Rodrigo Benedet Naspolini*
PARTE 01 – TIPICIDADE
1. CONCEITO DE CRIME
A) FORMAL
“Crime é toda a ação ou omissão humana proibida por lei sob a ameaça de uma pena”. FRAGOSO.
“Crime é qualquer ação legalmente punível”. MAGGIORE
– crime é uma contradição entre um fato e uma norma de direito que rege este fato prescritivamente.
B) MATERIAL
– O crime, sob esta perspectiva é uma ação/omissão danosa, antagonista da moral.
– “Crime é a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal”. NORONHA
– estas ações comprometem as condições de existência, conservação e desenvolvimento da sociedade.
C) ANALÍTICO
– destacam-se e separam-se os elementos do crime para a sua conceituação.
– é um fato humano descrito no tipo penal, cometido com culpa, ao qual é aplicada uma pena.
– é “toda ação humana, antijurídica, típica, culpável e punível”. BASILEU GARCIA.
2. CARACTERÍSTICAS DO CRIME
A. É preciso uma conduta humana positiva (ação) ou negativa (omissão). (conduta)
B. É preciso que esta conduta esteja tipificada na lei ou infração penal. (tipicidade)
C. É preciso, por fim, que esta conduta seja contrária ao preconizado por esta lei penal, contrariando o ordenamento jurídico (antijuridicidade)
D. Para ser considerado culpado pela prática de uma infração penal, a pessoa tem que possuir culpabilidade – alguns casos a culpabilidade é excluída da conduta de um agente.
3. CRIMES DOS TIPOS CULPOSOS E DOLOSOS
Sob a égide da Teoria Finalista da Ação, faz-se imprescindível distinguir os crimes em Dolosos e Culposos. O dolo e a culpa não fazem parte da “culpabilidade”, mas sim do “fato típico”, uma vez que não são meros quesitos para considerar o agente culpado ou inocente, mas estão intrínsecos à conduta e à sua antijuridicidade. Considerar uma conduta criminosa de forma dolosa é diferente de considerá-la culposa, não-intencional, e ambas as situações devem possuir sua pena prevista por lei.
4. TEORIA FINALISTA DA AÇÃO
Como a conduta é um fazer/não fazer humano, ela implica necessariamente uma finalidade. A conduta se manifesta da vontade dirigida a um fim. O código penal brasileiro adota este princípio, qualificando a finalidade como o “animus criminis”.
Desta forma, a conduta dolosa será punida por ter a vontade de concretizar algo ilícito, e a culposa, mesmo não possuindo esta característica, será punida mais brandamente por o agente não ter despendido esforços suficientes e não ter agido com cuidado o bastante para evitar o crime.
5. SUJEITO ATIVO DO CRIME
É aquele que comete a ação delituosa, típica e antijurídica. Só pode ser o homem, excluindo-se qualquer outro ente (animal, etc).
A capacidade geral para ser sujeito ativo do crime está em toda e qualquer pessoa, porém da sua culpabilidade são restritos os maiores de 18 anos, pessoas vivas e físicas, excluindo-se as pessoas jurídicas (somente em crimes ambientais e contra a economia popular).
Entre os sujeitos ativos do crime estão os autores, co-autores e partícipes. Serão mais bem diferenciados no capítulo sobre concurso de pessoas (agentes).
Os sujeitos ativos do crime também são chamados de sujeitos passivos da ação, em momento diferente, quando são indiciados.
A capacidade penal é o conjunto de condições para que um sujeito possa tornar-se titular de direitos e obrigações no campo do direito penal. Portanto, são incapazes penalmente os mortos, os seres inanimados e os animais.
A capacidade especial é aquela capacidade que somente um agente pode possuir para cometer tal crime. Por exemplo, do funcionário público no art.312, ser gestante, no art.124, etc. É a capacidade específica para cometer determinado crime. Um homem, por exemplo, será sumariamente inocentado de um crime de infanticídio.
6. SUJEITO PASSIVO DO CRIME
Sujeito passivo do crime é aquele que sofre o crime, é o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado pela conduta criminosa, podendo ser qualquer pessoa humana.
