cedida; salvo, porém, se decorrer a dívida de escritura pública, hipótese em que o devedor, então cedido, deverá se atentar à anterioridade da notificação (paga ao primeiro que lhe apresentar a notificação).
O artigo 293 não traz questão tão complexa. A cessão de crédito produz efeito imediatamente nas relações entre os credores, cedente e cessionário. Tal artigo vem reforçar essa convicção, pois admite que o cessionário tome as medidas antes da eficácia do negócio jurídico perante o devedor, mesmo que o devedor não tenha conhecimento. Logo, ao cessionário assiste a prerrogativa de ajuizar ação cautelar de arresto para conservar o patrimônio do devedor que pretenda cair em situação de insolvência (art. 813 do CPC). Vemos, assim, que todas as prerrogativas que eram do cedente passam de logo ao cessionário.
Quem faz cessão de crédito não fica obrigado a garantir a solvência do devedor; ocorrendo isso, o cedente não deve cobrir a falta do cedido (não deverá pagar). O artigo 295 fixa que o cedente deve garantir a existência do crédito na época da transferência; “deve, o cedente, assegurar que o crédito é válido”. Um exemplo de crédito inválido é o negócio jurídico celebrado com um absolutamente incapaz. A anulabilidade, prevista no artigo 171, também é motivo de invalidade.
No caso de cessão de crédito gratuita, não poderá exigir-se do cedente o crédito, visto que ele nada recebeu pela cessão. Se a fez de má-fé, porém, deve garanti-la.
Segundo o artigo 298, será válido o pagamento efetuado pelo devedor até a notificação da penhora (penhora é o ato pelo qual o juiz vincula bens do devedor ao valor da causa, caso o devedor não pague o valor da execução, vende o bem e a paga); depois disso, o pagamento é tido como fraude à execução, podendo obrigar-se o devedor a pagar novamente. Nada impede que se penhore um crédito; o juiz, assim procedendo, manda uma ordem de penhora para o devedor, o obrigando a, em vez de pagar ao credor, depositar em juízo, “pagar nos autos”.
DA ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
É o modo pelo qual o titular da dívida a repassa. É o negócio jurídico pelo qual um terceiro, estranho à relação obrigacional, assume a posição de devedor, responsabilizando-se pela dívida, sem extinção da obrigação, que subsiste com seus acessórios.
Na assunção de dívida interessa saber sobre o patrimônio do devedor; logo, consiste numa relação trilateral: devedor, assuntor e credor. Nesta hipótese, apesar da transferência tratar da parte devedora, o credor deve anuir, por óbvio que é (i.e., porque lhe interessa a solvência do devedor).
A aceitação do credor não implica uma nova relação obrigacional; transfere-se tudo ao novo devedor; o mesmo crédito será exigido do novo devedor que assumiu a responsabilidade por ele.
Se o devedor ignorava a insolvência do novo devedor, não fica desvinculado o antigo devedor; logo, mostra-se como requisito a solvência do atual devedor. Porém, o credor pode aceitar o novo devedor insolvente, se nele mais confiar que terá seu crédito satisfeito. Contudo, tal consentimento deve vir expresso na transferência.
Pode ser, a assunção, cumulativa ou liberatória. Neste caso, ocorre a liberação do primitivo devedor. Na cumulativa, dá-se o ingresso do terceiro no pólo passivo, sem que ocorra a liberação do antigo devedor, que permanece na relação, com liame de solidariedade.
Tudo isso vem exposto nas breves palavras do caput do artigo 299.
O Parágrafo único do art. 299 fortifica a ideia de que se o credor notificado permanecer silente, será tal ato entendido como recusa.
Art. 300 traz, notadamente, a diferenciação entre cessão de crédito e assunção de débito. Pois bem. Diferente da cessão, onde os argumentos podem ser apresentados ao novo credor, aqui, na assunção, tal ideia inexiste. Na assunção, não confere-lhe a prerrogativa de garantias, pois o passado é apagado, do momento em que se celebra a cessão. Num primeiro momento, todas as garantias tidas pelo devedor originário desaparecem; porém, pode expressamente dispor o contrário, mas considera-se, via de regra, a primeira hipótese.
O problema de fundo consiste na anuência do devedor e, por vezes, de terceiros garantidores; as garantias especiais não são da essência da dívida e foram prestadas em atenção à pessoa do devedor (fiança, aval, hipoteca de terceiro); disso decorre a expressa anuência do devedor primitivo e, em alguns casos, também do terceiro que tiver prestado a garantia.
No art. 301 há o caso de a anulação do contrato de assunção; ele fixa que, nesses casos, ocorre o ressarcimento da obrigação para o devedor originário, como todos os seus privilégios e garantias, salvo aquelas que tiverem sido prestadas por terceiros, visto que estas garantias especiais, que haviam sido exoneradas pela assunção, não podem ser restauradas, em prejuízo do terceiro, salvo se ele tinha conhecimento do defeito que inquinava o negócio.
Quanto ao artigo 302, é claro ao dizer que o novo devedor não oporá as exceções pessoais do devedor anterior. Contudo, pode valer-se dos meios de defesa derivados da relação estabelecida entre ele próprio e o credor. Os meios de defesa do antigo devedor transferem-se ao assuntor, exceto aqueles que derivarem posteriormente à assunção ou que lhe forem personalíssimos; o código civil veda apenas aquelas exceções pessoais, i.e., aquelas que são diretamente ligada à pessoa do devedor, com causa distinta da dívida estabelecida entre as partes (a compensação, por exemplo), pois aquelas que tiverem origem na própria dívida assumida deverão ser admitidas (pagamentos, inadimplementos etc.).
O art. 303 afirma que, no caso que a garantia for hipotecária, permanecerá. Consiste numa exceção àquela regra, que veda a aceitação tácita. Logo, o credor hipotecário ingressará, com aceitação tácita, salvo se não impugnar em trinta dias, nessa assunção de dívida.
Neste caso, o imóvel é a garantia da dívida; se credor hipotecário nada disser, opera-se a assunção da dívida automaticamente. Caso ele ache que a garantia da dívida é menor que o seu valor, ilide a assunção, intervindo. Em melhores palavras, se dada pessoa adquire uma imóvel, comprometendo-se paga a respectiva dívida, e este imóvel é a garantia, então hipotecária, do pagamento, o credor não tem porque não aceitar a assunção, visto que está garantido pela hipoteca, salvo se outras forem as objeções, que não poderão ser arbitrárias, caso que o legislador lhe deferiu trinta dias para impugná-las.
CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
Também chama de cessão do contrato, não está fixada no código.
