Voz da experiência

Morte de jornalista: federalizar apuração

Setores da opinião pública estão pedindo a federalização das investigações destinadas a apurar o assassinato do Jornalista Décio Sá, morto a tiros no dia
vinte e três de abril passado, quando estava num bar, em São Luís, após ter deixado a redação do jornal “O Estado do Maranhão”.

A federalização da competência para julgamento dos crimes contra os direitos humanos está inserida num sistema de cooperação de competências jurisdicionais
desencadeada em determinadas situações, quando as instâncias de poder dos entes subnacionais (Estados e Distrito Federal) se revelam insuficientes para
cumprir os objetivos inscritos na Constituição Federal. (Simone Schreiber e Flávio Dino de Castro e Costa).

Aqueles que, no campo doutrinário, opõem-se ao “deslocamento de competência” afirmam que a medida seria desnecessária porque existem na Constituição
mecanismos que atenderiam os fins colimados: cooperação da Polícia Federal nas investigações; desaforamento na hipótese de suspeição sobre a imparcialidade
do júri; intervenção federal no Estado-membro. Parece-lhes que este instituto fere princípios jurídicos relevantes: o do pacto federativo; o do juiz
natural; o da legalidade; o que proíbe o pré-julgamento.

A meu ver as objeções não procedem.

A cooperação da Polícia Federal nas investigações é muito mais limitada do que o deslocamento da competência jurisdicional. O desaforamento do júri tem a
ver apenas com a suspeição em nível territorial. A intervenção federal é muito mais ampla do que o simples deslocamento de competência numa hipótese
singular. Apelar para a intervenção federal seria, simbolicamente, buscar a UTI quando o pronto-socorro é suficiente.

O deslocamento de competência não despreza o pacto federativo. Se na transgressão aos direitos humanos é o Brasil, como Estado soberano, que responde
perante as Cortes Internacionais, não pode a União quedar-se inerte diante da responsabilidade de assegurar o império interno desses direitos.

O princípio do juiz natural só é rompido quando o órgão acusador escolhe o juízo para a tramitação da causa. Na hipótese em discussão, desloca-se apenas a
competência para a Justiça Federal, que não é um tribunal de exceção.

Não me parece também que o deslocamento de competência induza a um pré-julgamento. Quando o Procurador-Geral pleiteia e o STJ defere o deslocamento de
competência, não estão eles pronunciando um juízo de culpabilidade. Estão somente reconhecendo que se encontram, em tese, diante de uma grave violação dos
direitos humanos e que o ente subnacional (Estado federado) revela-se insuficiente para o provimento judicial neutro, insuspeito, merecedor da mais
absoluta confiança da sociedade.

João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, palestrante Brasil afora e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HERKENHOFF, João Baptista. Morte de jornalista: federalizar apuração. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/voz-da-experiencia/morte-de-jornalista-federalizar-apuracao/ Acesso em: 21 nov. 2024
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