Existem doutrinariamente dois tipos de sujeito passivo:
I. Constante ou Formal: é o Estado, que possui sua normatividade ferida sempre que haja uma conduta criminosa;
II. Eventual ou Material: é a vítima direta da prática criminosa, podendo ser uma pessoa física, jurídica, o Estado, e uma coletividade.
Há crimes que só podem ser praticados contra determinado sujeito passivo. São os casos de infanticídio (recém-nascido), abandono intelectual (menor de idade), estupro (mulher), etc. Estes sujeitos passivos certos são chamados de sujeitos passivos especiais.
Os crimes vagos são aqueles em que não se é possível identificar o sujeito passivo. Por exemplo, os crimes contra o sentimento religioso, a incolumidade pública, respeito aos mortos, etc.
Ninguém pode ser considerado ao mesmo tempo, pelo mesmo crime, sujeito ativo e passivo. Portanto, tentativa de suicídio ou auto-lesão não são considerados condutas criminosas.
Não se devem considerar sinônimos sujeito passivo e prejudicado. No homicídio, o sujeito passivo é o morto, embora a família dele também saia prejudicada.
Neste caso, não podemos dizer que o sujeito passivo do crime seja o sujeito ativo da ação, no momento do processo criminal, pois no direito Penal, o Estado é o único sujeito ativo, na figura da promotoria.
7. OBJETO JURÍDICO DO CRIME
Por objeto jurídico do crime entende-se o bem-interesse garantido pelo legislador (Código Penal) que foi violado no instante da conduta tipicamente criminosa. São exemplo de objetos jurídicos do crime: a vida, a integridade física, a honra, o patrimônio público, a entidade familiar, etc.
8. OBJETO MATERIAL DO CRIME
É a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta criminosa, atingida pelo crime. São exemplos de objeto material:
– “alguém”, no art.121: “Matar alguém…”
– “coisa alheia móvel”, no art.155: “Subtrair coisa alheia móvel…”
– etc.
Existem, no entanto, crimes sem objeto material, como ocorre no crime de ato obsceno, falso testemunho, etc.
9. CONCURSO (CONFLITO) APARENTE DE NORMAS
Quando a um mesmo fato típico supostamente podem ser aplicadas normas diferentes da mesma ou de diversas leis penais, surge o que é denominado conflito aparente de normas.
A doutrina tem considerado quatro princípios solucionadores deste falso concurso de normas.
I. Princípio da Especialidade: a lei especial vale sobre a lei geral. A norma é especial quando acrescenta à norma geral alguns requisitos. Pode ser interna, quando pertence ao mesmo Código Penal, ou externa, quando advém de outra lei extravagante. O infanticídio é norma especial em relação ao homicídio, portanto uma mãe que mata em estado puerperal o recém-nascido de seu ventre será enquadrada pelo art. 123 e não pelo art. 121, pois o infanticídio é mais específico que o homicídio.
II. Princípio da Subsidiariedade: consiste na anulação da lei subsidiária pela principal, no caso de cometimento de ambas as condutas ilícitas, na circunstância de que a conduta subsidiária é conduta meio para a conduta principal, que é a conduta fim (de acordo com a teoria finalista da ação). Neste caso, a ameaça só será punida se ela não ocorrer para extorquir dinheiro, ou para praticar ato libidinoso. Caso a ameaça seja para constranger a vítima a fazer algo ilegal ou para a conjunção carnal, o réu responderá pelo crime fim, no caso, constrangimento ilegal e estupro.
III. Princípio da Consunção ou Absorção: consiste na anulação na norma ou da conduta que implicitamente e obrigatoriamente esteja contida na outra. Por exemplo, não se responderá por lesão corporal quando houve um homicídio, porque este, que é o fim da ação, tem uma penalidade maior. Não se responde por violação de domicílio quando se procedeu a um furto. Não se responde pelo crime meio quando se dá o crime fim, que é maior, e mais punitivo.
IV. Princípio da Alternatividade: nos crime de ação múltipla, onde a letra da lei possui mais de uma conduta (exemplo do crime de tráfico, onde há 12 verbos que configuram o fato ilícito), por mais que o réu haja praticado mais de um destes verbos, ele responderá apenas por um crime. Não é um caso de conflito aparente de normas, porque neste caso só há uma norma.
10. CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES
Antes de proceder às classificações propriamente ditas dos crimes, faz-se mister diferenciar os tipos de condutas antijurídicas contidas no Direito Penal. O sistema brasileiro é dicotômico, diferenciando, quanto à gravidade da tipicidade, somente em crimes (delitos) e contravenções.
a) Crime: são condutas antijurídicas mais graves, às quais o legislador impõe três tipos de penas: prisão, detenção e/ou multa.
b) Contravenção: são condutas leves às quais o legislador imputa penas de prisão simples e/ou multa.
· Quanto à prolongação ou não no tempo, os crimes de dividem em:
I – Instantâneos: aqueles em que a consumação se dá e o crime se encerra, não se prolongando no tempo. São exemplos: homicídio, lesões corporais, furtos, etc.
II – Permanentes: acontecem quando a consumação se prolonga no tempo, dependendo do agente. São exemplos: seqüestro, extorsão mediante seqüestro e violação de domicílio.
III – Instantâneos de Efeitos Permanentes: os efeitos permanecem, independentemente da vontade do agente, mesmo consumada a infração. Exemplo: bigamia, pornografia, etc.
· Quanto ao tipo de conduta criminosa, classificam-se os crimes em:
I – Comissivos (Ativos) – são os que exigem uma ação positiva, um fazer, do agente. Ex: Rixa, furto, homicídio, etc.
II – Omissivos Puros – são aqueles decorrentes de uma ação negativa, um não fazer quando se deveria fazer algo para evitar o acontecimento. Basta se omitir quando deveria agir. Ex: omissão de socorro, abandono de cargo público, etc.
III – Omissivos Impróprios – são aqueles que tinham obrigação jurídica de evitar o resultado, mas não o fazem. São comissivos por omissão, algumas vezes indicando ação dolosa. Art. 13, par.2º., I, II, III.
· Quanto às circunstâncias legais, os crimes podem ser:
I – simples: é o tipo básico que contém os elementos mínimos e determina seu conteúdo subjetivo, sem qualquer circunstancia que aumente ou diminua sua gravidade. Ex: homicídio simples art.121 caput, furto simples, art.155 caput.
II – Qualificados: são aqueles que ao tipo básico são acrescentadas circunstâncias que agravam sua natureza, aumentando a pena a ser imposta. Não surge um novo ilícito penal, apenas uma forma mais grave deste ilícito. Ex: homicídio qualificado – promessa de recompensa, etc – art.121, par.2º, I., furto qualificado, quando se sobrepõe obstáculo para tal, etc.
III – Privilegiados: é aquele que apresenta situação em que se atenua a gravidade do tipo básico, diminuindo a pena a ser imposta. Ex: homicídio praticado por relevante valor moral (eutanásia), furto com autor primário, etc.
· Crime Progressivo: um tipo penal, para ser realizado tem necessariamente que ter havido outros crimes menores cometidos. O agente vai cometendo crimes menores para viabilizar um crime de maior escala. Ex: para se cometer um homicídio, é preciso algum tipo de lesão corporal. Na rixa, estão implícitos lesão corporal, ameaça, injúria, etc. Responde-se pelo crime maior, pelo princípio da subsidiariedade.
· Crime habitual: traduzem um modo ou estilo de vida, praticados pela reiteração de atos penalmente puníveis. Ex: Curandeirismo (art.284, I), exercício ilegal da medicina (art.282), manter casa de prostituição (art.229), participar de lucros da prostituição (art.230).
· Crime Profissional: delito praticado por aquele que exerce sua profissão, utilizando-se dela para práticas ilícitas. Ex: aborto praticado por médicos ou parteiras, furto qualificado com chave falsa de um chaveiro, violação de domicílio por um serralheiro, etc.
· Crime Exaurido: são aqueles crimes em que, após a consumação do fato típico inicial, o agente leva-o a conseqüências mais lesivas. Ex: receber o dinheiro do resgate na extorsão mediante seqüestro. O crime é o mesmo, porém as suas conseqüências são mais graves, aumentando a pena.
· Crime de Ação única e de Ação múltipla: o crime de ação única é tipificado por uma só conduta, enquanto os crimes de Ação Múltipla possuem uma gama de vias para ser cometido, ou seja, várias ações diferentes podem enquadrar um sujeito ativo em tal tipo. O crime de instigação ao suicídio (art.122) pode ser cometido praticando-se diversos atos, tais como instigar, induzir ou prestar auxílio ao suicida.