Consiste numa maneira pela qual há a transferência das obrigações; melhormente falando, é a transferência da parte ativa e da parte passiva de um contrato já ultimado, mas de execução ainda não concluída.
Tal figura apresenta uma vantagem prática, onde uma pessoa que deseja a outrem seus créditos e débitos o faça sem necessidade de que se celebre um novo contrato, i.e., desfazer com o seu cocontratante o primeiro negócio e conseguir que ele o refizesse com o terceiro interessado na transferência. Ilustradoramente, se o locatário, com opção de compra do imóvel, pode transferir a inteira posição contratual a seu sucessor, o qual, por este ato, investe na qualidade de locatário
DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
DO PAGAMENTO
DE QUEM DEVE PAGAR
Conforme o art. 304, o terceiro tem direito de pagar, não podendo o credor, sem justificativa, recusar o pagamento. Caso recuse, cabe ao credor a ação de consignação, onde deposita a quantia em juízo. Pois bem. O terceiro do art. 304 é o terceiro juridicamente interessado.
O credor pode se recusar recebimento advindo do terceiro não interessado juridicamente, mas, se o terceiro efetuar o pagamento em nome e à conta do devedor, não poderá; é a consagração do parágrafo único do artigo 304. Assim, se João tenta firmar o seguinte recibo com o credor: “recebi de João o pagamento referente a dívida de Maria”, o credor tem o direito de recusar. Caso o credor aceite, haverá a sub-rogação em favor de José; transferindo a divida de Maria para José, seu novo credor.
Se, porém, José celebrou o pagamento em nome e à conta de Maria, celebrou pagamento com recibo nominal à Maria: “recebi de Maria o pagamento da dívida” , ao credor não caberá a prerrogativa de recusar, visto que o parágrafo único contempla esse fato; todavia, José não se sub-roga na posição credora, vindo o artigo 305 lhe subsidiar.
O art. 305 trata do terceiro que não é juridicamente interessado. Paga por interesse afetivo, moral, só não é jurídico. Neste caso, haverá dois caminhos: a doação, liberando Maria da dívida, ou o pleito da dívida, “Maria estava abatida, paguei para reanimá-la, mas quero meu dinheiro de volta”. Há doutrina que se presume a doação, visto que aceitou o pagamento em nome de Maria; outrossim, há doutrina que apregoa que atos gratuitos não se presumem, há que se provar.
Pois bem. A única diferença, que nos interessa de perto, são as vantagens que o antigo credor tinha, vejamos. No caso de sub-rogação, José se mune de todas as garantias que o antigo credor tinha contra Maria. Todavia, se o fez em nome e à conta de Maria, somente poderá cobrar o montante e a respectiva atualização monetária.
A sub-rogação se reveste com o interesse jurídico, ou seja, se se provar que tinha interesse jurídico se sub-roga nos direito do credor.
O art. 306 trata do pagamento feito com desconhecimento do devedor, ou contra sua vontade, fixando que o devedor não ficará obrigado a reembolsá-lo. O devedor pode não querer pagar porque tem interesse no não pagamento, pode ter sido vítima de assinatura falsa, coação etc. Apresentará os motivos de resistência ao terceiro que efetuou o pagamento; poderá, se for terceiro interessado, opor as suas exceções pessoais.
O artigo 307 traz a regra do pagamento feito com propriedade alheia, i.e., entrega de um bem imóvel ao credor. Se dada pessoa entrega o que não é seu como forma de pagamento, adimplindo sua dívida, e tal bem é infungível, o credor deverá devolvê-lo. Se for fungível, não poderá reclamá-la ao credor que a recebeu de boa-fé. Neste último caso, considera-se a dívida paga, cabendo ao terceiro, que era o verdadeiro proprietário, buscar as reparações cabíveis do devedor que entregou o que não lhe pertencia, i.e., se resolverá em perdas e danos.
DAQUELES A QUEM SE DEVE PAGAR
Segundo o art. 208, via de regra, quem recebe é o credor. Há hipóteses que não é-lhe pago diretamente, mas a um representante; mister se faz, que demostre a representação regularmente. O artigo 311, admite que o representante se mostre como tal com a apresentação da quitação; ou seja, não tendo procuração, a quitação revela-se como autorização válida para pagamento.
Há dois tipos de credor que são tratado pela lei: o putativo e o incapaz.
O credor putativo, exposto no art. 309, é aquela pessoa que se apresenta como legítima credora; nesses casos, a aparência deve ser suficiente e o credor verdadeiro deve ter contribuído para tal suposição. Se considerar-se de fato, o credor putativo não é o verdadeiro, mas se o credor real contribuiu para que assim parecesse, o pagamento é válido. Se determinado devedor entrega, habitualmente, a quantia para o irmão do verdadeiro credor, autorizado, ainda que não se revista de solenidades, pelo credor, há um credor putativo. Note-se: a habitualidade influiu, o fato e o comportamento aparentaram, notadamente, a ponto de tornar válido os pagamentos.
O art. 310 trata do credor incapaz; se fez o pagamento ignorando o fato da incapacidade e não havia meios como saber, faz pagamento válido; protege-se a boa-fé, pois, notadamente, o incapaz que age naturalmente, com recibo, denota pagamento válido.
Se o paga por intermédio do seu representante, fez pagamento regular.
Se, porém, pagou diretamente ao incapaz, o respectivo artigo impõe ao devedor que prove que o pagamento se reverteu em benefício do credor, visto que, ao pagar absolutamente incapaz, assumiu um risco.
DO OBJETO DO PAGAMENTO
Consiste na entrega da prestação; a prestação pecuniária é o principal objeto de pagamento, mas não é o único.
O artigo 313 fixa que não se pode receber coisa alheia à aventada, ainda que mais valiosa; e é claro ao afirmar isso. Todavia, se notório for o abuso do direito, esse dispositivo não valerá. P.ex., se o dono do posto de abastecimento combina o fornecimento de álcool mensalmente a uma frota de táxis, ainda que haja culpa do dono, e fornecimento do objeto torna-se impossível, sendo substituído pela mesma quantidade, sem ônus nem bônus para nenhuma das partes, porém em gasolina, não há motivos para recusa da frota. Ora, há que se verificar o uso do direito, sob pena de incorrer no art. 187 do CC (abuso de direito), enriquecimento ilícito.
O art. 314 deve ser analisado sob o mesmo prisma, a equidade. Ora, ele apregoa que ninguém será obrigado a receber, o que aventou na integralidade, em partes. Porém, se tomarmos como problema de fundo as circunstância que levam ao pagamento fracionado, desde que justificada, há que se aceitar. V.g., a aposentada que, mediante pagamento de remédios, impossibilita-se de pagar conta de luz.
