28 de Agosto é o Dia da Anistia Brasileira. A semana de 28 de agosto a 3 de setembro será destinada a palestras, eventos e celebrações que rememorem essa
importante data de nosso calendário cívico.
O Brasil, no curso de sua História, encontrou por diversas vezes o caminho da Anistia como instrumento de superação de ódios e transposição de fases
políticas marcadas por divergências profundas no interior da nacionalidade.
Há um valor ético permanente na Anistia. Anistia é tolerância, é compreensão de que uma sociedade democrática não se faz pela unanimidade mas, ao
contrário, pela divergência.
Em 28 de agosto de 1979 conquistamos, no Brasil, uma Anistia que constituiu passo importante para que ultrapassássemos o longo período de regime ditatorial
instaurado no país em 1964.
A segunda Anistia, complementar daquela, é a que ainda se pleiteia, para reparar direitos sagrados dos mortos e desaparecidos políticos e de suas
respectivas famílias.
A respeito do atual pleito das famílias dos mortos e desaparecidos políticos, parecem-me absolutamente legítimos: o direito à memória, a defesa da
sacralidade do corpo, o culto do familiar desaparecido, a certidão de óbito, o direito de saber das circunstâncias da morte, enfim o direito à verdade e ao
resgate de tudo.
Segundo a Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República. Nas relações internacionais, o Brasil rege-se pelo
princípio da prevalência dos direitos humanos. Ainda a Constituição afirma que é garantido o exercício dos cultos religiosos e que ninguém será submetido a
tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Ninguém será também privado de direitos por motivo de convicção política. São invioláveis, segundo a
Constituição, a intimidade, a vida privada, a honra. Todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse. Não são apenas
assegurados o registro civil de nascimento e a certidão de óbito. Mais que isso: esses documentos são gratuitos para os pobres.
A todo direito, está expresso em nosso ordenamento jurídico, corresponde uma ação que o assegure. Mas essa ação assecuratória de direitos é a “ultima
ratio”, ou seja, é a razão final quando não se cumprem e providenciam espontaneamente, pelas autoridades e pelos particulares, os direitos consagrados.
Todos esses princípios constitucionais e legais socorrem o apelo das famílias dos mortos e desaparecidos políticos de nosso último regime de exceção.
A lei que assegure ampla reparação humana, moral, econômica, em favor dos mortos e desaparecidos e das respectivas famílias, é o complemento da lei de
Anistia. Podemos assim afirmar que é a segunda Anistia.
Não se pleiteia a vingança, nem se alimenta o revanchismo, quando se defende a Justiça dessas reivindicações. Vingança e revanchismo a nada de construtivo
conduzem. Pleiteia-se Justiça.
Não é apagando episódios macabros da vida brasileira que se estabelece a paz e o entendimento, como se esses fatos não tivessem acontecido. A consciência
de que ocorreram é indispensável para que não se repitam.
Vamos olhar para o futuro, sim, mas não podemos olhar para o futuro, sem a consciência do passado.
O ocultamento dos lamentáveis episódios será sempre uma nódoa na História deste país. O reconhecimento deles tem um poder catártico, não apenas para as
famílias das vítimas, mas para todo o povo brasileiro.
Da mesma forma que há quatro decênios lutávamos pela Anistia, como magistrado da ativa, causando estranheza aos que não podiam compreender a dimensão de
cidadania presente no magistrado – dimensão de cidadania que a toga não cassa, mas realça e dignifica – hoje, magistrado aposentado, mais uma vez junto
minha voz à voz de todos aqueles que pleiteiam por uma consequência lógica da primeira Anistia: o pleno reconhecimento de direitos, quer aqueles que se
referem à memória de mortos e desaparecidos, quer aqueles que se endereçam às famílias dos mortos e desaparecidos.
Esta segunda Anistia vai devolver às nossas Antigonas os corpos de seus familiares.
Será Anistia para os nossos remorsos, Anistia-Esperança, Anistia-Justiça, Justiça para o reencontro. Um novo tempo que não pisoteie com audácia e
desfaçatez os mais sagrados valores de Civilização e Humanidade.
Queremos os corpos dos que lutaram por uma causa, acreditando na Justiça dessa causa. Queremos as certidões de óbito porque gente, quando morre, tem
direito a certidão. Queremos o reconhecimento de todas essas mortes e o esclarecimento de suas circunstâncias. Queremos todas as reparações.
Queremos dar efetividade, no futuro, ao grito de hoje: “Tortura nunca mais”.
João Baptista Herkenhoff, 76 anos, magistrado (aposentado), professor (em atividade) na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, palestrante por todo o
Brasil. Autor, dentre outros livros, de Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (Editora GZ, Rio de Janeiro, 2010).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
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