· Crimes Unissubsistentes só existem se forem consumados, os Plurissubsistentes podem ser cometidos pela simples tentativa (homicídio, furto, roubo, etc.).
· Quando a quem pode ser sujeito ativo do crime, este pode ser dividido em:
I. Comum: podem ser praticados por qualquer pessoa.
II. Próprio: também chamados especiais, só podem ser cometidos por uma pessoa em especial, ou um grupo de pessoa em especial. Arts. 312ss, 269, 123, 246, etc.
III. De mão Própria: podem ser cometidos por qualquer pessoa, mas numa esfera subjetiva não podem ser cometidos por outro em substituição daquele que pretende tal conduta ilícita, tal como nos casos de falso testemunho, falsidade ideológica, falsa perícia, etc.
· Crimes principais independem da prática de delito anterior anexo; já os crimes acessórios sempre pressupõem a existência de outra infração penal anterior, a ele ligada pelo dispositivo penal que faz referência àquela. Ex: o crime de receptação pressupõe um crime de contrabando, furto, roubo ou similar.
· Crimes Vagos: são aqueles em que o sujeito passivo é uma coletividade, não alguém específico, não podendo ser uma personalidade jurídica, a exemplo da família, amigos, grupos, platéia, etc. Ex: perturbação funerária, violação de sepultura, alteração da substância alimentícia, etc.
· Crimes complexos: são aqueles em que encerram dois ou mais tipos numa única descrição legal, ou que abrangem uma conduta típica e uma não tipificada, ambas ilegais. Ex: roubo (furto + lesão corporal/ameaça), extorsão mediante seqüestro (extorsão + seqüestro).
PARTE 02 – CONDUTA
11. CONDUTA
Conduta é a ação ou omissão humana consciente e dirigida a determinada finalidade.
Sendo um comportamento humano, excluem-se os fatos naturais, os do mundo animal e praticados pelas pessoas jurídicas.
A conduta exige a necessidade de uma manifestação e repercussão externa de vontade. Assim, não se configuram conduta o pensar e o querer, bem como a cogitação, planejamento, etc.
O ato voluntário não é aquele que é querido e desejado pelo agente, mas aquele que ele invariavelmente fez, embora não o tenha querido.
Já a vontade domina a conduta dolosa ou culposa. Na conduta dolosa a vontade atinge um resultado, na culposa a voluntariedade vai até a causa do resultado, sendo este uma mera conseqüência.
12. FORMAS DE CONDUTA
A Conduta pode ser positiva, ou negativa, como já foi exposto anteriormente. Positiva é uma conduta ativa, em que se faz algo, tendo um comportamento ativo, já a negativa é uma omissão, um não fazer alguma coisa que deveria ser feita.
Para alguém ter de responder por crime de omissão, ele precisa ter a obrigação de agir, como nos crimes de omissão de socorro (art.135) ou omissão na notificação de doença (art.269).
A lei prevê situações em que o omitente deveria agir para evitar o resultado, no artigo 13, parágrafo 2º.
a) Aquele que tenha obrigação de cuidado ou vigilância. Ex: pais, tutor, policial, bombeiro, carcereiro, etc.
b) De outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado. Ex: enfermeira, salva-vidas, vigia, etc.
c) Com seu comportamento anterior, criou o risco de ocorrência do resultado. Ex: causadores de situação de risco, atropeladores que fogem do local, construtores que não oferecem segurança, etc.
A conduta omissiva, porém, não se configura apenas como uma conduta dolosa direta ou indireta, mas pode ser culposa, como nos seguintes casos:
a) Erro de apreciação de situação típica: pai que não socorre filho que se afoga por pensar ser uma brincadeira;
b) Erro na execução da ação: jogar álcool ao invés de água para apagar um incêndio, sem intenção;
c) Erro sobre a possibilidade de agir: achar que vítima se afoga em local profundo, impossível de salvar, enquanto se afoga em local raso.
13. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR
Não há fato típico na ocorrência de ambos os resultados.
Caso fortuito é aquele imprevisível, inevitável, por força estranha à vontade humana. Ex: estoura o fusível do carro, causando um acidentes onde morrem pessoas; incêndio provocado por cigarro que voou com o vento, etc.