Pois bem. Vejamos o artigo 312. Havendo mais de um interessado no pagamento do devedor, e este for cientificado, deverá fazer o depósito em juízo. P.ex., se o locador falece e o locatário se vê frente à viúva e os herdeiros, que reclamam juntamente o pagamento; há que se depositar em juízo, mediante ação de consignação, deferindo ao juiz a prerrogativa de descobrir a quem pertence de direito, sob pena de, se pagar errado, dever pagar duas vezes.
O art. 316 permite a estipulação de variação incidente sobre o pagamento. A correção monetária é presenta na lei brasileira, visto que, até em sentenças, são aplicadas as respectivas correções.
No 317 enxerga-se a teoria da onerosidade excessiva. Consiste na possibilidade reequilibrar o contrato que, por motivos imprevisíveis, tornou-se desproporcional. Se aplica em qualquer obrigação que perdure, que se prolongue no tempo.
O artigo 318 veda qualquer avença feita com índice ou moedas estrangeiras; ressalvando-se, porém, as exceções previstas em lei extravagante, como é o exemplo das letras de câmbio.
No art. 319 temos a exigência do instrumento que quita a prestação, o recibo. Podendo, o devedor, reter o pagamento até o momento que lhe for oferecido a quitação. Se o pagamento efetuado, sem recibo, for inferior a dez salários mínimos, prova-se com testemunhas. Caso contrário, há que haver início de prova, como correspondências físicas ou eletrônicas, orçamentos etc.
O artigo 320 estipula o conteúdo do instrumento de quitação (relaciona-se com o terceiro interessado, art. 304).
No art. 321 trata da perda do título particular; nesses casos, com a perda do título de crédito, soa clara a solução do art., in fine: “poderá exigir declaração do credor, que inutilize o título perdido”.
O art. 322 admite que o pagamento da última prestação, de prestações periódicas, faz presunção do pagamento das anteriores; esse preceito trata daquelas prestações que foram assumidas juntamente, uma dívida certa com parcelas regulares; afastando-se, assim, por exemplo, da reserva condominial, onde a cada mês surge uma nova dívida. Destacando-se, por fim, que não passa duma presunção, cabendo aos credores provar o contrário.
Não há que se pormenorizar os artigos seguintes do objeto do pagamento, que soam claros.
DO LUGAR DO PAGAMENTO
Fica ao alvedrio das partes.
Se silentes, paga-se no domicílio do devedor; dessa forma, temos a “dívida quesível”.
Se, porém, foi acertado alhures, não podem as partes alterar; salvo caso fortuito. O pagamento, portanto, feito em outro lugar, diverso do aventado, é válido nessa circunstância, qual seja, se houve impossibilidade de efetuar o pagamento no local aventado; e.g., se se depositar o dinheiro na conta do credor no dia de chuva que impossibilitou a locomoção até o domicílio do credor. Denomina-se “dívida portável” se houver estipulação de que competirá ao devedor oferecer pagamento em lugar aventado.
Da mesma forma, se houver mudança tácita do local de pagamento, isto é, quando o comportamento é capaz de induzir a um local costumeiro. Se, p.ex., apesar de acordarem que o devedor levaria o pagamento ao domicílio do credor este o busca todo mês no domicílio do devedor.
DO TEMPO DO PAGAMENTO
Conforme o estabelecido entre as partes.
DO PAGAMENTO EM CONSIGNAÇÃO
Do art. 334 ao 345 tratamos do pagamento em consignação. Melhormente especulado nos arts. 890 e s. do CPC.
É o meio indireto de o devedor, em caso de mora do credor, exonerar-se do liame obrigacional, consistente no depósito judicial (consignação judicial), ou em estabelecimento bancário (consignação extrajudicial) da coisa devida, nos casos e forma legal.
O depósito judicial é relativo a quantias ou coisas certas ou incertas devidas; o feito em estabelecimento bancário é atinente a quantias pecuniárias, sendo uma etapa prévia à consignatária.
O que nos importa, em verdade, é saber o que é consignação e para o que serve. Consignação é um dispositivo oferecido ao devedor que quer pagar; em poucas palavras, “é o querer pagar”.
Pois bem. Ela serve para suspender os efeitos da mora, nos casos em que o devedor se vê impossibilitado de pagar ou o credor, sem justa causa, se recuse a receber.
Casos legais de consignação:
a) houver mora accipiendi (do credor) (dívida portável ou quesível);
b) o credor for incapaz de receber;
c) ocorrer dúvida sobre quem seja o legítimo credor;
d) pender litígio sobre o objeto do pagamento entre credor e terceiro.
Cumpre ressaltar, porém, que não há como consignar obrigações de fazer e não fazer.
O artigo 335 traz o rol de cabimentos para a ação de consignação. Um exemplo claro, é o já referido no art. 314 (supra), vejamos. Caso em que, devedor que se obrigou a pagar à vista, vendo-se impossibilitado, oferece pagamento parcelado. Ora, não havendo anuência do credor, o devedor pode depositar em juízo a parte que oferecerá, ilidindo a regra do 314. Porém, a justificativa deve ser expressamente justificável; e.g., ferindo a subsistência do devedor.
Dessa maneira, suspende-se os efeitos da mora; cumpre ressaltar, porém, que o efeito fica suspenso até a emissão da sentença, que ratificará o fato justo: o não recebimento por parte do credor ou o pagamento por parte do devedor.
Se for bem móvel, a consignação dá-se no momento em que se disponibiliza ao credor o bem; vale dizer, a disponibiliza-se em juízo, onde o magistrado nomeará um depositário para aguardar a sentença.
Ex.: B deposita judicialmente dez mil reais. Seis meses depois o magistrado decide que o valor depositado por B estava correto. Neste caso, A irá levantar a quantia e a obrigação estará extinta. Por outro lado, se o magistrado decide que B deveria ter pago dez mil e quinhentos reais, B deverá pagar a diferença (R$ 500,00) acrescido de juros contados desde o dia em que B depositou em juízo.
