Li em algum lugar que Joaquim Levy é um economista fiscalista. É certo. Resta saber qual é a singularidade de um economista fiscalista. Isso quero abordar aqui.
Os economistas, junto com os profissionais do Direito, são as mãos e os braços do Estado. Eles que formatam e dão racionalidade geral à administração pública. Normalmente são os seres mais poderosos da estrutura estatal. O economista – o ministro da Fazenda (ainda que não necessariamente diplomado na matéria) – é o sujeito que administra a lei da escassez. O que vimos no Brasil é que temos dois tipos bem definidos de profissionais da economia: o desenvolvimentista, que ignora as leis econômicas fundamentais e quer driblar a lei da escassez, usando para isso a inflação, e o fiscalista, aquele que impõe a racionalidade já bastante conhecida pela ciência econômica de limitação dos meios.
Essa racionalidade consiste essencialmente na compatibilização da receita e da despesa pública, no controle do endividamento e da emissão de moeda. Basicamente os pilares de qualquer administração estatal responsável em todo o mundo: superávit primário, câmbio flutuante e metas inflacionárias.
Há ainda um terceiro tipo de economista, aquele que está fora do poder e que pode dar receitas em tese, as melhores dos manuais. Normalmente, antes de chegar ao poder, professa o Estado mínimo, cortes de despesas e redução de impostos e desenham um Estado maravilhoso, perfeitamente desinchado e desconectado da realidade política. Chamados a colaborar com o governo, tornam-se fiscalistas na mesma hora. O que é isso?
Estamos aqui diante da velha dualidade postulada por Weber, o dilema do burocrata: o suposto abismo que existe entre a ética da consciência e a ética da responsabilidade. O economista fiscalista, mais das vezes liberal na origem, sabe que o preço de ficar no poder é aceitar os limites do arranjo político, que impede a redução de despesas e, quase sempre, impõe a elevação dos impostos. Veja-se que até nos EUA podemos ver esse fenômeno com clareza ao longo do último século. Na prática, o economista delega ao governante a responsabilidade moral da escolha. O governante, que porta votos, impõe as decisões maiores, conformando-se o economista em ser mero operador subalterno do sistema, sem emitir juízos de valor.
O fiscalista vende a alma aos políticos, faz o trabalho sujo, compatibiliza a receita com a despesas e fica com fama de malvado. Organizadas as contas, vem o seguinte, frequentemente um desenvolvimentista, que acelera a despesa, sempre pensando nas próximas eleições. O ciclo se repete sempre e secularmente vimos a elevação da carga tributária para os níveis absurdos hoje observados. Joaquim Levy já ensaia elevar impostos. É um fiscalista da gema.
[Elevar preços de setores altamente oligopolizado é uma forma disfarçada de elevar impostos. Vimos agora com o setor elétrico, que praticamente já estrangulou a indústria de alumínio e de outros mercados dependentes de grande quantidade de energia. Vai estrangular agora os demais setores industriais. Fala-se que é preciso elevar os preços por conta da geração a diesel, mesmo quando vemos o preço do petróleo tenha caído à metade nos últimos meses no mercado internacional. É o pior tipo de imposto, aquele que é invisível e não entra nas estatísticas, para pagar as negociatas, os sobrepreços, a ineficiência e a falta de atualização tecnológica. E garantir os espúrios “lucros administrados”.]
Joaquim Levy recomeçou o ciclo de ajustes para cima. Até quando será assim? Até quando a vida prática deixar de funcionar porque o governo simplesmente impede que as pessoas possam ter um meio de vida honesto e não intermediado pelo setor público. Não sei qual é o limite. Dizem que na Suécia a carga tributária já supera 50% do PIB. Os prognósticos são sombrios.
Quem viver verá.
www.nivaldocordeiro.net – 13/01/2015