Casos de força maior, como a coação física irresistível, previsível e inevitável. Não há crime ativo se o agente é forçado por outro a atuar de forma criminosa, ou mesmo em caso de sonambulismo, dopagem, etc.
PARTE 03 – RESULTADO
14. RESULTADO DO CRIME
O resultado é a modificação natural provocada pela conduta, não bastando esta para que o crime se configure, mas também é necessária a figura do resultado do crime, a ele ligando-se uma relação de causalidade.
Exemplos: é a morte da vítima, no homicídio; destruição, inutilização ou deterioração da coisa, no dano; etc.
Porém, a lei prevê crimes em que o resultado não pode ser qualificado como uma modificação no mundo exterior, a exemplo da injúria oral, ato obsceno, violação de domicílio, etc. No entanto, a lei admite, em seu art.13 do código penal, que a existência do crime depende do resultado.
O resultado, nesse contexto, é uma lesão ou perigo de lesão a um interesse protegido por lei penal.
Segundo Damásio de Jesus, o resultado pode ser físico (dano, etc), fisiológico (lesão, morte), ou psicológico (temor na ameaça, sentimento na injúria, etc).
PARTE 04 – RELAÇÃO CAUSAL
15. NEXO DE CAUSALIDADE
Para haver fato típico, é necessário ainda haver um nexo de causalidade entre a conduta e o resultado.
Considera-se o Processo Hipotética de Eliminação, onde excluem-se da causa efetiva (concausa), as causas ou fatos que não deram efetividade ao resultado. Retira todas as condutas, acontecimentos e agentes que não tem relação com o resultado.
Toda causa que interferir direta ou indiretamente na execução do resultado é relevante ao nexo causal, sendo causa as condutas dos agentes humanos e a concausa é a causa efetiva, humana ou natural, que de fato causou o resultado.
As causas efetivas, reais, ou concausa; com relação à causa, podem ser:
a) Absolutamente independentes: causa e concausa não possuem relação nenhuma. O agente da causa não responde pelo seu resultado. Exemplo: uma pessoa envenenada morre em decorrência de um desabamento de concreto. O envenenador não será indiciado por homicídio, mas somente por tentativa de homicídio, procedendo-se à devida coleta de provas.
b) Relativamente Independentes: o agente da causa dele responder pelo resultado, da mesma forma que se fosse sua conduta a real causadora da morte. Exemplo: pessoa sofre lesão corporal e em morre decorrência de complicações cirúrgicas aleatórias à lesão. O agente que o lesionou deve responder por homicídio, mesmo sendo a sua lesão apenas causa indireta à sua morte.
Com relação à momentaneidade da concausa em relação à causa, há três opções:
I – Concausa Preexistente: a causa real ou efetiva do crime (concausa), já se encontrava antes da conduta criminosa do agente. Exemplo: a hemofilia numa pessoa que recebeu um tiro no pé e não morre em decorrência do crime, mas sim das complicações hemofílicas. O tiro no pé é a causa, sem a qual a concausa, a hemofilia, não determinaria o resultado.
II – Concausa Concomitante: a causa e a concausa acontecem ao mesmo tempo. Exemplo: na hora de um tiro, a vítima sofre infarto; ou numa piscina uma pessoa tendo AVC recebe um “caldo” e morre.
III – Concausa Superveniente: a causa vem primeiro, a concausa vem depois. Exemplo: uma ambulância bate levando acidentados e todos morrem.
Nos resultados condicionados diretamente por Caso Fortuito ou Força Maior, ou seja, que um destes elementos se configura como concausa, a pessoa que causou a causa indireta só será punida se sua conduta anterior for considerada crime. Exemplo: professora expulsa aluno da sala de aula, e ele vem a morrer por desabamento de muro de concreto, involuntário. Ela não será punida, pois sua conduta anterior não é crime. Porém, se ela ao expulsar o aluno, fá-lo mediante ameaça ou injúria, será evidentemente indiciada.
Estudo de Caso: Linha Direta 25/10/2007 – Menina, sendo espancada para estupro, se joga da janela do apartamento ao tentar fugir, morrendo imediatamente.
Concausa: queda da janela.
Causa: Espancamento e Tentativa de Estupro.
Momento da Concausa: superveniente.