DA SUB-ROGAÇÃO
Substituição de uma pessoa por outra na relação obrigacional; i.e., diferentemente da cessão, a sub-rogação é também forma de alterar a pessoa. Sub-rogação é o modo pelo qual, terceiro, que pagou satisfatoriamente o credor, assume a posição credora. Na clássica lição de Clóvis Beviláqua, é “a transferência dos direitos do credor para aquele que solveu a obrigação. ou emprestou o necessário para solvê-la. A obrigação pelo pagamento extingue-se; mas, em virtude da sub-rogação, a dívida, extinta para o credor originário, subsiste para o devedor, que passa a ter por credor, investido nas mesmas garantias, aquele que lhe pagou ou lhe permitiu pagar a dívida”. Logo, o importante e interessante encontramos aqui, que, em poucas palavras, se resume assim: sendo a sub-rogação feita de maneira legal, o sub-rogado só pedirá o que desembolsou para a respectiva prestação; sendo ela (a sub-rogação) feita convencionalmente, foge à alçada do art. 350, i.e., poder-se-á convencionar que, nada obstante ter pagado “menos do que devia” (mas quitou a dívida com o credor), poderá convencionar qualquer outra prestação com o devedor, sub-rogando-se nas garantias do antigo credor.
De início, portanto, remetemos ao art. 348, onde, tratando de sub-rogação convencional, o legislador dispõe que aplicam-se as regras pertinentes à cessão.
Vejamos, portanto, as duas formas de sub-rogação, a legal e a convencional.
Na sub-rogação legal não há manifestação de vontade, a lei dispõe sobre a transferência.
Pois bem. O inciso II do art. 346 traz a hipótese do bem imóvel com garantia hipotecária; ocorrendo inadimplemento, penhora-se o bem em questão (hipoteca resulta de um contrato, penhor resulta de uma execução determinada, portanto, por um juiz). A hipoteca vincula determinado bem como garantia de uma obrigação, ou seja, ele fica vinculado ao pagamento da dívida; este bem pode ser vendido; mesmo porque, no registro público, consta que o bem foi hipotecado. Em decorrência disso, o inadimplemento do devedor ameaça a propriedade do imóvel; se o terceiro que negocia a compra do imóvel com o devedor descontando o valor da dívida, não há maiores entraves, visto que paga o que couber a cada um, vale dizer, a respectiva parcela do devedor (de quem comprou o imóvel) e a do seu credor (que tinha o imóvel como garantia).
Todavia, se ele inadimple, o comprador do imóvel pode pagá-la, tornando-se titular da posição credora. Note-se, aqui o dispositivo da sub-rogação legal entra em cena, visto que, notadamente, faculta a possibilidade de sub-rogar.
Da mesma forma, como vê-se o art. 346, II, in fine, quando o locador dum imóvel é devedor, este imóvel, em vez de ser hipotecado, poderá ser penhorado (apreensão do bem para o pagamento da respectiva dívida). Ocorrendo isso, o locatário pode pagar a dívida e evitar o risco da execução. Ilustrando: o credor executa o locador (este é o devedor da obrigação), para o inquilino não correr o risco dessa execução, paga o credor, sub-rogando-se na posição credora, vale dizer, investe-se nos direitos do antigo credor.
O art. 347 trata da sub-rogação convencional. Vale dizer, “contrata-se o pagamento de uma dívida”. Lembra cessão de crédito, mas não o é, confere-a a outrem. O terceiro pode impedir, na cessão, que outra pessoa pague sua dívida, da mesma forma que pode recusar doação. Porém, nada pode o devedor fazer se o seu credor vendeu o crédito (na hipótese em apreço trata-se da circulação de crédito).
Se a mediadora, que garantiu o pagamento, paga-o de fato, mediante inadimplência do inquilino inadimplente, convenciona a sub-rogação com o proprietário do imóvel.
O artigo 350 é taxativo ao fixa que o assuntor da sub-rogação legal só poderá exigir (cobrar) o valor gasto. Ou seja, se determinada pessoa pagou somente para não executarem o imóvel, só terá disponibilidade de cobrar o valor desembolsado. Em remate, assumiu a sub-rogação, só recebe o que foi gasto.
Em vista do parágrafo anterior, pode-se convencionar com o devedor, utilizando-se do dispositivo do 347, I; dessa maneira, se transfere com sub-rogação convencional, não legal, escusando-se da regra do art. 350. Beviláqua, em seu Código Civil Comentado, atenta que tal dispositivo fixa que, se não limitarem os direitos do sub-rogado na sub-rogação convencional, não sendo o pagamento total (i.e., contraiu empréstimo para pagar parcela da dívida), transfere-se para o mutuante direitos de extensão igual ao do credor originário, sem ter extinto os deste.
Na hipótese do art. 351, vemos que o primeiro pagamento é feito ao credor originário, tendo esse preferência em relação ao sub-rogado. A título de exemplo, se o causador do acidente de trânsito paga a vítima, que teve seu veículo danificado, e a seguradora também o fez (reembolsou os prejuízos do vitimado), o causador não terá que pagar para a seguradora, pois esta foi sub-rogada, tendo, conforme o exposto, papel secundário em relação ao segurado (credor originário).
DA IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO
“É a escolha de qual dívida pagará quando houver mais de duas já vencidas”.
De início, cumpre destacar a significação da palavras “liquidez”, que quer significar “prestação que já sabemos o valor exato, sem obste de pagamento (pronta para pagar)”. Também o significado de “vencido” nos interessa, vale dizer, “passível de ser exigida”.
O caso em apreço, fixado nos arts. 352 e s., figura um credor de duas dívidas vencidas do mesmo devedor. Esses artigos servem exatamente para isso, i.e., para saber-se qual será a primeira a ser paga.
O primeiro critério fixa que, na existência de duas dívidas do jeito supracitado, o devedor pagará qualquer uma delas, vale dizer, o devedor escolherá qual deve ser paga (regra do art. 352). Com isso, porém, se o devedor somente oferece o valor e, na hora que se prove do “recibo” mantém-se silente, admite-se que ele anuiu à imputação feita pelo credor, em outras palavras, “ele abriu mão do direito de escolha (art. 353).
Grosso modo, o devedor tem a prerrogativa de escolha, prerrogativa esta que, se não objetou (contrapôs-se), é considerada como anuência à imputação feita pelo credor, que pode, em tais circunstâncias, escolher na hora em que emite o recibo.
Em face dessas duas formas de escolhas expostas acima (devedor, por regra, ou credor, por decorrência), floresce-se uma terceira, qual seja, se recebeu a dívida e nenhum deles estipulou o que recebia/pagava, a lei considera que foi paga a mais gravosa (conforme o art. 355 do CC). Ilustrando a hipótese, se um marido deve pagar, por mês, R$ 1.000 referente alimentos e R$ 1.000 respeitante ao aluguel do apartamento que é da ex-esposa, e deposita somente um mil reais, o artigo 355 soa categórico, visto que, em virtude de sua natureza mais gravosa (incide prisão sobre dívida de alimentos), considera paga a prestação de pensão alimentícia.
O artigo 354, por fim, soa óbvio, vejamos. Se há dívida vincenda que incide juros, paga-se primeiro o juros, afinal, no capital que incide juros e, se elimina-se nalguma hora, romperia a intenção da respectiva cláusula contratada. Assim, quita-se, pela lei, primeiramente o juros, eliminando, em decorrência, o capital.
DA DAÇÃO EM PAGAMENTO
Dação é derivação do verbo dar; temo-la prevista nos art. 356 a 359 do CC.
Regra consagrada, já vista, é aquela que “não se pode pagar, ainda que mais valioso, com outra prestação (objeto)”. Ora, se, porém, é convencionado que assim será (quitação da dívida anterior com outro objeto de prestação), entra em cena a dação.
A dação livra as partes reciprocamente consideradas, i.e., extingue-se o vínculo entre elas. Se faz-se novo acordo, extinguindo o anterior, temos a novação, i.e., a troca de um dívida por outra, que continuará pendente; caminho diametralmente oposto da dação, que extingue o vínculo entre as partes (a dação é satisfatória, a novação perdura, ainda que com outro vínculo). Daqui surgi importante consideração, qual seja, casos em que mantém-se a mesma prestação, embora de forma diferente, considera-se novação; v.g., ao financiar pagamento atrasado, o ato de financiar é o animus que caracteriza a novação: a troca de um dívida (pagamento à vista) por outra, que fica pendente (pagamento financiado).
Pois bem. Quando há prestação em aberto (dinheiro, p.ex.) e ela é trocada pelo bem dado (imóvel, e.g.), se as partes foram silentes (não estipularem os valores remanescentes), considera-se quite o pagamento, vale dizer, desfaz-se o liame obrigacional integralmente, tanto para um como para outro (art. 357).
Se faz dação com vício (imóvel com pendência), que caracteriza evicção ou vício redibitório, ela (a dação) se desfaz. No caso da evicção, vende-se o bem e perde-o por decisão judicial; a evicção, em verdade, é a garantia que o vendedor dá, visto que contraiu processo judicial do qual, após a venda, resultou em perda da coisa, total ou parcial, pelo adquirente (comprador que recebeu a garantia da evicção). O vício redibitório é o vício ou defeito oculto da coisa recebida, em razão de contrato comutativo, já existente antes da celebração do negócio jurídico, que a impede que seja utilizada ou a torna desvalorizada (art. 206).
Nos dois casos se desfaz a dação; ora, se se aplica tal procedimento à compra e venda, há que se aplicar à dação.
DA NOVAÇÃO
Substituição de dívida não cumprida por outra obrigação igualmente não cumprida, firmado novo prazo para cumprir. Frise-se, não cumprirá de imediato. A primeira obrigação desaparece; é, então, substituída por uma nova.
O primeiro requisito para a novação é que a dívida deve ser válida, sob o prisma do art. 169. A nulidade dum negócio jurídico não prescreve, ele é nulo para sempre; um negócio celebrado por incapaz é nulo para sempre, em virtude disso, não cabe novação sob negócio nulo, visto que se estaria convalidando um negócio nulo. Todavia, se o negócio é anulável (art. 171), cabe novação, tornando-o, de anulável, um negócio válido, segundo o art. 172 (de acordo com a súmula 296, sobre o artigo 367).
Um segundo requisito, em consonância com o primeiro, recai sobre a dívida vindoura, vale dizer, a nova dívida deve ser válida também.
Terceiro requisito evidencia-se com o animus de novar, expressa ou tacitamente considerado. Isto é, se não vier expresso, pode constatá-lo implicitamente no instrumento pelo qual se deu, se ele o evidenciar.
Por fim. A simples refixação de cláusulas no contrato não caracteriza novação; e.g., reforçar juros ou garantias não caracteriza novação, conforme a jurisprudência deste instituto.
Quanto à dívida prescrita, pode-se efetuar a novação. Ora, se pode se pagar uma dívida prescrita, pode utilizar-se deste outro modo de adimplemento, qual seja, a novação.
Até agora vimos a novação objetiva. Há, entretanto, a novação subjetiva e a mista, vejamos cada uma delas.
Numa novação subjetiva há a alteração de uma das partes; em face disso, há confusão com a assunção de dívida e com a cessão de crédito.
Na novação mista, há, simultaneamente, a troca do objeto da prestação e de uma das partes.
Novação, em verdade, é objetiva (alteração do objeto da prestação) ou mista (alteração do objeto e de uma das partes, simultaneamente).
O art. 363 exige a má-fé do devedor antigo para que se tenha direito à ação de regressão. Entretanto, o art. 299 possibilita a mesma ação (de regressão), sem a exigibilidade da má-fé, somente requerendo que o credor ignore o estado de insolvência do atual devedor. É inútil adentrar no estudo do art. 363, é inócuo.
O art. 364 estabelece que os acessórios e garantias, na novação, desaparecem, salvo no caso que as partes estipularem contrariamente. Se a garantia envolve terceira pessoa, esta deverá anuir, visto que a garantia é dada tendo a pessoa do devedor como pano de fundo, portanto, fundada na confiança.
DA CONFUSÃO, arts. 381 e s.
A dívida se extingue com a confusão. Esta caracteriza-se quando as posições de devedor e credor recaírem sobre a mesma pessoa. Se determinada pessoa contrai empréstimo com uma pessoa que, após a morte, a destina seu patrimônio (herança), não há que se falar em pagamento, visto que o herdeiro pagará para si mesmo; frise-se, a herança pagará a própria dívida.
DA REMISSÃO
Do verbo remitir, consiste no perdão da dívida. Equipara-se à doação. Sem maiores complexidades, mister se faz que haja a aceitação do devedor.
DA COMPENSAÇÃO
Consiste no meio de extinção das obrigações pelo encontro de dois créditos recíprocos entre as mesmas pessoas. Uma dívida anula a outra. A compensação opera-se até o valor que se aniquilam, se houver remanescente, perdura.
São requisitos da compensação a reciprocidade das obrigações (duas pessoas devedoras uma da outra, art. 368, a liquidez (valor certo, manifesto quanto a sua existência e delimitado quanto a sua extensão) e a exigibilidade das dívidas (vencidas; frise-se que o 372 admite o estabelecimento de novo prazo, a fim de compensar) e a fungibilidade dos créditos (as dívidas devem ter a mesma natureza, e.g., compensar empréstimo com indenização), art. 369.