Natureza da Concausa: relativamente independente.
Agente responde por: homicídio.
PARTE 05 – CRIMES DOLOSOS, CULPOSOS E MISTOS
16. CRIMES DOLOSOS
São Aqueles em que a conduta é realizada mediante vontade do agente e sua consciência de que tal conduta cominará num crime. Pode ser também realizada por finalidade contrária ao resultado atingido, porém com consentimento, assentimento de resultado.
Diz o art.18, I, do Código Penal: “Diz-se o crime doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu um risco de produzi-lo”.
Diferenciam-se aí as duas espécies de crimes dolosos: de dolo direto e de dolo indireto ou eventual.
Dolo Direto refere-se ao crime cometido por agente que quer o resultado, com finalidade de obtê-lo.
Dolo Indireto ou Dolo Eventual, a vontade do agente não está dirigida para cometer o crime e obter o resultado tipificado, o que ele quer é algo diverso; mas com suas condutas assume o resultado que está por vir, consentindo com o crime que possa cometer.
Como exemplo de Dolo Eventual, temos: o agente que pratica a “roleta russa” com amigos para testar a sorte deles e acaba por matar um dos seus amigos; uma possível morte em acidentes de “racha”; dirigir em alta velocidade e matar alguém, numa colisão ou atropelamento; matar uma mulher devido aos fortes apertos imobilizadores com a intenção de estupro; etc.
Nos crimes praticados com dolo genérico, o agente comete a conduta ilícita do núcleo do tipo. Por exemplo: matar alguém (art.121), subtrair coisa alheia (art.155).
Nos crimes praticados com dolo específico, o agente, além de cometer o ato ilícito do núcleo do tipo, comete ainda uma finalidade especial, designada restritivamente nas linhas do artigo. Nestes exemplos, o agente só será punido se cometer com o específico dolo. Não há que se falar em crime de abandono de menor por motivo de ocultar a desonra própria (art.134), se a razão do abandono não foi para ocultar desonra própria.
A quantidade da pena não varia segundo a espécie de dolo, como diz no art.18, I; porém o juiz tem a discricionariedade de julgar cada caso como lhe parecer sensato, podendo levar em consideração a espécie de dolo.
17. CRIMES CULPOSOS
Tem-se conceituado na doutrina o crime culposo como a conduta voluntária (ação ou omissão) que produz resultados antijurídicos não queridos, mas previsíveis (ou eventualmente previsto), que podia, com a devida atenção, ser evitado.
Características do Crime Culposo:
a) Realização da conduta;
b) Inobservância do dever de cuidado objetivo;
c) Resultado lesivo involuntário;
d) Previsibilidade;
e) Tipicidade.
O que importa no crime culposo não é o fim do agente, que é normalmente lícito, mas o modo e a forma imprópria e desvalorosa com que atua.
Psicologicamente, um elemento importante e quase sempre presente na conduta culposa é o excesso de confiança de que a ação não vai causar dano a bens jurídicos alheios.
A forma imprópria com que age, o descuidado em seus movimentos, deve ser considerado crime culposo quando a forma correta e atenciosa de agir for exigível e que o resultado seja previsível. Portanto, sonambulismo, desmaio, hipnose, não podem ser motivo suficiente para considerar o agente da conduta um criminoso.
As modalidades de culpa são três, podendo estar simultaneamente numa mesma conduta:
I – imprudência: atua-se com precipitação, afobação, inconsideração, sem cautelas, não usando de poderem inibidores. Ex: manejar arma em público; caçar em local e excursões; dirigir sem óculos quando obrigatório, com sono, etc.
II – negligência: inércia psíquica, indiferença do agente que, podendo tomar s providencias exigíveis, não o faz por displicência, preguiça mental. Ex: não colocar avisos de obras na rua; não deixar automóvel freado quando estacionado, etc.
III – imperícia: falta de conhecimentos técnicos no exercício da arte ou profissão, não tomando em consideração o que sabe ou deveria saber. Ex: médico que vai fazer uma cirurgia complicada sem devida instrução, etc.