Há duas espécies de compensação, a legal, que se dá automaticamente, e a convencional, que depende do acordo entre as partes. A automática está fixada no art. 368, compensando-se de pleno direito. A compensação convencional se dá através dum contrato entre as partes, ressalvando-se seus requisitos.
Há dívidas que não são compensáveis, trazidas pelo art. 373, em seus incisos. O inciso I trata do dinheiro advindo de ato ilícito, não permitindo compensar dívida se obteve o dinheiro para quitação subtraindo-o do credor. O inciso II obriga o contraente de comodato a devolver a coisa, não imperando o dispositivo da compensação. Se umas das obrigações é de alimento, não se compensa, pois que sua finalidade é a subsistência duma das partes. Por fim, o inciso III remete ao art. 649, que fixa um rol de coisas incompensáveis, como, por exemplo, os bens de família, os objetos de trabalho (a sua finalidade é sustentar o indivíduo) etc.
Quanto à renúncia, vem no art. 375, sendo admitida previamente à anunciação da compensação (antes de celebrarem) ou se de outra forma convencionaram (no momento do contrato, p.ex., vedam a possibilidade de compensar).
O art. 380 veda a compensação que seja prejudicial a terceira pessoa. Vale dizer, se o bem adquirido pelo devedor, para compensar a dívida com seu credor, for objeto de penhora por terceiro, não há que se vigorar isso, visto que o terceiro, exequente, estaria prejudicado. Em suma, fica vedada a compensação desde o momento que o objeto adquirido pelo devedor tenha sido penhorado contra o seu devedor, visto que, em face da penhora, não poderá efetuar o pagamento ao seu credor nem opor a compensação ao exequente.
DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES
Em caso de descumprimento da obrigação o inadimplente deve indenizar. Quem descumpriu com o dever irá recompor o prejuízo experimentado injustificadamente pelo outro. P.ex., se o comprador, que não recebeu o imóvel, teve dispêndios com aluguéis, o devedor inadimplente deverá torná-lo indene.
“Correção monetária” significa “corrigir o valor da moeda”, visto que fora aviltado pela inflação. “Juros” quer significar o “fruto do capital”, pois, assim como outros bens, o dinheiro gera riquezas (frutos civis); frise-se, paga-se o uso do patrimônio alheio. “Honorários de advogado”, por sua vez, não se restringe ao valor da sucumbência, mas se estende a todos os gastos havidos com a ação e aqueles honorários oriundos do contrato, inclusive; por vezes, se não houve gastos com advogado, paga-se os valores com o acordo. Frise-se, essa interpretação dos honorários advocatícios, estendidos a todas as despesas, é sustentada pela jurisprudência do art. 389.
Inadimplemento é um gênero: não entregar a coisa devida. Divide-se em duas espécies, quais sejam, inadimplemento absoluto, segundo o qual não há mais como satisfazer a obrigação, ou ela não mais interessa ao credor, e o inadimplemento relativo, onde o devedor fica em situação de descumprimento, porque o adimplemento da obrigação ainda interessa o credor, embora, agora, acrescido das respectivas incidências decorridas do descumprimento. O absoluto pode se caracterizar pela não entrega dum imóvel pronto e o relativo pela não entrega dum imóvel que está sendo feito, p.ex.
O art. 390 traz a hipótese da obrigação negativa. Fixa o artigo que, sendo obrigação de não fazer, é caracterizada a inadimplência no momento que o faz. P.ex., se construir acima do limite que aventou não fazê-lo incorreu em mora, e desfazê-lo somente suspende a mora, mas não descaracteriza o descumprimento: descumpriu.
A regra contida no 391 não é absoluta. Este instituto fixa que o Estado, por intermédio do juiz, invade os bens do devedor, a fim de adimplir a dívida. A lei que estabelece os bens de família, Lei 8009/90, é exemplo clássico da exceção à regra do 391.
Os arts. 392 e s. aplicam-se ao negócios jurídicos, i.e., às manifestações de vontade que afetam o mundo jurídico.
O art. 392 traz a “regra do carona”. Contratos benéficos significa “negócio jurídico gratuito, vale dizer, quando uma pessoa aumenta seu patrimônio sem nenhuma contrapartida. Segundo o 392, havendo dano em negócio jurídico gratuito, varia o tratamento para com cada uma das partes (doador / recebedor).
Se o beneficiário causa a lesão, ainda que leve, responderá ele por perdas e danos. Veja; se, por gentileza, dada pessoa dá carona a outrem que, por o atrapalhar a atenção, ainda que por erro leve (tapar o retrovisor, v.g.), o faz envolver-se em acidente, o beneficiário (o carona) terá o dever de indenizar. Por outro lado, se o motorista, que ofereceu carona, envolve-se em acidente que causa lesões ao carona, dependendo das circunstâncias, não terá o dever de indenizar. Isso vem consagrado na súmula 145.
Quanto ao art. 393, ele prevê a exclusão do dever de indenizar.
O dever de indenizar decorre de quatro requisitos, dos quais três são absolutamente indispensáveis. 1. conduta (ação ou omissão, i.e., força que modifica o mundo exterior); 2. dano (prejuízo injustificável); 3. nexo causal (entre conduta e o resultado, qual seja, o dano); e 4. culpa (na maioria dos casos a conduta deve ser culposa; mas este é o elemento “dispensável” em determinados casos). Quem estabelece a exclusão do requisito culpa é a lei.
Posto isso, vejamos. Enxergando caso fortuito, o acidente que não podia ser razoavelmente previsto, decorrente de forças naturais ininteligentes, como o furacão, a tempestade etc., ou de força maior, aquele fato criado por terceiro, impedindo a execução da obrigação, que a boa vontade do devedor não pode vencer, como acontece no assalto, ver-se-á que não há que se indenizar. É inegável, em tais circunstâncias falta um dos elementos indispensáveis ao dever de indenizar, qual seja, o nexo causal entre a conduta e o resultado (dano).
DA MORA
O artigo 394 abre o capítulo da mora.
Somos acostumados a dizer que “mora” é o mesmo que “atraso”; no direito civil não. A leitura do art. 394 fixa que mora é descumprimento da obrigação que ainda pode ser satisfeita, vale dizer, o inadimplemento pode ser superado, pois ao credor ainda interessa o pagamento, embora, agora, acrescido das respectivas incidências; e.g., Se não se pagar o aluguel com vencimento para o dia dez, hoje sendo dia quinze, está-se em mora, visto que ao credor ainda interessa o pagamento. Mora, porém, não é limitada ao conceito de atraso, pois enquadra-se, por exemplo, nas obrigações de fazer: se se avença com um marceneiro que lhe entregue uma mesa de mogno com três pés e, no dia do cumprimento, lhe entrega uma com quatro, está ele em mora.
Há determinados pressupostos para se caracterizar a mora, tanto do credor, que se recusa a receber injustamente, quanto para o devedor, que retarda ou cumpri imperfeitamente.
Pois bem. Há diferenças em relação à mora de cada um (devedor/credor). O credor não precisa incorrer em culpa para se caracterizar a mora; para o devedor, porém, a culpa é requisito indispensável para o estabelecimento da mora. Portanto, o credor não pode invocar caso fortuito ou caso fortuito, para justificar a mora.
Os pressupostos para a mora do credor, chamada de mora accipiendi, são: 1 dívida líquida (com valor determinado) e vencida (exigível); 2 oferta de pagamento pelo devedor; e 3 recusa injusta no recebimento (recusar pagamento parcelado não é mora, caso seja determinado pelo juiz que o fará, não incorreu em mora). Os pressupostos para a mora do devedor, também chamada de mora solvendi, são: 1 dívida líquida e vencida; 2 inexecução culposa (note-se que aqui os pressupostos se afastam, porque a inexecução não culposa o isenta da mora); 3 interpelação (aviso ou advertência ao credor de que se deseja adimplir a obrigação) judicial ou extrajudicial quando a dívida não for a termo; frise-se, depende da comprovação da oferta.
Em remate, a mora do devedor é o não cumprimento/cumprimento imperfeito culposo; a mora do credor é o não recebimento, independentemente de culpa, com comprovada interpelação do devedor.
Se o devedor encontra-se em mora, conforme o art. 399, responde, ainda que por motivo de caso fortuito ou força maior, pelo perecimento do objeto; se não estivesse em mora, não teria mais obrigação de dar. Ressalta Beviláqua, que “no caso de mora o caso fortuito ou de força maior não escusa, se aconteceu depois da mora, salvo se o devedor provar que não teve culpa no atraso da prestação ou que o dano ocorreria, ainda quando a obrigação fosse desempenhada oportunamente”.
Segundo o art. 400, se o credor encontra-se em mora, o devedor não responderá pelo caso fortuito ou força maior; ademais, o que ele gastar para a sua conservação (da coisa), ser-lhe-á ressarcido.
Há que se saber quando iniciou a mora, visto que, a partir deste momento, incide contra o moroso juros de mora. Segundo o art. 398, dá-se a mora do ato ilícito desde a conduta causadora de dano; nas obrigações negativas, de não fazer, a mora é tida desde o fazimento da respectiva abstenção que fora prometida; nas obrigações positivas, salvo disposição contrária da avença, a mora é caracterizada desde a citação (interpelação, judicial ou extrajudicial) ou termo final, caso em que a constituição da mora é automática.
O art. 397 traz a figura da dívida positiva – dia certo – e líquida – com valor determinado. Há, porém, dívidas que não têm liquidez, têm só o aspecto positivo, qual seja, a data da quitação; ocorrendo mora, os juros de mora incorrem sobre o inadimplente desde a citação, onde se arbitra o valor, conforme o art. 407. Em suma, não tendo a liquidez, valor determinado, ou a positividade, data pré-estabelecida, para o correto cumprimento, os juros de mora incorrem desde a citação.
DAS PERDAS E DANOS
Do art. 402 ao 405 tratamos das perdas e danos, que figura o prejuízo injustificado. Cumpre destacar, aqui, a figura do dano emergente e do lucro cessante, que integram o valor correspondente às perdas e danos, trazidos no art. 402. Dano emergente é uma conta de subtração, é a diminuição patrimonial experimentada injustificadamente pelo credor, aquilo que ele efetivamente perdeu, seja porque teve seu patrimônio depreciado (não fora colocado o telhado duma casa e, em virtude disso, teve que refazer o forro, que, por conta de chuva, se molhou e apodreceu), seja porque teve aumento em seu passivo (não recebeu a casa na data prevista e, em virtude disso, gastou com aluguel). Por lucros cessantes entende-se o bloqueio duma soma, que é a diminuição potencial do patrimônio do credor, pelo lucro que deixou de auferir, dado o inadimplemento do devedor; frise-se, os lucros cessantes só são devidos se previsíveis no momento em que a obrigação foi contraída (se o dono da gráfica aventa o recebimento duma nova máquina que substituiria uma que falhara há lucros cessantes se ocorrer o inadimplemento do devedor, que deveria entregar a máquina, porque, como havia a máquina anterior, é possível se calcular os lucros não auferidos a partir do momento que não a recebeu; porém, se o comprador iria inaugurar a loja, não há falar-se em lucro cessante, pois não houve lucro, é lucro hipotético, não indeniza).
O art. 404 fixa que juros são pagos independentemente de prejuízo, tendo como juros a remuneração sobre o capital em questão. A atualização monetária corrige o poder de compra da moeda. E os honorários advocatícios são indenizados também quando há inadimplemento de obrigação pecuniária. Até, tudo bem, já vimos.
O parágrafo único do art. 404 inova ao permitir que o juiz conceda indenização suplementar, comprovando que o juros de mora não são suficientes à cobertura dos prejuízos; salvo se haver cláusula penal. Geralmente, não se paga além do 1%, a título de juros, somado à atualização monetária; todavia, se os juros revelam-se insuficientes ao reestabelecimento do statu quo ante, há que falar-se em indenização complementar.
DOS JUROS LEGAIS
O artigo 406, que abre este capítulo, é mal redigido. A regra que fixa os juros correspondentes àqueles cobrados pela Fazenda Nacional (a União) é tormentosa. Pois bem. A União cobra a taxa Selic, que traz somada nela a taxa de juros e a atualização monetária; assim, a taxa Selic deve ser usada sozinha, porque, se cobrá-la com o acréscimo da atualização monetária há dupla cobrança desta. Assim, se se cobrar atualização monetária há que se somar aos juros trazidos pelo art. 161 do Código Tributário, fixados em 1 %. Frise-se, o STJ já utilizou-se das duas maneiras de cobrança, tanto a taxa Selic quanto o art. 161 do CTN acrescido de atualização monetária.
A súmula 596 exclui a incidência deste instituto, instituto da usura, sobre as instituições financeiras.
O art. 407 fixa que o juros satisfazem o lesado e punem o inadimplente.