As espécies de culpa são duas:
I – Culpa Consciente: quando o agente prevê o resultado, mas espera que não ocorra, confiando na sua habilidade e/ou sorte. Distingue-se do dolo eventual por o agente, no primeiro caso, não compactuar com o resultado, não consentir na sua realização e fazer de tudo para evitar que ocorra o fato típico. O criminoso culposo consciente diz “putz, fodeu!”, ao advir do resultado, o doloso eventual diz “foda-se”.
II – Culpa Inconsciente: existe quando o agente não prevê o resultado que é previsível, não havendo no agente conhecimento efetivo do perigo que sua conduta provoca para o bem alheio.
Compensação de Culpas:
Na área do Direito Penal, ao contrário do Direito Civil, as culpas não se compensam. Ou seja, se tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo atuam com culpa, não haverá compensação, e sim, cada qual responde por seus atos. A culpa recíproca apenas atua na fixação da pena.
Concorrência de Culpas:
Caso mais de um agente atuou com culpa – imprudência, negligencia ou imperícia – produzindo um mesmo resultado, todos serão punidos por suas condutas.
Para finalizar, cumpre-se ressaltar que os crimes culposos são exceção no Direito Penal, pois os crimes são considerados, via de regra, dolosos até que se prove o contrário. No entanto, a legislação tipifica alguns casos em que a conduta é obrigatoriamente culposa.
18. CRIMES PRETERDOLOSOS ou PRETERINTENCIONAIS
São os crimes em que há uma conduta dolosa, por dirigir-se a um fim específico, e que é culposa por causar um resultado que não era objeto do crime anterior. A conduta inicial é dolosa, enquanto o resultado final dela advindo é culposo.
É a configuração do art. 19 do CP, que diz: “pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que houver causado ao menos culposamente.
O agente que comete um crime preterdoloso responde pela conduta dolosa, com um aumento de pena por agravação do resultado.
PARTE 06 – EXCLUDENTES DE FATO TÍPICO
Na realização do crime, há um caminho, um itinerário a percorrer entre o momento da idéia de sua realização até aquele em que ocorre a consumação.
19. ITER CRIMINIS
Ou fases do crime, é o caminho percorrido pelo agente da cogitação ao exaurimento. O iter criminis é composto de uma fase interna e psicológica e uma fase externa, objetiva.
1. Cogitação
2. Preparação
3. Execução
4. Consumação
5. Exaurimento
A cogitação não é punida pela lei, nem mesmo se ela for externada a terceiros. A cogitação externada à vítima se configura tipicamente como a ameaça, e é punida sim, assim como a incitação ao crime e formação da quadrilha ou bando.
Também a preparação não pode ser punida, com algumas exceções.
20. CRIMES TENTADOS
É a realização incompleta do tipo penal, do modelo descrito em lei. Há a prática de ato de execução, mas não chega o sujeito à consumação por circunstâncias independentes de sua vontade.
Não há de se falar em crime de tentativa quando se trata de crimes:
– culposos
– preterdolosos
– unissubsistentes
– omissivos puros
– habituais
A tentativa se configura como tal pela interrupção externa de ato criminoso, independente da vontade do agente, podendo ser tentativa perfeita, quando o agente comete tudo que é pretendido, mas não atinge o resultado; e tentativa imperfeita, quando é barrado por algum agente externo a não proceder todos os atos necessários ao resultado.
A tentativa não se configura uma lesão a um bem jurídico de outrem, mas sim um perigo de lesão, e deve ser punida. Pune-se a tentativa mais brandamente que se tivesse o resultado se configurado. Art. 14 do CP: “Pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços”. Quando a tentativa se aproxima da preparação do crime, diminui-se o mais próximo possível de 2/3. Quando a tentativa se aproxima ao máximo da consumação do resultado, diminui-se o mínimo possível superior a 1/3 da pena, a critério do juiz.
21. EXCLUDENTE 01: DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA
Art. 15 do CP: “O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução […] só responde pelos atos já praticados.
Nesses casos, há uma “ponte de ouro” LISZT para ao agente desistir de cometer o crime em sua completa consumação.
Difere do crime de tentativa, pois o agente desiste espontaneamente do crime e não por força externa a sua vontade. Elementos circunstanciais também não se configuram desistência voluntária.
Exemplo: agente penetra na casa da vítima sem ser convidado com animus de furtar um colar de pérolas. Acaba vendo um altar religioso e vai embora sem levar as pérolas. O agente será isentado do crime de furto, porém responderá pelo crime de violação de domicílio.