DA CLÁUSULA PENAL
A finalidade da cláusula penal é a prevenção do inadimplemento. A cláusula punirá e preverá a indenização; é uma pena convencional, caracterizando-se um pacto acessório, pois só existe em virtude de outra avença, que pré-estabelece perdas e danos. A multa é uma forma de cláusula penal, mas não é a única, pode incidir sobre prestações futuras, como, por exemplo, o estabelecimento de uma suspensão de fornecimento, em caso de mora do credor, ou a entrega de maior quantidade, caso a mora seja do devedor. A cláusula penal, portanto, tem duas finalidades, quais sejam, punir o descumprimento, ou o cumprimento imperfeito, e pré-fixar a indenização.
Há duas formas pelas quais a cláusula penal se manifesta: cláusula penal compensatória, prevista no art. 410, que é fixada nos casos de total inadimplemento da obrigação, e a segunda maneira é a cláusula penal moratória, prevista no art. 411, para os casos que há imperfeição no pagamento ou descumprimento relativo da obrigação.
O art. 410 transfigura a relação obrigacional em alternativa, pois, ou se exigirá a cláusula penal, tida a título de compensação, ou se exigirá o cumprimento da obrigação original, acrescida das respectivas incidências (multa e atualização monetária).
No art. 411 temos a figura da cláusula penal moratória, que traz-nos uma somatória, consistente na soma da obrigação principal acrescida da penalidade cominada pelo contrato.
O valor da cláusula penal, segundo a imposição do art. 412, não excederá o valor da obrigação principal; revelando-se abusiva, ainda que dentro destes limites impostos pelo art. 412, incorre na previsão do 413. Vejamos.
O art. 413 dá uma arma para o juiz, que deve intervir no valor da multa. Para tanto, três hipóteses são possíveis; a primeira é o caso previsto no art. 412, qual seja, quando a multa ultrapassar o valor da obrigação principal; para haver multa superior ao valor da obrigação há que ser justificada. A segunda maneira é quando, malgrado ter respeitado os limites do 412, houve cumprimento parcial da obrigação (se, p.ex., em prestações consecutivas, totalizadas em cem prestações, já se tenha pago 80 prestações; soa injusto fazer o inadimplente pagar 180% do real valor da obrigação); o critério de redução, portanto, é o quantum a obrigação já foi cumprida. Por fim, a terceira maneira de intervenção do juiz é em todos aqueles casos que a multa for manifestamente desproporcional, vale dizer, exagerada.
A leitura do art. 414 e 415 é fácil, porque é clara. Há neles a distinção no que tange obrigação indivisível e divisível. O 414, ao tratar da obrigação indivisível, afirma que cada devedor responderá proporcionalmente à sua parte pela cláusula penal; sendo culpado um só, cabe-lhes ação de regresso. Ora, a partir do momento que se transforma em perdas e danos a obrigação é divisível, portanto, cada um indeniza proporcionalmente à sua quota correspondente.
O 415 fixa que, nos casos de obrigação divisível só incorre em pena o devedor inadimplente, pois os outros obviamente cumpriram e, por isso, não estão sujeito à penalidade da cláusula penal.
O artigo 416 estabelece que não é necessária a existência de prejuízo para exigir-se a cláusula penal, visto que o prejuízo não é seu único elemento de validade, mas também o caráter punitivo nela embutido a efetiva. Em seu parágrafo único trata da hipótese contrária, qual seja, aquela hipótese que o valor da cláusula penal é inferior ao prejuízo; nestes casos, não havendo disposição expressa, é vetado ao contraente exigir indenização suplementar, a título de compensação do maior prejuízo. Nada impede que as partes convencionem a indenização complementar, fixando a cláusula penal como o mínimo da indenização.
DAS ARRAS OU SINAL
É a quantia dada em dinheiro, ou outra coisa fungível, com o objetivo de assegurar o cumprimento da obrigação. O fundamento das arras ou sinal é a confirmação do negócio em questão, é, portanto, o sinal confirmatório.
O sinal, porém, tem outro aspecto, qual seja, quando ele é parte do pagamento. Sendo assim, o sinal é idêntico ao objeto que será entregue no final, no cumprir a obrigação.
Nesse sentido o art. 417, fixando que, em caso de execução, deverão as arras serem restituídas ou, se do mesmo gênero da prestação final, serem computadas a esta. Ex. disso é a entrega, a título de arras, de uma motocicleta, com a prestação original firmada em dinheiro; frise-se, o credor deverá devolver a motocicleta com o adimplemento da obrigação.
Sinal ou arras se aproximam da cláusula penal, mas não são equivalentes. O sinal é tido no mesmo contrato, é pago antecipadamente. Por outro lado, a cláusula penal só é paga no caso de descumprimento. O sinal consiste num direito real, pois só se caracteriza se houver a entrega da coisa no primeiro momento; isso o diferencia da cláusula penal, que é um direito pessoal, que surge do contrato entre as partes, não com a entrega dum bem.
Há dois tipos de sinais, o confirmatório e o penitencial.
Os arts. 418 e 419 trazem a hipótese das arras confirmatórias, vale dizer, aquela que firma o negócio.
O art. 418, em sua 1ª parte, fixa que a inexecução por parte da pessoa que deu arras a sujeita à perda destas. O mesmo artigo, na 2ª parte, fixa a hipótese da inexecução pela pessoa que recebeu as arras. Neste caso, quem as deu poderá ter o negócio como desfeito, exigindo, além da devolução das arras, o acréscimo do valor equivalente, com as respectivas reincidências. É o que diz o art. 418, in fine.
No art. 420, finalmente, temos a hipótese do sinal penitencial (punitivo), que confere o direito de arrependimento às partes. A parte que desfaz o negócio é punida porque usufruiu dum direito, celebrado em contrato. O sinal penitencial, portanto, confere o direito de arrependimento, fixando exatamente o valor da indenização; não há como cobrar mais.
O sinal confirmatório, por outro lado, conforme a leitura do art. 419, fixa o mínimo de indenização no eventual descumprimento, que, aqui, não é exercício dum direito, é um ato ilegal, qual seja, o descumprimento do contrato. No sinal confirmatório, a parte prejudicada preiteará indenização suplementar; vale dizer, além do recebimento das arras, ou, se preferir, da execução do contrato, poderá exigir a indenização suplementar que tem como mínimo o valor das arras, se não for provado maior prejuízo. Frise-se, o recebimento das arras, nos casos de descumprimento, é um valor mínimo que pode ser complementado por indenização, provados maiores prejuízos. Em remate, o art. 419 fixa a possibilidade de pedir indenização suplementar.
Em qualquer caso, o juiz deve intervir no valor da indenização, conforme o art. 413, enquadrando-se as mesmas possibilidades tidas para com a cláusula penal, porque, como vimos, são absolutamente aproximadas, cabendo analogia.
* Ricardo Macellaro Veiga, Integrante do corpo discente da UPM.