“Se o agente pode prosseguir, mas não o quer, há desistência voluntária. Se quer, mas não o pode, então há tentativa.” FRANK
22. EXCLUDENTE 02: ARREPENDIMENTO EFICAZ
Art. 15 do CP: “O agente que, voluntariamente, […] impede que o resultado se produza, só responderá pelos atos já praticados.”
Também não se constitui fato típico ou mesmo tentativa o arrependimento em que, após ter esgotado os meios de que dispunha para o crime, o agente arrepende-se e evita que o resultado ocorra.
Exemplos: tira da água pessoa a quem pretendia afogar; leva para o hospital o ferido por tiro com intenção assassina; dá antídoto à pessoa envenenada; etc.
O arrependimento eficaz depende de dois elementos: a voluntariedade do arrependimento, ou seja, não pode ser feito por coação ou recompensa; e a eficácia e o êxito do auxílio prestado na conduta de arrependimento.
Responderá o agente pelos atos já praticados e/ou já ocorridos.
23. ARREPENDIMENTO POSTERIOR
Art. 16: “ nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
Sua titulação deveria ser Reparação Voluntária do Dano, pois a palavra arrependimento em nada interfere na tipicidade, pois o arrependimento posterior continua sendo tipificado e se constitui ainda crime a ser punido.
Como o caput reforça, o crime não pode ser violento, pois se o for, não haverá como ser reparado ou restituído. Se houver reparação ou restituição da coisa no período posterior ao recebimento da denúncia ou queixa, a diminuição de pena não se lhe confere.
Para diminuição de pena, a restituição deve ser pessoal, completa e voluntária.
24. EXCLUDENTE 03: CRIME IMPOSSÍVEL
Art. 17: “não se pune a tentativa, quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.”
Não há nem tipicidade da conduta nem punição pelas ações do agente.
Ineficácia Absoluta do Meio: o meio com que se tenta proceder ao crime é inadequado, inidôneo, ineficaz para que o sujeito possa ter o resultado pretendido. Ex: atirar em alguém com o revólver desmuniciado, ou forçar alguém a beber água sem parar com intenção de matar, ou dar veneno sem efeito, ou atirar em alguém com arma de brinquedo, etc.
Impropriedade Absoluta do Objeto: o objeto a que se destina o crime é impassível de sofrer a ação criminosa. Ex: dar um tiro no peito de um homem que já se encontra morto; aplicar medidas abortivas em mulher que não está grávida, roubar vítima sem objeto de valor, etc.
25. EXCLUDENTE 04: CRIME PUTATIVO
Também não se configura crime o imaginário em que o agente supõe, por erro, que está praticando um crime, uma conduta típica, quando o fato não o é. Só existe crime na imaginação do agente.
Exemplos: homem faz conjunção carnal com sua irmã, maior e capaz, o que acha ser crime – incesto não é crime no Brasil; furto de coisa para uso momentâneo com subseqüente devolução não é crime também.
Não é propriamente um excludente, porque nunca veio a ser crime, então não há exclusão, mas a doutrina cita para diferenciar do crime impossível.
26. EXCLUDENTE 05: CRIME DE FLAGRANTE PROVOCADO
Quando um agente é induzido à prática de um crime por terceiro, muitas vezes policial, ou pela mídia, para que se efetue a prisão em flagrante. Exemplo: patrão que facilita de todas as formas possíveis para que o empregado sob suspeita caia na sua cilada e furte objetos pessoais, no intuito de pegá-lo em flagrante.
Isso não é crime típico, ou é excludente de tal. Constitui-se uma modalidade de crime impossível, pois o objeto é inapropriado, não há bem jurídico lesionado.
REFERÊNCIA PRINCIPAL
MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato. Manual de Direito Penal. Vol. I. São Paulo: Atlas. 2007.
REFERÊNCIAS SUBSIDIÁRIAS
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
PONTES, Ribeiro. Código Penal Comentado. 11.Ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000.
BASTOS JR, Edmundo José. Código Penal em Exemplos Práticos – Parte Geral. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998.
BRASIL. Código Penal. São Paulo: Saraiva, 2007
*Acadêmico de Direito da UFSC e de Administração Empresarial da UDESC/ESAG
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